SOCIEDADE BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA - SOBRATI PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM TERAPIA INTENSIVA SÍLVIA MARIA DE CARVALHO FARIAS URGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS RELACIONADAS AO USO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NO SETOR DE PRONTO ATENDIMENTO SÃO PAULO 2013 SÍLVIA MARIA DE CARVALHO FARIAS URGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS RELACIONADAS AO USO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NO SETOR DE PRONTO ATENDIMENTO Dissertação apresentada à Banca Examinador do Programa de Pós-Graduação Profissionalizante da Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva como requisito para obtenção do título de Mestre em Terapia Intensiva. ORIENTADORES: Dr. Douglas Ferrari Dr. Rodrigo Tadine SÃO PAULO 2013 SÍLVIA MARIA DE CARVALHO FARIAS URGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS RELACIONADAS AO USO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NO SETOR DE PRONTO ATENDIMENTO Dissertação submetida à banca examinadora como requisito para obtenção do título de Mestre em Terapia Intensiva, no Programa de Pós-Graduação Profissionalizante da Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva. Orientadores Nome do Professor DR. Douglas Ferrari Nome do Professor DR. Rodrigo Tadine Data: _____________ De acordo: ___________________________. Data: _____________ De acordo: ___________________________. Professor Convidado Nome do Professor _________________________ Data: _____________ De acordo: ___________________________. SÃO PAULO 2013 RESUMO Trata-se de um estudo de cunho bibliográfico com o objetivo de nortear o acolhimento e humanizar o tratamento de urgência ao usuário de álcool e outras drogas. A amostra constituiu-se de 27 referências dentre elas Leis, Portarias do Ministério da Saúde, artigos científicos, tese de mestrado, notícias do mundo científico e livros pessoais. As intoxicações e Síndromes de Abstinências pelo uso de drogas psicoativas sejam elas lícitas ou ilícitas, são frequentes nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e Pronto-socorro (PS). Portanto as equipes de socorristas devem estar preparadas para o atendimento e encaminhamento das pessoas com sofrimento ou transtorno mental decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Consequentemente a equipe deve ter ciência da Reforma Psiquiátrica, da rede de referência e contrarreferência que norteará a continuidade do tratamento e a reinserção do usuário de álcool e/ou outras drogas na sociedade. Palavras-chave: Urgência, Politicas Públicas de Saúde. Reabilitação Psicossocial, Álcool, Drogas, ABSTRACT This is a bibliographical study with the objective of guiding the host and humanize the treatment of urgency to the user of alcohol and other drugs. The sample consisted of 27 references among them Laws, Ordinances of the Ministry of Health, scientific papers, master thesis, scientific world news and personal books. Intoxication and abstinence syndromes by use of psychoactive drugs, whether legal or illegal, are common in Emergency Care Units (ECU) and Emergency room (ER). So teams rescuers should be prepared to care and referral of people with mental distress or disorder arising from the use of alcohol and other drugs. Therefore the team must be aware of the Psychiatric Reform, network reference and counter that will guide further treatment and rehabilitation from alcohol and/or other drugs in society. Keywords: Urgency, Psychosocial Rehabilitation, Alcohol, Drugs, Public Policy for Health. INTRODUÇÃO As substâncias psicoativas, que têm potencial para viciar os usuários, são alvo de preocupação da sociedade brasileira devido ao aumento considerável de seu consumo nas últimas duas décadas (Laranjeiras, 2003). As drogas constituem uma prevalência em nossa sociedade. Algumas, as chamadas lícitas ─ álcool, cafeína e nicotina ─ são aceitas naturalmente no meio social. A sociedade desenvolveu inclusive uma relativa tolerância a um abuso ocasional dessas drogas (TOWNSEND, 2002). O termo droga origina-se da palavra droog, que significa folha seca. Hoje a medicina define droga como qualquer substância psicoativa capaz de modificar a função dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento (CEBRID, 2010). Essas substâncias agem sobre o psiquismo como calmantes, como estimulantes ou como perturbadores psíquicos. Elas, portanto, agem