1 O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CIDADÃO NA

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1 O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CIDADÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
1.1 Cidadania
A discussão sobre o ônus de pagar tributos no Estado Brasileiro, que se afigura na
Constituição de 1988, em um Estado de Direito com características fiscal e social, na perspectiva da
concretização dos direitos fundamentais, leva necessariamente à compreensão do conceito de
cidadania.
A cidadania é um processo em constante desenvolvimento, cuja história está intimamente
ligada à história dos direitos humanos, nasce das lutas das gentes para a afirmação de valores éticos,
como a liberdade, a dignidade e a igualdade de todos os homens indistintamente.
Ser cidadão é ter consciência de que é sujeito de direitos. Direitos à vida, à liberdade, à
propriedade, à igualdade, enfim, direitos civis, políticos e sociais. No entanto, este é um dos lados da
moeda. Cidadania pressupõe também deveres. O cidadão deve reconhecer suas responsabilidades
enquanto parte integrante de um imenso e complexo organismo que é a coletividade, a nação, o
Estado, para cujo êxito, todos devem dar sua parcela de contribuição.
A abordagem do conceito de cidadania foi realizada por Thomas H. Marshall, em sua obra
“Cidadania e classe social”. Inicia a construção do moderno conceito de cidadania e contribui para
compreensão da dimensão histórica e para a prática da cidadania na modernidade.
Define, com base na história da Inglaterra, três níveis de direitos de cidadania, seguindo uma
ordem cronológica: inicia no século XVIII com a formação dos direitos civis, que conferem aos
indivíduos os direitos à vida, à segurança, à integridade física, à propriedade. Esses são direitos
básicos que constituem a base dos direitos políticos e sociais. No século XIX têm-se os direitos
políticos, que refletem os direitos dos cidadãos de participar do poder político. Finalmente, os direitos
sociais no século XX, que consistem no direito à educação, saúde, segurança, aposentadoria,
moradia.
O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual –
liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade
e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. [...] Por elemento político se deve
entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de
um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de
tal organismo. [...] O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um
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mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo,
na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que
prevalecem na sociedade (MARSHALL, 1967, p. 63-64).
Na visão de Marshall a separação dos direitos civis, políticos e sociais resultou do duplo
processo de evolução institucional, de um lado o processo de fusão de instituições no plano
geográfico (substituição de instituições de caráter local por instituições de caráter nacional); de outro
lado, um processo de separação de instituições no plano funcional (substituição de instituições
multifuncionais por instituições de caráter especializado). Compreende como instituições os
tribunais, que garantiam os direitos civis, as assembléias legislativas, locais e nacionais que tomavam
as decisões políticas e os serviços sociais dos executivos que garantiam o acesso à educação e o
mínimo de saúde.
Portanto, a conquista dos direitos depende de um processo em escala, observado ao longo
dos tempos na evolução natural da cidadania. No início a noção de cidadania se limitava às
liberdades locais para com o tempo se nacionalizar.
O objetivo primordial de Marshall consiste em dimensionar o impacto da cidadania na
desigualdade social. Examina as relações entre classe social e cidadania e a evolução dos direitos do
cidadão frente às desigualdades inerentes às sociedades de classes.
Para Marshall a cidadania é um estatuto concedido aos membros de pleno direito de
determinada comunidade. Os beneficiários desse estatuto são iguais em direitos e obrigações. Por
outro lado, a classe social é um sistema de desigualdades que, assim como a cidadania pode
fundamentar-se num corpo de ideais, crenças e valores.
A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma
comunidade. Todos aqueles que possuem status são iguais com respeito aos direitos
e obrigações pertinentes ao status. Não há nenhum princípio universal que determine
o que estes direitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é
uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em
relação à qual o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode ser
dirigida.
A classe social é um sistema de desigualdade. E esta também, como a cidadania
pode estar baseada num conjunto de ideais, crenças e valores. É, portanto,
compreensível que se espere que o impacto da cidadania sobre a classe social
tomasse a forma de um conflito entre princípios opostos (MARSHALL, 1967, p.76).
Dessa forma, seguindo os ensinamentos de Marshall a cidadania é baseada no princípio da
igualdade, enquanto o sistema de classe capitalista é alicerçado na desigualdade. O florescimento da
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cidadania ocorre simultaneamente com o desenvolvimento do capitalismo, e no século XX a
cidadania e o sistema de classe capitalista estão em confronto.
Para Marshall, apesar do conceito de cidadania trazer implícito o princípio de igualdade,
esse confronto não ocorre no início do desenvolvimento da cidadania. Explica que nesta fase os
direitos compreendidos no conceito de cidadania se compunham dos direitos civis e, portanto, não
conflitavam com as desigualdades inerentes ao sistema capitalista, pelo contrário os direitos civis
eram indispensáveis e necessários à implantação do capitalismo. Somente o homem livre poderia
participar do mercado, tanto como comprador, tanto como vendedor da força de trabalho (1967, p.
79).
Nesta sociedade capitalista, a igualdade implícita no conceito de cidadania, compreendida
num primeiro momento pelos direitos civis e políticos, teve pouca influência sobre a desigualdade
social.
Ressalta Marshall que a pregada igualdade enfrentava obstáculos como os de ordem
subjetiva – vinculados aos preconceitos de classe – e os de ordem objetiva – representados pela
própria desigualdade material, de bens e recursos. Esses dois obstáculos constrangiam a existência de
uma plena cidadania. “A igualdade perante a lei não existia. O direito lá estava, mas o remédio
jurídico estava, muitas vezes, fora do alcance do individuo (1967, p. 80).
A teoria de Marshal defende que as desigualdades sociais não decorrem das falhas nos
direitos civis, mas da quase inexistência dos direitos sociais em meados do século XIX. Afirma que
os direitos sociais são indispensáveis para uma sociedade, que, apesar de hierárquica, necessita
amenizar as desigualdades e as tensões oriundas do sistema de classe. O crescente interesse pela
igualdade foi se desenvolvendo como um princípio de justiça social e uma consciência de que não
bastava o reconhecimento formal de uma capacidade igual quanto aos direitos.
Marshal inova ao incorporar os direitos sociais como parte constitutiva da cidadania. São os
direitos sociais que dão uma dimensão concreta e moderna à cidadania e o Estado tem especial
destaque na concretização desses direitos. A educação, a imparcialidade, os serviços médicohospitalares, o lazer, entre outros elementos do direito social, afirmam a cidadania. Dentre esses
elementos a educação se destaca, uma vez que proporciona a igualdade de oportunidades, eliminando
privilégios hereditários, permitindo a mobilidade social e o respeito aos justos direitos.
Se se invoca a cidadania em defesa dos direitos, as obrigações correspondentes da
cidadania não podem ser ignoradas. Estas não exigem que um indivíduo sacrifique
sua liberdade individual ou se submeta, sem motivo, a qualquer exigência feita pelo
Governo. Mas exigem que seus atos sejam inspirados por um senso real de
responsabilidade para com o bem-estar da comunidade (1967, p. 104).
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Nos estudos sobre a noção de cidadania os ensinamentos de Jean Jacques Rousseau
destacam a cidadania exercida na participação civil da população nos negócios públicos nas questões
relativas à coletividade. Para ele o objetivo da cidadania era exaltar os direitos do homem em
sociedade, decidindo sobre fatos referentes à coletividade.
Diante do problema da desigualdade humana, na teoria contratualista, que objetiva a
manutenção da justiça, Rousseau afirma que o papel do Estado e da sociedade é garantir os valores
fundamentais da igualdade e liberdade de todos, permitindo aos homens expressar a vontade comum.
Para ele não é possível liberdade sem igualdade e as leis que se originam de um contexto de
desigualdade somente servem para manter a injustiça.
O pacto social, defendido por Rousseau, é a única forma de garantir às pessoas a conquista
da liberdade, concretiza a vontade geral como a única forma legítima para a comunidade viver a
experiência da cidadania conforme os preceitos da liberdade.
Há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. Esta se
prende somente ao interesse comum; a outra ao interesse privado e não passa de uma
soma das vontades particulares. Quando se retiram, porém, dessas mesmas vontades
os a-mais e os a-menos que nela se destroem mutuamente, resta, como soma das
diferenças, a vontade geral (ROUSSEAU, 1973, p. 52-53).
Dessa forma Rousseau conclui que “o pacto social estabelece entre os cidadãos uma tal
igualdade que eles se comprometem todos nas mesmas condições e de todos gozar dos mesmos
direitos” (1973, p. 56).
A Declaração francesa de 1789, representou a emancipação histórica do indivíduo mas,
segundo José Afonso da Silva ainda separou os direitos do "Homem" e do "Cidadão". ‘Direitos do
Homem’, que significava o conjunto dos direitos individuais considerados individualistas com a
finalidade social de servir aos indivíduos e ‘Direitos do Cidadão’, conjunto dos direitos políticos de
votar e ser votado, como institutos essenciais à democracia representativa. Assim descreve:
A idéia de representação, que está na base no conceito de democracia representativa,
é que produz a primeira manifestação da cidadania que qualifica os participantes da
vida do Estado – o cidadão, indivíduo dotado do direito de votar e ser votado –,
oposta à idéia de vassalagem tanto quanto a de soberania aparece em oposição à de
suserania. Mas, ainda assim, nos primeiros tempos do Estado Liberal, o discurso
jurídico reduzia a cidadania ao conjunto daqueles que adquiriam os direitos políticos.
Então, o cidadão era somente aquela pessoa que integrasse o corpo eleitoral. Era uma
cidadania "censitária", porque era atributo apenas de quem possuísse certos bens ou
rendas (SILVA, 1991, p.139).
Seguindo um conceito mais moderno sobre o fenômeno cidadania Nabais descreve:
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Ora bem, a cidadania pode ser definida como a qualidade dos indivíduos que
enquanto membros activos e passivos de um estado-nação, são titulares ou
destinatários de um determinado número de direitos e deveres universais e, por
conseguinte, detentores de um específico nível de igualdade. Uma noção de
cidadania, em que, como é fácil de ver, encontramos três elementos constitutivos, a
saber : 1) a titularidade de um determinado número de direitos e deveres numa
sociedade específica; 2) a pertença a uma determinada comunidade política
(normalmente o estado), em geral vinculada à idéia de nacionalidade; e 3) a
possibilidade de contribuir para a vida pública dessa comunidade através da sua
participação (2007, p. 190).
A cidadania implica em igualdade de todos os membros de uma comunidade, concretizada
em direitos e deveres universais.
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1.2 Direito humanos e direitos fundamentais
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948, inicia um processo de
internacionalização dos direitos humanos e passa a considerar como cidadãos todos aqueles que
habitam o âmbito da soberania de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos (civis e
políticos; sociais, econômicos e culturais) e também deveres.
Após mais de meio século da proclamação da Declaração Universal de 1948 vive-se na era
internacional dos direitos. Uma crescente evolução na identidade de propósitos entre o Direito
Interno e o Direito Internacional, no que respeita à proteção dos direitos humanos que passaram,
então, a transcender os interesses exclusivos dos Estados. Os indivíduos, a partir de então, foram
instituídos de sujeitos de direito internacional, dotados de mecanismos processuais eficazes para
garantia dos seus direitos internacionalmente protegidos.
A partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o Direito Internacional dos Direitos
Humanos, efetivamente, se consolida. Nascidos dos horrores da era Hitler, e da resposta às
atrocidades cometidas a milhões de pessoas durante o nazismo, os acordos internacionais de proteção
aos direitos da pessoa humana criam obrigações e responsabilidades para os Estados no que diz
respeito às pessoas sujeitas à sua jurisdição.
Libertando-se dos clássicos paradigmas existentes e rompendo a distinção rígida existente
entre Direito Público e Direito Privado, o Direito Internacional dos Direitos Humanos passa a
afirmar-se como um novo ramo do direito, dotado de autonomia, princípios e especificidade próprios,
cuja finalidade é a de assegurar, concomitantemente, a proteção do ser humano, nos planos nacional e
internacional.
O conceito de Direitos Humanos, como ramo independente da ciência jurídica, paradigma
ético a orientar a ordem internacional é recente, se comparado com os tradicionais ramos de Direito
Civil e Direito Penal, firmando-se com o processo de reconstrução dos direitos humanos, cujo marco
principal foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948.
Nesse sentido Piovesan:
Esta concepção é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos,
que constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a partir do
pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores contidos durante o nazismo.
Apresentado o Estado como o grande violador de direitos humanos, a era Hitler foi
marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana [...] O
legado do nazismo foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a condição de
sujeito de direitos, à pertinência a determinada raça – a raça pura ariana. No dizer de
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Ignacy Sachs, o século XX foi marcado por duas guerras mundiais e pelo horror
absoluto do genocídio concebido como projeto político e industrial.
É neste cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos direitos humanos,
como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea.
Se a 2ª Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria
significar a sua reconstrução.
Neste sentido, em 10 de dezembro de 1948, é aprovada a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, como marco maior do processo de reconstrução dos direitos
humanos. Introduz ela a concepção contemporânea de direitos humanos,
caracterizada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos (1997, [s.p]).
Foi nesse panorama que com a Declaração Universal de 1948, firmou-se, então, a concepção
contemporânea de direitos humanos, fundada no duplo pilar baseado na universalidade e
indivisibilidade desses direitos, deixando claro que não há direitos civis e políticos sem direitos
sociais, econômicos e culturais, ou seja, não há liberdade sem igualdade. Da mesma forma, não há
igualdade sem a plena e eficaz proteção da liberdade.
O processo de desenvolvimento dos direitos humanos, assim, opera-se em constante
cumulação, acontecendo no tempo vários direitos que mutuamente substituem-se consoante a
concepção contemporânea desses direitos, fundada na sua universalidade, indivisibilidade e
interdependência.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, com o objetivo de instaurar a democracia no país
e de institucionalizar os direitos humanos, faz como que uma revolução na ordem jurídica nacional,
passando a ser o marco fundamental da abertura do Estado brasileiro ao regime democrático e à
normatividade internacional de proteção dos direitos e garantias constitucionalmente protegidos.
A Constituição de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadão e cidadania aferindo
um mínimo de direitos fundamentais que devem se impor, obrigatoriamente, à ação dos poderes
públicos.
O cidadão torna-se, então, o indivíduo a quem a Constituição atribui direitos e garantias –
individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais –, além do poder de efetivo exercício, de meios
processuais eficientes contra a violação de seu gozo ou fruição por parte do Poder Público, bem como
deveres, delineando assim o estatuto constitucional do indivíduo.
Para melhor entendimento do processo de desenvolvimento dos direitos humanos é
necessária a elaboração de conceitos e classificações, que como será observado não é uma tarefa
fácil, diante da gama de autores e da diversidade sobre o assunto, sendo indispensável, ainda,
diferenciar direitos humanos de direitos fundamentais, já que tais conceitos não podem ser
entendidos como sinônimos.
A expressão direitos humanos relaciona-se com os documentos de direito internacional, vez
que se referem às posições jurídicas que reconhecem o ser humano como tal, sem se prender à
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determinada ordem constitucional de um Estado, sendo assim, válidos universalmente e tendo caráter
supranacional. Por outro lado, os direitos fundamentais são direitos, do ser humano, reconhecidos e
positivados na ordem jurídica de um determinado Estado.
Os direitos humanos na tradicional doutrina germânica são abrigados sob a denominação
“direitos fundamentais da pessoa humana” ou simplesmente “direitos fundamentais”. Nas palavras de
Pérez Luño:
La expresión ha alcazado luego especial relieve en Alemania, donde bajo el título de
los Grundrechte se ha articulado el sistema de relaciones entre el individuo y el
Estado, en cuanto fundamento de todo el orden jurídico-político. Este es su sentido
en la Grundgesetz de Bonn de 1949. De ahí que gran parte de la doctrina entienda
que los derechos fundamentais son aquellos derechos humanos positivizados en las
constituciones estatales. Es más, para algún autor los derechos fundamentales serían
aquellos principios que resumen la concepción del mundo (Weltanschauung) y que
informan la ideología política de cada ordenamiento jurídico (2003, p. 30-31).
Para José Joaquim Gomes Canotilho:
Os direitos fundamentais serão estudados enquanto direitos jurídicos-positivamente
vigentes numa ordem constitucional. Como iremos ver o local exato desta
positivação jurídica é a constituição. A positivação de direitos fundamentais significa
a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e
“inalienáveis” do individuo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário
assinalar-lhes a dimensão de fundamental Rigths colocados no lugar primeiro das
fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os direitos
do homem são esperanças, aspirações, idéias, impulsos, ou, até, por vezes, mera
retórica política, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e
princípios) de direitos constitucional (Grundrechtsnormen) (1998, p. 347).
Sarlet ressalta que é relevante a clarificação da distinção entre as expressões “Direitos
Fundamentais” e “Direitos Humanos”, no entanto, não há dúvidas de que os direitos fundamentais, de
certa forma, são também sempre direitos humanos, no sentido de que seu titular sempre será o ser
humano, ainda que representado por entes coletivos (2007, p. 35).
Importante lembrar que a Constituição Brasileira de 1988, apesar de utilizar diversos termos
ao referir-se aos direitos fundamentais, como por exemplo, direitos humanos (art. 4º, inc.II) ou
direitos e garantias individuais (art.60, parágrafo 4º), parece dar preferência ao termo Direitos
Fundamentais para designar o rol de Direitos Humanos por ela expressamente reconhecidos, uma vez
que faz uso desse termo para nomear o Título II – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.
Para Oscar Vilhena Vieira:
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A Constituição de 1988 incorporou esta terminologia para designar sua generosa
carta de direitos. Embora incorporados pelo direito positivo, os direitos fundamentais
continuam a partilhar de uma série de características com o universo moral dos
direitos da pessoa humana. Sua principal distinção é a positividade, ou seja, o
reconhecimento por uma ordem constitucional em vigor (2006, p. 36).
Nas palavras de Raimundo Panikkar, citado por César Augusto Baldi em Arquivos de
Direitos Humanos:
Na verdade, os Direitos Humanos surgem como um elemento corretivo dos antigos
direitos excludentes de brancos, fiéis, ricos, brâmanes e outros, sem querer, com isso
tocar em privilégios legítimos, no sentido tradicional da palavra. A Declaração de
Direitos Humanos deve ser considerada, pelo menos em suas intenções, como uma
declaração de validade universal. Dizer que os Direitos Humanos não são universais
equivaleria a dizer que eles não são humanos; eles deixariam de ser Direitos
Humanos. A novidade da Declaração reside precisamente aqui, na afirmação de que
todo ser humano, pelo simples fato de ser, tem direitos inalienáveis que todos devem
respeitar. Nesse sentido, podemos ter aqui algo particularmente singular e
revolucionário na Declaração dos Direitos Humanos. Nesse caso, há de fato o lado
positivo do indivíduo frente à pessoa. Cada ser humano, em sua individualidade,
pelo simples fato de ter nascido, tem dignidade e direitos iguais a qualquer outro.
Não será o seu lugar na sociedade, o grau de civilização, ou seus dotes intelectuais,
morais ou religiosos que irão comprá-los [...] Dessa perspectiva, a afirmação de sua
universalidade encontrou uma base sólida (2005, p.169).
Para Norberto Bobbio “[...] os direitos humanos são coisas desejáveis, isto é, fins que
merecem ser perseguidos, e de que, apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles (por
toda a parte e em igual medida) reconhecidos [...]” (1992b, p. 16).
Antonio Enrique Perez Luño, após ressaltar a dificuldade em definir o que significa a
expressão direitos humanos quer pela significação heterogênea dessa expressão na teoria e na praxis
quer pela falta de precisão da maioria das definições sobre essa expressão, assim se expressa:
[...] los derechos humanos aparecen como un conjunto de facultades e instituciones
que, en cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la liberdad
y la igualdad humanas, las cuales debe ser reconocidas positivamente por los
ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional (2003, p.48).
Ainda, nas palavras de Bobbio:
[...] os direitos do homem são direitos históricos, que emergem gradualmente das
lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das
condições de vida que essas lutas produzem. [...] Sabemos hoje que também os
direitos humanos são o produto não da natureza, mas da civilização humana;
enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação
e de ampliação (1992b, p. 32).
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Das considerações acima, verifica-se que conceituar os direitos humanos de forma sucinta
não só é problemático, como implicaria numa restrição desses direitos, haja vista que constantemente
se mostram mutáveis, conforme as exigências do contexto social num determinado momento.
Assim o termo direitos humanos pode ser compreendido como um conjunto
institucionalizado de direitos e garantias do ser humano com a finalidade primordial de respeito a sua
dignidade, protegendo contra o abuso de poder do Estado, estabelecendo condições mínimas de vida,
desenvolvimento da personalidade humana e permitindo a participação política.
Esses direitos são fundados em característica histórica (criados em um contexto histórico e,
posteriormente, quando colocados na Constituição, se tornam direitos fundamentais); imprescritível
(não se perdem com o passar do tempo); irrenunciável (não podem ser renunciados de forma
alguma), universal (dirigidos ao ser humano em geral, não podendo ficar restrito a um grupo,
categoria ou classe de pessoas); efetivo e concorrente (é possível o exercício de vários direitos
fundamentais ao mesmo tempo).
Sendo um dos principais indicadores do progresso histórico, os direitos humanos foram se
ampliando e ganhando novas formas de positivação conforme o transcorrer da história (BOBBIO,
2002, p. 2).
Considerando-se os direitos humanos como produtos da história, nascidos de lutas pela
preservação da liberdade e pela implementação da igualdade, suas possibilidades estão sempre em
aberto, bastando dizer respeito à natureza humana e sua capacidade de expansão e realização.
Ainda, de acordo com Bobbio, os direitos humanos, do ponto de vista teórico, são direitos
históricos, surgindo com a evolução da sociedade e como resposta às suas necessidades, não
aparecendo todos ao mesmo tempo, sendo, portanto, resultado de uma transformação controlada por
fatores sociais, políticos e econômicos (2002, p. 5).
1.3 Classificação dos direito humanos
Para fins didáticos e em decorrência dessa evolução histórica, os direitos humanos foram
classificados nas chamadas dimensões ou gerações de direitos humanos.
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Neste contexto, marcado por uma verdadeira mutação histórica dos direitos humanos, fala-se
atualmente na existência de três dimensões de direitos humanos, havendo autores que defendem a
existência de uma quarta e até mesmo de uma quinta e sexta dimensão.
Importante ressaltar que os direitos humanos, desde os chamados direitos de primeira
dimensão, não apenas se sucedem, mas se ampliam, se acumulam e se fortalecem, e que a visão a
respeito desses direitos não deve ser compartimentada e fragmentária, mas sim uma visão
necessariamente integral tendente à plena afirmação e realização de todos eles.
IngoWolfgang Sarlet neste sentido pronuncia:
Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tãosomente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza
complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua
unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo
especial, na esfera do moderno “Direito Internacional dos Direitos Humanos” (2007,
p. 53).
Dentre as classificações dimensionais dos direitos humanos que encontramos na literatura,
abordaremos as principais características de cada uma delas, em busca de compreender a evolução
histórica dos direitos fundamentais, bem como o conteúdo, a importância e as funções desses direitos
na atualidade.
Nesse estudo daremos preferência ao termo “Dimensões” dos direitos humanos, que de
acordo com Sarlet, é a posição da mais moderna doutrina, haja vista que a expressão “Gerações”
pode levar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra. Note-se que o termo
“Gerações” é utilizado por autores respeitados como Norberto Bobbio, Flávia Piovesan, Paulo
Bonavides, Celso Lafer, dentre outros. Já o autor José Casalta Nabais dá preferência ao termo
“Camadas” (2007, p. 52).
Os direitos humanos de primeira dimensão são direitos de liberdades (ou liberdades), frutos
do pensamento liberal-burguês do século XVIII e próprio do Estado Liberal. Encontram-se suas
origens na doutrina iluminista e jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, oriundas de grandes
filósofos como Hobbes, Locke, Rousseau e Kant, segundo a qual, a finalidade precípua do Estado
consiste na realização da liberdade do indivíduo, bem como nas revoluções políticas do final do
século XVIII, que foram decisivas para positivação das reivindicações da burguesia nas primeiras
Constituições do mundo ocidental (SARLET, 2007, p. 54).
Celso Lafer, ao analisar a afirmação política-jurídica dos direitos humanos na História, em
sua obra “A Reconstrução dos Direitos Humanos”, recorre à distinção entre a perspectiva ex parte
populi (dos submetidos ao poder) e a perspectiva ex parte principis (dos que detêm o poder), como
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uma dicotomia importante para o tema dos direitos humanos. A perspectiva ex parte populi, que tem
sua origem na lógica da modernidade, afirma a existência de direitos naturais, que antecedem a
sociedade política, voltados para a proteção da liberdade, sendo, portanto, os direitos humanos
colocados como uma “conquista política a serviço dos governados”. A perspectiva ex parte principis,
em relação aos direitos humanos, norteia-se pela governabilidade, baseada numa “ética de
responsabilidade” e na escolha de quais direitos humanos podem ser tutelados, conforme os recursos
disponíveis e a necessidade de evitar, com a discórdia excessiva, a separação da unidade do poder
(2006, p. 125).
Lafer, continuando sua análise, afirma, ainda, que essa interação entre governantes e
governados, que precede as Revoluções Americana e Francesa, traz num primeiro momento o
surgimento e a afirmação dos direitos do indivíduo frente ao Estado absolutista. Representavam, pelo
reconhecimento da liberdade religiosa e de opinião dos indivíduos, a emancipação do poder político
do poder religioso, e pelo reconhecimento da liberdade de iniciativa econômica a emancipação dos
indivíduos do jugo e do arbítrio do poder político.
Os direitos humanos da Declaração de Virgínia e da Declaração Francesa de 1789
são, neste sentido, direitos humanos de primeira geração, que se baseiam numa clara
demarcação entre Estado e não-Estado, fundamentada no contratualismo de
inspiração individualista. São vistos como direitos inerentes ao indivíduo e tidos
como direitos naturais, uma vez que precedem o contrato social (LAFER, 2006,
p.126).
Nessa fase histórica, foram formuladas diversas Declarações de Direito que contribuíram
para o surgimento e afirmação dos direitos humanos, entre as quais sobressai a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, na França, por ter sido “[...] reputada como universalista
posto que os direitos fundamentais, por ela consagrados, não eram dotados de limitação espacial,
considerando-se válidos para toda a humanidade [...]” (MORAES, 1997, p. 50).
Nesse sentido temos a célebre afirmação de Émile Boutmy, citada por Moraes: “Foi para
ensinar o mundo que os franceses escreveram, foi para o proveito e comodidade de seus concidadãos
que os americanos redigiram suas Declarações” (1997, p. 43).
Os direitos de primeira dimensão são direitos de liberdade, direitos de resistência ou de
oposição dos indivíduos frente ao Estado, que delimitam os limites de ação do Estado Liberal. Desta
forma “entram na categoria do status negativus da classificação de Jellinek e fazem também ressaltar
na ordem dos valores políticos a nítida separação entre a Sociedade e o Estado” (BONAVIDES,
2002, p. 517).
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Estão no rol desses direitos os clássicos direitos que compõem a esfera individual, ou seja, o
direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. São, posteriormente,
complementados pelas liberdades de expressão coletivas (liberdades de expressão, imprensa,
manifestação, reunião, associação, etc), e pelos direitos de participação política, tais como o direito
de voto e a capacidade eleitoral passiva, em suma, representam os chamados direitos civis e políticos
(SARLET, 2007, p. 54).
A origem e desenvolvimento dos direitos de segunda dimensão devem ser atribuídos à
evolução lógica e natural da própria ordem social decorrente da industrialização no final do século
XIX e da crítica ao Estado liberal. Esses direitos nasceram abraçados ao princípio da igualdade, que é
a razão das suas próprias existências, e dominaram o século XX (BONAVIDES, 2002, p. 518).
Neste sentido, Sarlet:
O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a
acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal
de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no
decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o
reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo
na realização da justiça Social (2007, p. 54).
A segunda dimensão de direitos fundamentais equivale aos direitos sociais, culturais e
econômicos bem como os direitos coletivos característicos do Estado Social. Surgiram “pelas
reivindicações dos desprivilegiados a um direito de participar do ‘bem-estar social’, entendido como
os bens que os homens, através de um processo coletivo, vão acumulando no tempo” (LAFER, 2006,
p. 127).
Para Bonavides esses direitos apesar de terem sido inseridos nas constituições marxistas e da
social-democracia (de Weimar, sobretudo), passaram por um período de baixa normatividade e de
eficácia duvidosa, tendo em vista que baseados na exigência de uma contraprestação do Estado, nem
sempre foram concretizados, face à carência de meios e recursos. E acrescenta:
De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à chamada esfera
programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias
habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos da
liberdade. Atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim
parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil,
formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (2002,
p. 518).
27
Assim, os direitos sociais se caracterizam por conferirem aos indivíduos direitos a
prestações sociais estatais, tais como assistência social, saúde, trabalho, educação, entre outras e por
terem, da mesma forma que os direitos de primeira dimensão, como titularidade o indivíduo.
Desta forma, leciona Lafer:
O titular desse direito, no entanto, continua sendo, como nos direitos de primeira
geração, o homem na sua bindividualidade. Daí a complementaridade, na perspectiva
ex parte populi, entre os direitos da primeira e de segunda geração, pois estes
últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros,
eliminado ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas
(2006, p. 127).
Os direitos humanos de terceira dimensão assentam se sobre a fraternidade ou solidariedade
como prefere o filósofo Etiene-R. Mbaya, citado por Bonavides (2002, p. 522), completando a tríade
do tema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. Nasceram de novas
reivindicações decorrentes, dentre outros fatores, do avanço da tecnologia, do estado crônico de
beligerância, das atrocidades da 2ª Guerra Mundial que impuseram a necessidade de se estabelecer
uma nova ordem de direitos.
Em outras palavras, “Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao
desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade”
(BONAVIDES, 2002, p. 522).
Estes direitos não mais se referem aos indivíduos na sua singularidade, como os direitos de
primeira e segunda dimensão, mas sim a grupos humanos como a família, o povo, a nação,
coletividades regionais ou étnicas e a própria humanidade, caracterizando como direitos de
titularidade coletiva ou difusa (LAFER, 2006, p. 131).
Dentre os direitos fundamentais de terceira dimensão, consensualmente mais citados,
cumpre relacionar os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio
ambiente e à qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio
histórico e cultural e ao direito de comunicação (BONAVIDES, 2002, p. 523).
Os direitos da terceira dimensão são também denominados de direitos de solidariedade ou
fraternidade pela sua natureza internacional, já que a sua plena concretização não se realiza dentro do
quadro nacional, mas passa necessariamente pela cooperação da comunidade internacional ou ao
menos regional (NABAIS, 2007, p. 105).
Esses direitos, em processo de desenvolvimento no plano internacional, enunciados em
sucessivas reuniões da ONU e da UNESCO, englobam:
28
- direito à paz – previsto no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, adotado pela
Assembléia Geral das Nações Unidas em 1966 e na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
Povos, adotada pela décima-oitava Conferência dos Chefes de Estado e de Governo dos Estados
Africanos membros da Organização de Unidade Africana a 26 de Junho de 1981;
- direito à autodeterminação dos povos – apontado no art. 1º, § 2º e art. 55 da Carta das
Nações Unidas assinada na cidade de São Francisco em 26-06-1945, no Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos em seu art.1º e na Carta Africana em seu art.20;
- direito à comunicação – objeto de manifestações da UNESCO como a declaração
proclamada em 28-11-1978 na vigésima reunião da Conferência Geral da organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e à Cultura, celebrada em Paris, sobre os princípios fundamentais
relativos à contribuição dos meios de comunicação de massa para fortalecimento da paz e da
compreensão dos direitos humanos.
