capital financeiro e geopolítica clássica: algumas

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EIXO I
GEOGRAFIA POLÍTICA E GEOPOLÍTICA CLÁSSICA E CONTEMPORÂNEA DOS SÉCULOS XX E XXI
CAPITAL FINANCEIRO E GEOPOLÍTICA CLÁSSICA: ALGUMAS NOTAS
SOBRE A EXPANSÃO DE PODER DOS ESTADOS NO FINAL DO SÉCULO XIX
FINANCIAL CAPITAL AND CLASSICAL GEOPOLITICS:
SOME NOTES ON THE EXPANSION POWER OF STATES IN THE LATE 19TH CENTURY
HÉLIO CAETANO FARIAS
Universidade Federal do Rio de Janeiro
[email protected]
RESUMO. O avanço das relações capitalistas de produção, a consolidação dos Estados territoriais modernos e a
expansão de poder das potências europeias para todo o globo, a partir de meados do século XIX, exigiram a elaboração
de novas teorias, conceitos e áreas do conhecimento capazes de explicar os fenômenos originados deste encontro bem
sucedido entre as lógicas do poder e do capital. Foi neste contexto que surgiram os trabalhos pioneiros de Friedrich
Ratzel (1844-1904) e Rudolf Hilferding (1877-1941). A despeito de partirem de concepções teóricas distintas, os dois
autores – seja pelo ângulo do capital financeiro ou pelo do lebensraum (espaço vital) – forneceram explicações de como
os fenômenos econômicos e geográficos serviam de base para a ação política dos Estados. Desvelaram os fundamentos
da integração territorial, da coesão nacional, da natureza monopolística do capital financeiro e da expansão externa
dos Estados. Em ambos, contudo, ocorre uma separação analítica que ressalta a primazia do papel do Estado ou do
capital financeiro na dinâmica de acumulação de poder, território e riqueza. Apesar da ampla repercussão de seus
escritos, poucos trabalhos buscaram analisar conjuntamente as contribuições de Ratzel e de Hilferding sobre a lógica
de poder dos Estados e de seus desdobramentos nas teorias do imperialismo. Suas conclusões em relação à necessidade
de expansão territorial dos Estados têm similitudes, encontram respaldo no tempo e no espaço, sobretudo quando
se tem por referência as condições políticas e o desenvolvimento do capitalismo na Alemanha. Sob o conceito de
imperialismo surgiram diversas teorias buscando explicar as transformações político-econômicas do final do século
XIX e os fundamentos da expansão territorial das potências mundiais. Em muitos casos, transformava-se a teoria
econômica do imperialismo na própria teoria do imperialismo. Ou, do outro lado, com a emergência da Geopolítica,
criavam-se teorias revestidas de fundamentações científicas a favor da projeção de poder de um Estado sobre os
demais. Entretanto, quando se parte dos estudos sobre o capital financeiro (Hilferding) e sobre a geografia política
(Ratzel) percebe-se que os autores foram além de seu tempo, trouxeram interpretações originais sobre o impulso
expansivo dos Estados e influenciaram o desenvolvimento posterior das ciências políticas, econômicas e sociais. Este
texto, portanto, busca resgatar alguns elementos dessas contribuições.
Palavras-chave. Ratzel, Hilferding, geopolítica, capital financeiro, imperialismo.