diretamente no Sistema Nervoso Central (SNC) humano e são classificadas como Depressores (psicolépticos), Estimulantes (psicoanalépticos, noanalépticos, timolépticos) e Perturbadores (psicoticomiméticos, psicodélicos, alucinógenos, psicometamórficos). A tabela abaixo demonstra as principais substâncias psicoativas usadas de maneira abusiva (CEBRID, 2010). Tabela 1 - Classificação das substâncias psicoativas: DEPRESSORES (SNC) ESTIMULANTES (SNC) Álcool Anorexígenos: principal droga (anfetamina): dietilpropriona, fenproporex, etc... Soníferos ou hipnóticos: barbitúricos, alguns benzodiazepínicos Cocaína THC (da Maconha) Ansiolíticos: diazepam, lorazepam, etc... Cracck Psilocibina (certos cogumelos) Opiáceos ou narcóticos: morfina, heroína, codeína, meperidina, etc... Merla Lirio (trombeta, zabumba ou saia branca0 Inalantes ou solventes: colas, tintas, removedores, etc. PERTURBADORES (SNC) De origem natural (reinos vegetal e funghi): Mescalina (do cacto mexicano) De origem sintética: LSD-25, Êxtase, Anticolinérgicos (Artane, Bentyl). As substâncias, que têm potencial para levar o indivíduo ao abuso, podem desencadear a autoadministração e provocar no usuário sinais e sintomas de tolerância, abstinência e compulsão para o consumo (Adams, Martin, 1996). A dependência é caracterizada por não conseguir controlar o desejo em usar uma determinada substância. Ela pode ser física e/ou psíquica. E o não uso desta determinada substância causa alguns sinais e sintomas, tais como tremor das mãos, náuseas, vômitos e delirium tremens, sensação de vazio, ansiedade, dificuldade de concentração. As situações de urgência e emergência pelo uso de álcool e outras drogas se dão pelo consumo abusivo dessas substâncias. Em consequência dessa situação, chegam à Unidade de Pronto Atendimento as seguintes situações: intoxicação, dependência e abstinência por álcool e/ou outras drogas. A portaria nº 148, de 31 de janeiro de 2012, tem como uma de suas diretrizes a oferta de suporte hospitalar para situações de urgência/emergência decorrentes do consumo ou abstinência de álcool, crack e outras drogas. Determina amparo também àqueles, oriundos da Rede de Atenção às Urgências, da Rede de Atenção Psicossocial e da Atenção Básica, acometidos por comorbidades psiquiátricas e/ou clínicas. A Política Nacional de Humanização (PNH) instituiu a Rede de Atenção Psicossocial para acolher as pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Com isso o Governo busca intensificar, ampliar e diversificar as ações orientadas para a prevenção, promoção da saúde, preservação da vida e tratamento e redução dos riscos e danos associados ao consumo de substâncias psicoativas. Propõe também ampliar para o usuário o acesso ao tratamento hospitalar, aumentando o número de leitos em hospitais gerais. O Ministério da Saúde, em consonância com a Organização Mundial de Saúde, que vem se preocupando cada vez mais com os usuários de Crack, assume o protagonismo do combate à droga, entendendo que o problema ultrapassa a esfera da saúde. Como a droga é barata, torna-se mais acessível ainda aos jovens de todas as classes sociais. Os consumidores de crack estão expostos a riscos sociais e a diversas formas de violência. Geralmente, quando os efeitos da droga diminuem no organismo da pessoa, ela sente sintomas de depressão e tem sensação de perseguição. Outros sintomas comuns são desnutrição, rachadura nos lábios, sangramento na gengiva e corrosão dos dentes; tosse, lesões respiratórias e maior risco para contrair o vírus HIV e hepatites (BRASIL, 2009). Os consumidores de álcool são associados pelo World Health Organization (2011) com graves problemas sociais, violência doméstica, negligência infantil, abuso e absenteísmo no trabalho. Segundo AMARAL & MALBERGIER (2008), 50% das mortes violentas que ocorrem nos Estados Unidos da América (EUA) são relacionadas ao uso de álcool. A World Health Organization, em 2011, notificou que 4% das mortes do mundo todo foram atribuídas ao uso do álcool. Isso traduz que o álcool mata mais que o HIV/AIDS, violência e tuberculose. Diante do acima descrito, este estudo propõe que o serviço de Urgência e Emergência em Unidade de Pronto Atendimento assuma um papel fundamentador no acolhimento e encaminhamento do usuário de álcool e outras drogas para as redes de referência do Sistema Único de Saúde, pois o serviço não deve perder essa oportunidade por se tratar de uma porta de entrada aos usuários