- direito ao meio ambiente – previsto na Declaração de Estocolmo de 1972 e na Declaração
do Rio de Janeiro de1992;
Así, tras la reseñada Conferencia Estocolmo de 1972 se decidió la creación del
Programa de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente (PNUMA), que
sucesivamente ha elaborado diversas recomendaciones, declaraciones y propuestas
sobre los principales programas medioambientales; entre las iniciativas surgidas en
el seno de la ONU debe también reseñarse el Informe Bruntland sobre “Nuestro
futuro común”auspiciado por la Asamblea General en 1987, en el que se abogada
por un desarollo sostenible, equilibrado y solidariamente comprometido con la
generaciones futuras. Asimismo ha revestido especial interés la Conferencia de Río
de janeiro de 1992, y la Declaración promovida en su seno (LUÑO, 2003, p. 474475).
- direito ao patrimônio comum da humanidade em relação ao fundo do mar e seu subsolo –
discutido na III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, convocada em 1973, para
somente em 1982 em Montego Bay, na Jamaica, após anos de difíceis negociações, firmar pela
primeira vez um conjunto de princípios e normas sobre os oceanos, que trata de temas e jurisdições
variadas.
- direito ao desenvolvimento – apontado no âmbito da ONU em 1977 pela Comissão de
Direitos Humanos, inscrito na Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais da UNESCO em
1978, na Carta Africana em vários de seus dispositivos, tendo sido consagrado posteriormente na
Declaração específica sobre direito ao desenvolvimento editada pela ONU em 1986 e na Conferência
de Viena de 1993.
O caráter de universalidade dos direitos de terceira dimensão não exclui os direitos de
liberdade, mas os fortalecem com a concretização dos direitos de fraternidade e igualdade.
29
O reconhecimento da existência de uma quarta dimensão de direitos é lecionado por Paulo
Bonavides. Sustenta que a globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização
no plano institucional, que corresponde à última fase de institucionalização do Estado Social,
introduz os diretos da quarta geração, ou seja, os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo.
“Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima
universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência”.
A democracia inserida nessa dimensão há de ser necessariamente uma democracia direta e isenta das
forças do monopólio do poder, de possível concretização, graças ao avanço da tecnologia de
comunicação e do pluralismo do sistema (2002, p. 525).
Nessa democracia o homem é o eixo do sistema e, portanto, cabe a ele, como cidadão
legitimado, a fiscalização dos direitos fundamentais enunciados nas distintas dimensões, o que
significa que “os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade
de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política”
(BONAVIDES, 2002, p. 526).
Sarlet comenta que Paulo Bonavides formula uma proposta inovadora se comparada com a
doutrina que considera os chamados “biodireitos” (direitos contra a manipulação genética, mudança
de sexo, entre outros) como direitos da quarta dimensão, já que sua proposta reconhece uma nova
fase dos direitos fundamentais qualitativamente diferente das anteriores, enquanto a outra cuida
apenas de dar nova vestimenta aos clássicos direitos de liberdade (2007, p. 59).
Por outro lado, ressalta:
Contudo, também a dimensão da globalização dos direitos fundamentais, como
formulada pelo Prof. Bonavides, longe está de obter o devido reconhecimento no
direito positivo interno [...] e internacional, não passando, por hora, de justa e
saudável esperança com relação a um futuro melhor para a humanidade, revelando,
de tal sorte, sua dimensão (ainda) eminentemente profética, embora não
necessariamente utópica [...] (SARLET, 2007, p. 59).
Conforme já ressaltado, tais dimensões dos direitos humanos não possuem uma separação
rígida entre si, e embora tenha sido feita a classificação em períodos diferenciados, essas dimensões
devem ser observadas simultaneamente, pois não há hierarquia nos direitos humanos.
Após essas considerações sobre conceito e classificação dos direitos humanos, e na medida
em que nosso estudo é prioritariamente centrado na concretização dos direitos do cidadão no Estado
brasileiro, torna-se imperativo compreender como o nosso pacto social, a Constituição de 1988,
reconheceu e acomodou esses direitos, no corpo do seu texto, conferindo lhes status de direitos
fundamentais. A partir desses elementos, será possível analisar o modo pelo qual a Constituição
30
Federal de 1988 consagra princípios e direitos fundamentais, que se irradiam por todo texto
constitucional e desempenham relevante critério de interpretação de todas as normas do ordenamento
jurídico, principalmente no Direito Tributário, na exigência do tributo.
1.4 Os Direitos Fundamentais na Constituição Federal Brasileira de1988 e seu fundamento
A expressão direitos fundamentais aponta um conjunto de direitos fundamentalmente
importantes e idênticos para todos os seres humanos, com o objetivo de assegurar a convivência
harmônica social, baseada em ideais de liberdade, fraternidade e igualdade entre todos os cidadãos da
Terra. São direitos inerentes ao cidadão e que se erguem diante do poder estatal limitando a ação do
Estado.
Ao se pronunciar a respeito dos direitos fundamentais Canotilho descreve que:
[...] as expressões ‘direitos do homem’ e ‘direitos fundamentais’ são freqüentemente
utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos
distingui-las da seguinte maneira: direito do homem são direitos válidos para todos
os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos
fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e
limitados espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria
natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos
fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica
concreta (1998, p. 359).
Os direitos fundamentais estão inseridos naquilo que o Constitucionalismo denomina de
princípios constitucionais fundamentais, pois são esses que guardam os valores fundamentais da
Ordem Jurídica, visto que onde não há Constituição não há direitos fundamentais. Dessa forma, nos
dias atuais o reconhecimento e a proteção aos direitos fundamentais encontram-se na base das
Constituições modernas democráticas.
Designa-se por constitucionalização a incorporação de direitos subjetivos do
homem em normas formalmente básicas, subtraindo-se o seu reconhecimento e
garantia à disponibilidade do legislador ordinário (Stourzh). A constitucionalização
tem como conseqüência mais notória a proteção dos direitos fundamentais mediante
o controlo jurisdicional da constitucionalidade dos actos normativos reguladores
destes direitos. Por isso e para isso, os direitos fundamentais devem ser
compreendidos, interpretados e aplicados como normas jurídicas vinculativas e não
31
como trechos ostentatórios ao jeito das grandes “declarações de direitos” (1998, p.
348).
Desde o seu preâmbulo, a Magna Carta de 1988, que representa a síntese dos valores básicos
do ordenamento jurídico-político, uma bússola a orientar a magnitude concedida aos direitos
fundamentais pelos representantes do povo, deixa claro que a finalidade da Assembléia Nacional
Constituinte é instituir um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais
e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias. (grifos nossos)
Nos termos do artigo 1º da Constituição Brasileira – A República Federativa do Brasil tem
como fundamentos: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Por seu turno, o artigo 3º da mesma Constituição
determina que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma
sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A simples transcrição destes básicos preceitos da Constituição mostra logo e de maneira
evidente a posição central que nela ocupa o reconhecimento dos direitos fundamentais como um dos
seus eixos estruturais, bem como a relevância desses direitos enquanto manifestação do estatuto
jurídico-subjetivo básico e irredutível do homem, que emergem de sua peculiar natureza e dignidade.
Infere-se ainda desses dispositivos, quão intensa é a preocupação da Constituição em
garantir os valores da dignidade, igualdade e do bem-estar da pessoa humana, como imperativo de
justiça social.
Leciona Antonio Enrique Pérez Luño:
Os valores constitucionais possuem uma tripla dimensão: a) fundamentadora –
núcleo básico e informador de todo o sistema jurídico-político; b) orientadora –
metas ou fins pré-determinados, que fazem ilegítima qualquer disposição normativa
que persiga fins distintos, ou que obstaculize a consecução daqueles fins enunciados
pelo sistema axiológico constitucional; e c) crítica – para servir de critério ou
parâmetro de valoração para a interpretação de atos ou condutas. [...] Os valores
constitucionais compõem, portanto, o contexto axiológico fundamentador ou básico
para a interpretação de todo o ordenamento jurídico; o postulado-guia para orientar a
hermenêutica teleológica e evolutiva da Constituição; e o critério para medir a
legitimidade das diversas manifestações do sistema de legalidade (2003, p. 288289).
32
Com efeito, é o valor da dignidade da pessoa humana o núcleo básico e informador de todo
ordenamento jurídico, critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e a compreensão,
não só do sistema constitucional, mas de todo sistema jurídico brasileiro.
Dentre as inovações trazidas pelo texto de 1988, uma das características que denuncia o
tratamento especial dispensado aos direitos fundamentais pela Constituição Brasileira é o seu
posicionamento no texto constitucional, ou seja, a precedência, na sistemática constitucional, dos
direitos fundamentais relativamente à ordem econômica, social e política, que, “além de traduzir
maior rigor lógico, na medida em que os direitos fundamentais constituem parâmetro hermenêutico e
valores superiores de toda a ordem constitucional e jurídica, também, vai ao encontro da melhor
tradição do constitucionalismo da esfera dos direitos fundamentais” (SARLET, 2007, p. 77).
Nesse sentido observa Moraes:
Quanto aos direitos fundamentais cuja existência normativa é impressa por normas
formalmente constitucionais, o lugar na sistematização constitucional revela a
dimensão concedida a eles e o posicionamento em face da ordem econômica, social
e política demonstra a relevância dos mesmos, dando ensejo a duas classes de
documentos constitucionais.
A primeira categoria de instrumentos constitucionais, positiva os direitos
fundamentais nos primeiros Títulos ou Capítulos, concedendo ampla dimensão a
estes e predominância em face da organização econômica, social e política do
Estado, consoante pode ser observado na Constituição brasileira, Constituição alemã,
Constituição búlgara, [....] (1997, p.122).
Os direitos fundamentais estão presentes em vários artigos da nossa Lei Maior. O artigo 5º
da Constituição trata não só de alguns direitos fundamentais, como também de algumas garantias
fundamentais dos brasileiros.
A inovação com a utilização da expressão “direitos e garantias fundamentais”, já que nas
Constituições precedentes era comum o uso da denominação “direitos e garantias individuais”,
reflete uma posição mais atual e harmônica em relação a evolução e positivação dos direitos
humanos.
Os direitos e garantias fundamentais nada mais são que enunciados de conteúdo
assecuratório, cujo propósito consiste em fornecer mecanismos ou instrumentos para a proteção,
reparação ou reingresso em eventual direito fundamental violado. São conhecidos pelo termo
“remédios jurídicos”.
Nos próprios dispositivos da Constituição é possível separar os direitos e garantias
fundamentais para uma maior facilidade de entendimento, como no caso da ‘livre expressão’ (Art. 5º,
inciso IX) que é um direito, que, por outro lado, gera o ‘direito de resposta’ (Art. 5º, inciso V) é uma
garantia; no inciso X do mesmo artigo, a ‘intimidade e honra’ são direitos, e a ‘indenização prevista’
33
é garantia; a ‘propriedade e a defesa do consumidor’ são direitos; o ‘Hábeas Corpus e Hábeas Data’
são garantias.
Ressalta-se, também, a acolhida dos direitos sociais no Capítulo II do catálogo dos direitos
fundamentais, garantindo lhes de forma incontroversa sua condição de verdadeiros direitos
fundamentais.
Segundo Flávia Piovesan:
Trata-se da primeira Constituição brasileira a integrar, na declaração de direitos, os
direitos sociais, tendo em vista que nas Constituições anteriores as normas relativas a
estes direitos encontravam-se dispersas no âmbito da ordem econômica e social, não
constando do título dedicado aos direitos e garantias. Nesta ótica, a Carta de 1988
acolhe o princípio da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, pelo
qual o valor da liberdade se conjuga ao valor da igualdade, não havendo como
divorciar os direitos de liberdade dos direitos de igualdade (1997, p. 61 e 62).
A relevância dos direitos fundamentais na ordem jurídica brasileira se verifica por meio do
extenso catálogo de direitos. Somente no art. 5º temos 77 incisos dispondo basicamente sobre direitos
civis, ou seja, direitos relativos às liberdades, à não-discriminação e ao devido processo legal
(garantias do Estado de Direito).
Alguns dos direitos relativos às liberdades são retomados a partir do art. 170, que
regulamenta nossa ordem econômica. Do art. 6º ao art. 11, por sua vez, temos direitos sociais, que
serão estendidos entre os art. 193 e 217. Neste campo, nossa Constituição reconhece como direitos
fundamentais os direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à previdência e à assistência social, entre
outros. O art. 12 articula as condições de nacionalidade, e do art. 14 ao art. 17 temos as bases para o
exercício dos direitos de cidadania política ou direitos políticos. Por fim, há, ainda, direitos ligados a
comunidades e grupos vulneráveis, como a proteção especial à criança, ao idoso, ao índio (arts. 227,
230 e 23l) ou, ainda, a proteção ao meio ambiente (art.225 da CF).
Com efeito, esse extenso catálogo faz com que a nossa Constituição de 1988 esteja em
consonância com a Declaração Universal de 1948, positivando direitos de diversas dimensões (civis,
políticos, econômicos e sociais, culturais e de grupos vulneráveis), assumindo assim, nas palavras de
Oscar Vilhena Vieira, compromisso maximizador (2006, p. 40).
Salienta-se que esse procedimento analítico do constituinte “revela certa desconfiança em
relação ao legislador infraconstitucional, além de demonstrar a intenção de salvaguardar uma série de
reivindicações e conquistas contra uma eventual erosão ou supressão pelos Poderes constituídos”
(SARLET, 2007, p. 75).
34
De outra parte, é preciso ter em mente que apesar do extenso rol dos direitos fundamentais
constantes na Constituição de 1988, ele não é taxativo. O art. 5º, parágrafo 2º do texto constitucional
determina que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”. Consagra a noção de fundamentalidade material, o que permite a
abertura da Constituição a outros direitos fundamentais não expressamente constantes de seu texto
bem como a direitos situados fora do catálogo.
Assim ensina Sarlet:
[...] à luz do direito constitucional pátrio, verifica-se, de plano, ser inviável a
sustentação, também entre nós, da concepção segundo a qual os direitos
fundamentais formam um sistema em separado e fechado no contexto da
Constituição. [...] cumpre referir que o conceito materialmente aberto de direitos
fundamentais consagrados pelo art. 5º, parágrafo 2º, da CF aponta para a existência
de direitos fundamentais positivados em outras partes do texto constitucional e até
mesmo em tratados internacionais, bem assim para a previsão expressa da
possibilidade de se reconhecer direitos não-escritos, implícitos nas normas do
catálogo dos direitos fundamentais, bem como decorrentes do regime e dos
princípios da Constituição (2007, p. 82).
Outro aspecto de fundamental importância, no que concerne aos direitos fundamentais em
nossa Carta Magna, e que na opinião de Salert seja talvez a inovação mais significativa, diz respeito
ao princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais,
nos termos do art. 5º, parágrafo 1º. Este princípio consagra, nas palavras do citado autor, “o status
diferenciado e reforçado dos direitos fundamentais na Constituição vigente”, conferindo força
normativa e regime específico a esses direitos. Sendo assim, cabe aos Poderes Legislativos,
Executivo e Judiciário outorgar a máxima e imediata eficácia a todo e qualquer preceito definidor de
direito e garantia fundamental (2007, p. 77).
Para Canotilho, o sentido fundamental desta aplicabilidade direta consiste:
Os direitos, liberdades e garantias são regras e princípios jurídicos, imediatamente
eficazes e actuais, por via directa da Constituição e não através da auctoritas
interpositio do legislador. Não são simples norma normarum mas norma normata,
isto é, não são meras normas para a produção de outras normas, mas sim normas
directamente reguladoras de relações jurídico-materiais (1998, p. 400).
Ao lado do princípio da aplicabilidade direta, que já revela a vontade constitucional de
priorizar e reforçar a imperatividade das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais
35
agrega o texto de 1988 a inclusão desses direitos no rol das “Cláusulas pétreas”, do art.60, parágrafo
4º, dispositivo que impede a revisão e a supressão desses direitos pelo legislador infraconstitucional.
Sarlet aduz:
Esta especial proteção dos direitos fundamentais é, sem dúvida, qualidade que os
distingue das demais normas constitucionais. A condição de “cláusula pétrea”, aliada
ao postulado da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art.5º, parágrafo
1º, da CF), constitui justamente elemento caracterizador essencial de sua força
jurídica reforçada na ordem constitucional (2007, p. 424).
E por último, mas não menos importante, os direitos fundamentais devem ser analisados à
luz do princípio da Unidade da Constituição.
Segundo Canotilho:
[...] o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua
globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas
constitucionais a concretizar. [...] Daí que o intérprete deva sempre considerar as
normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como
preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios (1998, p.
1097).
Desta forma, apesar da posição privilegiada ocupada pelos direitos fundamentais na
Constituição de 1988, os conflitos inevitáveis advindos da aplicação desses direitos, já que não há
hierarquia de normas constitucionais, deverão ser resolvidos por meio de mecanismo de ponderação e
harmonização desses direitos com as demais normas e princípios constitucionais.
Diante dessas considerações, pode-se afirmar que a Constituição de 1988 está em sintonia
com a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e foi elaborada centrada na idéia de
prevalência, inalienabilidade e fundamentalidade dos direitos da pessoa humana. Os direitos
fundamentais no constitucionalismo pátrio vivem seu melhor momento na história, ao menos no que
diz respeito ao seu reconhecimento pela ordem interna positiva e aos mecanismos disponíveis com
vistas a garantir a efetividade desses direitos.
Não há como olvidar, ainda, que a Constituição ao consagrar de forma analítica os direitos
sociais, econômicos e culturais quis afirmar e garantir não apenas a liberdade em abstrato, mas
também assegurar a toda comunidade os meios que lhe permitam afirmá-la e exprimi-la em concreto,
bem como responsabilizou o Estado e a sociedade pela consecução desses meios.
Neste contexto, e diante das graves violações aos direitos humanos que se perpetuam em
nossa sociedade na atualidade, há que se ressaltar que a positivação e o reconhecimento dos direitos
36
humanos na ordem interna é relevante, mas não suficiente para a construção da sociedade igualitária
e justa almejada pelo constituinte.
Assim, a seguir, analisa-se se no plano filosófico, o problema do fundamento absoluto do
direito do homem é possível explicar, como afirma Bobbio “a contradição entre a literatura que faz
apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos sem-direitos” e se tal fundamento é
relevante para a concretização dos direitos fundamentais (1992b, p. 10).
A fundamentação dos direitos inerentes ao homem é objeto de várias concepções filosóficojuridicas, que buscam por meio de diferentes teorias determinar o sentido, o significado e o alcance
dos direitos fundamentais, bem como a finalidade da pessoa humana e do Estado.
Norberto Bobbio aborda em sua obra “A era dos Direitos”, a questão do fundamento dos
direitos do homem frente ao problema do reconhecimento e da realização desses direitos. Entende
que o fundamento último seria aquele que conteria a razão e o argumento irresistível, ao qual não
seria possível a ninguém recusar a sua adesão. Os jusnaturalistas, durante séculos, acreditaram que o
fundamento absoluto dos direitos irresistíveis era a natureza humana. Esse fundamento não passou de
ilusão, e toda a busca do fundamento absoluto é, por sua vez, infundada.
Primeiramente, porque não é possível encontrar o fundamento para tais direitos, haja vista a
imprecisão da expressão “direitos do homem”. Em segundo lugar, esses direitos são variáveis,
nascem e se modificam com a mudança das condições históricas. Assim, o que é fundamental num
momento histórico e numa determinada civilização não o é em outros momentos e entre outros
povos, o que prova a inexistência de direitos fundamentais por natureza.
Continuando o autor afirma: “Além, de mal definível e variável, a classe dos direitos do
homem é também heterogênea”. São heterogêneos no sentido de garantirem pretensões diversas entre
si, e até mesmo, incompatíveis, como, por exemplo, a liberdade de expressão do artista e o direito do
público de não ser escandalizado. Desta forma, não poderia se falar de fundamento, mas de
fundamentos diversos, de acordo com o direito que se pretenda defender (1992b, p.19).
E por último, ressalta que “todas as declarações recentes dos direitos do homem
compreendem, além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também os
chamados direitos sociais, que consistem em poderes”, que são direitos antinômicos, no sentido de
que a realização integral de alguns desses direitos impedem a realização de outros, ou seja, quanto
mais poderes menos liberdades. Assim, dois direitos fundamentais, mas opostos, não podem ter, um e
outro, um mesmo fundamento que seja irresistível e inquestionável (1992b, p. 21).
Em seguida faz sua crítica ao dogma do racionalismo ético, conforme o autor segunda ilusão
do jusnaturalismo, que sustenta que a racionalidade demonstrada de um valor é condição não só
necessária, mas também suficiente, de sua realização.
37
Alega que esse dogma é facilmente desmentido. Primeiramente, porque em épocas passadas,
quando se acreditava que os direitos fundamentais derivaram da essência do homem, fundamento
absoluto para defendê-los, nem por isso foram mais respeitados e efetivados.
E ainda, porque, apesar da crise dos fundamentos dos direitos do homem, assistimos à
proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem pela maior parte dos governos
existentes. Isso significa que a falta do fundamento absoluto, não impediu que eles encontrassem
razões para firmar compromisso com a realização dos direitos nela consagrados.
No entanto, afirma o autor “uma coisa é proclamar esse direito, outra é desfrutá-lo
efetivamente”, não basta estar convencido de que a realização dos direitos do homem é uma meta
desejável, é necessário criar condições para que esses direitos se tornem realidade (BOBBIO, 1992b,
p.10).
E conclui: “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o
de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”.
1.5 Os custos dos direitos fundamentais
O desrespeito aos princípios constitucionais que expressam os valores, direitos e deveres
fundamentais a fim de permitir existência digna do cidadão na sociedade está sujeito ao
questionamento e demanda do Estado-coletividade, em nome de toda a coletividade, e ao respeito dos
direitos fundamentais.
Nesse sentido Nabais descreve:
Pelo que cada contribuinte tem simultaneamente um dever, o dever de contribuir
para a comunidade que integra, e um direito, o direito de exigir que todos os outros
membros da comunidade também contribuam para a mesma comunidade (2007, p.
192).
Seguindo essa idéia no âmbito fiscal o dever de pagar tributos não é simplesmente uma
obrigação legal de cada cidadão, mas, sim, um dever fundamental indispensável para que o Estado
possa cumprir suas tarefas mínimas perante a coletividade, respeitando assim os direitos
fundamentais de todos.
38
O Estado moderno, modo mais atual e satisfatório de organização de uma sociedade,
apresenta custos que suportam a existência e o funcionamento dessa sociedade. Nesse Estado a
relação entre o cidadão e o Estado se caracteriza pelo compromisso constitucional da realização do
interesse individual e não uma relação de subordinação. Ao Estado cabe a obrigação de proporcionar
condições para o desenvolvimento do cidadão, limitando as estruturas econômicas e sociais que
venham a impedir esse desenvolvimento.
De acordo com Nabais um Estado de Direito Democrático possui basicamente três tipos de
custos lato sensu que o suportam. São os custos ligados à própria existência e sobrevivência do
estado (dever de defesa da pátria), os ligados ao funcionamento democrático do Estado (dever de
voto), e finalmente os custos financeiros públicos (dever de pagar imposto) (2007, p.175).
Explica o autor que os custos financeiros públicos são os custos dos direitos, já que todos os
direitos “porque não são dádiva divina e nem frutos da natureza” não são auto-realizáveis, nem
podem ser protegidos verdadeiramente num Estado falido. Como descrito no início desse capítulo,
todos os direitos, sejam eles de primeira, segunda, terceira ou quarta dimensão gravitam em torno do
Estado, e todos eles geram custos à sociedade.
Desta forma, a face oculta da liberdade e dos direitos fundamentais, representada pelos
custos, exige, para a efetivação desses direitos, a participação da sociedade e a responsabilidade de
cada um individualmente. Por isso, de acordo com Nabais, “a melhor abordagem para os direitos seja
vê-los como liberdades privadas com custos públicos” (2007, p. 176).
A lição de Cass Sunstein e Stephen Holmes, contida na obra The Cost of Rights, lembrada
por Vieira, deixa claro que todos os direitos têm custos comunitários:
[...] o argumento de que os direitos civis devem ter precedência, pois não impõem
custos públicos como os direitos de natureza social, é fundado em uma falácia.
Talvez não haja direito tão caro para ser assegurado como os direitos à propriedade,
que pressupõe a existência de polícia, justiça, além de mecanismos para sua
preservação em caso de acidentes, como um corpo de bombeiros. Ou a própria
democracia, quanto custa? Assim, é equivocado falar que apenas os direitos sociais
têm custo, e os direitos civis e políticos não (2006, p. 40).
Assim, têm custos públicos não apenas os modernos direitos sociais, considerados como
direito de segunda dimensão ou direitos positivos – decorrentes do reconhecimento pelo Estado de
responsabilidade em relação ao bem-estar das pessoas – mas, também, os clássicos direitos de
liberdade, considerados como direito de primeira dimensão ou de cunho negativo.
39
Não tem, portanto, a menor sustentação, o pensamento de que a realização e a proteção dos
direitos gerais de liberdade, caracterizados, relativamente ao Estado e a particulares, por um dever de
abstenção, teriam apenas custos privados, não impondo à sociedade nenhum ônus.
Segundo Nabais, “[...] não tem a menor base real a separação tradicional entre, de um lado,
os direitos negativos, que seriam alheios a custos comunitários e, de outro lado, os direitos positivos,
que desencadeiam sobretudo custos comunitários” (2007, p. 177).
Para o autor a resposta a essa “tão duradoura ficção” se dá em razão dos custos dos direitos
sociais serem facilmente perceptíveis, são custos financeiros públicos diretos, enquanto os clássicos
direitos e liberdades apresentam custos financeiros públicos indiretos.
Os custos sociais são facilmente individualizados, já que há uma correspondência entre as
despesas públicas que concretizam esses direitos e a satisfação das necessidades individuais do
cidadão. É essa individualização que faz com que tais custos sejam facilmente visíveis tanto para a
sociedade, que os suporta, como para o titular do direito social que deles se beneficia.
Por outro lado, e conforme afirma Nabais:
[...] os custos dos clássicos direitos e liberdade se materializam em despesas do
estado com a sua realização e protecção, ou seja, em despesas com os serviços
públicos adstritos basicamente à produção de bens públicos em sentido estrito.
Despesas essas que, não obstante aproveitarem aos cidadãos na razão direta das
possibilidades de exercício desses direitos e liberdades, porque não se concretizam
em custos individualizáveis junto de cada titular, mas em custos gerais ligados à sua
realização e proteção, têm ficado na penumbra ou mesmo no esquecimento (2007,
p.177-178).
Corrobora, ainda, para o esquecimento dos custos dos direitos de liberdade o fato de que os
custos diretos, visíveis são suportados pelos titulares desses direitos e liberdades, como ocorre no
direito de propriedade, não se dando conta que na retaguarda da garantia desses direitos está toda a
estrutura do Estado.
Com efeito, há de se concluir que todos os direitos têm custos financeiros públicos, sejam
eles direitos da primeira, segunda, terceira ou quarta dimensões ou de outras que venham a surgir, e
que tais custos serão necessariamente suportados pelo Estado e este, por sua vez, deverá apresentarse da melhor forma para responder às necessidades da sociedade. Tem-se aqui então uma troca de
direitos e deveres entre sociedade e Estado e vice-versa.
Embora não devidamente revelado, os deveres fundamentais são tão antigos quanto os
direitos fundamentais. Primeiramente falava-se em deveres morais e sociais.
40
Para Jean-Jacques Rousseau “Toda justiça vem de Deus, única origem dela, e se nós a
soubéssemos receber de tão alto, não precisaríamos de leis nem de governo” e conclui “são
necessárias as convenções e leis, para unir os direitos e levar a justiça ao seu objeto” (1973, p. 59).
Com o passar do tempo e com a necessidade de regulamentação desses deveres surgiram as
leis, latu senso, que servem para estabelecer a Justiça e o governo dos homens decorrentes do
Contrato Social celebrado entre os homens livres e o Estado. As leis concedem conteúdo jurídico aos
direitos e deveres, que deixam de ser simplesmente subjetivos ou controladores de condutas em
determinado grupo social, para estabelecer o ordenamento jurídico de um Estado.
Há, sem dúvida, uma justiça universal emanada somente da razão; tal justiça, porém,
deve ser recíproca para ser admitida entre nós. Considerando-se humanamente as
coisas as leis da justiça, dada a falta de sanção natural, torna-se vãs para os homens;
só fazem o bem do mau e o mal do justo, pois este as observa com todos, sem que
ninguém as observe com ele. São, pois, necessárias convenções e leis para unir os
direitos aos deveres e conduzir a justiça ao seu objetivo. No estado de natureza, no
qual tudo é comum nada devo àqueles a quem nada prometi; só reconheço como de
outrem aquilo que me é inútil. Isso não acontece no estado civil, no qual todos os
direitos são fixados pela Lei (ROUSSEAU, 1973, p. 59-60).
A Constituição Brasileira de 1988 dedica extenso tratamento aos direitos e garantias
fundamentais, em sintonia com os demais textos constitucionais da atualidade. No entanto, o
tratamento, de modo expresso e direto, aos deveres fundamentais, é ínfimo. A expressão “deveres”
aparece uma única vez no texto constitucional, na epígrafe do Capítulo I: “dos direitos e deveres
individuais e coletivos”. Leitura superficial do texto pode levar a uma compreensão equivocada, de
que a Magna Carta não consagra deveres fundamentais.
Dos deveres fundamentais do gênero humano e da sua convivência dentro de um Estado,
pouco se fala. Os deveres fundamentais, porém, ocupam o mesmo patamar constitucional dos direitos
fundamentais. Todo cidadão identifica facilmente seus direitos perante o Estado, como direito à vida,
à liberdade, à educação. Percebe, também, alguns deveres como, por exemplo, dever de votar e pagar
tributos, porém ignora que esses deveres também são fundamentais.
Nesse sentido já na Declaração Americana dos Direitos e Deveres Humanos em seu
preâmbulo dispunha “O cumprimento do dever de cada um é exigência do direito de todos. Direitos e
deveres integram-se correlativamente em toda a atividade social e política do homem. Se os direitos
exaltam a liberdade individual, os deveres exprimem a dignidade dessa liberdade” e no seu artigo 29,
n.º 1, dispõe: “Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, pois só nela pode desenvolver livre
e plenamente a sua personalidade”, evidencia, desde logo, a co-relação imprescindível e essencial
entre os direitos e deveres fundamentais.
41
Ressalta José Casalta Nabais “o tema dos deveres fundamentais é reconhecidamente
considerado dos mais esquecidos da doutrina constitucional contemporânea” (2007, p. 197).
Para o autor duas circunstâncias históricas contribuíram para que os deveres fundamentais
fossem relegados a um segundo plano em relação dos direitos fundamentais:
- há escasso desenvolvimento teórico e dogmático das chamadas “situações jurídicas
passivas” no direito público atual, que tem como explicação a própria idéia de Estado de Direito. Na
concepção de Estado de Direito e frente a constante tensão entre o poder (dominação) e o direito
(limitação do poder) deu-se predominância à luta pelo direito. Essa primazia, quase absoluta, dos
direitos subjetivos públicos é vista como uma reação às idéias de Gerver e de Laband, segundo as
quais os direitos ou liberdades não passavam de meros reflexos do direito objetivo. Por outro lado,
tem-se que os deveres decorrem diretamente do reconhecimento dos próprios poderes públicos e,
como tal, não necessitam de afirmação específica, e seu conceito resolveria no âmbito residual do
conceito de soberania do ente político. Nota-se que no confronto entre a liberdade (individual) e a
responsabilidade (comunitária), deu-se prioridade a primeira;
- a grande maioria das atuais Constituições nasceu logo após a queda dos regimes totalitários
ou autoritários. Exemplificativamente, a Constituição Italiana de 1947, a Lei Fundamental da
Alemanha, de 1949, a Constituição Portuguesa de 1976, a Constituição Espanhola de 1978 e a
Constituição Brasileira de 1988.
Com efeito, essas Constituições, refletindo o sentimento do segundo Pós-Guerra,
dispensaram um tratamento especial aos direitos fundamentais ou aos limites constitucionais ao
poder estatal que esses representam, “deixando, por conseguinte, ao menos aparentemente, na sombra
os deveres fundamentais, esquecendo assim a responsabilidade comunitária que faz dos indivíduos
seres simultaneamente livres e responsáveis, ou seja, pessoas” (2007, p. 200).
É fundamental ressaltar que apesar de pouco conhecido e comentado os deveres
fundamentais são indispensáveis para uma convivência social, uma vez que o status de cidadania não
trouxe apenas direitos para o indivíduo e deveres para o Estado. Pelo contrário, trouxe uma recíproca
existência de direitos e deveres fundamentais, tanto para o Estado, como para o cidadão.
Não há deveres sem direitos e também não há direitos sem deveres. A efetividade e a
garantia dos direitos fundamentais reclamam o cumprimento dos deveres fundamentais. Esse
cumprimento é indispensável, seja como condição para o funcionamento do Estado, seja para prever
o exercício dos direitos, já que o exercício desses direitos requer o correspondente respeito a eles, que
se manifesta como dever.
A relação existente entre os direitos e deveres fundamentais pode ser compreendida da
seguinte forma: o homem existe como fim em si mesmo, e pelo simples fato de existir, é titular de
42
direitos fundamentais inalienáveis e irrenunciáveis, que devem ser por todos respeitados,
principalmente pelo Estado. O Homem só pode exercer a titularidade desses direitos, de modo
efetivo, dentro da comunidade estatal em que convive. Assim, cabe ao Estado proporcionar
condições para o exercício desses direitos, já que o Estado existe para servir o indivíduo, e a esse
indivíduo, como membro e beneficiário dessa comunidade, cabe colaborar para a sua manutenção.
Os deveres do indivíduo, cujos cumprimentos visam à existência e à manutenção do Estado,
são nomeados deveres fundamentais e o conteúdo desses deveres será determinado pelas formas
como o indivíduo dará a sua parcela de colaboração para a manutenção da sociedade.
Na lição de Mendonça:
Assim, os deveres fundamentais podem ser conceituados, primeiramente, como
situações jurídicas de imposição de comportamento aos indivíduos considerados
como membros da comunidade política, cujos adimplementos têm como objetivo a
existência e a manutenção da mesma comunidade; não constituem deveres do
homem enquanto homem, mas do homem perante o Estado e derivam do seu estatuto
básico, a Constituição (2006, p. 364).
No Brasil há uma corrente no sentido que os deveres decorrem dos direitos. Compartilha
desse pensamento José Afonso da Silva. Ao comentar a epígrafe “deveres individuais e coletivos”,
afirma:
Os conservadores da Constituinte clamaram mais pelos deveres que pelos direitos.
Sempre reclamaram que a Constituição só estava outorgando direitos e perguntavam
onde estariam os deveres. Postulavam, até que se introduzissem aí deveres
individuais e coletivos. Não era isso que queriam, mas uma declaração constitucional
de deveres, que se impusessem ao povo. Ora, uma Constituição não tem que fazer
declaração de deveres paralela à declaração de direitos. Os deveres decorrem destes
na medida em que cada titular de direitos individuais tem o dever de reconhecer e
respeitar igual direito do outro, bem como o dever de comportar-se, nas relações
inter-humanas, com postura democrática, compreendendo que a dignidade da pessoa
humana do próximo deve ser exaltada como a sua própria (2007, p. 63).
Nas palavras de Canotilho:
A idéia de deveres fundamentais é susceptível de ser entendida como o “outro lado”
dos direitos fundamentais. Como ao titular de um direito fundamental corresponde
um dever por parte de um outro titular, poder-se-ia dizer que o particular está
vinculado aos direitos fundamentais como destinatário de um dever fundamental.
Neste sentido, um direito fundamental, enquanto protegido, pressuporia um dever
correspondente (1998, p. 479).
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De acordo com José Casalta Nabais os deveres fundamentais, para serem compreendidos
adequadamente, devem ser considerados como uma categoria jurídica autônoma, uma vez que, são
deveres jurídicos e não o somatório de pressupostos éticos decorrentes da própria constituição ou de
simples deveres morais. E, ainda, esses deveres não constituem simplesmente um mero aspecto dos
limites dos direitos fundamentais, nem um mero aspecto de reflexos individuais de poderes estatais,
constitui, na verdade, uma categoria autônoma ao lado da dos direitos fundamentais (2007, p. 220).
Ressalte-se que essa autonomia não implica que os deveres se encontram numa situação de
eqüidistância entre os direitos fundamentais, de um lado, e os Poderes Públicos, de outro. Há de se
reconhecer que num Estado de Direito, no qual se prioriza a pessoa humana face à comunidade, a
liberdade face à autoridade, os deveres fundamentais necessariamente gravitam em torno dos direitos
fundamentais, representando assim um dos elementos que compõem o estatuto constitucional do
indivíduo, que é o estatuto que determina a posição da pessoa humana no seio do Estado.
Sintetizando a relação entre os direitos fundamentais e os deveres fundamentais:
Deste modo, os deveres fundamentais constituem uma categoria constitucional
própria, expressão imediata ou directa de valores e interesses comunitários diferentes
e contrapostos aos valores e interesses individuais, consubstanciados na figura dos
direitos fundamentais. O que não impede, e embora isto pareça paradoxal, que os
deveres fundamentais ainda integrem a matéria dos direitos fundamentais, pois que,
constituindo eles a activação e mobilização constitucional das liberdades e
patrimônio dos titulares dos direitos fundamentais para a realização do bem comum
ou do interesse público (primário), se apresenta, em certa medida, como um conceito
correlativo, contraste, delimitador do conceito de direitos fundamentais. Conceito
esse que, não obstante não se configurar como o contrapolo ou os antípodas dos
direitos fundamentais, também está orientado para a definição do estatuto
constitucional do indivíduo e, conseqüentemente, da posição proeminente que nele
ocupam os seus direitos ou status activi. Neste sentido vai, de resto, o facto de o
reconhecimento e consagração constitucional dos deveres ter por função, não apenas
estabelecer o seu fundamento jurídico, mas também limitar as intervenções dos
poderes públicos (ou outros) na esfera jurídica dos indivíduos, assim se valorizando
os aspectos garantidores da constituição; é que, um tal reconhecimento e
consagração específicos acabam por evitar que funcione uma cláusula geral de
deverosidade social que, de outro modo, poderia muito bem ser chamada a actuar.
(...) por detrás dos valores comunitários, que são função directa dos deveres
fundamentais, se encontram as pessoas humanas e a sua eminente dignidade
(NABAIS, 2007, p. 222-223).
Nabais aduz os deveres fundamentais como:
[...] os deveres fundamentais constituem uma categoria constitucional própria
colocada ao lado e correlativa dos direitos fundamentais, uma categoria que, como
corretivo da liberdade, traduz a mobilização do homem e do cidadão, para a
realização dos objetivos do bem comum. Ora, tendo isso presente, é possível falar de
um conceito de deveres fundamentais, e de um conceito material, algo paralelo ao
44
dos direitos fundamentais. Não, por certo, de um conceito com caráter absoluto ou
definitório, apoiado numa lógica forte ou bivalente, mas antes de um conceito algo
relativo ou tipológico, que se baste em dar resposta à larga maioria das situações, aos
casos regras ou casos normais.
Nesses termos, podemos definir os deveres fundamentais como deveres jurídicos do
homem e do cidadão, que por determinarem a posição fundamental do indivíduo,
têm especial significado para a comunidade e podem ser exigidos. Uma noção que,
decomposta com base num certo paralelismo com o conceito de direitos
fundamentais, nos apresenta os deveres fundamentais como posições jurídicas
passivas, autônomas, subjetivas, individuais, universais e permanentes e essenciais
(1998, p. 64).
Os deveres fundamentais podem ser considerados como a face oculta dos direitos
fundamentais, uma vez que estes são limitadores e corretivos daqueles. O fundamento desses deveres
está na Constituição, e, portanto, a base de cada dever fundamental deve estar na própria
Constituição, quer expressa quer implicitamente. Desta forma, devem ser reconhecidos, assim como
os direitos fundamentais como categorias constitucionais próprias e considerados vetores essenciais
do estatuto constitucional do indivíduo, que por sua vez é o estatuto que disciplina a posição
fundamental da pessoa humana no seio do Estado.
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2 O TRIBUTO NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
2.1 O caráter fiscal e social do Estado Democrático de Direito Brasileiro na Constituição Federal de
1988
A fiscalidade do Estado brasileiro consoante a Constituição Federal de 1988 se revela desde
o art. 1º, inciso IV, ao abrigar o trabalho e a livre iniciativa como princípios fundantes, e, ainda, ao
consagrar, no caput do art. 5º, o direito à igualdade, à liberdade, à segurança e à propriedade a todos
indistintamente.
Outras características, que evidenciam a fiscalidade do Estado, são encontradas na liberdade
do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII); na liberdade de associação
profissional ou sindical (art. 8º); nos direitos assegurados aos trabalhadores (art. 7º). Essas
características confirmam que o Estado brasileiro não é um Estado paternalista, mas um Estado que
estimula a satisfação das necessidades individuais pelos próprios particulares.
Continuando a leitura da Constituição encontra-se: no Título VI da Tributação e do
Orçamento as competências e limitações do poder de tributar; no Título VII da Ordem Econômica e
Financeira, a livre iniciativa e a valorização do trabalho (caput do art. 170) e a proibição imposta ao
Estado de explorar a atividade econômica, salvo para a garantia da segurança nacional ou de
relevante interesse coletivo (art. 173). Toda essa estrutura constitucional manifesta com intensidade o
caráter fiscal do Estado brasileiro.
Por outro lado, é importante ressaltar que a Constituição tem como princípio fundante a
dignidade da pessoa humana (art.1º, III) e como objetivos fundamentais a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e
da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos
(art. 3º e incisos). Nessa abordagem, fica claro também o caráter social do Estado brasileiro.
Por tudo, a Constituição Federal do Brasil, de 05 de outubro de 1988, revela ser o Brasil um
Estado Democrático de Direito com características Fiscal e Social.
Desta forma o Estado brasileiro assume tarefas de Estado Fiscal e Social. Para financiar as
atividades inerentes ao cumprimento de suas tarefas, necessita de dinheiro. O Estado, diferentemente
46
dos particulares, não pode obter recursos mediante uma atividade econômica, já que o Estado
brasileiro assume o caráter de Estado Fiscal.
Segundo Nabais:
[...] um estado, para cumprir as suas tarefas, tem de socorrer-se de recursos ou meios
a exigir dos seus cidadãos [...]. Por isso, a tributação não constitui, em si mesma, um
objetivo (isto é, um objetivo originário ou primário) do Estado, mas sim o meio que
possibilita a esse cumprir os seus objetivos (originários ou primários), actualmente
consubstanciados em tarefas de estado de direito e tarefas de estado social, ou seja,
em tarefas do estado de direito social (1988, p. 185).
Para entender o atual Estado brasileiro, disciplinado sob a égide da Constituição de 1988,
será analisado o tema da interação entre tributos e liberdade a partir do advento do liberalismo,
quando o tributo assumiu mais especificamente as feições atuais, ou seja, o tributo se transforma na
categoria básica da receita do Estado. Para tanto, é fundamental analisar a evolução do conceito de
liberdade do Estado Fiscal Liberal ao Estado Democrático de Direito em busca de compreender o
papel do tributo na sociedade atual.
Para Ricardo Lobo Torres “as relações entre liberdade e tributo no Estado de Direito são de
absoluta essencialidade. Não existe tributo sem liberdade, e a liberdade desaparece quando não a
garante o tributo” (1991, p. 109).
Na Antigüidade havia uma sujeição entre a liberdade e a tributação. O tributo como preço da
liberdade, da cidadania. O cidadão que cumpria com seus deveres públicos não estava sujeito à
tributação. Por outro lado, exigia-se o tributo daquele cidadão que tivesse sua liberdade privada.
Na Grécia, os tributos diretos apenas eram cobrados dos que não eram livres e dos
estrangeiros, na forma de um imposto de capitação (tributo de proteção), mas jamais
dos cidadãos livres. Atenas exibiu de suas confederadas prestações naturais, tais
como o preparo em de embarcações de guerra tripuladas, que depois foram
convertidas em prestações pecuniárias, como expressão da submissão política.
Também a Roma republicana baseava sua força financeira nas prestações dos povos
vencidos, baseando-se no direito de pilhagem e na tomada de terra. Quando, em
casos de necessidade, Roma cobrava de seus cidadãos impostos diretos (os
chamados ‘tributum’), eles eram considerados meros empréstimos de guerra, que
seriam refinanciados posteriormente por meio das pilhagens de guerra. Em síntese:
tributo como preço da falta de liberdade (SCHOUERI, p. 438).
O Estado Moderno se apresenta como Estado Financeiro, uma vez que cabem a ele as
atividades relacionadas com as finanças públicas.
47
O Estado assume esta dimensão financeira desde a extinção do feudalismo até os dias de
hoje, no qual se destacam alguns tipos: o Estado Patrimonial, o Estado de Polícia, o Estado Fiscal e o
Estado Socialista.
O Estado Patrimonial, que se desenvolveu do final do século XVII até o inicio do século
XVIII, cujas rendas eram basicamente provenientes do patrimônio do príncipe. Na base social,
persistia a relação de vassalagem, determinada pela miséria. Os camponeses permaneciam presos aos
trabalhos na gleba em troca da mínima subsistência pessoal e familiar. Não podiam liberta-se de sua
condição civil, dada a sua miséria. Mesmo assim não eram confundidos com os escravos da
Antigüidade, já que se concediam direitos combinados com deveres. Nesse período a fiscalidade é
divida entre o rei, a Igreja e o senhorio; o Estado de Polícia, que corresponde à fase do absolutismo
esclarecido (século XVIII) promove um incremento das receitas tributárias e a fiscalidade se
concentra na pessoa do soberano; o Estado Fiscal que se sustenta com a receita proveniente do
patrimônio do cidadão (tributo), e coincide com o capitalismo e o liberalismo; o Estado Socialista,
que, detentor do patrimônio público, sustenta-se com as rendas industriais, no qual o tributo possui
papel secundário pela quase inexistência da propriedade privada (TORRES, 1991, p. 1).
Na atualidade, a grande maioria dos países se constitui em Estado Fiscal. A principal
característica desse tipo de Estado é a de que suas necessidades financeiras são essencialmente
realizadas pelo tributo.
Para Torres, o Estado Fiscal se apresenta num primeiro momento como um Estado Liberal
Individualista ou Estado Guarda-Noturno ou Estado do Capitalismo Selvagem (XVIII e XIX); num
segundo momento como um Estado de Bem-Estar ou Estado Social de Direito ou Estado da
Sociedade Industrial (XX – 1919 a 1989, aproximadamente) e num terceiro momento como um
Estado Democrático de Direito ou Estado Pós-Positivista ou Estado da Sociedade de Risco (após a
queda do Muro de Berlim).
Por outro lado, Nabais aponta a existência de duas modalidades de Estado Fiscal, quais
sejam, Estado Fiscal Liberal e Estado Fiscal Social.
O Estado Fiscal Liberal, fruto do pensamento liberal, se sustentava com uma limitada
tributação, destinada apenas a garantir o funcionamento da máquina administrativa, que devia ser a
menor possível, chamado por isso de Estado mínimo. Caracterizava-se, também, por uma nítida
separação entre o Estado e a sociedade. O Estado devia ocupar-se precipuamente com a política e a
sociedade com a economia (NABAIS, 2007, p. 184).
Diversas são as opiniões sobre a origem do Estado Fiscal brasileiro. Para Torres, o Estado
Fiscal brasileiro nasce com a Constituição do Império de 1824, baseia-se no relacionamento entre
liberdade e tributo, no sentido de que o tributo é o preço da autolimitação da liberdade (1991, p. 151).
48
Por outro lado, Bonavides entende que a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 coroou a
concepção política e doutrinária de um Estado Liberal e representou a ruptura com o modelo
autocrático do absolutismo monárquico, baseado em valores de estabilidade jurídica, vinculados ao
conceito individualista de liberdade, trazida dos Estados Unidos para o Brasil pela influência de Rui
Barbosa (2002, p. 330-331).
Esse conceito individualista de liberdade se observa no liberalismo pela garantia da
liberdade de iniciativa econômica. Nesse contexto, é evidente a relação entre propriedade e liberdade.
A organização do Estado tem por finalidade a conservação da propriedade, e se esta é do povo, o
Estado não pode cometer nenhum ato que viole essa propriedade, assim todos os tributos passam a
ser necessariamente aprovados pelo parlamento.
A relação do tributo com a liberdade aumenta, ainda mais, no liberalismo. No mercantilismo
já se notava o Estado como garantidor da liberdade e da propriedade e com o liberalismo o tributo
passa a expressar a liberdade.
De acordo com Ricardo Lobo Torres, com o advento do liberalismo ocorre a centralização
do poder fiscal no Estado, a publicização do tributo, que passa a ter como fundamento o contrato
social. Por este, os cidadãos dão ao Estado uma parcela mínima de sua liberdade em troca da garantia
e da segurança aos seus direitos e o imposto adquire a dimensão de “preço mínimo da liberdade ou
de prêmio de seguro” (1991, p. 118).
A publicização da fiscalidade, que resolve a crise financeira do antigo regime, se
inicia na Inglaterra e transmigra a pouco e pouco para os outros países, apresentando
esquematicamente o seguinte contorno: preponderância dos impostos entre as
fontes da receita pública, relegada a papel subalterno a entrada proveniente da
exploração do patrimônio do Estado; utilização regular dos empréstimos para a
complementação da receita, garantidos pela cobrança dos impostos [...];
racionalização do sistema tributário, com o incremento dos impostos diretos, [...],
apoiados no princípio eminentemente público da capacidade contributiva, [...],
separação entre a fazenda do rei e a fazenda pública; transferência do poder
tributário do rei para o Legislativo; aperfeiçoamento das técnicas contábeis [...],
racionalização da administração fiscal, [...]; separação entre política e economia,
vivendo o Estado dos ingressos derivados da economia particular e permitindo que
os agentes econômicos ampliem a riqueza suscetível de tributação (TORRES, 1991,
p. 121-122).
No Estado Liberal Fiscal prevalece a idéia de liberdade individual, ou seja, a idéia de
“liberdade de” (liberdade da intervenção do Estado; liberdade das peias do Estado).
Nesse Estado Fiscal, à época do liberalismo, o tributo é a expressão da liberdade, essa
dimensão libertadora se evidencia quando o liberalismo elogia a riqueza e o trabalho e aceita o lucro,
os juros e o consumo do luxo. Pagar tributos é participar da riqueza da nação. Só quem tem liberdade
49
paga tributos. O homem se afasta do Estado, tem oportunidade de se desenvolver no espaço público,
sem que tenha que prestar qualquer serviço permanente ao Estado. O tributo assume nessa feição o
preço da liberdade de iniciativa. Valoriza-se a riqueza da nação, condena-se a pobreza e se privilegia
a propriedade mobiliária.
A ética dá-se pelo trabalho, condena-se o ócio, permite-se a cobrança de juros e defende-se o
luxo. Desta forma, o tributo é conseqüência do exercício da liberdade frente ao Estado.
O Estado Fiscal Social do século XX, por sua vez, traz consigo uma nova idéia de liberdade,
já que neste os direitos humanos são colocados como princípios fundamentais e objetivos do Estado.
Para Nabais o Estado Fiscal Social preocupa-se com o funcionamento global da sociedade e
da economia, tem por isso uma tributação alargada exigida pela estrutura estatal correspondente
(2007, p. 183).
Ricardo Lobo Torres entende que no Estado de Bem-Estar Social (Estado Social, Estado
Providência, ou Estado da Sociedade Industrial), compreendido entre 1919 a 1989 ocorre “uma
inflexão no discurso da liberdade, que vai perdendo substância para se confundir com a justiça
material, da mesma forma que os direitos da liberdade deixam de se distinguir dos direitos sociais”
(2005, p. 79).
Desta forma nesse Estado Fiscal Social surge a idéia de “liberdade para”, que compreende
uma liberdade positiva, a garantir direitos para todos, inclusive os direitos sociais.
Nabais ressalta que o conceito de Estado Fiscal tanto na sua fase liberal quanto na sua fase
social traz consigo a pretensão de limitar a atuação e a correspondente dimensão do Estado (2007, p.
183-184).
Seguindo a evolução do Estado Fiscal proposta por Torres, o atual Estado corresponde ao
Estado da passagem do século XX para o XXI denominado de Estado Democrático de Direito ou
Estado Pós-Positivista ou Estado da Sociedade de Risco1 ou, ainda, Estado Democrático Fiscal.
Se no Estado Fiscal Liberal pode-se falar mais propriamente em liberdade individual, ou
seja, há uma visão contratualista da liberdade, onde o indivíduo garante a ausência da constrição
Estatal, resguardando para si algumas liberdades, a liberdade era pressuposta, antecedia ao Direito,
no Estado Social Fiscal a liberdade se qualifica, a liberdade é para todos, mas dentro de justos
1
O conceito de sociedade de risco vem sendo utilizado para designar as novas formas de sociedade resultantes do
enfraquecimento de formas de regulação tradicionais e da incapacidade do Estado em garantir a efetividade das leis.
Neste contexto, a possibilidade de escolha das condutas individuais se expande, adquirindo contornos inéditos mesmo na
sociedade ocidental. A expressão "risco" está associada à forma pela qual cada indivíduo encontra-se quase que
exclusivamente à mercê de si mesmo para orientar sua vida, não contando para isso com presença das formas normativas
anteriores, derivadas das tradições e do controle regulador do Estado (BECK, 1995, p.11-71).
50
princípios que levam a uma igual liberdade, “a liberdade adquire a feição de igual liberdade e se
caracteriza como a liberdade que se aproxima da justiça na mesma equação valorativa” (2005, p. 83).
Por sua vez, no Estado Democrático Fiscal o sentido de liberdade se amplia, a liberdade é
conferida para uma finalidade. É uma liberdade coletiva, uma liberdade que requer uma atuação
positiva do Estado, garantindo as condições para o exercício da liberdade, ou seja, a liberdade é
reconhecida pelo Estado visando sua própria finalidade, a construção de uma sociedade justa e
igualitária.
Observa-se, ainda, que as quatro dimensões dos direitos fundamentais gravitam em torno do
Estado, ora de um Estado Liberal como a primeira dimensão, representada pelos direitos de
liberdade, ora de um Estado Social como as demais dimensões, representadas pelos direitos de
igualdade e fraternidade.
Constata-se que a Constituição de 1988, ao traçar as bases do sistema econômico, confirma
a atuação positiva do Estado, visando à ampliação do gozo da liberdade no Estado Social
Democrático de Direito. Abriga princípios liberais, democráticos e sociais. Nesse sentido deve se
observar que o surgimento do Estado do Século XXI não implica o desaparecimento do Estado
Social, e nem que este tenha afastado os conceitos preponderantes do Estado Liberal. Pode se afirmar
que, excluindo-se os casos de ruptura, que ocorrem por meio de revolução, a evolução de um modelo
para o outro ocorre gradualmente, as características dos modelos anteriores não são afastadas, apenas
que as novas sobressaem a ponto de se poder defender a presença de novo modelo.
De acordo com José Afonso da Silva a Constituição Mexicana de 1917, seguida pela
Constituição de Weimar, 1919 foram as primeiras a sistematizar a ordem econômica em seus textos.
A partir de então, as Constituições contemporâneas abrigam princípios de direitos econômicos e
sociais, buscando atribuir fins ao Estado, isto é, por meio de programas de intervenção na ordem
econômica, o Estado deve realizar os valores prestigiados constitucionalmente, tais como: bem-estar,
o desenvolvimento, a justiça social, entre outros (2007, p. 706).
Ainda na lição do mesmo autor, há de se observar que o conceito de Constituição
Econômica não é um conceito pacífico na doutrina:
[...] consiste não em um conceito autônomo de Constituição ao lado da Constituição
política, mas, sim, no conjunto de normas desta que, ‘garantindo os elementos
definidores de um determinado sistema econômico’ estabelece princípios
fundamentais de ‘determinada forma de organização e funcionamento da economia’
e constitui, ‘por isso mesmo, uma determinada ordem econômica’ (SILVA, 2007, p.
706).
51
As normas, que regulam a economia brasileira, estão dispersas na Constituição Federal, por
isso a Ordem Econômica não se restringe aos preceitos contidos no Título VII, denominado Da
Ordem Econômica e Financeira, dos arts. 170 a 192, mas está disciplinada, também, nos artigos 1º,
3º, do 7º ao 11, 201, 202, 218 e 219, bem como 5º inciso LXXI, 24, I, 37, XIX e XX, 103, parágrafo
2º, 149 e 225.
Esse conjunto de disposições constitucionais, que compõem a Constituição Econômica em
sentido restrito, é que dá conformação a ordem fundamental da economia (CANOTILHO, 1998, p.
327).
Pode-se compreender, com maior clareza, que a Constituição Econômica está afinada com
todo o texto constitucional social, no sentido de conferir uma liberdade para uma finalidade, quando
se verifica, a partir dos seus preceitos, os princípios que norteiam a Ordem Econômica a ser
realizada.
No caput do artigo 170, declara o constituinte ser fim da Ordem Econômica “assegurar à
todos existência digna, conforme os ditames da Justiça social”. A mesma finalidade da justiça social
encontramos também no artigo 193, que trata sobre a “ordem social”, ambos em consonância com os
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, constantes do artigo 3º, incisos I e III,
quais sejam: construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais, e com o princípio da dignidade da pessoa humana,
princípio fundamental da República consagrado no inciso III do artigo 1º do texto constitucional.
A existência digna, conforme os ditames da justiça social, deve ser alcançada nos termos do
texto constitucional, artigo 170, caput, a partir da conjugação de dois elementos: valorização do
trabalho humano e livre iniciativa, elementos fundadores da ordem social e, ao mesmo tempo,
inseridos no artigo lº da Constituição como princípios fundantes da República.
A Constituição apesar de prestigiar a atividade individual (livre iniciativa e trabalho
humano), impôs um fim para a ordem econômica, a atuação positiva do Estado deve induzir à
construção de uma sociedade, na qual seja valorizada a pessoa humana, com existência digna, num
ambiente de justiça.
A inserção desses valores em conjunto, por duas vezes na Constituição demonstra que
ambos devem, de forma harmônica, coexistirem.
Nesse sentido José Afonso da Silva:
[...] embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho
humano sobre todos os demais valores da economia de mercado [...] essa prioridade
tem o sentido de orientar a intervenção do Estado na economia, a fim de fazer valer
os valores sociais do trabalho, que, ao lado da livre iniciativa, constitui um dos
52
fundamentos não só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do
Brasil (art.1º, IV) (2007, p. 709).
Portanto, compete à Ordem Econômica encontrar uma solução para que a livre iniciativa
valorize o trabalho humano, como também, uma proposta para que o trabalho humano, não só não
seja um obstáculo, como sirva de estímulo a livre iniciativa.
Ensina Canotilho, que se a consagração da Constituição Econômica ocorre no seio da
Constituição Federal, e esta está estreitamente vinculada ao princípio democrático (nas suas
dimensões políticas e econômicas), aquela só pode resultar em uma Constituição Econômica cuja
“política econômica e social a concretizar pelo legislador é uma política de concretização dos
princípios constitucionais e não uma política totalmente livre [...]” (1998, p. 327).
Nesse sentido, a atuação do Estado Social Democrático de Direito, frente aos mandamentos
da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, deve nortear-se pela justiça social, em busca
da concretização da dignidade da pessoa humana.
Nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
O princípio da liberdade de iniciativa tempera-se pelo da iniciativa suplementar do
Estado; o princípio da liberdade de empresa corrige-se com o da definição da função
social da empresa; o principio da liberdade de lucro, bem como o da liberdade de
competição, moderam-se com o da repressão do abuso de poder econômico; o
princípio da liberdade de contratação limita-se pela aplicação dos princípios de
valorização do trabalho e da harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de
produção; e, finalmente, o princípio da propriedade privada restringe-se com o
princípio da função social da propriedade (1989, p. 28).
Nota-se que a Constituição Econômica brasileira reflete a posição do Estado e da Sociedade
em relação à atividade econômica no Estado Social Democrático de Direito, abandonando a
neutralidade característica do Estado Liberal, para incorporar a versão ativa do Estado
intervencionista, agente regulador da economia.
No Estado Democrático de Direito não se pode compreender a liberdade de iniciativa se não
estiverem presentes também os objetivos do Estado social, ou seja, assegura-se a liberdade dos
agentes econômicos, no sentido negativo da liberdade, “liberdade de”, desde que essa promova
também a liberdade das camadas sociais mais desfavorecidas, ou reduza as desigualdades (status
positivus da liberdade). A Constituição elege um Estado que quer e busca a liberdade e igualdade de
todos.
O tributo, neste contexto, não é um fim em si mesmo. É meio de que se vale o Estado para
realizar seus objetivos, em especial os direitos fundamentais.
53
O tributo, enquanto preço da liberdade, deixa de ser o ônus, que no Estado Liberal, era
suportado pelo indivíduo em troca de sua liberdade, para ser no Estado Democrático de Direito Fiscal
Social, o instrumento para a concretização da liberdade e igualdade de todos.
Assim, à medida que, não mais se legitima o gozo da liberdade sem uma finalidade, e se é
esta que qualifica e legitima a própria liberdade, então toda atuação do Estado, seja na área
econômica, educacional, social, tributária, entre outras, deve estar vinculada àquela finalidade.
O tributo na ordem jurídica brasileira, frente ao Estado Democrático de Direito de caráter
Fiscal e Social, deve ser considerado, portanto, como meio de arrecadação tributária que se legitima
enquanto instrumento para o Estado atingir sua finalidade, que pode ser visualizada em momentos
distintos da tributação.
A expressão “preço da liberdade” surge num primeiro momento, como o preço, representado
pelas receitas oriundas dos tradicionais impostos, que toda a sociedade paga para que o Estado reduza
as desigualdades e promova a liberdade das camadas mais desfavorecidas, conforme fundamentos e
objetivos constitucionais, consagrando a vida digna para todos.
Num segundo momento temos as contribuições sociais de intervenção no domínio
econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, de competência exclusiva da
União, que, conforme artigo 149 da Constituição Federal de 1988 serve de instrumento de sua
atuação nas áreas de interesse constitucional. São normas tributárias, que embora formalmente
integrem o Direito Fiscal, são normas de função indutoras, que assumem relevante papel no Estado
Democrático de Direito Fiscal Social.
Vale aqui reproduzir a lição de Nabais:
Trata-se assim de normas (fiscais) que, ao preverem uma tributação, isto é, uma
ablação ou amputação pecuniária (impostos), ou uma não tributação, ou uma
tributação menor à requerida pelo critério da capacidade contributiva, isto é, uma
renúncia total ou parcial a essa ablação ou amputação (benefícios fiscais), estão
dominadas pelo intuito de actuar directamente sobre os comportamentos econômicos
e sociais dos seus destinatários, desincentivando-os, neutralizando-os nos seus
efeitos econômicos e sociais ou fomentando-os, ou seja, de normas que contém
medidas de política econômica e social. (grifo nosso) (1998, p. 629).
O Estado Democrático de Direito Fiscal Social na entrada do século XXI, ainda que sob a
égide da mesma ordem constitucional que lhe deu vida, atravessa uma profunda crise que
compromete a efetividade dos direitos fundamentais sociais, notadamente aqueles que exigem
prestações do Estado.
54
Tal crise decorre de alguns fenômenos no contexto socioeconômico mundial que produziram
reflexos no país. O Estado Social contaminado por eles, desvirtua seu papel constitucional, e afastase de seus princípios e objetivos fundamentais.
A queda do regime comunista, o fortalecimento do capitalismo e a globalização econômica
introduzida pelo neoliberalismo contribuíram decisivamente para a crise do Estado do Bem-Estar
Social.