do SUS. OBJETIVO Buscar na literatura as diretrizes de atendimento nas Redes de Urgência e Emergência que objetivam nortear o acolhimento e humanizar o tratamento de urgência ao usuário de álcool e outras drogas. MÉTODO Trata-se de um estudo de cunho bibliográfico que visa buscar na literatura as diretrizes de atendimento nas Redes de Urgência e Emergência que objetivam nortear o acolhimento e humanizar o tratamento de urgência ao usuário de álcool e outras drogas sob o prisma de seu encaminhamento para a reabilitação psicossocial. Realizou-se uma busca sistemática sobre o tema na base de dados da BIREME, utilizando os seguintes descritores: “urgência”, “reabilitação psicossocial”, “álcool”, “drogas”, “Politicas Públicas de Saúde”, estendendo a busca ao acervo pessoal dos autores do atual estudo. Assim a amostra deste estudo constituiu-se de 27 referências, dentre elas Leis, portarias do ministério, artigos científicos, notícias do mundo científico, tese de mestrado e livros pessoais. REVISÃO DA LITERATURA O Centro Brasileiro de Informações sobre drogas (CEBRID) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em parceria com a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD); aponta no II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas, realizada em 2005, que 12,5% das pessoas pesquisadas com idade entre 12 e 65 anos preenchem os critérios para a dependência de álcool e destes 75% já beberam pelo menos uma vez na vida. A estimativa de dependentes de álcool na região Nordeste chega a 14%. Com relação à maconha, nas 108 cidades brasileiras pesquisadas, o uso foi de 8,8%. A região Sudeste atingiu 10,3% de pessoas que usaram pelo menos uma vez na vida, apresentando inclusive maior prevalência de uso de maconha 1,4% (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas, 2006). O uso de Merla foi de 1% na região Norte e de cocaína 2,9% em todo o Brasil. O crack, até 2006, foi de 1,5% nas 108 cidades brasileiras. Em contrapartida, o uso de solventes chega a 6,1%, prevalente superior à aferida na Colômbia (1,4%) e Espanha em torno de 4% (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas, 2006). Dados relacionados ao uso de substâncias psicoativas são datados desde antes de Cristo. Isso não quer dizer que o problema deva ser banalizado. Estudo financiado pela Universidade de Harvard concluiu que das dez doenças mais incapacitantes cinco são de natureza psiquiátrica: depressão, alcoolismo, transtorno obsessivo compulsivo, transtorno afetivo bipolar e esquizofrenia. Sobre a carga global dessas doenças, a estimativa é a de que o álcool seria responsável por 1,5% de todas as mortes do mundo, bem como 2,5% do total de anos vividos com alguma incapacidade (Ministério da Saúde, 2003). Em 2003 o Ministério da Saúde, preocupado com a crescente onda e demanda de usuários de álcool e outras drogas, formulou uma Politica Nacional Especifica para Álcool e Drogas, que assumiu o desafio de prevenir, tratar e reabilitar os usuários, segundo a Lei 10.216/01, iniciando assim a Reforma Psiquiátrica Brasileira. A Lei 10.216/01 é considerada o marco legal da Reforma Psiquiátrica no Brasil, reorganizando os serviços de referência em saúde mental. Do hospício Pedro II, criado em 1852 no Rio de Janeiro, ao Primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), em 1986 na cidade de São Paulo, foi uma longa luta. No entanto a porta de entrada para as urgências relacionadas à psiquiatria e ao uso de álcool e outras drogas não abrigam profissionais capacitados para lidar com esse tipo de população, perderam a referência para encaminhá-los. Antes encaminhavam-se os pacientes para algum hospital psiquiátrico. E com a reforma psiquiátrica, que estabeleceu a desospitalização/desinstitucionalização, para onde encaminhá-los? No processo saúde-doença muitos da equipe de saúde ainda têm um preconceito relacionado ao usuário de substâncias psicoativas. Alguns não conseguem relacionar a dependência e o vicio à doença. Na Classificação Internacional de Doenças (CID) de F.10 à F. 19; existe uma Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, pontuados com transtornos mentais pelo uso de álcool e outras drogas. Em 2006 foi sancionada a Lei 11.343 que suprimiu a pena de prisão aos usuários de álcool e outras drogas. Reconhecer no consumidor de drogas um não criminoso foi um avanço para o tratamento dos indivíduos que sofrem com a dependência. Segundo PRATES, 2011; as intoxicações e Síndromes de Abstinências pelo uso de drogas psicoativas, sejam elas lícitas ou ilícitas, são frequentes nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e Pronto-socorro (PS). Cinquenta por cento são de baixo risco, porém a outra metade pode evoluir para uma complicação aguda grave nos diversos sistemas corpóreos (nervoso, endócrino, cardiovascular, hematológico, digestivo) e até mesmo para o risco de morte. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS A grande maioria dos usuários de álcool e outras drogas é diagnosticada como dependente químico. Os sinais e sintomas que definem a dependência química traduzem um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos, consequentes do uso repetido de uma substância psicoativa, associada ao desejo intenso de se consumir esta substância. Apesar de ter ciência das consequências danosas que a droga possa lhe trazer, o usuário não domina sua vontade de consumi-la mais e mais. Saber lidar com a urgência física palpável não é problema para a equipe de saúde, difícil para ela é lidar com o estigma e o preconceito. O estigma é uma marca física, tribal ou social. No que se refere ao usuário de substancias psicoativas, esta marca é social, “lá vem aquele cachaceiro de novo” ou “ele é maconheiro mesmo, a família não aguenta mais”. Preconceito é uma atitude discriminatória contra pessoas por serem quem são ou pelo gosto e estilo de vida que escolheram. Mas, quando se escolhe a profissão de saúde para seguir, realiza-se um juramento de atender a todos que precisarem de cuidados. E assim preconceito, discriminação e estigma não devem fazer parte do vocabulário do profissional de saúde. Atualmente é difícil saber quem terá um dependente químico na família, tal a magnitude demográfica que a droga atingiu. A equipe de saúde de PS, PA e UPAs devem estar preparadas para o atendimento e encaminhamento das pessoas com sofrimento ou transtorno mental decorrentes do uso de álcool e outras drogas para dar continuidade a tratamento iniciado. Para isso é necessário ter no seu âmbito de atuação um sistema efetivo de acolhimento, classificação de risco e cuidado aos usuários de substâncias psicoativas. Tabela 2 - Principais sintomas e motivos de internação por uso de álcool e/ou outras drogas no pronto atendimento. (LARANJEIRAS E CREMESP, 2003) ÁLCOOL CRACK/COCAÍNA ÓPIO ANFETAMINAS Ataxia overdose (pode causar rabdomiólise e morte súbita) Overdose (inconsciência, miose, bradicardia, depressão respiratória, convulsão, coma) Overdose (hipertermia, convulsão, hipertensão, colapso cardiovascular Sudorese Arritmias cardiacas rinorréia Fissura intensa Taquicardia Hipertensão miose Agitação Hipertensão Acidente vascular cerebral Fissura Ansiedade Agitação psicomotora Convulsões Ansiedade severa Tentativa de suicídio Cefaléia Embolia pulmonar Midriase Humor depressivo Delirium Hipoglicemia Espasmos Midriase Alucinações visuais, táteis ou auditivas Hipocalemia Dor muscular por abstinência Edema pulmonar Convulsões Hipertermia Perturbações da Pressão arterial Hipertermia maligna Vômitos prolongados Taquicardia Diarréia Hematemese Taquipnéia Piloereção Auto e heteroagressividade Distúrbios metabólicos Blackouts Tabela 3 - Tratamento farmacológico (LARANJEIRAS E CREMESP, 2003) ALCOOL CRACK/COCAÍNA ÓPIO ANFETAMINAS Analise qualitativa (semiologia do aparelho respiratório e cardíaco, sinais de injeção EV, miose...), exames laboratoriais emergentes Benzodiazepínicos de ação curta Tiamina (Intramuscular) Diazepan Diazepam Haloperidol naloxona Oxigênio Flumazenil (lanexat) Midazolan Naltrexona (para paciente sem uso de ópio há 10 dias) Fenitoina haloperidol Nitroglicerina ácido acetil salicilico Dantrolene sódico Fenitoina 100mg Fenitoina 100mg resfriamento Nifedipina (contra indicada se cocaína por via oral) Furosemida e manitol Carvão ativado em acidentes com invólucro de cocaína Consequentemente a equipe deve ter ciência da Reforma Psiquiátrica implementada na Lei 10216/2001. Potencializar a interlocução entre os serviços da Atenção Básica, CAPS e a rede de atenção às urgências. A intersetoriedade deverá ser articulada assim como a interdisciplinaridade já o é. Corroborando este pensamento, dar norte aos usuários de álcool e outras drogas, pesquisas vêm demonstrando que a coocorrência do uso de substancias e desordem mental fazem com que existam baixas taxas no que se refere ao término e continuidade do tratamento, (Compton