Uma crise que é simultaneamente financeira expressa no crescente aumento da
diferença entre o ritmo de crescimento econômico e o ritmo de crescimento das
despesas sociais, de legitimidade, seja porque já não assegura a sua função de
proteção dos mais desfavorecidos (antes reforça os privilégios dos mais informados e
melhor instalados na sociedade), seja porque levou longe demais a política de
redistribuição anulando significativamente as diferenças necessárias ao
funcionamento adequado do mercado e de eficácia de funcionamento, traduzida no
rendimento decrescente das despesas sociais decorrente, sobretudo, da crescente
burocratização da sua gestão (NABAIS, 2007, p. 100).
O Estado Social se coloca frente a um dilema, para a sua concretização necessitaria de
recursos financeiros crescentes, jamais se satisfazendo, a ponto de inviabilizar a própria atividade
privada que o sustenta.
Com a falência do Estado Social, a liberdade irá adquirir uma nova característica e um novo
preço. A liberdade no Estado do Século XXI, já não possui as características individualistas, próprias
do Século XIX, nem a liberdade prometida pelo Estado do Século XX.
A sociedade civil vivenciando à impotência do Estado Social reivindica para si a posição até
então ocupada pelo Estado e a liberdade assume uma nova feição: uma simbiose entre o exacerbado
individualismo, próprio do liberalismo, e a ubiqüidade do Estado, característica do Estado Social.
Com efeito, percebe-se o afastamento do Estado e a afirmação da sociedade em atividades
que eram específicas do Estado, como por exemplo: seguridade social e assistência social. Ocorre
também a criação das agências reguladoras como, por exemplo, a Agência Nacional de Energia
Elétrica – ANEEL, Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, Agência Nacional de
Vigilância Sanitária – ANVISA, Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, Agência Nacional
de Águas – ANA que ampliam, ainda mais, a atuação da iniciativa privada e restringe a do Estado,
reservando a este apenas o papel de agente normativo e regulador da atividade econômica.
Assevera Luís Eduardo Schoueri:
No Estado do século XXI, a liberdade revela-se, pois, coletiva, já que a sociedade
exige sua liberdade como instrumento para a inclusão social. Desaparece a crença de
que o Estado seja o veículo para o resgate das camadas sociais desfavorecidas, mas
55
permanece o desejo social, prestigiado pelo Direito, de que a desigualdade seja
reduzida. O instrumento, entretanto, para o exercício da liberdade coletiva já não
mais será o Estado, mas a própria sociedade (2006, p. 464).
Não se trata de um retorno ao liberalismo, ao individualismo, já que a construção de uma
sociedade comprometida com a garantia dos direitos sociais e individuais, e de valores tais como a
igualdade, a liberdade, segurança, bem-estar, entre outros, foi condição sine qua non para o
nascimento do nosso pacto social, conforme se depreende do preâmbulo do texto constitucional.
Desta feita, a sociedade solicita seu espaço de liberdade para a realização dos objetivos
constitucionais, que se confundem com os próprios objetivos da coletividade.
Enfim, no Estado do Século XXI a liberdade apresenta novos contornos, já que não é uma
liberdade para fins pessoais, é uma liberdade da sociedade civil para a realização de interesses
coletivos, já que a coletividade representa os interesses da nação.
O retorno da liberdade à sociedade civil, negando a presença única do Estado, devolve a
possibilidade de questionar os limites para a tributação.
Para Shoueri:
Se no Estado Social, a sociedade pagava um preço para o Estado atingir o desiderato
coletivo, no Estado do século XXI, a sociedade passa a compreender que o preço
tornou-se muito alto e o resultado, pífio. A tributação excessiva torna-se
inconciliável com o modelo do Estado do século XXI, já que implica retirar recursos
de que a própria sociedade necessita para seus fins. A transferência excessiva de
recursos ao Estado pela sociedade tolhe a iniciativa econômica desta, reduzindo ou
impossibilitando o desenvolvimento econômico (2006, p. 465).
Por outro lado, conforme pondera Nabais também não se pretende o desmantelamento do
Estado Social, ressuscitando o velho Estado Liberal, conforme proposta sustentada pelos neoliberais.
Reconhece-se que o Estado Social não vem desempenhando a contento suas funções constitucionais,
sendo “insustentável manter a sua atual configuração”, no entanto, não se trata simplesmente de
afastá-lo, até porque graves convulsões sociais ocorreriam.
Essa situação é uma realidade no Estado brasileiro, que pode ser vista nos meios de
comunicação que, diuturnamente, relatam que as condições sociais oferecidas pelo Estado estão
aquém do esperado. Na educação, escolas em péssimas condições, resultando na evasão escolar e
conseqüente analfabetismo. Na saúde, hospitais sucateados, pacientes que aguardam filas imensas,
quer para um transplante, quer para um simples exame. Na segurança, a criminalidade bate a porta do
cidadão diariamente. O desemprego é uma ameaça constante ao brasileiro.
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde confirmam essa triste realidade, nota-se que o
Estado brasileiro não consegue amenizar os elevados índices de analfabetismo e desemprego
56
(ANEXO I E II). Em relação à saúde, há dois indicadores importantes na descrição e avaliação das
condições de saúde da população: a taxa de mortalidade infantil e a taxa de morte materna em
decorrência de complicações de parto e puerpério. Observa-se que as taxas de mortalidade infantil
(ANEXO III) vêm melhorando muito lentamente e que o número de óbitos maternos é ainda uma
realidade no Brasil (ANEXO IV), apesar de nos dias atuais, com o desenvolvimento da medicina, não
ser admissível que mulheres morram por complicação de parto e puerpério.
Outro quadro que demonstra a precariedade do Estado social brasileiro é apresentado pelo
Ministério da Saúde, quanto ao número de óbito de adolescente por violência que cresceu
vertiginosamente nos últimos anos (ANEXO V).
Diante dessa situação inquietante, em que o Estado brasileiro não tem conseguido atender as
necessidades do individuo, pode-se afirmar que o Estado Social carece de inadiável reforma no
ambiente educacional, da saúde, da previdência social, segurança, entre outros, reconduzindo-o ao
seu sentido e função constitucionais.
Para salvar o Estado Social Nabais propõe:
[...] duas idéias hão-de estar sempre presentes. De um lado e ao contrário do que se
tornou uma afirmação corrente, não se pode esquecer que a estadualidade social e a
estadualidade de direito conflituam em larga medida, sendo, pois necessário um
adequado equilíbrio, entre a igualdade social e a liberdade de modo a que estes dois
valores, que mutuamente se condicionam e em parte se excluem, a todos assegurem
um mínimo de liberdade real ou, o que é o mesmo, um mínimo de igualdade de
condições à partida. O que postula que o Estado produza continuamente (condições
reais de) liberdade para os que a não têm, relativizando assim a desigualdade social
que o próprio exercício da liberdade necessariamente (re) produz (2007, p. 102).
Há de se concluir pela necessidade da existência de um Estado Social, nos limites de um
Estado Democrático de Direito, no qual obrigatoriamente a ‘liberdade para’ será compartilhada entre
a sociedade e o Estado, já que este se mostrou incapaz em promovê-la. Deverá haver um novo
equilíbrio entre Estado e Sociedade.
No Estado do século XXI, a sociedade exige que o preço da liberdade seja dimensionado, já
que a sociedade não pode pagar um preço elevado por uma liberdade que o Estado não mais se
mostra apto a realizar.
O tributo, como preço da liberdade, é justo quando proporcional à atuação do Estado na
construção da liberdade coletiva promovendo a inclusão social. Se o Estado não dá conta de suprir
certas necessidades sociais, e para tanto eleva o tributo, isso se torna um círculo vicioso, mais
tributos, novas demandas, novos aumentos, o tributo já não se justifica, pois passa a ser exigido,
57
como outrora já foi tão somente com base na necessidade do Estado e o objetivo do tributo se perde,
a sociedade deixa de pagar o tributo e o Estado deixa de atender às necessidades sociais.
Dante Alighieri em sua obra ‘Da Monarquia’ afirma: “O direito é uma proporção real e
pessoal de homem a homem; desde que essa medida e essa proporção sejam respeitadas, a sociedade
está sã e salva, se são violadas, a sociedade se decompõe” (1957, p. 36).
Nesse sentido se manifesta Shoueri:
O reconhecimento da justificação do tributo enquanto meio para se alcançar a
liberdade coletiva implica a imposição de limites à atuação do Estado, seja no
montante da cobrança, seja na forma como se faz. Afinal, se o papel do Estado se vê
limitado pela atuação da sociedade civil, que reivindica para si papel ativo na
construção da liberdade dada a incapacidade ou inabilidade estatais, também o papel
do tributo se vê igualmente restringido (2006, p. 465).
As limitações ao poder de tributar antigas na história da tributação, sempre foram especiais
manifestações dos direitos e garantias do cidadão, visando o controle da atuação do Estado. Assim é
o principio da legalidade, que “desde suas origens se manifesta como autoconsentimento, ou como
defesa da economia privada à ação do poder público” (BALEEIRO, 1997, p. 49).
No entanto, essas limitações, frente à perspectiva dada pela idéia de preço, acumulam novo
significado em seu conceito. Representam além de uma proteção do indivíduo frente ao poder, como
já se denotava no Estado Fiscal Liberal, uma proteção à sociedade civil para que esta possa exercer
na sociedade o seu papel.
Se o Estado não pode por si atingir o seu fim, que nada mais é do que a realização do
indivíduo, deve proporcionar condições para que a própria sociedade o faça.
A liberdade, pois, já não é ‘para’ o individuo ou ‘para’ o Estado [...] A tributação é,
novamente, um instrumento para que se atinjam os fins do Estado. Mas esses não são
diversos daqueles buscado pela sociedade civil; quando esta assume dimensão
pública, encontra-se limitação na tributação (SHOUERI, 2006, p. 466).
Nota-se que Constituição de 1988 já prestigiou a sociedade civil, quando concedeu
imunidade às entidades de educação e de assistência social. Imunidade concedida justamente pelo
fato dessas instituições beneficiadas terem como fins atribuições, interesses e deveres do Estado. A
sociedade civil se mobiliza e a imunidade é um precedente para nova atuação da sociedade. Isso tudo
confirma mais uma vez que o preço da liberdade precisa ser dimensionado.
O início do Século XXI, não traz apenas o Estado do século XXI traz consigo a pósmodernidade, uma época de incertezas e de grandes novidades, o fim de uma época e o descortinar de
um novo tempo. Assistimos à impotência do Estado, a descrença que as luzes da razão poderiam
58
formular normas éticas, a mudança constante dos valores da sociedade diante da velocidade cada vez
mais crescente das informações. “Uma época aparentemente pós-tudo: pós-marxista, pós-kelseniana,
pós-freudiana” (BARROSO, 2003, p. 2).
O quadro assim se resume: de um lado, as aspirações da Constituição de 1988, a
concretização dos direitos fundamentais; o alto custo da carga tributária; as formalidades excessivas
exigidas pela administração para o cumprimento da obrigação tributária; a correta reivindicação pela
sociedade civil de maior espaço para o exercício coletivo da liberdade e, de outro, o tributo – que só
se justifica como instrumento para expansão da liberdade, jamais como restrição, pois colocaria em
risco a própria fonte de recursos.
Afinal, a par de notórias violações ao texto constitucional, vê-se o contribuinte
sujeito, ainda, a uma carga tributária exacerbada, sem que à sociedade fique evidente
que a maior tributação será instrumento adequado para atingir os objetivos comuns.
Ao contrário, a tributação excessiva acaba por tolher a própria iniciativa dos
contribuintes, pondo em risco a própria fonte de recursos (SHOUERI, 2006, p. 470).
Nesse sentido é justo e necessário refletir sobre o adequado preço da liberdade, sobre as
limitações constitucionais ao poder de tributar, para que o tributo possa ser instrumento para a
concretização dos fins do Estado e não meio de limitação à liberdade individual.
No entanto, esse tributo deve ser justo, em busca de proporcionar uma existência digna do
cidadão conforme os ditames da justiça social. Entende-se por tributo justo todo aquele tributo que no
momento da sua elaboração observam-se os princípios e valores abrigados no texto constitucional.
2.2 O tributo no Estado Brasileiro
Não há como reprovar que para sustentar os direitos fundamentais em uma sociedade em
constante mudança, fazendo valer o direito à dignidade e liberdade da pessoa humana sem que exista
um ônus, ou seja, um preço. Esse ônus, por sua vez, deve ser baseado em fundamentos jurídicos,
surgindo assim um dever jurídico fundamental de pagar tributos, que se caracteriza numa relação de
débito e crédito.
59
Os deveres fundamentais, que constituem uma categoria jurídica constitucional própria ao
lado dos direitos fundamentais, neste contexto, podem ser classificados em função do seu conteúdo e
em função da sua relação com os direitos fundamentais (NABAIS, 1998, p. 111-115).
Quanto à função do seu conteúdo os deveres podem ser divididos em deveres positivos –
prestações de fazer, que é imposto uma prestação de fato (dever de voto e dever de serviço militar) e
prestação de dar, o dever de pagar tributo – e deveres negativos – prestação de não fazer, que
prescreve a isenção político-patidária do militar e do juiz.
Quanto à função em relação com os direitos fundamentais os deveres podem ser associados
– coincide o conteúdo do dever com parte do conteúdo do direito, como, por exemplo, o dever
fundamental de votar exclui o direito ao não exercício do direito de voto –, coligados – que limitam o
conteúdo de certos direitos apesar de não haver identidade de conteúdo do dever fundamental com o
direito fundamental, como, por exemplo, o dever de pagar tributo em relação ao direito fundamental
de propriedade e às liberdades econômicas – e autônomos – se apresentam apenas como limites
gerais dos direitos fundamentais, como, por exemplo, o dever de defesa da pátria em sentido estrito.
Os deveres fundamentais apesar de possuírem regime constitucional próprio, as normas
constitucionais a ele relativas não são aplicáveis diretamente como as normas de direito, liberdade e
garantias. O seu conteúdo ou não está concretizado totalmente na Constituição ou se concretizado
não é diretamente aplicável. Cabe ao legislador dar-lhe conteúdo, concretizando-os de acordo com as
orientações políticas ou regulamentando-os conforme os preceitos já concretizados na Constituição.
A razão da inaplicabilidade imediata dos deveres fundamentais, mesmo em relação àqueles
que são pressupostos da existência e funcionamento do Estado como, por exemplo, o dever
fundamental de pagar tributo, é a possibilidade de o legislador infraconstitucional concretizar a
tributação de forma menos gravosa.
Uma fenomenologia que, por via de regra, se não verifica em sede de concretização
dos deveres fundamentais, cuja indeterminação constitucional assenta noutras razões
ou noutros factores. Em nossa opinião, essa indeterminação prende-se com o tantas
vezes invocado princípio da liberdade por que se guiou o nosso legislador
constituinte: é que, materializando-se os deveres em limitações da esfera de
liberdade dos indivíduos e suas organizações e devendo tais limitações, segundo esse
princípio, ser as menos e menores possíveis, a sua completa e única concretização
constitucional sempre podia traduzir-se numa concretização mais gravosa para a
liberdade do que a necessária em cada momento. Daí que se deixe ao legislador essa
concretização, a qual assim será mais compatível com a liberdade dos indivíduos.
Trata-se, pois, de deixar mais liberdade ao legislador para ele a usar no sentido da
maior liberdade possível ao cidadão (NABAIS, 1998, p. 152).
60
A concretização do tributo será realizada pela legislação do Direito Tributário, ciência que
estuda os princípios e normas que disciplinam a ação estatal de instituir tributos e regulamenta as
relações jurídicas que se estabelecem entre o fisco e os contribuintes por força da Constituição.
A competência tributária é estabelecida e distribuída pela Constituição Federal aos entes
políticos que possuem capacidade legislativa, seu pressuposto. Dessa forma, a Constituição Federal
de 1988, em seus artigos 153 a 156, atribui a competência tributária a União, Estados-membros,
Municípios e Distrito Federal. Anteriormente, o Distrito Federal era considerado autarquia
administrativa da União e foi erigido à categoria de pessoa política a partir da Constituição de 1988.
Determina o artigo 145 da Constituição Federal que a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios poderão instituir impostos, taxas e contribuições de melhoria, no entanto, também os
limita para que não haja um abuso de direito. Compete ainda, de acordo com a citada Constituição, à
União instituir empréstimos compulsórios (artigo 148) e contribuições sociais, de intervenção no
domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas (artigo 149, caput).
Na lição de Mendonça “Está delineado aí, em seus contornos básicos, mediante a atribuição
de competências tributárias às pessoas políticas constitucionais, o dever fundamental de pagar
tributos previsto na Constituição brasileira” (2006, p. 415).
Na manifestação do poder de tributar, ao reclamar dos indivíduos o pagamento de tributos, o
Estado declara sua soberania. Porém, apesar disso, a relação que se gera entre Estado e contribuinte
não é relação de poder, e sim relação jurídica, devendo ser vista como a contribuição do indivíduo em
favor dos demais, buscando o desenvolvimento estatal. A própria Constituição, não fala em Poder
Tributário, mas sim em competência para tributar.
A competência para tributar é abstrata, permanente, imprescritível, indelegável,
irrenunciável e incaducável.
Paulo de Barros Carvalho em seu ensinamento ajuda a entender bem a competência
tributária, partindo de um conceito de competência legislativa (capacidade tributária), para então
chegar à competência tributária:
Competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para
expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo. Opera-se pela
observância de uma série de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento
legislativo.
Por força do princípio da legalidade (CF, art. 5º, II), a ponência de normas jurídicas
inaugurais no sistema há de ser feita, exclusivamente, por intermédio de lei,
compreendido este vocábulo no seu sentido lato. Em qualquer segmento da conduta
social, regulada pelo direito, é a lei o instrumento introdutor dos preceitos jurídicos
que criam direito e deveres correlatos.
No complexo das faculdades legislativas que o constituinte estabeleceu, figura a de
editar normas que disciplinem a matéria tributária, desde a que contemple o próprio
61
fenômeno da incidência até aquelas que dispõem a propósito de uma imensa gama de
providências, circulando o núcleo da regra-matriz e que tornam possível a realização
concreta dos direitos subjetivos de que é titular o sujeito passivo. A competência
tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que
são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para
a produção de normas jurídicas sobre tributos (1999, p. 210-211).
Assim, o dever fundamental de pagar tributos concretizar-se-á, primeiramente, com o
exercício da capacidade tributária pelo legislador, editando norma tributária impositiva. Em segundo,
concretizar-se-á quando ocorrer no mundo jurídico, o fato descrito naquela norma, isto é, o fato
previsto em lei como necessário e suficiente para dar nascimento à obrigação tributária, que
corresponde à entrega de dinheiro pelo contribuinte aos cofres públicos, satisfazendo a pretensão
tributária do sujeito ativo da obrigação (Estado).
O princípio do dever fundamental de pagar o justo tributo decorre desta forma, dos artigos
constitucionais que distribuem a competência tributária aos entes da Federação, ou seja, na medida
em que a União tem competência tributária para instituir impostos sobre a importação de produtos
estrangeiros (art. 153, I), o contribuinte tem o dever fundamental de pagar o justo imposto sobre a
importação, e assim se dá com os demais tributos do Sistema Tributário Nacional: a cada
competência tributária corresponde um dever fundamental do cidadão-contribuinte.
Nesse sentido Heleno Tôrres:
Como é sabido, no Brasil, o dever de pagar tributos deriva da repartição
constitucional de competência tributária, porquanto cabe o dever legislativo de
cobrá-los, com o objetivo de cumprir suas funções constitucionais, ao cidadão vige o
dever de contribuir ao sustento de tais gastos, em favor da coletividade (2003, p.
174).
O conceito de tributo, inobstante não ser fixado pela Constituição, pode ser dela extraído os
termos da regulamentação dada ao instituto, ao repartir as competências tributárias e ao estabelecer
os tributos que podem ser instituídos.
Para Mendonça “O tributo, perante o Direito Constitucional positivo em vigor pode ser
conceituado, então, como o dever fundamental em virtude do qual os particulares ficam obrigados a
concorrer financeiramente para o custeio das atividades incumbidas ao Estado” (2006, p. 416).
A Constituição Federal no artigo 146, inciso III, alínea a, incumbi a definição de tributo à lei
complementar. Assim, é o Código Tributário Nacional, em seu artigo 3º que conceitua tributo, nos
seguintes termos: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se
possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada”.
62
Torres destaca o tributo como dever fundamental, limitado pelos direitos fundamentais, pela
imunidade, pelas proibições de privilégios e confisco, ressalta a subordinação deste ao princípio da
capacidade contributiva, e assim o conceitua:
Tributo é o dever fundamental consistente em prestação pecuniária, que, limitado
pelas liberdades fundamentais, sob a direção dos princípios constitucionais da
capacidade contributiva, do custo-benefício ou da solidariedade do grupo e com a
finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades
públicas ou para atividades protegidas pelo Estado, é exigido de quem tenha
realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência específica
outorgada pela Constituição (2000, p. 320-321).
Outros autores procuram conceituar o tributo sendo que cada um aborda sob um ponto de
vista. Assim, destacam-se alguns desses conceitos com a finalidade de auxiliar os estudos, por se
tratar de um assunto bastante importante no cotidiano da vida da sociedade.
Para Ives Gandra da Silva Martins “O tributo é, por excelência, veiculado por normas de
rejeição social. Dada a complexidade inerente ao crescimento da vida em sociedade, dificilmente a
obrigação de recolher o tributo seria cumprida sem sanção” (1998, p. 192).
Paulo de Barros Carvalho ressalta seis significados diversos para conceituar tributo, tanto na
doutrina quanto na jurisprudência: tributo como quantia em dinheiro; tributo como prestação
correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; tributo como direito subjetivo de que é titular o
sujeito ativo; tributo como norma, fato e relação jurídica; tributo como sinônimo da relação jurídica
tributária; tributo como norma, fato e relação jurídica (1999a, p. 19-27).
Sacha Calmon Navarro Coelho se baseia no conceito apresentado pelo artigo 3º do Código
Tributário Nacional e assim descreve:
Juridicamente se define tributo como obrigação jurídica pecuniária ex lege, que se
não constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é, em princípio, uma pessoa
pública, e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei.
Acolhemos o conceito formulado da disposição do art. 3º do CTN, que tem o notável
mérito de, pela cláusula excludentes das obrigações que configurem sanção de ato
ilícito, evitar a abrangência também das multas, as quais, doutra forma, ver-se-iam,
nele compreendidas (COELHO, 2000, p. 240).
Com essa análise afirma-se que o tributo é um dever fundamental, do qual depende o Estado
para cumprir seus objetivos constitucionais, proporcionando o bem estar social e a harmonização
entre as classes sociais.
É certo que para sustentar o pacto social e os direitos fundamentais à liberdade, à igualdade
e à dignidade da pessoa humana há a necessidade da instituição do tributo, que é o ônus que toda a
sociedade assume. O tributo é uma contraprestação, já que não se pode mais pensar em direitos
63
fundamentais do cidadão dissociados dos deveres fundamentais. É uma relação de superação do
individual para o coletivo. É o dever de contribuir com os gastos públicos em favor da coletividade
para concretização dos direitos fundamentais.
O pagamento dos tributos por parte do cidadão é indispensável para promover a existência,
continuidade e efetividade do Estado, no entanto, é necessário que o tributo atenda aos princípios
constitucionais para, então, ser justo, objetivando a justiça social. Justiça social que rejeita, de um
lado, o liberalismo que somente reconhece direitos e olvida a responsabilidade comunitária dos
cidadãos e, de outro, um comunitarismo que dissolve a liberdade do cidadão num conjunto de
deveres tributários. Direitos e deveres fundamentais sejam sopesados em nome de uma verdadeira
cidadania.
2.3 O justo tributo
As leis e instituições devem priorizar a justiça para dirimir os conflitos de interesses
inerentes à sociedade objetivando o desenvolvimento e a ordem social.
Importante para elaboração do modelo de justiça é a obra do filósofo John Rawls que
revolucionou a idéia de justiça, relegada a segundo plano pelo positivismo dos séculos XIX e XX.
Defende Rawls, com base no contrato social, que a justiça como eqüidade transmite a idéia
de que o acordo sobre os princípios da justiça é alcançado numa situação inicial que é eqüitativa. Os
contratantes, pessoas racionais e morais, livres e iguais, nesta posição originária, cobertos pelo véu de
ignorância, escolhem os princípios de justiça que devem orientar os direitos e deveres dos cidadãos
na estrutura básica da sociedade futura.
A formulação da idéia de uma sociedade bem ordenada, regulada por uma política de justiça
prevê que todos os indivíduos aceitem os mesmos princípios de justiça. Para Rawls o objetivo de
fundar uma sociedade de cooperação mutua, ou seja, uma sociedade bem ordenada, é permitir que
cada indivíduo possua condições de alcançar seus objetivos livremente escolhidos.
Para formular o conceito da justiça como eqüidade, na teoria de Rawls é imprescindível a
racionalidade das partes que pressupõe que os contratantes têm uma noção de justiça, isto é, visam à
liberdade e a igualdade; possuem projetos de interesses próprios; e têm auto-estima, não invejam
umas das outras. A racionalidade, a falta de conhecimento prévio sobre a posição social e de seus
64
atributos pessoais, o objetivo em estabelecer uma cooperação mútua devem estar de acordo com o
conteúdo dos princípios contratuais que serão base da sociedade.
O pressuposto da racionalidade mutuamente desinteressada, então chega ao seguinte;
as pessoas na posição original tentam reconhecer princípios que promovam seu
sistema de fins o máximo possível. Fazem-no tentado ganhar para si o mais alto
índice de bens sociais primários, desde que isso lhes permita promover sua
concepção de bem da maneira mais efetiva, qualquer que seja. As partes não buscam
conferir benefícios ou impor prejuízos entre si; não se movem por afeição ou rancor,
nem tentam ganhar relativamente entre si; não são invejosas ou vaidosas. Em termos
de jogo, podemos dizer: buscam o nível mais alto possível. Não desejam um nível
maior ou menor para os seus opositores, nem buscam maximizar ou minimizar a
diferença entre seus êxitos ou os alheios. A idéia de um jogo não se aplica realmente,
desde que as partes não se preocupam em ganhar e sim em alcançar o máximo
possível de pontos julgados pelo seu próprio sistema de fins.
[...] São racionais no sentido de que não entrarão em acordos que saibam não poder
cumprir, ou só o possam com grande dificuldade (RAWLS, 1981, p. 125).
Os princípios de justiça, na concepção do autor, têm a função de conjugar a liberdade e a
igualdade de forma coerente e eficaz.
No primeiro princípio todos têm direitos a uma liberdade ampla e a um projeto inteiramente
satisfatório de direitos. No segundo princípio trata das desigualdades econômicas e sociais
destacando dois requisitos: a) devem estar vinculados a posições e cargos abertos a todos, em
condições de igualdade eqüitativa de oportunidades; b) devem representar o maior benefício possível
aos menos favorecidos da sociedade.
Desta forma os dois princípios, escolhidos na posição original devem concretizar a
distribuição eqüitativa dos bens primários, que se resumem em bens básicos para todas os indivíduos,
independentemente de seus projetos pessoais e de suas concepções de bens, e, ainda, comportam o
auto-respeito e a auto-estima, seguidos das liberdades básicas, quais sejam, expressão e religião,
rendas e direitos a recursos sociais, ou seja, educação, saúde, moradia, lazer, etc. O princípio da
diferença prevê que os que estão em posição melhor somente podem aumentar seus ganhos se isso
implicar em vantagem para os menos desfavorecidos (justiça distributiva).
O primeiro dos dois princípios poderia se formulado como segue: primeiro – cada
pessoa deve ter a mais ampla liberdade, sendo que esta última deve ser igual à dos
outros e a mais extensa possível na medida em que seja compatível com uma
liberdade similar de outros indivíduos. Segundo – as desigualdades econômicas e
sociais devem ser combinadas a que ambas a) correspondam à expectativa de que
trarão vantagens para todos, e b) que sejam ligadas a posições e a órgãos abertos a
todos (RAWLS, 1981, p. 67-68).
65
Numa sociedade de Estado Democrático de Direito Fiscal Social que pressupõe a existência
de limites à tributação o tributo não é um fim em si mesmo, é fruto da responsabilidade social do
cidadão.
A justiça tributária nessa sociedade exige a presença de no mínimo duas características
básicas, ou seja, uma intensa regulação na distribuição de bens na estrutura básica da sociedade e
cidadãos-contribuintes que pagam tributos para manter um fundo comum destinado a garantir a oferta
de bens e de serviços impossíveis de serem assegurados com igualdade a todos cidadãos se deixados
livremente a mercê do mercado.
Nesse sentido é que a teoria de Rawls, que propugna pela liberdade do indivíduo e pela
igualdade, deve ser aplicada no sentido de que os bens primários, necessários para a sobrevivência
digna de todos os indivíduos não sejam tributados, e, por outro lado, que o montante da riqueza que
cada cidadão contribuinte produzir com sua participação econômica, política e social, seja tributado
para reverter ao cidadão economicamente mais frágil na forma de oferta de bens primários, já que no
Estado democrático o cidadão não trabalha para o engrandecimento da pátria, para merecer a
salvação eterna, para enriquecer o empregador, mas sim trabalha para conquistar melhores cargos e
salários, e se torna cidadão contribuinte para garantir melhores condições de vida para todos.
Nesse sentido, a Constituição traz em seu bojo princípios que uma vez observados na
instituição do tributo garante um padrão de dignidade humana de seus cidadãos. Somente assim terse-á o justo tributo.
A limitação à tributação é delineada pelos princípios do Estado Democrático de Direito
Fiscal Social. Nesse contexto os princípios da dignidade da pessoa humana, da cidadania, do
trabalho, da livre iniciativa, contidos no artigo 1º da Constituição, e os direitos fundamentais exigem
do Estado que a atividade de imposição tributária permita que o contribuinte seja um cidadão livre e
responsável.
A característica da fiscalidade do Estado, ainda, exige que o tributo não atinja intensidade
que inviabilize as atividades particulares ou venha a se configurar como via de estatização da
propriedade, pois deixaria de ser um Estado Fiscal para ser outro tipo de Estado.
O Sistema Tributário Nacional, contido no Título VI da Constituição Federal do Brasil, de
1988, traz consigo, ainda, princípios próprios limitadores da tributação, que devem ser ponderados
juntamente com os demais princípios do ordenamento constitucional para a imposição do justo
tributo.
Além dos princípios decorrentes do Estado Democrático de Direito Fiscal Social, acima
descritos, os princípios da legalidade do tributo, da igualdade, da segurança jurídica, da proibição de
66
utilizar tributo com efeito de confisco, da capacidade contributiva, das imunidades tributárias, são
essenciais para a instituição do justo tributo:
- princípio da legalidade do tributo: está intimamente ligado ao Estado de Direito, no qual
vigora o primado da lei.
Conforme ensina Paulo Nader:
A Lei é uma forma moderna de produção do Direito Positivo. É ato do Poder
Legislativo, que estabelece normas de acordo com os interesses sociais. Não
constitui, como outrora, a expressão de uma vontade individual (L’État c’est moi),
pois traduz as aspirações coletivas. Apesar de uma elaboração intelectual que exige
técnica específica, não tem por base os artifícios da razão, pois se estrutura na
realidade social. A sua fonte material é representada pelos próprios fatos valores que
a sociedade oferece (1995, p. 168).
Em nosso ordenamento jurídico o conceito acima é importante em razão de vigorar o
Princípio da Legalidade – explicitamente assegurado no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal –
que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei”.
O Princípio da Legalidade tem a função de garantir ao particular a prerrogativa de rechaçar
injunções impostas por outra via que não a da lei e a finalidade de combater o poder arbitrário do
Estado, eis que com o primado da lei, limita-se a vontade do detentor do poder em benefício da lei.
Vincula-se também à liberdade, à dignidade da pessoa humana e à segurança jurídica.
Sobre o assunto, José Afonso da Silva assevera que:
O princípio da legalidade é nota essencial do Estado Democrático de Direito. É,
também, por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito,
porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na
legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o
princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca de
igualização das condições dos socialmente desiguais. Toda sua atividade fica sujeita
“à lei”, entendida como expressão da vontade geral, que só se materializa num
regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos
de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na
Constituição. É nesse sentido que se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o
Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor
qualquer abstenção, nem tampouco mandar proibir coisa alguma aos administrados,
senão em virtude de lei (2007, p. 82).
O legislador após ter disciplinado o processo legislativo nos artigos 59 a 69, da Constituição,
ao estabelecer as limitações ao poder de tributar, reforça no artigo 150, inciso I, que é vedado aos
entes federativos exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça e sem prejuízos de outras
garantias asseguradas ao contribuinte. A Constituição, portanto, não se reporta a outras espécies
legislativas, como medidas provisórias ou decretos legislativos.
67
Nesse mesmo sentido o artigo 62, § 2º, da Constituição Federal assegura:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar
medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao
Congresso Nacional.
§ 2º Medida provisória que implique em instituição e majoração de impostos,
excetos previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no
exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia
daquele em que foi editada.
Nota-se que o Presidente da República poderá adotar medida provisória com força de Lei,
para a instituição ou majoração de imposto, no entanto, esta servirá apenas como iniciativa de lei, já
que a própria Constituição ao condicionar a eficácia da medida a sua conversão em lei, reforça o
princípio da legalidade. A eficácia da medida somente ocorrerá com a sua conversão em lei, e,
portanto, é esta que instituirá ou aumentará o imposto e não a medida provisória.
- princípio da igualdade: explicito no artigo 150, inciso II da Constituição. A necessidade de
igualdade, em matéria tributária, proíbe distinções arbitrárias entre contribuintes que se encontrem
em situações semelhantes. É um dos princípios estruturantes do Sistema Tributário e tem como
parâmetro a capacidade contributiva.
Art. 150- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I- [...];
II- Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação
equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou da
função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos
rendimentos, títulos ou direitos.
Na interpretação de José Afonso da Silva:
Aqui se cuida da igualdade “em sentido jurídico como paridade de posição, com
exclusão de qualquer privilégio de classe, religião e raça, de modo que os
contribuintes, que se encontrem em idêntica situação, sejam submetidos a idêntico
regime fiscal”- que coincide com a generalidade, da imposição e que, para realizar a
justiça fiscal, depende ser completamentada com a igualdade em sentido econômico,
fundada no princípio da capacidade contributiva [...] (2007, p. 654).
O princípio da igualdade é a projeção, na área tributária, do princípio geral da isonomia
jurídica ou princípio de que todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput, CF). Impõe ao legislador
“discriminar adequadamente os igualmente desiguais na medida das suas desigualdades” e “não
discriminar entre os iguais, que devem ser tratados igualmente”. Apresenta-se aqui como garantia de
tratamento uniforme.
68
Na distribuição da carga tributária, o princípio da igualdade impõe a repartição do ônus
igualmente a todos os cidadãos. Como essa igualdade não é aritmética faz-se necessário encontrar
critérios para distribuir de forma justa esse ônus, respeitando as diferentes situações em que os
indivíduos se encontram. Assim, para a verdadeira igualdade há necessidade de tratamento desigual
para situações desiguais.
- segurança jurídica: esteio do Estado Democrático de Direito, considerada como um de
seus princípios basilares. A segurança jurídica possui relação direta com os direitos fundamentais e
conexão com os princípios da legalidade, tipicidade, irretroatividade, anualidade e anterioridade,
proibição de analogia, proteção da confiança do contribuinte, entre outros, que lhe dão efetividade.
Para Ricardo Lobo Torres:
Segurança jurídica é certeza, e garantia dos direitos é paz. Como todos os valores
jurídicos, é aberta, variável, bipolar e indefinível. A segurança jurídica significa
sobretudo segurança dos direitos fundamentais.
A segurança jurídica torna-se valor fundamental do Estado de Direito, pois o
capitalismo e o liberalismo necessitam de certeza calculabilidade, legalidade e
objetividade nas relações jurídicas e previsibilidade na ação do Estado tudo que
faltava ao patrimonialismo (2005, p. 168).
Sob o conceito de segurança jurídica está a elaboração, a aplicação, a interpretação e
inclusive a positivação da ordem jurídica. A segurança jurídica está garantida na declaração dos
direitos fundamentais constantes do artigo 5º da Constituição Federal.
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes.
O princípio da segurança jurídica, no âmbito tributário, estabelece normas referentes aos
poderes do Estado, dispondo a respeito das garantias do contribuinte perante o Fisco. Formam um
subsistema constitucional tributário com o objetivo de atingir o valor absoluto da certeza pela
segurança das relações jurídicas estabelecidas entre o Estado e o contribuinte.
O princípio visa proteger o contribuinte frente às contínuas modificações na legislação
tributária, por meio de atos produzidos às pressas, a fim de atender, muitas vezes, apenas as
necessidades casuísticas da administração.
Ressalta-se que em virtude da dinamicidade do Direito na busca de acompanhar as
constantes mudanças sociais, a segurança jurídica é um princípio importantíssimo no meio jurídico,
pois fornece respaldo legal às inovações trazidas ao ordenamento jurídico.
69
- proibição de utilizar tributo com efeito de confisco: está estritamente relacionado com a
natureza do Estado Fiscal e com o direito de propriedade.
O ato do Poder Público de privar o contribuinte de seus bens, sem lhe conceder a devida
compensação significa confisco. Uma vez aplicado o dever de pagar tributo, a proibição do confisco
indica que a obrigação decorrente do dever pode ter valor apenas parcial, impedindo a absorção
extrema das riquezas submetidas à tributação.
[...] para haver imposto num Estado Fiscal, não se pode esgotar, através da
imposição tributária, a riqueza do contribuinte; [...] O ponto de partida do
qual o imposto se torna confiscatório é fornecido pelo direito de propriedade
e pelas chamadas liberdades econômicas. O princípio que veda a
confiscatoriedade dos impostos decorre da necessidade de se efetuar a
ponderação entre os interesses privados e as necessidades coletivas a serem
cobertas pelos impostos, ou, em outras palavras, uma ponderação entre o
direito de propriedade e as liberdades econômicas, de um lado, e o dever
fundamental de pagar impostos, de outro lado (MENDONÇA, 2006, p. 424).
No Estado Fiscal o tributo não é um fim em si mesmo. Neste tipo de Estado suas
necessidades financeiras são cobertas pela contribuição de seus cidadãos, na medida de sua
capacidade contributiva. Uma vez atingido o nível de tributação intensa que dificulte ou inviabilize a
continuidade das atividades econômicas do contribuinte fere-se o direito fundamental de propriedade
e descaracteriza-se o Estado fiscal, que por via indireta da tributação com efeito confiscatório seria
transformado em Estado proprietário.
Para Nabais:
[...] os impostos podem apresentar-se como incompatíveis com o direito de
propriedade, quando constituam um encargo excessivo para o contribuinte,
prejudicando de forma essência as suas relações patrimoniais privadas e
configurando-se assim como impostos sufocantes ou impostos com efeitos
confiscatórios (1998, p. 565-566).
Estabelecido no artigo 150, inciso IV da Constituição Federal, o princípio do não-confisco
tributário, está assim redigido:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...];
IV – Utilizar tributo com efeito de confisco.
70
Esta vedação constitucional que proíbe a tributação com efeito de confisco representa a
coibição de qualquer aspiração estatal capaz de levar, no campo da fiscalidade, a injusta apropriação
pelo Estado, no todo ou em parte, do patrimônio ou das rendas dos contribuintes, de forma a
comprometer-lhes, em decorrência da insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a
uma existência digna ou, também, a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular
satisfação de suas necessidades vitais básicas.
- capacidade contributiva – estabelecida no art. 145, § 1º da Constituição:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios poderão instituir os
seguintes tributos:
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados
segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração
tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar,
respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos
e as atividades econômicas do contribuinte.
Examina a capacidade econômica do contribuinte de financiar a existência e o
funcionamento do Estado, estabelecida em base razoável e proporcional, como, por exemplo, todos
devem pagar impostos segundo o montante da renda disponível. Quanto maior a renda disponível,
maior deve ser o imposto.
A capacidade contributiva é o critério que melhor responde à justiça da tributação,
pois ela faz com que se repartam os encargos tributários entre os indivíduos de
acordo com as respectivas capacidades de suportarem a tributação ou de
contribuírem para o custeio das atividades e prestações estatais (MENDONÇA,
2006, p. 427).
O Princípio da Capacidade Contributiva é o princípio jurídico que orienta a instituição de
tributos observando a capacidade do contribuinte de recolher aos cofres públicos.
Trata-se de um desdobramento do Princípio da Igualdade, aplicado no âmbito da ordem
jurídica tributária, na busca de uma sociedade mais igualitária, menos injusta, impondo uma
tributação mais pesada sobre aqueles que têm mais riqueza.
Para Ricardo Lobo Torres:
É extremamente árdua a construção do conceito da capacidade contributiva, até
porque a idéia de justiça, a que se vincula, também oferece grande resistência para a
sua clara compreensão [...] O conceito de capacidade contributiva, a nosso ver, só
pode obtido com a intermediação dos princípios legitimadores da igualdade,
ponderação e razoabilidade, com a reflexão sobre o seu fundamento ético e jurídico e
com a consideração das limitações constitucionais ao poder de tributar e das
possibilidades fáticas da mensuração da riqueza de cada qual, tudo o que leva à
procura de uma saída procedimentalista e discursiva (2005, p. 292).
71
Dada a significação do princípio da capacidade contributiva para a dignidade da pessoa
humana, a cidadania e para o Estado de Direito, Nabais reconhece o primado da capacidade
contributiva sobre a razão fiscal e descreve:
Com efeito, a defesa do eminente interesse constitucional que é o chamado interesse
fiscal – um interesse vital para a existência e a manutenção da coletividade, já que da
sua satisfação depende o funcionamento dos serviços públicos –, não pode resvalar
para o tradicional e bem conhecido “fiscalismo” em que a “razão fiscal” (uma razão
específica manifestação da “razão de estado”) reduza a relação de imposto a uma
mera relação de poder, que faça tábua rasa da sua natureza de dever fundamental e
do carácter axiológico (e não meramente técnico) que o direito fiscal deve assumir.
[...] há de ser prosseguido com a ressalva de não violar o princípio da capacidade
contributiva, que constitui o limite material matriz ou aglutinador de todos os outros,
ou seja, com base no adequado equilíbrio ou ponderação entre o interesse fiscal e o
interesse do contribuinte em não ser tributado senão de acordo com uma capacidade
contributiva própria, específica e efectiva. (1998, p. 497).
O princípio da capacidade contributiva exerce a função de critério ou de instrumento à
concretização dos direitos fundamentais individuais, quais sejam, a igualdade e o direito de
propriedade ou vedação do confisco. A capacidade contributiva é, de fato, a espinha dorsal da justiça
tributária. É um instrumento de comparação que inspira o princípio constitucional da igualdade.
- imunidades tributárias: prevista no art. 150, alíneas a, b, c, d do inciso VI da Constituição
Federal de 1998.
Art. 150- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...];
VI - Instituir impostos sobre;
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das
entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência
social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Consiste na classe finita e imediatamente determinável, de normas jurídicas de natureza
constitucional, que estabeleçam, de modo expresso, proibição às pessoas políticas de direito
constitucional interno para expedir regras de tributação que alcancem situações específicas e
suficientemente caracterizadas.
Para Mizabel Abreu Machado Derzi:
As imunidades, como normas sempre parcialmente denegatórias do poder, relativas a
certos fatos específicos e determinados, mutilam o âmbito de validade da norma
72
atributiva de poder, delimitando a compet6encia da pessoa estatal. Emanam de
relevantes princípios constitucionais, que lhes dão sentido harmônico e coerente.
Mas têm, tradicionalmente, sua especialidade definida em que pressupõem a
inexistência de competência em relação àqueles específicos fatos imunes (1997, p.
234).
O princípio da imunidade tributária tem como destinatário o legislador e como função
garantir o alto prestígio de que devem gozar a Federação, a organização da sociedade civil, as
associações de trabalhadores, a solidariedade social, a liberdade de culto, a liberdade de expressão e o
acesso à cultura e informação, no âmbito do Estado Democrático de direito brasileiro.
A imunidade não tem caráter de privilégio, mas sim proteção aos valores fundamentais
abrigados na Constituição que dão suporte as mencionadas instituições.
Para Torres:
As imunidades são vedações ao exercício do poder tributário, que tendo fundamento
nos direitos de liberdade, não podem ser revogadas nem modificadas. A imunidade é
intributabilidade, impossibilidade de o Estado criar tributos, sobre o exercício dos
direitos da liberdade, incompetência absoluta para decretar impostos sobre bens ou
coisas indispensáveis à manifestação da liberdade, não-incidência ditada pelos
direitos humanos e absolutos anteriores ao pacto constitucional (2005, p. 308).
A imunidade tributária além de ser instrumento de limitação da competência tributária dos
Entes Políticos objetiva, também, proteger e concretizar os direitos humanos garantidos
constitucionalmente.
Isto posto, o dever fundamental de pagar tributo, no Estado Democrático de Direito Fiscal
Social, deve estar alicerçado na ponderação desses princípios e direitos fundamentais abrigados na
Constituição para imposição de justa tributação.
Na falta desta ponderação e havendo o desequilíbrio da justa medida, ferem-se os direitos
fundamentais e o Estado abre-se para a sonegação, exclusão social, elisão fiscal, corrupção,
ocasionado o empobrecimento do Estado.
O excesso da tributação direciona o contribuinte para a sonegação, a elisão fiscal e
corrupção. Essa afirmativa é comprovada pela Lei de Lafer ao demonstrar que o aumento sucessivo
de tributos provoca um aumento cada vez menor na arrecadação.
No atual contexto sócio-econômico brasileiro a receita do Estado, advinda da tributação, tem
aumentado ao longo dos anos impondo ao Brasil uma carga de tributos que, se não é a maior, situa-se
entre as maiores do mundo. Essa afirmativa é evidenciada de acordo com as estatísticas da Secretaria
da Receita Federal do Brasil (ANEXO VI).
73
Por outro lado, são visíveis as diferenças sociais e o alarmante número de excluídos – parte
da população privada dos seus direitos básicos garantidos pela Constituição, como a saúde, educação,
lazer, assistência social – comprovada pelo IDH - Índice de Desenvolvimento Humano 2007/2008,
parte integrante do Relatório de Desenvolvimento Humano produzido pelo Pndu - Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano, abrange 177 países. Esse índice tem a finalidade
de ser um indicador de qualidade de vida das populações. O IDH é um índice que varia de zero (0)
até um (1). Países com IDH superior a 0,800 têm desenvolvimento humano considerado alto, porém
o Brasil, a partir do relatório de 2007/2008, obteve um IDH igual a 0,800, ou seja, é o último da
escala na faixa de países de alto desenvolvimento humano.
Nota-se diante desta realidade que, apesar do aumento da riqueza estatal, não ocorre a
contrapartida da melhoria dos serviços prestados pelo Estado na mesma proporção. A população
brasileira tem levantado o entendimento de que no Brasil a tributação alcança limites que não pode
ser mais elevados, observa-se que a carga tributária em 2007 atingiu o equivalente a 34,79 % do PIB.
Para que o tributo seja instrumento de justiça social, diminuindo as desigualdades,
promovendo a liberdade e a igualdade, com a concretização dos direitos fundamentais é necessário
que a instituição e a exigência do tributo sejam fundamentadas na Constituição Federal, com a
aplicação dos princípios constitucionais acima descritos.
74
3 INTERPRETAÇÃO CONTEMPORÂNEA NO DIREITO TRIBUTÁRIO
3.1 A juridicidade dos princípios: do jusnaturalismo ao pós-positivismo
A atividade do Estado e a aplicação do Direito em cada nação estão subordinadas ao modelo
constitucional adotado e ao ambiente jusfilosófico, os quais dão os contornos para a hermenêutica
jurídica. Para discutirmos o dever de pagar tributo é necessária uma análise dos princípios
constitucionais que informam esse dever. E é através da interpretação das normas constitucionais que
podemos determinar os limites da tributação.
Nas últimas décadas a interpretação do direito passou por intensas transformações, os
princípios abrigados na Constituição brasileira de 1988 ganham nova conformação.
No lugar do formalismo jurídico, surge o pluralismo metodológico que possibilita ao Estado
exercer sua função de forma mais equilibrada, ponderando os conflitantes valores sociais e liberais
abrigados no texto constitucional por meio dos princípios, tais como os de justiça, os de legitimidade.
O aperfeiçoamento dos ideais do jusnaturalismo e do positivismo pelo pós-positivismo
restitui à ordem jurídica os valores, a ética e os direitos fundamentais previstos constitucionalmente,
provocando a rediscussão dos valores inerentes ao homem.
O jusnaturalismo, doutrina filosófico-juridica, formada a partir do século XVI, embora
nascida das idéias de Platão de uma justiça inata e universal, surge para superar a idéia teológica do
dogmatismo medieval. É tido como uma das principais correntes filosóficas que acompanha o Direito
durante séculos.
Fundado na idéia da existência de um direito natural, reconhece, na sociedade, um conjunto
de valores e de pretensões humanas independentes de uma norma jurídica procedente do Estado, ou
seja, não estão subordinados ao direito positivo. O direito natural vale por si só, autêntico por uma
ética superior que estabelece limites à norma estatal.
A teoria de que o homem possuiria uma série de direitos naturais tem aplicação em diversas
fases históricas, da Antiguidade Clássica, passando ao longo da Idade Média, até os dias de hoje. Sua
origem está associada à cultura grega, nas idéias de Platão de uma justiça inata e universal. O
jusnaturalismo tem fundamentalmente duas versões: a) a de uma lei estabelecida pela vontade de
Deus; e b) de uma lei ditada pela Razão.
75
Nessa fase jusnaturalista, os princípios gerais de direito são máximas estabelecidas pela
razão, pela lei natural, que devem nortear o agir humano. Segundo Bonavides, apesar de ser a fase
mais antiga e tradicional, que dominou a dogmática dos princípios por um longo período, os
princípios se apresentavam numa esfera abstrata e de baixa normatividade (2002, p. 233).
Para Flórez-Valdés:
[...] a corrente jusnaturalista concebe os princípios gerais de Direito, em forma de
“axioma jurídicos” ou norma estabelecidas pela reta razão. São, assim, normas
universais de bem obrar. São os princípios de justiça, constitutivos de um Direito
ideal. São, em definitivo, “um conjunto de verdades objetivas derivadas da lei divina
e humana” (apud BONAVIDES, 2002, p.234).
Na compreensão dos jusnaturalistas, os princípios gerais de direito eram concebidos a partir
do ideal de justiça. No entanto, foi a “formulação axiomática” desses princípios que “os arrastou ao
descrédito” (GARCIA DE ENTERRIA, apud BONAVIDES, 2002, p.234).
Os
direitos
naturais
do
jusnaturalismo,
mesmo
consolidados
e
incorporados
generalizadamente aos ordenamentos jurídicos, foram superados pelos ideais da era do positivismo do
século XIX.
O positivismo filosófico foi importado para a o mundo do Direito com a finalidade de criar
uma ciência jurídica sustentada em juízos de fato e não de valor.
O modelo positivista teve uma contribuição de destaque para o Direito, dando-lhe
sistematicidade, apresentando segurança para as relações que se desenvolviam sob sua proteção.
Norberto Bobbio apresenta algumas diferenças relevantes entre o direito natural e o positivo,
como, por exemplo, o direito natural é válido em todos os lugares, enquanto que o positivo somente
em alguns; o direito natural é imutável, enquanto que o positivo muda; o direito natural nos chega
diretamente da nossa razão, enquanto que o positivo é sabido por meio de promulgação, vontade
alheia; o direito natural estabelece aquilo que é bom, enquanto que o positivo estabelece o que é útil
(1999, p. 22).
O positivismo jurídico atingiu seu ápice na obra Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen
(1999). Segundo esse autor, considerado o maior jurista do século XX, a ciência jurídica deveria ser
objetiva e clara, ciência de normas, do dever-ser, que se abstivesse de julgar segundo quaisquer
critérios de justiça as normas que buscava descrever e explicar. Assim, qualquer consideração
axiológica deveria ser remetida a outros ramos uma vez que a ciência do direito seria uma ciência
autônoma e independente da sociologia do direito e da história do direito.
Contudo, diante da complexidade da realidade social e do dogma da completude do
ordenamento jurídico, o aplicador da lei, sob pena de inadmitida denegação de justiça, nos casos
76
inevitáveis de lacunas normativas deverá necessariamente recorrer à analogia, aos costumes, aos
princípios gerais de direito e à equidade, como previsto no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código
Civil brasileiro e no artigo 108 do Código Tributário Nacional e seus parágrafos, abrindo, nesta fase,
espaço para o entendimento dos princípios gerais de direito.
Na Escola Positivista os princípios são entendidos como fonte normativa subsidiária, de
forma que o aplicador deverá sempre limitar-se ao direito positivado (BONAVIDES, 2002, p. 235).
Para Paulo Nader os princípios gerais de direito expressam elementos contidos no
ordenamento jurídico. A vinculação de tais princípios ao direito positivo favorece a coerência lógica
do sistema, pois, caso os princípios gerais de direito se identificassem com os princípios de direito
natural abrir-se-ia um campo ilimitado ao arbítrio judicial. E, ainda, os princípios gerais de direito
concedem ao ordenamento jurídico poder de expansão, que lhe permite a solução de todas questões
sociais (1999, p. 236).
Com o passar dos tempos o ideal positivista de objetividade e neutralidade se torna
irrealizável. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, o pensamento de um ordenamento jurídico apático
a valores éticos, no qual o aplicador da lei deveria se conter nos limites do direito positivo vigente,
uma vez que os princípios gerais de direito seriam somente aqueles consagrados expressamente no
ordenamento jurídico, mostrou-se insuficiente para atender a finalidade do direito como ciência
social.
Apesar do enorme prestígio do positivismo, coube às novas gerações buscarem soluções
para os temas atuais com a finalidade de efetivar os direitos fundamentais e construir um sistema
jurídico mais flexível que permitisse uma aplicação mais adequada do direito.
Com o aparecimento de novas correntes do pensamento jurídico e com o recuo do
positivismo inicia-se a terceira fase que é a do pós-positivismo.
Nesta fase as idéias de justiça e legitimidade são introduzidas novamente no ordenamento
jurídico positivo pelo constitucionalismo moderno, com a volta dos valores e a reaproximação entre a
moral, a ética e o direito concretizados em princípios jurídicos constitucionais, implicitamente ou
explicitamente abrigados na constituição.
Nas palavras de Paulo Bonavides a fase do pós-positivismo:
[...] corresponde aos momentos constituintes das últimas décadas deste século. As
novas constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios,
convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos
novos sistemas constitucionais (2002, p. 236).
77
Apesar dos princípios permearem o direito desde os primórdios como, por exemplo, o
‘respeito ao próximo’, na tradição judaica; o princípio da não-contradição, da filosofia grega,
formulada por Aristóteles, ‘não pode ser e não ser simultaneamente’ que reflete a idéia de que o
direito não tolera antinomias. É no pós-positivismo que os princípios passam a ser visto como Direito
e adquirem o atributo de normatividade. Essa é a novidade do pós-positivismo.
Nesse sentido Luís Roberto Barroso:
[...] Os princípios como se percebe vem de longe e desempenham papéis variados. O
que há de singular na dogmática da quadra histórica atual é o reconhecimento da sua
normatividade.
Os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a síntese dos
valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade,
seus postulados básicos, seus fins. Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema,
integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas (2003, p. 29).
O pós-positivismo dá ênfase aos direitos fundamentais representados por princípios que
demonstram o pensamento, a vontade e os fins da sociedade. Com efeito, o pós-positivismo se
contrapõe à teoria jusnaturalista e à juspositivista, considerando os princípios como verdadeiras
normas jurídicas aptas a produzirem efeitos na realidade fática e na jurisprudência.
Paulo Bonavides descreve:
É na idade do pós-positivismo que tanto a doutrina do direito natural como a do
velho positivismo ortodoxo vem abaixo, sofrendo golpes profundos e crítica
lacerante, proveniente de uma reação intelectual implacável, capitaneada sobretudo
por Dworkin, jurista de Harvard. Sua obra tem valiosamente contribuído para traçar
e caracterizar o ângulo novo de normatividade definitiva reconhecida aos princípios
(2002, p. 237).
Para o autor a normatividade dos princípios ingressou na ordem jurídica, com maior
destaque, após os estudos de Boulanger, que pioneiramente, embora titubiante, fez a distinção entre
princípio e regra, afirmou a relevância dos princípios e reconheceu que os princípios existem, mesmo
quando não expressos em textos legais, já que é manifestação do espírito de uma legislação
(BONAVIDES, 2002, p. 239-240).
Para Vezio Crisafulli princípio:
- é toda norma jurídica considerada como determinante de outra ou outras que lhes
são subordinadas, que a pressupõe, desenvolvendo e especificando ulteriormente o
preceito em direções mais particulares;
- tem dupla eficácia: eficácia mediata e a eficácia imediata (programática);
78
- expresso numa formulação legislativa ou, ao contrário, implícito ou latente num
ordenamento, constitui norma, aplicável como regra de determinados
comportamentos públicos ou privados;
- são normas escritas e não escritas, das quais logicamente derivam as normas
particulares (também estas escritas e não escritas) e as quais inversamente se chega
partindo destas últimas (apud BONAVIDES, 2002, p. 244-245).
Os mestres do Direito Público contemporâneo procuram demonstrar a eficácia dos
princípios e destacam que a característica de generalidade destes não lhes retira o título de
normatividade que lhes foi atribuído pela doutrina.
São características dos princípios a generalidade e a fecundidade. Para Domenico Farias é
do atributo da fecundidade que se deduz as funções de interpretação e integração. A partir dessas
funções os princípios adquirem paulatinamente normatividade e assim conquista o grau
constitucional, grau mais alto do Direito Positivo (apud BONAVIDES, 2002, p. 246).
No entanto, a constitucionalização dos princípios apresenta fases distintas de normatividade.
A primeira, fase programática, a normatividade constitucional dos princípios é mínima e sua
aplicação é diferida. A segunda, fase não programática, a normatividade é máxima, com aplicação
direta e imediata dos princípios, apresentando-se no mesmo plano os princípios gerais,
constitucionais e as disposições de princípios (BONAVIDES, 2002, p. 246).
A doutrina a respeito da normatividade dos princípios advém basicamente dos estudos da
Filosofia e da Teoria Geral do Direito em busca de solucionar o conflito entre jusnaturalismo e
positivismo. Essa nova fase da doutrina, pós-positivismo, é representada por Müller que com o
normativismo de sua teoria estruturante do direito rompe o normativismo de Kelsen e por Dworkin
que reintroduz a moral no direito e questiona o positivismo de Hart.
Nesse sentido Bonavides destaca:
São momentos culminantes de uma reviravolta na região da doutrina, de que
resultam para a compreensão dos princípios jurídicos importantes mudanças e
variações acerca do entendimento de sua natureza: admitidos definitivamente por
normas, são normas-valores com positividade maior nas Constituições do que nos
Códigos; e por isso mesmo providos, nos sistemas jurídicos, no mais alto peso por
constituírem a norma de eficácia suprema. Essa norma não pode deixar de ser o
princípio (2002, p. 248).
O pós-positivismo estabelece, portanto, um conjunto de idéias disseminadas que ultrapassam
o legalismo estrito do positivismo normativista, sem recorrer a categorias da razão subjetiva do
jusnaturalismo. Destaca-se pela ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos
princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais. Volta-se, com ele, a discussão ética do
Direito.
79
Resumidamente, pode se afirmar que a teoria dos princípios chega à fase do póspositivismo, com os seguintes resultados: os princípios saem do campo metafísico e abstrato e
adentram o campo concreto e positivo do Direito, ainda, com baixa normatividade; do âmbito
jusprivativista (Códigos) vão para o âmbito juspublicista (Constituições); ocorre a suspensão da
clássica distinção entre normas e princípios; é proclamada a sua normatividade, perdendo seu caráter
programático; a confirmação de que as regras e os princípios são espécies do gênero norma, e as suas
distinções (BONAVIDES, p. 265)
Após essa reviravolta da doutrina fica superado o conflito entre princípio e norma, já que
para a metodologia da doutrina pós-positivista a norma é elevada à categoria de gênero do qual são
espécies: princípios e regras.
3.2 Teoria dos princípios no Direito brasileiro
Para chegar à normatividade dos princípios passou-se pela fase do jusnaturalismo, onde os
princípios eram vistos apenas como sugestões de moral e ética, de origem universal. Em seguida na
fase do positivismo jurídico, o princípio é reconhecido como fonte secundária, com característica
interpretativa, integrativa. E, então, no pós-positivismo adquirem característica de norma, ganhando a
sua própria teoria, ou seja, a teoria dos princípios.
Para compreensão desta teoria, que coloca os princípios como espécies do gênero norma, ao
lado das regras, é necessária uma análise das diferenças entre princípios e regras.
Nesta fase conforme descreve Bonavides:
De antiga fonte subsidiária de terceiro grau nos Códigos, os princípios gerais
desde as derradeiras Constituições da segunda metade deste século, se
tornaram fonte primária de normatividade, corporificando do mesmo passo na
ordem jurídica os valores supremos ao redor dos quais gravitam os direitos, as
garantias e as competências de uma sociedade constitucional (2003, p. 254).
Seguindo esse mesmo sentido, Norberto Bobbio:
Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou
generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a
engano, tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são
normas. Para mim não há dúvidas: os princípios gerais são normas como todas
80
as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que
os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos:
antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são
extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê
por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal
obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função
para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as
normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são
extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento nãoregulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas
expressas. E por que não deveriam ser normas? (2006, p.158-159).
Ronald Dworkin ao diferenciar princípios e regras considera dois critérios: o do tudo ou
nada e do peso ou importância.
Para o primeiro critério, as regras obedecem à lógica do tudo ou nada, quer dizer, ou são
integralmente aplicáveis ao caso concreto ou não. “Dados os fatos que uma estipula, então ou a regra
é valida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada
contribui para a decisão” (DWORKIN, 2002, p. 39).
Por outro lado, o mesmo não acontece com os princípios, que “mesmo aqueles que mais se
assemelham a regras, não apresentam conseqüências jurídicas que se seguem automaticamente
quando as condições são dadas” (DWORKIN, 2002, p. 40).
Quanto ao segundo critério determinado por Dworkin os princípios possuem a dimensão de
peso ou importância diferentemente do que ocorre com as regras. Assim, quando dois princípios
entram em conflito, o aplicador do Direito deverá ponderar, considerando os princípios em conflito,
ou seja, “leva em conta a força normativa de cada um” (2002, p. 42).
Portanto, de acordo com a teoria de Dworkin, os princípios suscitam questões de peso e as
regras de validade. Os princípios são ponderados e harmonizados a um determinado caso, são normas
passíveis de convivência sem conflito que o excluam do ordenamento jurídico. Enquanto as regras ou
valem ou não, ou seja, se duas regras são conflitantes, uma delas está sujeita à exclusão.
Para Dworkin somente as regras ditam resultados, são aplicadas ao modo tudo ou nada,
diante de um resultado contrário é abandonada ou alterada. Enquanto que os princípios, quando não
se inclinam de maneira conclusiva para uma decisão, são abandonados por ocasião da apreciação de
um caso concreto, não são excluídos da ordem jurídica e sobrevivem intactos.
Descreve o autor “se duas regras entrarem em conflito, uma delas não pode ser regra válida.