et al., 2003; Weisner et al., 2003). Com isso conhecer a rede de referência e contrarreferência para os usuários de álcool e outras drogas humanizará o cuidado, afinal cuidar é antes de tudo encontrar-se com. Encontrar-se com o outro “paciente” é perceber por traz do outro uma história, um sonho, uma família. É saber reconhecer o outro como sujeito, sujeito de sua história, com suas crenças, descrenças, valores, saberes, sabores, dessabores, desejos, sonhos, renúncias e expectativas. Compreender o processo saúde-doença, na lógica do paciente com transtorno mental pelo uso de álcool e outras drogas, guiará as ações no campo da prevenção, do tratamento e da inclusão social. O manejo psiquiátrico é a base que se deve seguir para os pacientes com transtornos psiquiátricos relacionados ao uso abusivo de substâncias psicoativas. Tratar a intoxicação, a crise de abstinência, manter o vinculo terapêutico, prevenir recaídas, reduzir morbidade e sequelas dos transtornos é muito importante. Envolver a família na abordagem psicoterápica fará com que o paciente se sinta mais confortável e confiante na sua recuperação. Os gastos com o tratamento para a recuperação dos usuários de álcool e/ou outras drogas na rede privada chega a vinte (20) mil reais por seis meses nas clínicas mais modestas. Em fevereiro de 2012, o Ministro Interino do Estado de Saúde Mozart Júlio Tabosa Sales assina a Portaria nº 148 que dita o valor das diárias em Hospital que atende pelo SUS. O cálculo de custeio anual dos leitos de atenção a pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades de saúde decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas foi o seguinte R$ 300,00 (trezentos reais) por dia até o 7º dia de internação; R$ 100,00 (cem reais) por dia do 8º ao 15º dia de internação; e R$ 57,00 (cinquenta e sete reais) por dia a partir do 16º dia de internação. O Ministério da Saúde Alexandre Padilha com o objetivo de aumentar a Rede de Atenção Psicossocial repassou cinquenta milhões de reais para a construção de novas redes de atendimento vinte e quatro horas e de Unidades de Acolhimento. Esse investimento deve garantir os direitos a moradia, educação e convivência familiar e social. Fluxograma de referência para atendimento aos usuários de álcool e outras drogas (SENAD, S/A) Suporte psicossocial Vulnerabilidade psicológico / social Desintoxicação Cuidados contínuos da ESF Leve / grave Internamento Psiquiátrico em Hospital Albergamento terapêutico Cuidados clínicos de comorbidades CAPS AD ESF Consultórios de Rua Urgências CAPS Emergências e Gerais CAPS AD COMUNIDADE EM GERAL Emergência Psiquiátrica A rede de referência e contrarreferência em saúde mental fica assim constituída: na Atenção Básica, Unidade Básica de Saúde, Equipes de Atenção Básica para populações em situações específicas, Equipe de Consultório na Rua, Equipe de apoio aos serviços do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório, Centro de Convivência e Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF); na Atenção Psicossocial Especializada, CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS AD, CAPS AD III, CAPS i. Cada um desses Centros de Atenção Psicossocial dá assistência a uma parcela da população usuária de álcool e outras drogas. Seguem abaixo os grupos atendidos: a) CAPS I: atende a pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e também com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas de todas as faixas etárias; indicado para municípios com população acima de 20.000 habitantes; b) CAPS II: atende a pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, podendo também atender as com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, conforme a organização da rede de saúde local; indicado para municípios com população acima de 70.000 habitantes. c) CAPS III: atende a pessoas com transtornos mentais graves e persistentes. Proporciona serviços de atenção contínua, com funcionamento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana, ofertando retaguarda clínica e acolhimento noturno a outros serviços de saúde mental, inclusive CAPS Ad; indicado para municípios ou regiões com população acima de 200.000 habitantes. d) CAPS AD: atende a adultos ou crianças e adolescentes, considerando as normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Serviço de saúde mental aberto e de caráter comunitário, indicado para municípios ou regiões com população acima de 70.000 