A decisão acerca de qual será válida e qual deverá ser abandonada ou reformada fica sujeita a
considerações exteriores às próprias regras” (DWORKIN, 2002, p. 42).
Alexy, representante de destaque da doutrina pós-positivista, seguindo as idéias de Dworkin
aperfeiçoou ainda mais o conceito de princípios. Estuda a distinção entre regras e princípios e
81
também abriga essas modalidades sob o conceito de norma. Para ele tanto as regras quanto os
princípios são normas porque ambos dizem o que deve ser e podem ser formulados com auxílio das
expressões deônticas tais como o mandamento, a permissão e a proibição (apud BONAVIDES, 2002,
p. 248-249).
Princípios e regras, portanto, são juízos concretos do dever ser e não do ser, o que não gera
dúvidas, embora sejam espécies muito diferentes.
Robert Alexy define um critério para diferenciar regras e princípios baseado no aspecto
lógico ou qualitativo. Os princípios são espécies de normas jurídicas que se caracterizam por serem
mandados de otimização, com o objetivo de concretizar algo dentro da melhor e maior medida
possível, isto é, de acordo com as condições circunstanciais, podem ser realizados em diferentes
graus ou medidas sem comprometer a validade dos princípios em jogo. Por outro lado, as regras são
concebidas como mandado de definição com natureza biunívoca, que podem ou não ser cumpridas,
não permitindo a mesma flexibilidade e gradação que caracterizam os princípios. Essas regras, diante
do caso concreto, são aplicáveis ou não, ou seja, se a regra é válida, então há de se fazer o que ela
determina.
Na lição do autor:
Toda norma es o bien uma regla o un principio. Los principios son “Mandatos de
optimizacion”que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en
diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las
posibilidades reales sin también de las jurídicas. En cambio, las reglas son normas
que sólo pueden ser cumplidas o no. Por lo tanto, las reglas contienen
determinaciones en el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significa
que la diferencia entre reglas e principios cualitativa y no de grado (ALEXY, 2002,
p. 86-87).
Humberto Ávila com o objetivo de aperfeiçoar os critérios de distinção entre princípio e
regra elabora sua crítica partindo dos critérios cárater hipotético-condicional, modo final de
aplicação, relacionamento normativo e fundamento axiológico.
O critério cárater hipotético-condicional – que determina que as regras possuem uma
hipótese e uma conseqüência que preestabelecem a decisão correta, aplicadas ao modo se, então, e os
princípios somente estabelecem os fundamentos que o aplicador utilizará para então descobrir a regra
integralmente aplicável para o caso concreto – seria impreciso, uma vez que, o conteúdo de qualquer
norma depende das possibilidades normativas e fáticas do caso concreto; pode ser reformulado de
modo a possuir uma hipótese de incidência seguida de uma conseqüência, e também qualquer norma
que possui uma hipótese seguida de uma conseqüência terá sempre um fim. Nesse sentido, o
82
qualitativo de regra e de princípio decorre do uso argumentativo da norma e não da estrutura
hipotética.
O dispositivo constitucional que estabelece por exemplo, se houver instituição ou aumento
de tributo, então a instituição ou aumento deve se veiculado por lei, pode ser entendido como regra,
se o aplicador considerar o aspecto imediatamente comportamental – a edição de lei em sentido
formal para a validade da criação ou aumento de tributos – e pode ser entendido como princípio, se o
aplicador privilegiar o aspecto teleológico e o dispositivo for aplicado como instrumento de
realização do valor liberdade e do valor segurança (Ávila, 2006, p. 42).
Para o autor não é verdadeira a afirmação de que os princípios não contêm conseqüências
normativas e hipótese de incidência como as regras. Ressalta que os princípios também desfrutam de
conseqüências normativas, já que o objetivo estipulado por eles deve ser considerado na análise do
caso concreto e o comportamento necessário para se atingir e preservar o estado ideal de coisas deve
ser adotado. Assim, apesar dos princípios não determinarem frontalmente os comportamentos a
serem adotados, a sua interpretação pode indicar, inclusive abstratamente, quais as espécies de
comportamento devem ser adotados para a realização do fim.
Desta forma, o autor conclui na sua análise crítica do critério cárater hipotético-condicional,
que “o ponto decisivo não é, pois, a ausência da prescrição de comportamento e de conseqüências no
caso dos princípios, mas o tipo da prescrição de comportamentos e de conseqüências, o que é algo
diverso” (ÁVILA, 2006, p. 43).
O critério modo final de aplicação – que compreende que as regras são aplicadas de modo
absoluto tudo ou nada e os princípios de modo gradual mais ou menos – não é verdadeiro, primeiro
porque o modo de aplicação das regras não está definido no texto objeto da interpretação e a
conseqüência primária prevista na norma pode ser superada frente ao caso concreto, uma vez que, no
momento da elaboração das regras não é possível ao legislador imaginar todas as situações que
possam ocorrer – a característica específica das regras surge somente após sua interpretação. “A
consideração de circunstâncias concretas e individuais não diz respeito à estrutura das normas, mas à
sua aplicação; tanto os princípios como as regras podem envolver a consideração a aspectos
específicos, abstratamente desconsiderados” (ÁVILA, 2006, p. 47).
Ávila cita como exemplo a legislação tributária federal que proibi a importação para as
empresas participantes do programa de pagamento simplificado de tributos. A regra determina se
fosse feita a importação, então a empresa seria excluída do referido programa. Uma pequena fábrica
de sofá, optante pelo regime especial, foi excluída por ter infringido a condição legal de não efetuar a
importação de produtos estrangeiros. Como a empresa havia efetuado a importação de apenas quatro
pés de sofás, para um único sofá, recorreu da decisão. A exclusão foi anulada, porque uma
83
interpretação dentro do razoável indicava que apesar da hipótese prevista em lei ter ocorrido
(importação de bens estrangeiros), o comportamento da empresa não comprometia a promoção do
fim que justificava a regra (estímulo da produção nacional) (2006, p. 46).
Verifica-se que não é adequado a afirmação que as regras são aplicadas na forma “tudo ou
nada”, em muitos casos, a conseqüência determinada pela norma pode não ser aplicada frente a
razões substanciais observadas pelo aplicador, desde que a fundamentação indique razões superiores
àquelas que justificam a própria regra.
Já registrava Aristóteles, no Livro V da Ética a Nicômano, que o caso concreto pode
apresentar particularidades não previstas de forma geral pelo legislador, cabendo ao aplicador ajustar
a norma e suas conseqüências de acordo com as características próprias do caso.
A razão é que toda lei é de ordem geral, mas não é possível fazer uma afirmação
universal que seja correta em relação a certos casos particulares. Nestes casos, então,
em que é necessário estabelecer regras gerais, mas não é possível faze-lo
completamente, a lei leva em consideração a maioria dos casos, circunstâncias e nem
por isso a lei é menos correta, pos a falha não é da lei nem do legislador, e sim da
natureza do caso particular, pois a natureza da conduta é essencialmente irregular.
Quando a lei estabelece uma regra geral, e aparece em sua aplicação um caso não
previsto por esta regra, então é correto, onde o legislador é omisso e falhou por
excesso de simplificação, suprir a omissão, dizendo o que o próprio legislador diria
se estivesse presente, e o que teria incluído em sua lei se houvesse previsto o caso
em questão (1999, p. 109).
Segundo porque não são os princípios que são aplicados de modo gradual mais ou menos,
mas sim o estado de coisas – situação qualificada por determinadas qualidades que se transforme em
fim quando alguém objetiva conseguir, gozar ou possuir as qualidades existentes naquela situação –
que pode ser mais ou menos atingido de acordo com a conduta utilizada como meio. Desta forma, o
princípio será ou não aplicado, ou seja, a conduta, o comportamento necessário para atingir ou
preservar este estado de coisas é que será adotado ou não.
O importante é que tanto os princípios quanto as regras permitem a
consideração de aspectos concretos e individuais. No caso dos princípios essa
consideração de aspectos concretos e individuais é feita sem obstáculos
institucionais, na medida em que os princípios estabelecem um estado de
coisas que deve ser promovido sem descrever, diretamente, qual o
comportamento devido (ÁVILA, 2006, p. 48).
Os princípios são normas que geram à argumentação razões substanciais ou razões
finalísticas. As regras geram para a argumentação razões de correção ou razões autoritativas. Assim,
a ponderação é condição sine qua non na atividade do intérprete, o que importa dizer que o ponto
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distintivo não está na estrutura condicional da norma. É a forma como o intérprete justifica a
aplicação do conteúdo preliminar da norma, se frontalmente finalístico ou comportamental, que
determina o enquadramento nas espécies normativas, regra ou princípio.
O critério relacionamento normativo – que estabelece que a colisão entre regras é um
verdadeiro conflito que somente pode ser resolvido por uma cláusula de exceção ou pela nulidade de
uma das regras, enquanto o mesmo não ocorre entre os princípios, pois a colisão entre estes é
solucionada mediante ponderação e harmonização no caso concreto e existindo incompatibilidades
entre eles, serão afastados do caso concreto, porém não excluídos da ordem jurídica – segundo Ávila
deve ser aperfeiçoado, pois entende que a ponderação não é “método privativo de aplicação” dos
princípios, já que a ponderação, entendida como balanceamento de razões e contra-razões que indica
a decisão correta para o caso concreto, também é aplicada para as regras, a diferença é o tipo de
ponderação.
A uma, porque o conflito de regras não é necessariamente em nível abstrato. Duas regras
podem ser válidas e coexistir formalmente no ordenamento jurídico, porém essas mesmas regras
podem ser conflitantes diante do caso concreto. Assim esse conflito concreto será solucionado
através da ponderação atribuindo um peso maior a uma delas, dada a sua finalidade, sem que a outra
perca sua validade.
Para elucidar o Código de Ética Médica estabelece que o médico deva dizer toda a verdade
sobre a doença ao seu paciente e em outra regra que deva utilizar todos os meios disponíveis para
curá-lo. Porém, como decidir no caso concreto em dizer a verdade ao paciente sobre sua doença que
poderá levá-lo a um desequilíbrio emocional que traga graves conseqüências a sua vida ou omitir a
verdade para preservar o estado de saúde do paciente? Verifica-se nesse caso que o conflito de regras
não ocorre no plano abstrato, mas somente no caso concreto, como normalmente se verifica no
conflito de princípios (Ávila, 2006, p. 53).
É preciso, pois, aperfeiçoar o entendimento de que o conflito entre regras é um
conflito necessariamente abstrato, e que quando duas regras entram em
conflito deve-se declarar a invalidade de uma delas ou abrir uma exceção.
Trata-se de qualidade contingente, não necessária (ÁVILA, 2006, p. 54).
A duas, porque é possível a superação da hipótese normativa das regras por razões maiores a
contida na própria regra, o que ocorre nos casos de relação entre a regra e suas exceções, ou seja,
embora tenha ocorrido a hipótese normativa, o aplicador da lei busca em outras normas do
ordenamento razões que justificam o não cumprimento daquela hipótese normativa, o que evidencia
que o modo de aplicação da regra não está vinculado estritamente a subsunção da hipótese ao fato
85
concreto, mas depende da valoração das circunstâncias que o envolvem. A justificativa, a razão do
não cumprimento da hipótese normativa – exceção à regra – pode ser encontrada em outra norma do
ordenamento ou, ainda, não estar prevista no ordenamento e ser criada frente ao caso concreto.
A relação entre regras gerais, excepcionais e entre princípios conflitantes é diferente apenas
quanto a intensidade da atividade elaborativa do aplicador da norma ao caso concreto e quanto ao
modo de ponderação. Como nas regras e exceções a hipótese normativa já está descrita, o aplicador
terá diferente e menor âmbito de apreciação das razões que justificam a norma. Já na relação entre
princípios, como não há descrição do comportamento e sim do estado de coisa a ser alcançado, o
aplicador possui maior liberdade de apreciação.
Observa o autor, que dois princípios podem estabelecer fins idênticos, porém com
comportamentos divergentes. Nesse caso a solução aplicada será a mesma dada ao conflito entre
regras com determinação de uma exceção, assim deixa-se de aplicar um em detrimento do outro.
Nesse sentido descreve Ávila:
O relacionamento entre regras gerais e excepcionais e entre princípios que se
imbricam não difere quanto a existência de ponderação de razões, mas – isto,
sim – quanto a intensidade da contribuição institucional do aplicador na
determinação concreta dessa relação e quanto ao modo de ponderação: no
caso da relação entre regras gerais e excepcionais o aplicador – porque as
hipóteses normativas estão entremostradas pelo significado preliminar do
dispositivo, em razão do elemento descritivo das regras – possui menor e
diferente âmbito de apreciação, já que deve delimitar o conteúdo normativo da
hipótese se e enquanto esse for compatível com a finalidade que a sustenta; no
caso do imbricamento entre princípios o aplicador – porque, em vez de
descrição, há o estabelecimento de uma estado de coisas a ser buscado –
possui maior espaço de apreciação, na medida em que deve delimitar o
comportamento necessário à realização ou preservação do estado de coisas
(2006, p. 56).
A três, quando o aplicador se depara com normas de conceitos semânticos abertos ou de
conceitos jurídicos-políticos, tais como Estado de direito, certeza do direito, democracia, requer
mais que uma mera atividade de subsunção do fato à norma. Como as normas, prevêem situações
hipotéticas, acabam resultando em formulações generalizadas e imprecisas. Por essa razão cabe ao
aplicador analisar os elementos descritos na norma e a razão que justifica ou não a obediência à
hipótese normativa, que demanda um processo de ponderação de razões que fundamenta a renúncia
desses elementos e a aplicação da razão justificativa nos casos de discordância entre eles.
Ora, essa decisão depende da ponderação entre as razões que justificam a
obediência incondicional à regra, como razões ligadas à segurança jurídica e à
previsibilidade do Direito e as razões que justificam seu abandono em favor da
86
investigação dos fundamentos mais ou menos distantes da própria regra. Essa
decisão – eis a questão – depende de uma ponderação. Somente mediante a
ponderação de razões pode-se decidir se o aplicador deve abandonar os
elementos da hipótese de incidência da regra em busca do seu fundamento,
nos casos em que existe uma discrepância entre eles (ÁVILA, 2006, p. 58).
Humberto Ávila, após essas considerações, afirma que a ponderação aplica-se também as
regras, não é uma atividade exclusiva na aplicação dos princípios. “A ponderação diz respeito tanto
aos princípios quanto às regras, na medida em que qualquer norma possui um caráter provisório que
poderá ser ultrapassado por razões havidas como mais relevantes pelo aplicador diante do caso
concreto. O tipo de ponderação é que diverso” (2006, p. 58-59).
Destaca também que a dimensão de peso não é privativa somente dos princípios, mas está
presente em qualquer norma jurídica. Não está descrita na estrutura da norma hipotética e sim é
relativa a sua aplicação ao caso concreto. É propriedade das razões e dos fins aos quais os princípios
fazem referência e não atributo abstrato destes. A decisão tomada pelo aplicador é que atribuirá a
dimensão de peso. “A consideração ou não de circunstâncias específicas não está predeterminada
pela estrutura da norma, mas depende do uso que dela se faz” (AVILA, 2006, p. 61).
Da característica da dimensão de peso decorre que os princípios são “deveres de
otimização”, assim entendidos porque o seu conteúdo deve ser aplicado na máxima medida. Ávila faz
sua crítica a essa definição ao analisar as várias espécies de colisão existentes entre os princípios
interdependentes, princípios que apontam para finalidades excludentes, princípios parcialmente
imbricados e princípios que determinam a promoção de fins indiferentes entre si. Com essa análise
visa demonstrar que a diferença entre princípios e regras não significa que as regras devam ser
aplicadas no todo enquanto os princípios somente na medida máxima, mas sim, que tanto as regras
como os princípios possuem o mesmo conteúdo de dever-ser e no momento da aplicação esse
conteúdo deve ser realizado integralmente. A diferença é quanto a prescrição de conduta: os
princípios estabelecem os fins e não determinam a conduta a ser seguida; as regras determinam o
comportamento prima-facie.
Ávila encerra sua crítica aos conceitos dominantes de princípios afirmando que o mandado
de otimização não é inerente ao princípio, mas é a aplicação do princípio que estabelece um processo
de otimização do seu conteúdo. Conclui que o procedimento de ponderação aplica-se tanto para as
regras como para os princípios, a diferença está no tipo de ponderação.
A proposta de conceituação de princípios e regras de Ávila se fundamenta na dissociação
justificante que considera a investigação dos valores protegidos pelos princípios, privilegiando o
procedimento racional de fundamentação que legitima as condutas necessárias à consecução daqueles
valores; na dissociação abstrata busca uma distinção que possa antecipar as características das
87
espécies normativas, facilitando o processo de interpretação e aplicação do direito, e,
conseqüentemente, minorar o ônus de fundamentação do aplicador do Direito; na dissociação
heurística em que a qualificação da norma, que depende de valores não incorporados a ela, é
construída pelo intérprete, de forma que a distinção funcionará como modelo provisório para, então,
reconstruir o conteúdo da norma; e na dissociação em alternativas inclusivas que reconhece a
existência simultânea de regras e princípios em razão de uma mesma norma, ou seja, um ou mais
dispositivos podem apresentar-se como regras, princípios e postulados.
Para o autor regras e princípios são:
Regras são normas imediatamente prescritivas, primariamente retrospectivas e
com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a
avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá
suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a
construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos
fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente
prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para
cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de
coisas a ser promovida e os efeitos decorrentes da conduta havida como
necessária à sua proteção (ÁVILA, 2006, p. 78-79).
Após esta análise das discussões sobre as definições de princípios e regras como espécies do
gênero norma, resta estabelecer o modo e a forma de aplicação dessas normas. Frente às colisões
existentes entre as normas surge a necessidade da aplicação da exigência da razoabilidade,
proporcionalidade e da proibição de excesso, que segundo Ávila são postulados normativos
aplicativos, localizam-se no âmbito das metanormas, portanto, são normas de segundo grau que
estruturam a aplicação de outras normas, enquanto para doutrina dominante trata-se de princípios.
Ávila entende que definir postulados como princípios é um equívoco, uma vez que os
postulados têm um funcionamento diferente, estão num plano distinto do das normas objeto de
aplicação e, ainda, “não impõe a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do
dever de promover um fim; de outro não prescreve indiretamente comportamentos, mas modos de
raciocínio
e
de
argumentação
relativamente
a
normas
que
indiretamente
prescrevem
comportamentos” (2006, p. 123).
A colisão de normas tem despertado entre os estudiosos o interesse pela aplicação da
ponderação como técnica de harmonização destas. O assunto, apesar de pouco debatido no Brasil, já
conquista espaço na doutrina estrangeira passando de mera forma de superação de conflito entre
princípios para se constituir em “[...] fundamento do próprio Estado de Direito, que se transforma em
88
um Estado de Ponderação (Abwägungsmodell), que se legitima pela proporcionalidade e justiça”
(apud TORRES, 2004, [s.p.]).
Para Humberto Ávila o conflito entre normas é solucionado por meio da ponderação, que
consiste no balanceamento de valores ou interesses diante do caso concreto. Desta forma busca-se
encontrar o peso de cada uma das normas em choque, identificando dentre elas a mais adequada e
eficaz para aquela situação, já que não há elementos formais de conteúdo que previamente impõem
uma hierarquia entre elas.
A idéia de ponderação de interesses na aplicação do direito, substituindo o modelo de
subsunção, surge com os defensores da jurisprudência dos interesses, atacada pelos adeptos da
jurisprudência dos conceitos e retomada com intensidade pela jurisprudência dos valores (TORRES,
2005, p.223-225).
A jurisprudência dos interesses “passa por diversas vicissitudes no século XX, até culminar
na concepção de um princípio da ponderação, que imanta todos os outros princípios jurídicos. (...) O
tema começa a ganhar espaço na literatura jurídica brasileira e apresenta a potencialidade para
enriquecer o direito constitucional tributário (grifo nosso) (TORRES, 2005, p. 223).
Para aprofundar a abordagem do modelo de ponderação foram importantes as diferenças
estabelecidas entre princípios e regras nos estudos de Dworkin, que posteriormente foi aperfeiçoada
por Alexy quando reconheceu a natureza de mandados de otimização dos princípios, preparando-os
para o processo de ponderação.
Na lição de Daniel Sarmento a resolução de conflitos entre princípios constitucionais exige o
estudo do caso concreto em que originou o conflito. O intérprete dependerá das variáveis fáticas do
caso para atribuir o peso específico dos princípios constitucionais em conflito. Para tanto, “a técnica
de decisão que, sem perder de vista os aspectos normativos do problema, atribui especial relevância
às suas dimensões fáticas, é o método de ponderação de bens” (2004, p. 55).
Para Thomas Würtemberge, “O Estado moderno é um Estado de ponderação, seu direito
constitucional é impregnado pela ponderação, sob a idéia diretiva de uma distribuição otimizadora de
liberdade, de funções estatais ou de alocação de recursos” (apud TORRES, 2006, p. 228).
Para Silvia Faber Torres:
[...] a ponderação ganha um novo status no Estado Democrático de Direito, no qual,
de uma técnica de aplicação da norma principiológica, erige-se em verdadeiro
princípio de legitimação de todos os outros princípios constitucionais,
transformando-se em um conceito que informaria a essência de um novo Estado,
qual seja, o Estado de Ponderação (2006, p. 585).
89
O método da ponderação de bens se vincula ao princípio de hermenêutica constitucional da
concordância prática ou princípio da harmonização que para Canotilho:
[...] impõe a coordenação e combinação de bens jurídicos conflito ou em
concorrência de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros.
O campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos
direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos
fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos). Subjacente a este
princípio está a idéia do igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de
hierarquia) que impede, como solução o sacrifício de uns em relação aos outros, e
impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a
conseguir uma harmonização ou concordância prática entre esses bens (1998, p.
1098).
Ricardo Lobo Torres entende que a ponderação é um princípio formal de legitimação, assim
como a razoabilidade, a igualdade, a transparência e a clareza. Tanto a razoabilidade quanto a
ponderação são princípios vazios e exercem a função legitimadora do Estado de Direito, por
intermediarem a aplicação dos princípios fundamentais do artigo 1º da CF e dos princípios
vinculados à liberdade, à justiça e à segurança (arts. 5º, 6º, 7º, 150, 170, 195, 196, 208) (2005, p.
222).
Para o autor a razoabilidade surge no direito americano, como balanceamento de interesses
decorrente das cláusulas da XIV Emenda: due processo f law e equal protetion. Ganha status de
princípio jurídico de legitimação do próprio Estado e se encontra também em Itália, Alemanha e
Brasil, com implicação relevante para o campo do direito constitucional financeiro e tributário. “O
teste da razoabilidade procura a adequação entre os meios e fins, sopesando as situações particulares
diante de princípios constitucionais” (2005, p 228 e 229).
Recasens Siches, buscou a lógica do razoável para compreensão dos valores jurídicos que a
lógica matemática dedutiva não explicava. A lógica do razoável permite o surgimento de um direito
baseado na prudência, congruência histórica, viabilidade ou praticabilidade, ponderação dos
resultados e legitimidade dos meios. O razoável seria:
[...] está limitado e condicionado pela realidade concreto do mundo; está impregnado
de valorações e de critérios estimativos e axiológicos, o que o distingue do logos do
racional; está condicionado pelas possibilidades da realidade humana social
concreta; está regido por razões de congruência ou adequação entre a realidade
social e os valores, os valores e os fins, os fins e a realidade social concreta e os fins
e os meios (apud, TORRES, 2005, p. 230).
Mas foi John Rawls, apud Torres, que contribuiu definitivamente para a transformação do
princípio da razoabilidade em princípio da legitimação do próprio Direito Constitucional. O razoável
90
é alcançado pelo balanceamento (the burdens of judgmente). Rawls evita conceituar a razoabilidade
por entender ser o razoável indefinível, no entanto, tenta identificar as pessoas, instituições e
doutrinas que se afiguram como razoáveis:
a) o overlapping consensus sobreposto é razoável porque as pessoas defendem
doutrinas compreensíveis e razoáveis, embora passa haver desacordo razoável;
b) a justiça como imparcialidade (justice as fairness) é razoável;
c) a sociedade bem ordenada (well-ordered society), que não é uma sociedade de
santos, é razoável;
d) a razoabilidade impregna também as idéias de reciprocidade, publicidade,
tolerância, razão pública, pluralismo, cidadania (TORRES, 2005, p. 232).
Para Ricardo Aziz Cretton os princípios da proporcionalidade e razoabilidade se aproximam
porque contêm muito mais pontos em comum do que pontos contrários. Desta forma descreve:
Considerando suas origens e evolução, a idéia de razoabilidade, que predomina na
concepção estadunidense, parece conduzir-nos mais fácil e diretamente as
considerações metodológicas, atinentes à lógica e à interpretação jurídicas, enquanto
a noção de proporcionalidade nos remete a questões axiológicas, de valores e sua
ponderação. Nessa linha, poderíamos ver historicamente na razoabilidade, um
princípio de características hermenêutica, convergindo ultimamente para a
ponderação de outros princípios. E, na proporcionalidade, um princípio de vocação
objetiva, material, substancial, precipuamente destinado, ab ovo, ao balanceamento
de valores (e de outros princípios decorrentes), como os de justiça, segurança,
igualdade, liberdade, propriedade e outros. Confluem ambos, pois, rumo ao (super)
princípio da ponderação de valores e bens jurídicos, fundamente do próprio
Estado de Direito Democrático contemporâneo (pluralista, cooperativo,
publicamente razoável e tendente ao justo) (2001, p. 75).
Canotilho entende que o princípio da proporcionalidade é um princípio concretizador do
princípio do Estado de Direito. Nos séculos XVIII e XIX o princípio está presente na idéia da
razoabilidade. No século XVIII servia de medida de limitação do poder executivo, contra as
restrições das liberdades, introduzido, no século XIX, ao direito administrativo como princípio geral
ao direito de polícia, para posteriormente, no pós-guerra, frente à necessidade da materialidade de um
direito mais justo, ser elevado à categoria de princípio constitucional, controlando os atos dos
poderes públicos pelo princípio da proporcionalidade (1998, p. 261).
A discussão sobre o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, também conhecido
como princípio da proibição de excesso, está no seu fundamento, que para alguns autores deriva de
princípio do estado de direito, enquanto para outros deriva de direitos fundamentais.
Através de standards jurisprudenciais como o da proporcionalidade, razoabilidade,
proibição de excesso, é possível hoje recolocar a administração (e, de um modo
91
geral, os poderes públicos) num plano menos sobranceiro e incontestado
relativamente ao cidadão. [...] razoabilidade-coerência, razoabilidade-adequação,
proporcionalidade-necessidade – é hoje objecto de difusão em toda a Europa através
do Tribunal de Justiça das Comunidades (cfr. Tratado da União Européia, art.3º B
III). Trata-se, afinal, de um controlo de natureza eqüitativa que, não pondo em causa
os poderes constitucionalmente competentes para a prática de actos autoritativos e a
certeza do direito, contribui para a integração do “momento de justiça” no palco da
conflitualidade social (1998, p. 262).
Seguindo uma leitura da obra de Bonavides o princípio da proporcionalidade divide-se em
três subprincípios ou elementos: a) da adequação, da conformidade ou da validade do fim, que exige
que as medidas adotadas tenham aptidão para conduzir os resultados almejados pelo legislador; b) da
necessidade em que a medida adotada não pode ultrapassar os limites indispensáveis para alcançar o
fim legítimo a ser alcançado; c) proporcionalidade em sctrito sensu que preconiza a ponderação entre
os efeitos positivos da medida e ônus que ela acarreta aos seus destinatários.
Observa o autor que o princípio da proporcionalidade, no seu elemento de adequação, se
confunde com o da vedação de arbítrio e que para alguns utilizam com o mesmo significado de
princípio geral da proporcionalidade, e no seu elemento da necessidade identifica-se com a
proporcionalidade propriamente dita (BONAVIDES, 2002, p. 360).
Pierre Muller descreve:
É em função do duplo caráter de obrigação e interdição que o princípio da
proporcionalidade tem o seu lugar no Direito, regendo todas as esferas jurídicas e
compelindo os órgãos do Estado a adaptar em todas as suas atividades os meios de
que dispõem aos fins que buscam e aos efeitos de seus atos. A proporção adequada
se torna assim condição da legalidade (BONAVIDES, 2002, p. 361).
Para o presente estudo adota-se a teoria de Humberto Ávila que destaca que a ponderação, a
concordância prática e a proibição de excesso são postulados inespecíficos ou incondicionais, pois
exigem a relação entre elementos, sem estabelecerem critérios materiais ou formais orientadores da
aplicação da norma. A igualdade, a razoabilidade e a proporcionalidade, por sua vez, são postulados
específicos ou condicionais, pois também exigem a relação entre elementos específicos, porém
estabelecem critérios orientadores da aplicação da norma (2006, p. 130).
São postulados inespecíficos ou incondicionais:
- a ponderação porque determina o balanceamento de elementos como bens jurídicos, de
valores, de princípios, de fins e de interesses, sem referências a critérios materiais que o oriente. Por
isso, a ponderação para ser útil à aplicação do direito precisa ser estruturada pelos postulados
específicos de razoabilidade e de proporcionalidade e direcionada mediante a utilização dos
princípios constitucionais fundamentais. “Nesse aspecto, a ponderação, como mero método ou idéia
92
geral despida de critérios formais ou materiais, é muito mais ampla que os postulados da
proporcionalidade e da razoabilidade” (2006, p. 131).
Os elementos, objetos de ponderação, apesar de relacionados entre si, podem e devem ser
dissociados: Bens jurídicos são situações, estados ou propriedades essenciais à promoção dos
princípios jurídicos. Por exemplo, o princípio da livre iniciativa pressupõe liberdade de escolha e
autonomia. Liberdade e autonomia são bens jurídicos protegidos pelo princípio da livre iniciativa.
Interesses são os próprios bens jurídicos na sua vinculação com algum sujeito que os pretende obter,
assim liberdade e autonomia sendo bens jurídicos protegidos pelo principio da livre iniciativa,
podem, em razão de determinadas condições, passar a compor a esfera de interesses de determinado
sujeito. Valores representam o aspecto axiológico das normas, na medida em que indicam que algo é
bom e, por isso, merece ser buscado e preservado. A liberdade, no exemplo, é um valor e por isso
deve ser buscada e preservada. Princípios consistem no aspecto deontológico dos valores, e além de
indicarem que algo vale a pena ser buscado, determina que esse estado de coisas deve ser promovido.
- a concordância prática é um postulado que surge em razão da coexistência de normas que
abrigam valores divergentes e entende-se como o dever de realizar ao máximo esses valores que se
imbricam. Diante da tensão entre as normas constitucionais, principalmente, entre as que abrigam os
direitos fundamentais e as que atribuem poderes ao Estado, deve-se buscar o equilíbrio entre elas,
otimizando os valores em conflito.
Importante ressaltar, que nem a ponderação nem a concordância prática estabelecem
critérios formais ou materiais para a promoção das finalidades entrelaçadas nas normas
constitucionais, são “estruturas exclusivamente formais e despidas de critérios” (2006, p. 133).
- a proibição de excesso determina que a realização das finalidades constitucionais deva
respeitar um limite, ou seja, o postulado proíbe a restrição excessiva de qualquer direito fundamental.
O poder de tributar não pode impor o aniquilamento da iniciativa privada. Nesse caso a aplicação da
regra que institui competência aos entes estatais para tributar não pode provocar a impossibilidade de
aplicação de outra norma, princípio ou regra que protege o direito fundamental de propriedade, por
exemplo (2006, p. 133).
O exame da proibição de excesso não se confunde com o postulado da proporcionalidade,
razão pela qual deve ser investigado separadamente.
O exame da proporcionalidade se dá no âmbito a partir do qual o núcleo essencial do
princípio fundamental restringido está preservado. Para melhor compreensão da distinção entre o
postulado de proporcionalidade e o postulado da proibição de excesso podemos representar os vários
graus de intensidade da restrição de um direito fundamental por círculos concêntricos, onde o menor
representa o núcleo que deve ser necessariamente preservado. O postulado da proporcionalidade em
93
sentido estrito importa na verificação do grau de restrição do direito fundamental. Essa verificação se
dá a partir do núcleo do direito fundamental até o círculo externo, para depois comparar esse grau de
restrição do direito fundamental com o grau de promoção da finalidade pública. Para, então, concluir
pela invalidade da medida quando a promoção da finalidade não justificar a excessiva restrição do
direito. A proporcionalidade exige uma relação de causalidade entre um meio e um fim, enquanto a
proibição de excesso depende somente da restrição excessiva de um direito fundamental que
comprometa o mínimo de sua eficácia.
São postulados específicos ou condicionais:
- a igualdade pode se apresentar como regra, quando impõe a proibição de um tratamento
discriminatório; como princípio quando exige o estado da igualdade como fim; e como postulado
atua como as demais metanormas, estruturando a aplicação das normas do ordenamento jurídico em
função de elementos que estabelecem critérios de diferenciação e finalidade da distinção e da relação
entre o critério e o fim. O fim objeto do critério de diferenciação é que estabelecerá se as pessoas são
iguais ou não.
A aplicação do postulado da igualdade exige um critério diferenciador e um fim a ser
atingido. Violar o postulado da igualdade significa violar um princípio fundamental.
Na lição de Ávila: “[...] O postulado da igualdade estrutura a aplicação do Direito quando há
relação entre dois sujeitos em função de elementos (critério de diferenciação e finalidade da
distinção) e da relação entre eles (congruência do critério em razão do fim)” (2006. p. 168).
- a razoabilidade atua como as demais metanormas, estruturando a aplicação de outras
normas, princípios e regras, notadamente regras. A partir de um estudo das decisões do Supremo
Tribunal Federal, o autor reconstruiu os critérios implicitamente utilizados no exame da razoabilidade
classificando-a em três tipos:
a) razoabilidade como eqüidade – utilizada como diretriz para aferir a relação entre as
normas gerais e as particularidades do caso concreto de duas formas:
- para mostrar a sua aplicação ao caso concreto, considerando aquilo que normalmente
acontece. Indica quais circunstâncias de fato presumem-se dentro da normalidade, ou seja, a
atividade de interpretação das normas deve considerar a normalidade dos fatos e não a
excepcionalidade, exemplo do autor, julgado do STF, 2ª Turma, HC 71.408-i- rj, REL. Min.Marco
Aurélio, j.16.8.1999, DJU 29.10.1999:
A um Procurador do Estado, que interpôs agravo de instrumento em folha de papel
timbrado da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, foi exigida a
comprovação da condição de Procurador pela juntada do título de nomeação para o
cargo ou de documento emitido pelo Procurador-Geral do Estado. Alegada a falta de
94
instrumento de mandato, a questão foi levada a julgamento, momento em que se
asseverou ser razoável presumir a existência de mandato quando o procurador possui
mandato legal. Na interpretação das normas legais deve-se presumir o que
normalmente acontece, e não o extraordinário, como a circunstância de alguém se
apresentar como procurador do Estado sem que possua, realmente, essa qualificação.
Em virtude disso, foi determinado o conhecimento do agravo de instrumento em
razão de sua ineficácia afetar diretamente o direito de ampla defesa pelo mero
fetichismo da forma.
- para indicar quais as especificidades do caso concreto que não permite a sua aplicação. A
aplicação das normas deve pautar-se nas especificidades do caso, uma vez que a generalização das
normas pode levar a não aplicação ao caso, por esse ser anormal. Por exemplo: decisão da 2ª Câmara,
do 2º Conselho de Contribuintes, de 18.10.2000, no processo 13003.000021/99-14:
Uma pequena fábrica de sofás, enquadrada como empresa de pequeno porte para
efeito de pagamento conjunto dos tributos federais, foi excluída desse mecanismo
por ter infringido a condição legal de não efetuar a importação de produtos
estrangeiros, De fato, a empresa efetuou uma importação. A importação, porém, foi
de quatro pés de sofás, para um só sofá, uma única vez. Recorrendo da decisão, a
exclusão foi anulada, por violar a razoabilidade, na medida em que uma
interpretação dentro do razoável indica que a interpretação dever se feita “em
consonância com aquilo que, para o senso comum, seria aceitável perante a lei”.
Nesse caso, a regra segundo a qual é proibida a importação para a permanência no
regime tributário especial incidiu, mas a conseqüência do seu descumprimento não
foi aplicada (exclusão do regime tributário especial), porque a falta de adoção do
comportamento por ela previsto não comprometia a promoção do fim que a justifica
(estímulo da produção nacional por pequenas empresas).
A razoabilidade é um método que permite demonstrar que para a aplicação da norma, não
basta sua incidência, é necessário que o caso concreto se ajuste à generalização da norma geral. A
razoabilidade decorre do princípio da justiça consagrado no preâmbulo e no art. 3º da Constituição
Federal.
Uma regra não é aplicável somente porque as condições previstas em sua hipótese
são satisfeitas. Uma regra é aplicada a um caso se, e somente se, suas condições são
satisfeitas e sua aplicação não é excluída pela razão motivadora da própria regra ou
pela existência de um princípio que institua razões contrárias. Nestas hipóteses as
condições de aplicação da regra são satisfeitas, mas a regra, mesmo assim, não é
aplicada (2006, p.142).
b) razoabilidade como congruência – diretriz que exige uma vinculação das normas
jurídicas com a realidade, no sentido de existir ou um suporte fático ou uma relação de congruência
entre o critério e a medida. Em primeiro lugar a atividade legislativa exige vinculação com a
realidade, há um dever de congruência e de fundamentação na natureza das coisas. Essa vinculação à
realidade decorre dos princípios constitucionais do Estado de Direito (art.1º) e do devido processo
95
legal (art.5º, LIV) que impedem o uso de argumentos arbitrários e a deturpação dos procedimentos
institucionais utilizados. Em segundo a razoabilidade exige que os critérios distintivos escolhidos
pela norma não podem ser arbitrários ou aleatórios, devem manter uma relação de congruência com a
medida por ela adotada. Ressalte-se que não é relação entre meio e fim, mas entre o critério e a
medida, e que os critérios distintivos devem ser adequados, “diferenciar sem razão é violar o
princípio da igualdade”.
c) razoabilidade como equivalência – diretriz que exige a relação de equivalência entre duas
grandezas: a medida adotada e o critério que a dimensiona, ou seja, há uma relação de
correspondência entre duas grandezas e não uma relação de causalidade.
A razoabilidade, conclui o autor, é um método de interpretação que decorre do princípio da
justiça expressamente previsto no preâmbulo e no art. 3º da CF, e serve para provar que a incidência
da hipótese normativa é condição necessária, mas não suficiente para aplicação da regra.
O postulado da razoabilidade aplica-se, primeiro como diretriz que exige a relação
das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob
qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o
caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma
geral. Segundo, como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o
mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte
empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação
congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, como
diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas (ÁVILA, 2006, p.
169).
- a proporcionalidade atua, também, como as demais metanormas, estruturando a aplicação
de outras normas, adquirindo destaque na interpretação no Direito brasileiro, segundo a teoria de
Humberto Ávila. No entanto, apresenta problemas na sua aplicabilidade quer quanto à acepção da
palavra “proporção”, quer quanto ao seu funcionamento.
Para Ávila a proporcionalidade “constitui-se em um postulado normativo aplicativo,
decorrente do carácter principial das normas e da função distributiva do Direito, cuja aplicação,
porém, depende do imbricamento entre bens jurídicos e da existência de uma relação meio/fim
intersubjetivamente controlável” (2006, p. 150).
A proporcionalidade depende da relação de causalidade entre meio e fim. Fim significa um
estado de coisas desejado, quanto mais preciso e exato for, melhor será a estruturação da
proporcionalidade. De acordo com a determinação dos fins é possível a modificação do próprio
exame da medida, ou seja, a verificação da adequação da medida se dará em razão da própria
determinabilidade do fim.
96
Os fins podem ser internos ou externos. Os fins internos buscam um resultado que está na
própria pessoa ou situação que são comparados ou diferenciados, enquanto os fins externos buscam
resultados que não são propriedades ou características dos sujeitos atingidos, mas são finalidades do
próprio Estado além de possuir dimensão extrajurídica.
Os fins externos impõem uma relação de causalidade entre meio e fim e podem ser
empiricamente dimensionados. Nesses casos há um fim específico que exige a verificação de
casualidade entre o meio e a finalidade, e a medida adequada para essa verificação será buscada pelo
exame da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Com efeito, a aplicação do postulado da proporcionalidade exige o exame da:
a) adequação – verifica a possibilidade da medida a ser adotada promover à realização do
fim.
Ávila entende que o meio adequado para a realização de um fim é aquele que observa as
várias espécies de relação existente entre os meio disponíveis e o fim que se objetiva. Essa
observação deve ser pautada sob os aspectos quantitativo (intensidade), qualitativo (qualidade) e
probabilístico (certeza). O que se espera neste exame é que o meio escolhido por qualquer dos
poderes atinja ao menos o mínimo do fim, mesmo que esse não tenha sido o mais intenso, o melhor,
o mais seguro.
Explica que a relação de adequação da medida deve ser analisada sob a dimensão da
abstração/concretude, em que a avaliação pode ser feita em abstrato ou em concreto. No plano
abstrato, a medida deve ser apta para a concretização do fim. Esta será adequada se for possível a
realização do fim. No caso concreto, normalmente em normas de caráter individual, a medida só será
adequada se, concreta e individualmente, funcionar como meio para atingir o fim. Somente se o fim
for de fato realizado é que a medida será adequada; generalidade/particularidade é permitido exigir
que a medida a ser adotada seja aquela em que geralmente atenda o fim. A medida será considerada
adequada se, com a sua adoção, o fim for concretizado na maioria dos casos. O fato de em alguns
casos o fim não ser realizado não importará na inadequação da medida. É possível, também, que a
medida seja individualmente adequada para concretização do fim. Nesse caso a medida somente será
adequada se em todos os casos individuais o fim foi concretizado; antecedência/posteridade a
avaliação da adequação da medida será feita no momento de sua adoção. É nesse momento que o
administrador avaliará se a medida promove o fim, mesmo que futuramente a medida se mostre
inadequada. Por outro lado, a medida também poderá ser avaliada no momento em que for julgada,
podendo ser anulada caso seja considerada equivocada.
97
Assim, a adequação do meio escolhido pelo Poder Público será analisada no caso de atos
jurídicos gerais do ponto de vista da dimensão abstrata, geral e prévia e nos atos jurídicos individuais
do ponto de vista da dimensão concreta, individual e prévia.
Ensina Ávila, que a intensidade de controle das decisões adotadas pelo Poder Público, no
Brasil, em decorrência do princípio da separação de poderes, é pequena. Com efeito, somente a
comprovação clara, evidente e fundamentada da incompatibilidade entre o meio e o fim pode levar a
invalidade da medida adotada pelo legislador ou pelo administrador. A anulação pelo Judiciário das
medidas adotadas pelo Legislativo e pelo Executivo só é possível se sua inadequação for evidente e,
não for, de qualquer modo, justificável.
Desta forma, Ávila afirma que:
Um meio é adequado quando promove minimamente o fim. Na hipótese de atos
jurídicos gerais a adequação deve ser analisada do ponto de vista abstrato, geral e
prévio. Na hipótese de atos jurídicos individuais a adequação deve ser analisada no
plano concreto, individual e prévio. O controle da adequação deve limitar-se, em
razão do princípio da separação de Poderes, à anulação de meios manifestamente
inadequados (2006, p. 169).
b) necessidade – verifica se a medida, a ser tomada para a realização da finalidade, é a
menos restritiva aos direitos envolvidos.
O exame da necessidade demanda a análise da existência de meios alternativos àquele
inicialmente escolhido, e que promovam da mesma forma o fim sem restringir, na mesma
intensidade, os direitos fundamentais envolvidos.
Assim o exame da necessidade exige em primeiro lugar o “exame da igualdade de
adequação dos meios”, que consiste em relacionar e comparar os meios alternativos que realizam
igualmente o fim. A comparação deverá ser entre os efeitos produzidos pelos meios alternativos e os
efeitos decorrentes do uso do meio adotado pelo Poder Legislativo ou pelo Poder Executivo; e em
segundo lugar, o “exame do meio menos restritivo”, que consiste na comparação do grau de restrição
aos direitos fundamentais ocasionados pelos meios alternativos com o grau de restrição produzido
pela medida adotada.
A verificação da proporcionalidade do meio frente ao elemento da necessidade não é um
processo simples principalmente quando a finalidade pública apresenta grau diverso de promoção
desta. Nesses casos os meios são diferentes não só no grau de restrição dos direitos fundamentais,
mas também no grau de promoção da finalidade.
Para Ávila:
98
Um meio é necessário quando não houver meios alternativos que possam promover
igualmente o fim sem restringir na mesma intensidade os direitos fundamentais
afetados. O controle da necessidade deve limitar-se, em razão do princípio da
separação dos Poderes, à anulação do meio escolhido quando há um meio alternativo
que, em aspectos considerados fundamentais, promove igualmente o fim causando
menos restrições (2006, p. 169).
c) proporcionalidade em sentido estrito – verifica se a finalidade a ser atingida pela adoção
da medida justifica o grau de restrição provocado no direito fundamental, ou seja, esse parâmetro visa
aferir se o benefício pela promoção do fim é proporcional ao dano provocado pela adoção da medida.
Também não é um exame simples, é um método extremamente subjetivo já que requer uma decisão
daquilo que será considerado benefício e daquilo que será tido como dano. Na maioria dos casos o
Estado adota uma medida para atingir uma finalidade pública, relacionada ao bem comum, impondo,
em regra, uma restrição aos direitos fundamentais do cidadão.
Um meio é proporcional quando o valor da promoção do fim não for proporcional ao
desvalor da restrição dos direitos fundamentais. Para analisá-lo é preciso comprar o
grau de intensidade da promoção do fim com o grau de intensidade da restrição dos
direitos fundamentais. O meio será desproporcional se a importância do fim não
justificar a intensidade da restrição dos direitos fundamentais (Ávila, 2006, p. 169).
A aplicação do postulado da proporcionalidade pelo Poder Judiciário no controle dos atos
dos Poderes Executivo e Legislativo decorre do princípio democrático e da proteção constitucional
aos direitos fundamentais bem como da concretização do princípio da universalidade da jurisdição.
O controle será maior quanto maior for a restrição aos direitos fundamentais envolvidos e a
sua importância na Constituição. As decisões dos Poderes somente estarão isentas do controle se
contiverem medidas que realizem os direitos fundamentais e os fins do Estado.
A razoabilidade se diferencia da proporcionalidade uma vez que o teste da razoabilidade não
se fundamenta na relação de causalidade entre um meio e um fim.
A doutrina confunde muitas vezes a proporcionalidade, a razoabilidade e a proibição de
excesso, alegando tratar-se de confusão meramente terminológica.
Ávila explica que esses postulados são metanormas que estruturam a aplicação de outras
normas no caso de conflitos relacionando critérios e elementos diferentes para o exame. Não importa
o nome que seja dado proporcionalidade, razoabilidade ou excessividade. Importa que se entenda que
cada um demanda um exame específico que pode levar a resultados diversos. Assim, a questão
colocada pelo autor é que não se trata de usar essa ou aquela expressão, mas em não confundir os
99
exames exigidos em cada uma delas. “O problema não está em usar uma palavra para três
fenômenos, mas não perceber que há três fenômenos diferentes a analisar” (Ávila, 2006, 165).
A razoabilidade-equivalência busca a relação entre duas grandezas ou entre a medida e o
critério que a dimensiona. A proporcionalidade busca a relação de causalidade entre o meio adotado e
o fim a ser atingido e o grau de restrição aos direitos fundamentais envolvidos. A proibição de
excesso busca investigar se houve lesão ao núcleo essencial de um direito fundamental
Ressalta-se que em todos esses exames sempre há uma reflexão, uma lógica que é feita
visando à aplicação de outras normas da ordem jurídica. Assim as exigências impostas pelas idéias da
razoabilidade, proporcionalidade e proibição de excesso recaem sobre outras normas simplesmente
para determinar o modo de aplicação, estabelecendo critérios e medidas para aplicação delas, sem
atribuir-lhes sentido.
Sempre há uma norma por trás da aplicação da razoabilidade, da proporcionalidade e
da excessidade. Por esse motivo, é oportuno tratá-las como metanormas. E, como
elas estruturam a aplicação de outras normas, com elas não se confundindo, é
oportuno fazer referência a elas com outra nomenclatura. Daí a utilização do termo
“postulado”, a indicar uma norma que estrutura a aplicação de outras (Ávila, 2006,
166).
É fundamental esta sustentação científica para a imposição do tributo no Estado brasileiro,
em razão de ser um Estado Democrático com características Fiscal e Social e abrigar valores liberais
e sociais expressados no momento da realização da tributação, exigindo a ponderação, como técnica
de harmonização desses princípios e direitos, desde a atividade do legislador até a do aplicador da lei.
O tributo quando é fruto unicamente da lei positiva não se justifica. Pode-se afirmar que o
Estado de Direito Democrático ao deslocar o centro de gravidade do ordenamento jurídico para o
respeito aos direitos fundamentais supera a formulação estritamente legal da ordem estatal e retoma
as relações entre o direito e a ética, considera os valores éticos consolidados pelos princípios
jurídicos que desempenham a função de fundamentação e interpretação do ordenamento jurídico,
como elementos fundantes desse ordenamento, os quais se abrem, por sua vez, à ponderação, que se
apresenta como a grande ferramenta para a solução dos conflitos das normas, dos valores liberais e
sociais, para a concretização da Constituição.
100
3.3 A constitucionalização do Direito Tributário
A interpretação sistemática dos termos normativos é que constrói o sentido do texto e
resultam na norma, sendo assim, o dispositivo é o objeto da interpretação, enquanto a norma é o seu
resultado.
Não há uma correspondência única entre dispositivo e norma, já que de um único dispositivo
é possível a construção de várias normas e de vários dispositivos uma única norma, o que evidencia a
desvinculação entre o texto e seu sentido. A Ciência do Direito não é simplesmente uma mera
descrição do significado. Primeiro porque o significado não está incorporado ao conteúdo das
palavras, mas depende do uso e da interpretação que se faz delas, o que se comprova com as
modificações dos sentidos dos termos no tempo e no espaço e as divergentes posições doutrinárias
sobre qual o sentido mais adequado que se deve atribuir a um dispositivo legal. Segundo, porque o
processo legislativo se qualifica como um processo complexo que não reflete a vontade específica de
um autor individual. Portanto, a interpretação não se qualifica como ato de descrição de um
significado predeterminado, mas como ato de decisão que constitui o significado e o sentido de um
texto. Entender que a expressão provisória significa permanente ou trinta dias é igual a mais de trinta
dias, manifestação concreta da capacidade econômica como manifestação provável da capacidade
econômica não corresponde à concretização da norma constitucional.
Com efeito, a atividade do intérprete não se resume em descrever o significado e sim
consiste em construí-lo.
O ordenamento jurídico estabelece a realização de fins, a preservação de valores e a
manutenção ou a busca de determinados bens jurídicos essências à realização
daqueles fins e à preservação desses valores. O intérprete não pode desprezar esses
pontos de partida. Exatamente por isso a atividade de interpretação traduz melhor
uma atividade de reconstrução: o intérprete deve interpretar os dispositivos
constitucionais de modo a explicitar suas versões de significado de acordo com os
fins e os valores entremostrados na linguagem constitucional (ÁVILA, 2006, p. 3435).
A atividade jurídica é um dos objetos da ciência conhecida como hermenêutica. Pode-se
definir a hermenêutica jurídica como ciência que objetiva o estudo da sistematização dos processos
lógicos de interpretação, integração e aplicação do Direito. Busca o verdadeiro significado e o
alcance dos textos legais para sua correta e adequada aplicação. Todas as leis necessitam de
interpretação. É absolutamente ultrapassada a idéia medieval de que apenas as normas jurídicas
101
obscuras e/ou duvidosas estariam sujeitas à interpretação. Baseava-se, essa tese, no brocardo “in
claris cessat interpretatio”, há muito superado. Por esse motivo, não é concebível a idéia de que a
aplicação do direito é uma atividade subsuntiva entre conceitos prontos antes do processo de
aplicação.
A Constituição, como norma jurídica, também deve ser objeto de interpretação. É o
documento político mais importante, a Lei suprema nascida de uma decisão de natureza política que
determina o modo de existência e organização da sociedade, define as linhas de todo ordenamento
jurídico, refletindo a vontade soberana do povo. Ocupa o ápice da pirâmide normativa, da qual
decorrem todas as demais normas.
[...] a norma constitucional é de natureza política, porquanto rege a estrutura
fundamental do Estado, atribui competência aos poderes, dispõe sobre os direitos
humanos básicos, fixa o comportamento dos órgãos estatais e serve, enfm, de pauta à
ação dos governos, visto que no exercício de suas atribuições não podem eles
evidentemente ignora-los. As relações que a norma constitucional, pela sua natureza
mesma, costuma disciplinar, são de preponderante conteúdo político e social e por
isso mesmo sujeitas a um influxo político considerável, senão essencial, o qual se
reflete diretamente sobre a norma, bem como sobre o método interpretativo aplicável
(BONAVIDES, 2002, p. 420).
No processo de interpretação da norma constitucional caberá ao intérprete observar as
características que a diferenciam das demais normas: supremacia da Constituição – subordina todo o
ordenamento jurídico impossibilitando a validade, no âmbito do Estado, de qualquer ato jurídico
incompatível com alguma norma constitucional; natureza da linguagem – a norma constitucional
possui linguagem própria, por conter normas principiológicas, normas que organizam o Estado e
normas que definem os direitos fundamentais do homem, portanto apresentam maior abertura e grau
de abstração do que as demais normas; conteúdo específico – estrutura as normas constitucionais em
três categorias, quais sejam: as normas de organização que estruturam organicamente o Estado,
normas definidoras de direito que em regra tem a estrutura de normas de conduta – prevêem um fato
e a ele atribuem uma determinada conseqüência jurídica –, e normas programáticas, que contém
valores e fins a serem preservados e alcançados; caráter político – a Constituição é um fenômeno
jurídico oriundo de um pacto político, e, assim, cabe ao direito constitucional dar tratamento jurídico
a fatos políticos (BARROSO, BARCELLOS, 2003, p. 359).
O pós-positivismo introduziu a ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade
dos princípios, a essencialidade dos direitos fundamentais como realização do ideal democrático e
redefiniu a posição da Constituição, que passa a ser o centro do sistema. A Lei fundamental acrescida
102
de uma valia material e axiológica, intensificada pela abertura do sistema jurídico e pela
normatividade dos seus princípios, passou a ter uma supremacia não mais meramente formal.
O pós-positivismo influencia a hermenêutica constitucional moderna, a Constituição Federal
de 1988 passa a ser considerada como um sistema normativo aberto de princípios e regras, permeado
por valores jurídicos, tendo como foco a idéia de justiça e a realização dos direitos fundamentais.
Somente frente ao caso concreto e observando os princípios aplicáveis e o fim a ser realizado é que
será construído o sentido da norma.
A idéia de uma nova interpretação constitucional objetiva a concretização da vontade da
Constituição que depende de uma pré-compreensão do problema e da própria Constituição. Não
importa em desprezo ou abandono do clássico método da subsunção da aplicação de regras, nem dos
métodos tradicionais da hermenêutica gramatical, histórico, sistemático e teleológico, que, embora
relevantes e desempenhando importante papel na construção dos sentidos das normas e na solução de
casos concretos, mostraram-se insuficientes para atender às necessidades jurídicas e políticas do
Estado Democrático de Direito.
Com efeito, na Velha Hermenêutica interpretava-se a lei, e a lei era tudo, e dela tudo
podia ser retirado que coubesse na função elucidativa do intérprete, por uma
operação lógica, a qual, todavia, nada acrescentava ao conteúdo da norma; em a
Nova Hermenêutica, ao contrário, concretiza-se o preceito constitucional, de tal sorte
que concretizar é algo mais do que interpretar, é, em verdade, interpretar com
acréscimo, com criatividade. Aqui ocorre e prevalece uma operação cognitiva de
valores que se ponderam. Coloca-se o intérprete diante da consideração de
princípios, que são as categorias por excelência do sistema constitucional (grifo
nosso) (BONAVIDES, 2002, p. 585).
Na lição de Luiz Roberto Barroso “É a superação do legalismo, não de forma abstrata ou
metafísica, mas pelo reconhecimento de valores fundamentais, quer positivados ou não, expressos
por princípios dando ao ordenamento unicidade e condicionando a atividade do intérprete” (2002, p.
433).
Os princípios da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa, dos valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa, do pluralismo político, contidos no art. 1º da Constituição de 1988,
fundantes da República Federativa do Brasil, são princípios de legitimidade do Estado Democrático
de Direito e passam a ser ponderados frente aos interesses do caso concreto. Assim, o princípio da
soberania passa a ser ponderado com os direitos fundamentais e princípio da dignidade da pessoa
humana, o fundamento da soberania volta-se para a liberdade do homem e para o contrato social. O
princípio da cidadania se fundamenta no estatuto jurídico do cidadão, compreendendo
simultaneamente a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho da livre iniciativa.
103
No Estado Democrático de Direito, finalmente, o equilíbrio de todos os princípios fundantes é
realizado com a intermediação da ponderação.
Nas palavras de Ricardo Lobo Torres:
Tais princípios fundantes, que são princípios de legitimidade do Estado Democrático
de Direito abrem-se para a ponderação e o balanceamento frente aos interesses em
jogo em cada situação específica. Legitima-se por princípios formais que se irradiam
por todo o sistema normativo, ético e jurídico.
A Constituição, portanto, não mais representa um sistema em si, com a sua ordem, unidade e
harmonia, mas também como modo de ver e interpretar todos os demais ramos do direito. Neste
contexto, a realidade do Direito Tributário é também influenciada. Assim, os valores de liberdade,
segurança, justiça, expressos em princípios constitucionais orientam a tributação desde o legislador
até o aplicador da lei.
Esse fenômeno identificado por alguns autores como filtragem constitucional,
consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e aprendida sob a lente da
Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. A constitucionalização
do direito infraconstitucional não identifica apenas a inclusão na Lei Maior de
normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus
institutos sobre uma ótica constitucional (BARROSO, 2003, p. 44).
O Direito Tributário, portanto, passa a desempenhar uma nova função, ampliando o seu
espaço de atuação, até então considerado como o “estatuto do contribuinte” ou como mera diretriz
normativa para a atuação fiscal do Estado, devendo agora realizar a sua função social como
instrumento para a instituição de um tributo justo, com respeito aos direitos fundamentais e em busca
da concretização destes.
Há muito se abandonou a idéia de que a legislação tributária seria especial ou excepcional,
pacificando-se a posição segundo a qual é ela Direito comum, como qualquer outro conjunto de
normas jurídicas. Com isso, foram abandonadas as presunções e posições apriorísticas defendidas no
passado, como a que entendia odiosa a legislação tributária, pregando o brocardo “in dubio contra
fiscum” ou a posição oposta, quem por entender a legislação tributária como essencial aos interesses
maiores da coletividade, apregoava a aplicação da interpretação “indubio pro fiscum”. Todas essas
posições são incompatíveis com o Estado de Direito, no qual a interpretação das normas jurídicas
deve ser simplesmente “ex lege”, expressão última da vontade geral.
A interpretação do Direito Tributário foi considerada durante muitos séculos como
excepcional, a coincidir com as próprias normas fiscais, que se afastariam do direito
104
comum. Ora prevalecia o princípio do in dubio contra fiscum, ora o do in dubio
pro fisco. Essas posições hoje estão inteiramente superadas, da mesma forma que o
direito fiscal já não pode ser considerado excepcional.
[...] Assim, a sua interpretação deve se fazer à luz das mesmas idéias e princípios que
informam a interpretação do Direito Civil, do Penal, do Constitucional etc
(TORRES, 2000, p. 124).
Assim como a hermenêutica constitucional sofreu diversas transformações a hermenêutica
do Direito Tributário também passou por um processo evolutivo. Acompanhando as alterações
jusfilosóficas realizadas pelo direito, principalmente nas últimas décadas, com a superação do
positivismo e o retorno dos valores, da ética e da justiça, concretizados na normatividade dos
princípios, como parâmetros de interpretação e aplicação do Direito, subordina-se o Direito
Tributário ao pluralismo metodológico.
Ricardo Lobo Torres ao tecer comentários a respeito da interpretação do Direito Tributário,
relata:
A interpretação do Direito Tributário se subordina ao pluralismo metodológico.
Inexiste a prevalência, sendo os métodos aplicados de acordo com o caso, e com os
valores ínsitos na norma; ora se recorre ao método sistemático, ora ao teleológico,
ora ao histórico, até porque não são contraditórios, mas se completam e
intercomunicam. No direito tributário, os métodos podem variar de acordo até
mesmo com o tributo a que se aplicam. [...] Os métodos de interpretação, por
conseguinte, devem ser estudados dentro da visão pluralista. Entre eles não há
hierarquia (2006, p. 153-154).
Neste contexto impõe-se um breve aprofundamento dessa evolução que partiu de posições
firmadas no campo da teoria geral da interpretação com as jurisprudências dos conceitos, dos
interesses e dos valores.
A jurisprudência dos conceitos, fase da ciência jurídica que coincide com o Estado Liberal e
o individualismo possessivo, refletiu no campo fiscal a interpretação formalista e conceptualista,
partindo da idéia de que os conceitos e as categorias jurídicas eram fechados e unívocos,
representando inteiramente a realidade social e econômica subjacente à norma, não cabendo ao
intérprete preocupar-se com a realidade fática. Na área fiscal prevalecia o direito civil sobre o direito
tributário, a legalidade estrita, a ajuridicidade da capacidade contributiva, a superioridade do papel do
legislador, a autonomia da vontade e do caráter pleno da propriedade (TORRES, 2005, p. 408-409).
Essa idéia do século XIX teve como defensor e criador Puchta que ensina que a construção
dedutiva do sistema depende inteiramente do pressuposto de um conceito fundamental estabelecido
quanto ao seu conteúdo. Essa escola lança as bases para a retomada do formalismo jurídico, que no
século XX, será desenvolvida por Hans Kelsen, que acolhe também o positivismo formalista
105
caracterizado pela separação entre o direito e a moral, pela redução de todo direito a direito positivo,
pela exclusão do direito natural da categoria de direito, em que a justiça somente interessaria ao
direito se introduzida por uma norma do ordenamento jurídico (LARENZ, 1991, p. 23).
Nessa concepção formalista da jurisprudência dos conceitos elevou-se o valor de segurança
jurídica, que teve no princípio da legalidade a viga mestra do ordenamento jurídico, nomeando o
método sistemático como o mais importante de todos, e, assim, os conceitos do direito tributário
foram subordinados aos do direito civil, com prejuízo da realidade econômica subjacente ao fato
gerador fixado em lei. O contribuinte, nesse contexto, estava livre para planejar os seus atos
camuflando a situação definida como fato gerador do tributo, o que permitia a elisão fiscal e
conseqüentemente o não cumprimento do dever fundamental de pagar o tributo .
A jurisprudência dos interesses, que coincide com o Estado do Bem-Estar Social, surgiu em
oposição, no final do século XX, ao formalismo da jurisprudência dos conceitos, produziu efeitos no
campo fiscal com a interpretação econômica do fato gerador, defendia a liberdade, a autonomia do
direito tributário diante do direito privado; permitiu o processo de interpretação pela analogia;
reconheceu a excelência da capacidade contributiva efetivada diretamente dos fatos sociais;
introduziu limitações à propriedade e restrições a autonomia da vontade (TORRES, 2005, p. 223224).