habitantes. e) CAPS AD III: atende a adultos ou crianças e adolescentes, considerando as normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com necessidades de cuidados clínicos contínuos. Serviço com no máximo 12 leitos para observação e monitoramento, de funcionamento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana; indicado para municípios ou regiões com população acima de 200.000 habitantes. f) CAPS i: atende crianças e adolescentes com transtornos mentais graves e persistentes e os que fazem uso de crack, álcool e outras drogas. Serviço aberto e de caráter comunitário indicado para municípios ou regiões com população acima de 150.000 habitantes. Essas redes de referência estão pactuadas nas atividades de reinserção social do usuário ou do dependente de drogas e respectivos familiares, aquelas direcionadas para sua integração ou reintegração em redes sociais (Lei 11343/2006). Corroborando o pensamento da Política Pública de Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde do Brasil, os estudos de (Barrera et al., 1993; Frauenglass et al., 1997; Johnson e Pandina, 1991; McDonald e Towberman, 1993; Neaigus et al., 1994; Newcomb, 1997; Wills et al., 1992) documentaram que o suporte social pode atuar como um fator protetor para o uso de drogas. Com relação ao aspecto clínico, pesquisadores da Yale University, desde 1998, vêm trabalhando numa vacina anticocaína. A vacina age diretamente no sistema imune do corpo, é constituída por um segmento do vírus, comum do resfriado, e uma partícula que imita a cocaína. A revista Molecular Therapy, em janeiro de 2011, publicou artigo dos professores de medicina genética da Universidade de Cornel, Ronald Crystal e Jim Janda, informando que a vacina anticocaína está pronta para testes em seres humanos. Thomas Kosten, Doutor de Psiquiatria e Neurociência da Baylor College of Medicine, foi o principal pesquisador da primeira fase da vacina anticocaína em Yale há quinze anos, trabalha no aperfeiçoamento dos efeitos da cocaína. O ensaio clínico dirigido por Kosten foi realizado com 15 dependentes de cocaína, 58 dos quais receberam a vacina e 57 foram tratados com placebo. No grupo controle, o consumo da droga caiu e algumas pessoas deixaram de usá-la. CONCLUSÃO As Políticas Públicas de Saúde Brasileira objetivam a reabilitação psicossocial do usuário de álcool e outras drogas. O que leva o indivíduo à iniciação e à manutenção do uso de substâncias psicoativas é muito complexo e merece estudos de investigação deste fenômeno. O entendimento de como se dá a evolução do uso de drogas norteará as ações de prevenção, de tratamento e da inclusão social. De acordo com esse pensamento, o mundo cientifico está trabalhando na busca do tratamento que reverta o quadro de dependência. Um bom exemplo é a vacina anticocaína. A rede de referência e contrarreferência são recursos qualitativos que a equipe de saúde, que se encontra na porta de entrada do cuidado, precisa conhecer. Entendendo que porta de entrada do cuidado aos usuários de álcool e outras drogas são os PS, PA e UPAs, o atual estudo é de relevância para a equipe socorrista, pois a reversão do quadro clínico do usuário de álcool e outras drogas pode propiciar-lhe a chance de ser reinserido na sociedade, elevando sua condição de doente e dependente químico para a de cidadão. O reconhecimento do outro como cidadão é essencial àqueles que escolheram o cuidar como profissão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Adams IB, Martin BR. Cannabis: pharmacology and toxicology in animals and humans. Addiction 1996; 91:1585-614. 2. Amaral RA, Malbergier A. Effectiveness of the CAGE questionnaire gammaglutamytrnaferase and mean corpuscular volume of red blood cells as markes for alcohol related problems in the work place. Addictive Behaviors. 2008;33:772-78. 3. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas/Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, secretaria de Atenção a Saúde, CN-DST/AIDS. – 1º ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2003. 4. Barrera, M.; Jr.; Chassin, l.; Rogosch, F. - Effects of social support and conflict on adolescent children of alcoholic and nonalcoholic fathers. Journal of Personality and Social Psychology, 64: 602-612, 1993. 5. Carlini, E.A.; Galduróz, J.C.F.; Noto, A.R.; Nappo, S.A. - II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas no Brasil: Estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país – 2005. Brasília. Secretaria Nacional Antidrogas, 2007, p. 472. 6. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas Universidade Federal de São Paulo. CEBRID. II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas no Brasil: Estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país – 2005. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina; 2006. 7. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas Universidade Federal de São Paulo. CEBRID. Livreto informativo sobre drogas psicotrópicas. 5ª ed; 2010. Disponível para consulta no endereço eletrônico: <http://www.obid.senad.gov.br>. 8. Classificação Internacional de Doenças. (CID-10). Psiqweb-portal de psiquiatria. [homepage na Internet]. Disponível em http://virtualsy.locawebi.com.br/cid.php?ltr=E 9. Compton, W.I.; Cottler, L.B.; Jacobs, J.L.; Bem-Abdallah, A.; Spitznagel, E.L. - The role of psychiatric disorders in predicting drug dependence treatment outcomes. Am J Psychiatry 160: 890-895, 2003. 10. Frauenglass, S.; Routh, D.K.; Pantin, H.M.; Mason, C.A. - Family support decreases influence of deviant peers on Hispanic adolescents substance use. Journal of Clinical Child Psychology 26: 15-23, 1997. 11. Johnson, V.; Pandina, R.J. - Effects of the family environment on adolescent substance use, delinquency, and coping styles. American Journal on Alcohol Abuse 17: 71-88, 1991. 12. Laranjeiras R. Usuários de substâncias psicoativas: abordagem, diagnóstico e tratamento. 2ª ed. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do estado de São Paulo/ Associação Médica Brasileira; 2003. 120 p. 13. Laranjeiras; R., Dunn; J., Araújo; M. R. Álcool e drogas na clínica médica. 65p. (UNIAD) Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas, Departamento de Psiquiatria, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPMUNIFESP) Disponível em: http://www.uniad.org.br/desenvolvimento/images/stories/publicacoes/texto/Alcool%2 0e%20drogas%20na%20clinica%20medica.pdf. Acesso em 30/04/2013. 14. Lei 10.216/01. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10216.htm. 15. LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm 16. McDonald, R.M.; Towberman, D.B. - Psychosocial correlates of adolescent grug involvement. Adolescence 28: 925-936, 1993. 17. Ministério da Saúde. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2004 18. Neiagus, A.; Friedman, S.; Curtis, R.; Des Jarlais, D.; Furst, R.; Jose, B.; Mota, P.; Stephenson, B.; Sufian, M.; Ward, T. - The relevance of grug injectors sexual and risk networks for understanding and preventing HIV infection. Social Science and Medicine 38: 67-78, 1994. 19. Newcomb, M.D - Psychosocial predictors and consequences of drug use: A developmental perspective within a prospective study. Journal of Addictive Diseases 16: 51-89, 1997. 20. Ministério da Saúde. Brasil. Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas no Sistema Único de Saúde – SUS (PEAD 2009-2010). [homepage na internet] 2010 jun [atualizado 2010] Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt1190_04_06_2009.html 21. PORTARIA Nº 148, DE 31 DE JANEIRO DE 2012. Disponível em: http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/gm/111988-148.html 22. Prates J. G. A representação social dos enfermeiros de serviços de urgência e emergência acerca da assistência aos usuários de álcool e outras drogas. 152 p. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 23. Vacine Could Help Humans KicK Cocaine Habit. Livescience Staff. 05 january 2011. Available in: <http://www.livescience.com/10408-vaccine-humans-kickcocainehabit.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+ Livesciencecom+%28LiveScience.com+Science+Headline+Feed%29&utm_content= Google+Reader> 24. Weisner, C.; Matzger, H.; Kaskutas, L.A. - How important is treatment? Oneyear outcomes of treated and untreated alcohol dependent individuals. Addiction 98: 901-911, 2003. 25. Wills, T.A.; Vaccaro, D.; McNamara, G. - The role of life events, family support, and competence in adolescent substance use: A test of vulnerability and protective factors. American Journal of Community Psychology 20: 349-374, 1992. 26. Wosiack, L. S. M. Vacina Anti Crack e Cocaína: Um caminho pra cura? Disponível em: http://wosiack.wordpress.com/2012/04/21/vacina-anti-crack-e- cocaina-um-caminho-pra-cura-informativo/ 27. Townsend MC. Psychiatric Mental Health Nursing: Concepts of Care. 3ª ed. Guanabara Koogan; 2002. 835p.