Enquanto a jurisprudência de conceitos limitava o juiz a uma atividade subsuntiva lógica da
matéria do fato nos conceitos jurídicos, a jurisprudência dos interesses, em oposição, permite a
função criadora do juiz na valorização do fato econômico, introduzindo a idéia de ponderação de
interesses na aplicação do direito.
A jurisprudência dos valores, da era pós-positivista, na metade do século XX, rompe com o
positivismo da jurisprudência dos conceitos e da jurisprudência dos interesses. Essa escola
influenciou a interpretação do direito tributário ao introduzir na ciência do direito: a superioridade
dos princípios contidos no art. 1º da Constituição Federal como soberania, cidadania, dignidade da
pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político, princípios
fundantes do Estado Democrático de Direito; a ponderação dos princípios da capacidade contributiva
e da legalidade; a possibilidade do Poder Judiciário controlar políticas fiscais adotadas pelo
legislador, em razão do equilíbrio entre os poderes; a harmonização entre direito e economia dada a
influencia da ética nessas duas ciências; e o pluralismo metodológico como forma de interpretação do
direito tributário (TORRES, 2006, p. 375-379).
Hodiernamente, com a superação do positivismo e a consolidação da jurisprudência dos
valores e dos princípios, que, baseado nos postulados normativos da ponderação, da razoabilidade e
da proporcionalidade, busca nortear a interpretação do direito tributário pelo balanceamento entre os
106
princípios da segurança jurídica, da justiça, da legalidade, da capacidade contributiva, da separação
dos poderes legislativo, executivo e judiciário para aplicação ao caso concreto.
Com o triunfo do pós-positivismo acalantado pela jurisprudência dos valores não é aceitável
no Direito a afirmação de que:
Se o indivíduo não excede das balizas legais, não se pode cogitar de fraude, mas do
exercício de direito nascido da liberdade de modelar cada qual, como melhor lhe
aprouver, seus negócios e patrimônios. [...] Se o legislador descura de sua eficácia
prática, quer conscientemente ... quer involutariamente ao desperceber-se de
vazamento ou trincas na norma fiscal, não é judiciária, (e muito menos
administrativa) estar a suprir-lhe as falhas, no pressuposto da impotência legislativa
para corrigir tais anomalias (DORIA, 1977, p. 77 e 120).
As dificuldades inerentes à interpretação dos princípios e das regras jurídicas, sejam na
construção das normas pelo legislativo ou na sua aplicação pelo executivo e judiciário, têm raízes não
apenas na tarefa, já por si complexa, mas, sobretudo, em dirimir eventuais entraves na adequada
compreensão do texto interpretado. A dificuldade é maior em razão do próprio embate entre os
valores conflitantes na norma sujeita à interpretação, embate esse que tem suas raízes mais remotas
na cizânia entre os jusnaturalistas e os positivistas, que encontra um ponto intermediário no póspositivismo com o reconhecimento da normatividade dos princípios.
É o Estado Democrático de Direito, do pós-guerra, que supera a legalidade estrita da ordem
estatal, que desloca o centro de gravidade do ordenamento jurídico para a reverência aos direitos
fundamentais, concretiza a reaproximação entre o direito e a ética, reconhece a positivação de valores
e os princípios fundantes do Estado.
O ponto marcante de toda essa evolução é a necessidade de que a interpretação deverá partir
sempre dos princípios constitucionais, eleitas pelo contribuinte como normas de fundamento e
qualificação essencial no ordenamento, que espelham todo o ordenamento jurídico, instituindo a
ideologia da Constituição, seus fundamentos e fins. A ordem jurídica se encontra em um verdadeiro
processo de constitucionalização.
Afirmando essa idéia Ricardo Lobo Torres relata:
Mas o dado mais importante é que a Constituição, sob a perspectiva dos direitos
fundamentais, e não a lei formal, passa a ser o centro da normatividade jurídica. No
Direito Tributário é visível a nova abordagem constitucional da relação jurídica
tributária, que continua a se definir como obrigação ex lege, mas que aparece
totalmente vinculada pelos direitos fundamentais (2005, p. 411-412).
107
A ordem jurídica, inclusive o Direito Tributário, em um processo de constitucionalização,
passa a ser compreendida por meio dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais e, tanto
a sua fundamentação, realizada na atividade legislativa, quanto a sua aplicação, realizada em
momento de concretização, são permeadas pela ponderação.
É justo e necessário que a ponderação como técnica de harmonização dos princípios e
direitos, consagrados na Constituição Federal de 1988, estrutura pelos postulados da razoabilidade,
proporcionalidade e proibição de excesso, esteja presente na legislação tributária, por exemplo:
- na declaração de ajuste anual de imposto de renda do professor fosse permitido deduzir dos
rendimentos tributáveis as importâncias despendidas com aquisição de livros e assinatura de jornais e
revistas para determinação da base de cálculo do imposto de renda. Teríamos um critério distintivo,
mas razoável e que não viola o princípio da igualdade, pois o conhecimento advindo da leitura é
importante para todos, porém para o professor é indispensável para o exercício de sua profissão.
Diferenciar com razão não é violar o princípio da igualdade.
- as despesas com educação só podem ser deduzidas dos rendimentos tributáveis até o valor
estabelecido por lei, por exemplo, de R$ 2.592,29, para o exercício de 2009. Desta forma os gastos
com educação que ultrapassam esse limite são oferecidos à tributação como renda tributável, o que
não é nem razoável nem adequado, visto que parte desta renda foi despendida com despesas de
instrução do contribuinte ou de seus dependentes. Já que a educação é um direito fundamental, os
pagamentos de despesas com instrução deveriam ser integralmente dedutíveis dos rendimentos
tributáveis auferidos pelo contribuinte.
- as universidades públicas apresentam um elevado nível de ensino, porém não dispõe de
vagas suficientes. Desta forma a concorrência é grande e as vagas normalmente são preenchidas por
estudantes que tiveram a oportunidade de cursar um ensino fundamental nas escolas particulares.
Nesse caso, seria razoável e adequado que para o contribuinte que desfruta de uma situação
financeira e patrimonial elevada e que tenha um dependente estudante de universidade pública, as
alíquotas do imposto de renda sejam majoradas. Esse critério de diferenciação promoveria a
igualdade de oportunidades.
- as alíquotas do imposto de renda, no Brasil, se restringem a 15% e 27,5% enquanto em
outros países oscilam entre 5% e 55%. A progressividade é um princípio expresso no texto
constitucional e corolário necessário da capacidade contributiva. A imposição de apenas duas
alíquotas demonstra que faltou razoabilidade ao legislador.
Seguindo essa linha crítica sobre a legislação tributário no Brasil, há de se ressaltar os
impostos indiretos que são aqueles em que o contribuinte de fato não é o mesmo que o contribuinte
de direito, por exemplo, o ICMS, IPI e o ISS. Que são impostos que estão embutidos nos preço das
108
mercadorias vendidas. É um imposto regressivo, por não considerar o poder aquisitivo nem mesmo a
capacidade econômica do contribuinte, assim todos pagam o mesmo imposto que está embutido no
preço de um produto.
Não é razoável e nem proporcional que o milionário pague num pacote de arroz a mesma
alíquota que um assalariado.
Ofende o postulado da proibição de excesso quem gasta praticamente tudo o que ganha no
consumo de produtos como é o caso de muitos assalariados, isto porque o tributo embutido nesses
produtos prejudicará a aquisição de outros bens necessários e indispensáveis para a própria
subsistência do contribuinte. Dessa forma ofende-se o postulado da proibição de excesso já que este
não permite que seja haja restrição excessiva de qualquer direito fundamental.
Assim, no Estado de Direito Democrático brasileiro exige-se que o tributo tenha sua
fundamentação e aplicação estruturadas pela ponderação desses princípios e direitos fundamentais,
por meio dos postulados normativos da razoabilidade, proporcionalidade e proibição de excesso.
109
CONCLUSÕES
O Estado contemporâneo se vê diante de imperiosa necessidade de implementar mudanças
nas suas atribuições perante a sociedade brasileira, no sentido de realizar uma tributação que garanta
e proteja os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados respeitando a dignidade da
pessoa humana e proporcionando igualdade de oportunidades e redistribuição de riquezas. Para tanto
cabe ao Estado buscar suporte instrumental no Direito e na Constituição Federal de 1988.
A Constituição tem como um dos fundamentos a dignidade da pessoa humana e a cidadania,
reconhece a efetividade dos direitos fundamentais individuais, políticos e sociais, e, ainda, prevê a
existência de deveres fundamentais.
Os deveres fundamentais podem ser considerados como a face oculta dos direitos
fundamentais, uma vez que estes são limitadores e corretivos daqueles. O fundamento desses deveres
está na Constituição, e, portanto, a base de cada dever fundamental deve estar na própria
Constituição, quer expressa quer implicitamente. Desta forma, devem ser reconhecidos, assim como
os direitos fundamentais como categorias constitucionais próprias e considerados vetores essenciais
do cidadania.
Da Constituição é possível extrair o caráter fiscal e social do Estado Democrático brasileiro,
portanto, o Estado brasileiro assume tarefas de Estado fiscal e social. O Estado com caráter fiscal
depende da arrecadação de tributo, com limites constitucionais, e, por outro lado, o Estado com
caráter social precisa proporcionar a realização da sociedade. O Brasil assume seu caráter fiscal,
exigindo tributos, muitas vezes excessivos, acabando por tolher a própria fonte de recursos, sem que
resolva propriamente o caráter social, restando à sociedade o cumprimento dessas tarefas sociais.
Desta forma e considerando que a Constituição não acatou o conceito positivista de tributo
como mero poder do Estado que decorre da soberania estatal, e não o trata como ônus imposto ao
indivíduo, membros da comunidade estatal, mas, de acordo com seu texto, o tributo é uma
contraprestação entre Estado e contribuinte, em que o contribuinte financia as atividades do Estado
para que este possa permitir o desenvolvimento do indivíduo, que só ocorre dentro de uma sociedade
organizada.
Assim o tributo, no direito tributário compreendido como a face oculta dos direitos
fundamentais ou como o preço da liberdade, apresenta-se como custo nascido do pacto social firmado
entre o contribuinte e o Estado e entre os próprios contribuintes. O contribuinte cede parcela do seu
110
patrimônio em favor do Estado, que lhe fornecerá bens e serviços para uma vida digna e tranqüila em
sociedade.
O tributo não pode ir além do máximo permitido pela própria Constituição, mas também não
pode ficar aquém do mínimo suficiente para atender as necessidades financeiras do Estado que tem
como atividade atender os objetivos fundamentais de construir uma sociedade livre, justa e solidária;
garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação, previstos na Constituição.
O Estado Democrático brasileiro de característica fiscal e social, numa visão pós-positivista,
em que se destaca a jurisprudência dos valores, traz ao direito questões voltadas aos direitos
fundamentais, à normatividade dos princípios e ao pluralismo metodológico.
Esse Estado exige um Estado de ponderação. A ponderação é a ferramenta para a solução
dos conflitos das normas e dos princípios. Está presente na ordem jurídica, inclusive no Direito
Tributário, que passa a ser entendida, em um processo de constitucionalização, por meio dos
princípios constitucionais e direitos fundamentais desde a sua fundamentação, aplicação até à sua
concretização.
No atual contexto de Direito em que se reconhece que a Constituição não mais representa
um sistema em si, mas sim o modo de ver e interpretar todos os demais ramos do direito, o Direito
Tributário passa a desempenhar uma função social como instrumento de uma tributação mais justa,
com respeito aos direitos fundamentais e em busca da concretização destes.
O cidadão consciente do seu papel pode tornar concreto todos os direitos previstos e
garantidos na Constituição e, ainda, manter o sistema tributário nacional mais eficiente e equilibrado
por meio do exercício da cidadania. Esse exercício deverá exigir um tributo pautado na harmonia
necessária e no balanceamento suficiente do ordenamento jurídico para amenizar os conflitos de
interesses existentes, equilibrando os bens protegidos e fazendo valer os objetivos estabelecidos na
carta constitucional brasileira na busca de se efetivar a verdadeira justiça.
Se o exercício da cidadania não for suficiente para exigir do Estado uma tributação que
respeite a Constituição pode o cidadão se valer do poder judiciário para garantir o respeito do
interesse público e a imposição de um tributo que não infrinja os direitos fundamentais do cidadão,
utilizando uma interpretação pluralística das normas tributárias considerando os princípios
constitucionais.
Somente um tributo fundamentado e aplicado pela ponderação dos princípios e dos direitos,
abrigados na Constituição, por meio dos postulados normativos da razoabilidade, proporcionalidade e
111
proibição de excesso poderá promover a justiça social, promovendo a liberdade, a igualdade e a
dignidade do cidadão com a concretização dos direitos humanos.
112
REFERÊNCIAS
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117
ANEXO I
Taxa de analfabetismo (15a e+) por Ano segundo Unidade da Federação
Período: 2002-2006
Unidade da
2003
2004
2005
2006
Total
Federação
2002
TOTAL
11,83
11,55
11,38
11,05
10,38
11,22
Rondônia
8,63
8,58
10,61
9,98
10,79
9,92
Acre
12,98
16,87
18,13
21,14
17,59
17,73
Amazonas
6,33
6,61
9,03
6,7
7,84
7,4
Roraima
12,13
9,67
10,34
12,2
8,27
10,46
Pará
10,72
10,66
14,08
12,71
12,49
12,33
Amapá
6,21
9,25
8,33
7,23
5,04
7,15
Tocantins
18,11
17,62
17,24
16,3
14,93
16,8
Maranhão
22,9
23,77
23,11
23
22,79
23,11
Piauí
29,59
28,4
27,31
27,37
26,23
27,75
Ceará
22,63
22,73
21,77
22,59
20,6
22,04
Rio Grande do
Norte
22,68
23,42
22,29
21,47
21,81
22,32
Paraíba
27,11
25,21
25,31
25,21
22,73
25,08
Pernambuco
21,51
21,74
21,28
20,47
18,48
20,67
Alagoas
31,18
30,41
29,51
29,26
26,44
29,32
Sergipe
20,25
19,17
19,38
19,67
18,22
19,32
Bahia
21,7
21,34
20,42
18,78
18,57
20,13
Minas Gerais
11,04
11,04
9,88
10,05
9,04
10,19
Espírito Santo
10,72
10,26
9,49
8,69
9,49
9,71
Rio de Janeiro
5,1
4,62
4,83
4,84
4,2
4,71
São Paulo
5,86
5,41
5,52
5,41
4,98
5,43
Paraná
7,87
7,79
7,95
7,08
6,51
7,43
Santa Catarina
5,5
5
4,8
5,17
5,06
5,1
Rio Grande do Sul
6,3
5,76
5,48
5,21
5,22
5,59
Mato Grosso do Sul
8,99
9,6
9,52
9,06
8,46
9,12
Mato Grosso
10,2
10,7
10,1
9,74
9,23
9,98
Goiás
11,29
10,9
10,69
10,22
9,6
10,52
Distrito Federal
5,67
4,48
4,2
4,68
3,77
4,54
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 1992 a 1993, 1995 a 1999 e 2001 a 2006.
Notas:
1. Taxa de analfabetismo: % da população de 15 ou mais anos não alfabetizada.
2. Informações da PNAD não disponíveis, até o ano de 2003, para as áreas rurais de RO, AC, AM, RR, PA e AP.
3. Uma vez que a amostra da PNAD não foi desenhada para ser representativa para todas as raças, os
indicadores para índios e amarelos não devem ser utilizados e os dos pretos devem ser vistos com muita cautela,
pois este grupo é muito pequeno em alguns estados. Quanto aos brancos e pardos, suas amostras são mais
robustas, oferecendo mais garantia de uso.
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2007/b01.def
118
ANEXO II
Taxa de desemprego (%) por Ano segundo Unidade da Federação
Período: 2002-2006
Unidade da
2003
2004
2005
2006
Federação
2002
TOTAL
9,15
9,73
8,9
9,31
8,42
Rondônia
6,38
9,09
4,33
5,39
5,71
Acre
5,65
7,1
6,64
8,21
5,6
Amazonas
12,29
15,4
10,42
10,51
8,55
Roraima
5,68
10,77
8,18
12,56
7,95
Pará
10,1
9,67
6,33
7,24
7,17
Amapá
20,36
12,77
13,4
10,67
6,16
Tocantins
7,4
6,71
4,39
5,86
5,77
Maranhão
5,3
5,84
6,67
6,21
7,03
Piauí
4,78
5,25
3,91
5,71
4,08
Ceará
7,86
8,07
7,67
7,83
7,52
Rio Grande do
Norte
6,57
9,72
8,56
10,63
8,89
Paraíba
7,38
9,2
8,54
7,49
7,63
Pernambuco
9,85
10,59
11,09
11,16
9,65
Alagoas
8,41
7,68
9,36
8,57
8,92
Sergipe
10,2
9
10,44
12,7
9,36
Bahia
9,85
9,82
10,47
9,94
9,2
Minas Gerais
9,01
9,03
8,95
8,46
7,71
Espírito Santo
9,85
9,21
7,39
9,63
6,84
Rio de Janeiro
11,61
12,97
11,47
12,62
11,8
São Paulo
11,53
12,36
11,25
11,55
10,03
Paraná
6,95
7,16
6,15
6,71
6,54
Santa Catarina
4,49
5,66
4,42
4,53
4,72
Rio Grande do Sul
6,67
7,09
5,96
6,4
6,14
Mato Grosso do
Sul
7,87
7,93
6,95
8,57
7,8
Mato Grosso
6,78
7,15
5,71
7,98
8,4
Goiás
6,54
8,31
7,32
9,24
7,24
Distrito Federal
14,09
13,79
14,34
13,33
11,54
Total
9,09
5,88
6,67
11,08
9,3
7,8
12,3
5,99
6,23
4,74
7,78
8,94
8,04
10,47
8,6
10,37
9,85
8,61
8,56
12,09
11,32
6,69
4,76
6,45
7,83
7,22
7,75
13,37
Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD.
Notas:
1. Taxa de desemprego: Percentual da população de 10 anos e mais desocupada.
2. Até o ano de 2003, informações não disponíveis para a área rural de RO, AC, AM, RR, PA e AP.
3. Dados não disponíveis para 2000, tendo em vista que as diferenças entre os planos amostrais do Censo-2000
e da PNAD impossibilitam a comparação entre os indicadores obtidos destas fontes.
4. Uma vez que a amostra da PNAD não foi desenhada para ser representativa para todas as raças, os
indicadores para índios e amarelos não devem ser utilizados e os dos pretos devem ser vistos com muita cautela,
pois este grupo é muito pequeno em alguns estados. Quanto aos brancos e pardos, suas amostras são mais
robustas, oferecendo mais garantia de uso.
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2007/b06.def
119
ANEXO III
Número de óbitos infantis (menores de 1 ano) por 1.000 nascidos vivos
Brasil, 2001-2005
2001
2002
2003
2004
2005
Região
Taxa Estimat. Taxa Estimat. Taxa Estimat. Taxa Estimat. Taxa Estimat.
Brasil³
X
25,63
x
24,34
x
23,56
x
22,58
x
21,17
Norte
X
27,79
x
26,98
x
26,22
x
25,51
x
23,35
Nordeste
X
39,22
x
37,24
x
35,48
x
33,94
x
31,61
Sudeste
X
16,81
x
15,73
x
15,61
x
14,92
x
14,2
Sul 16,4
x
16,05
x
15,78
x
14,98
x
13,8
x
Centro-Oeste
X
20,63
x
19,26
x
18,71
x
18,7
x
17,83
Fontes:
MS/SVS - Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - SINASC
MS/SVS - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM
Convenção:
(x) indica dado numérico omitido na construção do IDB-2007
Notas:
1. Calculada diretamente dos sistemas SIM e SINASC, para os estados que atingiram indice final (cobertura e
regularidade do sim) igual ou superior a 80% e cobertura do SINASC igual ou superior a 90%.
2. Estimada pelo MS a partir de métodos demográficos indireto.
3. Média das taxas estaduais, obtidas por método direto ou indireto.
*Estimat. = Estimativa
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2007/c01.htm
120
ANEXO IV
Número de óbitos maternos pro 100.000 nascidos vivos segundo Região Brasil, 2001-2005
2001
Região
2002
Brasil, 2001-2005
2003
2004
2005
Observ
Estimat.
Observ
Estimat.
Observ
Estimat.
Observ
Estimat.
Observ
Estimat.
Sul
x
x
x
47,64
52,65
70,91
x
x
x
x
x
x
x
48,98
57,62
75,87
x
x
x
x
x
x
x
43,18
51,58
72,99
x
x
x
x
x
x
x
45,49
59,02
76,09
x
x
x
x
x
x
x
43,38
55,09
74,68
x
x
x
x
Centro-Oeste²
54,05
x
59,49
x
48,08
x
63,1
x
54,96
x
Brasil³
Norte
Nordeste
Sudeste²
Fontes:
MS/SVS – Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - SINASC
MS/SVS – Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM
Convenção:
(x) indica dado numérico omitido na construção do IDB-2007
Notas:
1. As razões foram calculadas diretamente dos sistemas SIM e SINASC para os estados que atingiram percentual de
cobertura igual ou superior a 80% dos óbitos femininos de 10 a 49 anos de idade, correspondendo a todos os estados
das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, com exceção de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.
2. Os totais para as Regiões foram calculados apenas com as UFs consideradas.
3. Para o Brasil, usou-se o total de óbitos maternos coletados pelo SIM e de nascidos vivos coletados pelo SINASC; a
partir de 2001, para o Brasil, este total foi corrigido pelo fator de ajuste (1,4) obtido na Pesquisa sobre a Mortalidade de
Mulheres de 10 a 49 anos, em 2002 (Laurenti e col., 2004).
4. Valores elevados da mortalidade materna podem estar refletindo os esforços realizados, em cada estado, para
melhorar a qualidade da informação.
*Observ. = Observado - *Estimat. = Estimado
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2007/c03.htm
121
ANEXO V
Região
TOTAL
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
CentroOeste
Óbitos Adolescente violência por Ano segundo Região
Período: Jul/2002-Out2008
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2.476
4.647
4.818
5.677
5.896
5.100
168
309
314
297
331
466
962
1.837
1.755
1.847
1.794
1.761
746
1.423
1.605
2.299
2.576
1.757
405
721
767
895
856
807
195
357
377
339
339
309
Total
28.614
1.885
9.956
10.406
4.451
1.916
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informação de Atenção Básica - SIAB
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?siab/cnv/SIABSbr.def
122
ANEXO VI
Carga Tributária no Brasil – 2007
Tabela INC 02-A
Série Histórica - Receita Tributária por Base de Incidência em R$ milhões - 2003 a 2007
% PIB
Cód.
0000
1000
1100
1200
1900
1910
1920
2000
2100
2110
2120
2130
2190
2200
2900
3000
3100
3200
3300
4000
4100
4110
4120
4200
4210
4220
4230
4240
4250
4260
4300
5000
5100
5200
9000
Tipo de Base
Total da Receita Tributária
Títulos sobre a Renda
Pessoa Física
Pessoa Jurídica
Outros
Não Residentes
Retenções não Alocáveis
Títulos sobre a Folha de Salários
Previdência Social
Empregador
Empregado
Autônomo
Outros
Seguro Desemprego
Outros
Tributos sobre a Propriedade
Propriedade Imobiliária
Propriedade de Veículos
Automotores
Transferências Patrimoniais
Tributos sobre Bens e Serviços
Gerais
Não Cumulativos
Cumulativos
Seletivos
Automóveis
Bebidas
Combustíveis
Energia Elétrica
Tabaco
Telecomunicações
Comércio Exterior
Tributos sobre Transações
Financeiras
Tributos sobre Débitos e Créditos
Bancários
Outros
Outros Tributos
2003
31,41%
5,82%
1,96%
2,23%
1,63%
0,36%
1,28%
6,83%
4,71%
2,95%
1,22%
0,23%
0,30%
1,47%
0,66%
1,06%
0,47%
2004
32,24%
5,57%
2,01%
2,19%
1,36%
0,31%
1,04%
7,04%
4,89%
3,06%
1,31%
0,22%
0,31%
1,46%
0,69%
1,03%
0,46%
2005
33,35%
6,28%
2,16%
2,71%
1,41%
0,32%
1,09%
7,33%
5,15%
3,15%
1,44%
0,22%
0,34%
1,50%
0,68%
1,06%
0,44%
2006
33,51%
6,26%
2,14%
2,72%
1,40%
0,34%
1,06%
7,48%
5,19%
3,10%
1,51%
0,22%
0,36%
1,54%
0,75%
1,11%
0,45%
2007
34,79%
6,71%
2,30%
3,10%
1,31%
0,33%
0,98%
7,85%
5,49%
3,25%
1,64%
0,22%
0,38%
1,60%
0,75%
1,17%
0,45%
0,46%
0,14%
15,13%
9,99%
4,25%
5,74%
4,66%
0,62%
0,34%
1,88%
0,72%
0,22%
0,89%
0,48%
0,46%
0,12%
15,93%
10,91%
6,83%
4,07%
4,55%
0,65%
0,34%
1,73%
0,77%
0,23%
0,85%
0,47%
0,49%
0,12%
16,00%
10,90%
7,19%
3,71%
4,69%
0,80%
0,31%
1,66%
0,81%
0,20%
0,90%
0,42%
0,52%
0,14%
15,98%
10,83%
7,08%
3,75%
4,73%
0,82%
0,32%
1,70%
0,79%
0,20%
0,91%
0,42%
0,57%
0,15%
16,31%
11,12%
7,26%
3,86%
4,73%
0,84%
0,30%
1,60%
0,87%
0,20%
0,92%
0,47%
1,62%
1,63%
1,64%
1,64%
1,70%
1,35%
0,26%
0,95%
1,36%
0,27%
1,04%
1,36%
0,28%
1,04%
1,35%
0,28%
1,05%
1,40%
0,30%
1,05%
Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br - Acesso em 15/01/2009
123
Cód.
0000
1000
1100
1200
1900
1910
1920
2000
2100
2110
2120
2130
2190
2200
2900
3000
3100
3200
3300
4000
4100
4110
4120
4200
4210
4220
4230
4240
4250
4260
4300
5000
5100
5200
9000
Carga Tributária no Brasil – 2007
Tabela INC 02-A
Série Histórica - Receita Tributária por Base de Incidência em R$ milhões - 2003 a 2007
R$ milhões
Tipo de Base
2003
2004
2005
2006
2007
Total da Receita Tributária
533.930,25 626.032,91 716.107,08 794.121,53 903.638,93
Títulos sobre a Renda
98.976,92 108.046,55 134.875,42 148.255,71 174.187,63
Pessoa Física
33.310,65 39.077,47 46.344,90 50.675,67 59.720,38
Pessoa Jurídica
37.927,21 42.615,63 58.254,26 64.455,32 80.546,72
Outros
27.739,06 26.353,45 30.276,25 33.124,72 33.920,53
Não Residentes
6.064,09
6.105,56
6.831,55
8.069,76
8.567,02
Retenções não Alocáveis
21.674,97 20.247,89 23.444,70 25.054,95 25.353,51
Títulos sobre a Folha de Salários 116.142,44 136.670,57 157.330,93 177.260,79 203.868,51
Previdência Social
79.955,51 95.007,80 110.557,92 123.002,43 142.691,86
Empregador
50.119,14 59.418,69 67.641,66 73.485,93 84.488,31
Empregado
20.789,35 25.371,88 30.848,51 35.797,49 42.727,01
Autônomo
3.968,18
4.208,29
4.681,45
5.271,08
5.698,91
Outros
5.118,83
6.008,94
7.386,30
8.447,93
9.777,63
Seguro Desemprego
24.956,35 28.269,33 32.247,88 36.505,40 41.630,51
Outros
11.190,58 13.393,43 14.525,13 17.752,95 19.546,14
Tributos sobre a Propriedade
18.098,46 20.089,09 22.680,01 26.200,92 30.411,01
Propriedade Imobiliária
7.976,27
8.860,87
9.535,86
10.566,08 11.719,17
Propriedade de Veículos
Automotores
7.739,85
8.909,79
10.497,08 12.418,74 14.689,97
Transferências Patrimoniais
2.382,34
2.318,42
2.647,08
3.216,10
4.001,88
Tributos sobre Bens e Serviços
257.185,86 309.363,15 343.663,44 378.677,39 423.782,91
Gerais
169.822,33 211.774,31 234.120,96 256.622,49 288.818,92
Não Cumulativos
72.233,16 132.695,27 154.387,00 167.729,86 188.480,55
Cumulativos
97.589,17 79.079,03 79.733,96 88.892,63 100.388,38
Seletivos
79.210,88 88.402,48 100.609,78 112.120,25 122.777,66
Automóveis
10.547,48 12.554,34 17.284,55 19.519,91 21.734,44
Bebidas
5.746,24
6.530,99
6.650,53
7.524,38
7.895,20
Combustíveis
31.903,11 33.558,03 35.744,05 40.172,08 41.515,68
Energia Elétrica
12.241,14 14.928,80 17.347,13 18.670,17 22.537,94
Tabaco
3.663,83
4.381,55
4.293,31
4.721,87
5.287,78
Telecomunicações
15.109,08 16.448,78 19.290,21 21.511,84 23.806,62
Comércio Exterior
8.152,65
9.186,35
8.932,70
9.934,65
12.186,33
Tributos sobre Transações
Financeiras
27.458,55 31.618,72 35.143,09 38.792,18 44.114,81
Tributos sobre Débitos e Créditos
Bancários
23.029,01 26.399,16 29.188,22 32.057,93 26.319,86
Outros
4.429,53
5.219,56
5.954,86
6.734,25
7.794,95
Outros Tributos
16.068,03 20.244,84 22.414,19 24.934,55 27.274,06
Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br - Acesso em 15/01/2009
124
Carga Tributária no Brasil – 2007
As tabelas a seguir mostram a distribuição da tributação no Brasil e em alguns países da OCDE, de acordo
com a base de incidência.
Distribuição de Arrecadação tributária por Base de Incidência - Brasil e Alguns Países da OCDE.
% da arrecadação total
Seguridade Social/Folha de
Países
Renda
Propriedade
Bens e Serviços (3)
Salários (1)
México
24,1%
16,9%
1,6%
57,4%
Brasil
19,28%
22,56%
3,37%
46,90%
Reino Unido 38,50%
18,80%
12,00%
30,30%
França
23,50%
39,70%
7,80%
28,80%
Japão
33,80%
36,80%
9,70%
19,70%
EUA
46,50%
24,70%
11,40%
17,40%
(1) - No caso do Brasil, os tributos da Seguridade Social estão parte na folha e parte em bens e serviços.
(2) - Brasil: 2007: OCDE: 2005.
(3) - Outros, parcela residual, foi somada ao item Bens e Serviços.
Carga Tributária - Brasil e Países membros da OCDE - 2006 (1)
Países
México (3)
Grécia
Japão (4)
Estados Unidos
República Eslovaca (2)
Suíça
Austrália (4)
Turquia
Canadá
Brasil
Polônia (4)
Alemanha
Luxemburgo
Nova Zelândia
República Tcheca
Espanha (2)
Média OECD (5)
Hungría
Reino Unido
Holanda
Islândia (4)
Áustria
Itália
Finlândia
Noruega (2)
França (2)
Bélgica
Dinamarca (2)
Suécia
Carga Tributária
20,60
27,40
27,40
28,20
29,60
30,10
30,90
32,50
33,40
33,51
34,30
35,70
36,30
36,50
36,70
36,70
36,73
37,10
37,40
39,50
41,40
41,90
42,70
43,50
43,60
44,50
44,80
49,00
50,10
(1) - Brasil: 2007, OCDE: 2006 (OCDE Facbook 2008)
(2) - A arrecadação total foi deduzida das transferências de capital. Isto se aplica à Dinamarca, França, Noruega e Espanha.
(3) - Estimativa do Órgão Fazendário, que inclui receitas esperadas coletadas por estado e governos locais.
(4) - Dados de 2005.
(5) - Média estimada.
Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br - Acesso em 15/01/2009
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