ABSTRACT. The advance of capitalist relations of production, the consolidation of modern territorial states and the
expansion of the Great powers for the entire globe from the mid-nineteenth century demanded the development of
new theories, concepts and areas of knowledge to explain the phenomena originated from these successful encounter
between the logic of power and capital. It was in this context that the pioneering work of Friedrich Ratzel (18441904) and Rudolf Hilferding (1877-1941) emerged. Despite departing from different theoretical conceptions, the two
authors – even by the angle of the financial capital or by the lebensraum (living space) - provided explanations of how
economic and geographic phenomena serve as a basis for political action of states. They unveiled the fundamentals
of territorial integration, national cohesion, the monopolistic nature of finance capital and the expansion of foreign
states. In both, however, there is an analytical separation that emphasizes the primacy of the role of the state or the
finance capital in the dynamics of accumulation of power, territory and wealth. Despite the broad impact of their
writings, few studies have attempted to analyze the contributions of Ratzel and Hilferding about the logic of states’
power and their developments on theories of imperialism. His conclusions regarding the need for territorial expansion
of the States have similarities, they are supported in time and space, especially when one takes as reference the
political conditions and the development of capitalism in Germany. Several theories have emerged under the concept
of imperialism, seeking to explain the political and economic transformations of the late nineteenth century and the
fundamentals of the territorial expansion of Great powers. In many cases, the economic theory of imperialism was
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transformed on the very theory of imperialism. Or, on the other hand, with the emergence of Geopolitics, scientific
theories were criated for the projection of power from one state over others. However, the studies on finance capital
(Hilferding) and on political geography (Ratzel) show that the authors were ahead of their time, they brought original
interpretations of the expansive impulse of states and influenced the subsequent development of political, economic
and social sciences. This paper therefore seeks to rescue some elements of these contributions.
Keywords. Ratzel, Hilferding, geopolitics, finance capital, imperialism.
INTRODUÇÃO
O avanço das relações capitalistas de produção, a consolidação dos Estados territoriais
modernos e a expansão de poder de algumas potências para todo o globo a partir de meados do
século XIX exigiram a elaboração de novas teorias, conceitos e áreas do conhecimento capazes
de explicar os fenômenos originados desse encontro bem sucedido entre as esferas do poder e da
riqueza. Foi neste contexto que surgiram os trabalhos pioneiros de Friedrich Ratzel (1844-1904) e
Rudolf Hilferding (1877 - 1941). O primeiro concentrando suas reflexões na relação entre território
e poder, o segundo preocupado com a emergência do capital financeiro e com a luta dos Estados
pela ampliação de seus “territórios econômicos”.
Friedrich Ratzel nasceu no ano de 1844, em Karlsruhe, antiga capital do ducado de Baden.
Iniciou seus estudos no campo das ciências naturais, geologia e zoologia, na Universidade de
Heidelberg. Participou, como oficial do exército, da guerra Franco-Prussiana em 1870. Com o fim
do conflito, transferiu-se para a Universidade de Munique. Viajou, como jornalista político, por
diversos países europeus, Estados Unidos e México. Com o prestígio de sua atividade acadêmica
e jornalística, assumiu a cátedra de geografia na Universidade de Leipzig, onde orientou diversos
trabalhos e teve uma intensa atividade político-acadêmica. Dono de uma extensa publicação, com
livros, artigos científicos e jornalísticos sobre diversos temas, Ratzel ganhou destaque nos círculos
de poder e de tomada de decisões na Alemanha a partir de obras de conteúdo político, a exemplo
de Antropogeografia (Anthrogeographie, de 1882) e Geografia Política: uma Geografia dos Estados, do
Comércio e da Guerra (Politische geographie, oder die Geographie der Staaten, des Verkehrs, undes Kriges,
de 1897). Apesar do amplo impacto teórico e político de seus escritos, nenhuma obra de Ratzel
foi traduzida integramente para a língua portuguesa, o trabalho de maior destaque foi realizado
por Moraes (1990), que reuniu uma coletânea de textos importantes do autor. Ratzel deu uma
dimensão política à geografia do seu tempo, influenciando a toda uma tradição de pensamento
na Alemanha, França, e, posteriormente, em praticamente todo o mundo.
Rudolf Hilferding nasceu em Viena, em 1877. Começou seus estudos do campo da medicina,
onde obteve o doutorado em 1901, pela Universidade de Viena. Por interesse próprio, estudou
economia política, filiou-se ao Partido Socialdemocrata (SPD) da Áustria. Escrevia sobre questões
econômicas e sociais para o Jornal Die Neue Zeit do movimento socialista. Começou, em 1906, a
ensinar economia no centro de estudos do partido, em Berlim, sendo obrigado a abandonar quando
o Governo proibiu que estrangeiros ocupassem a posição de docentes. Durante a Primeira Guerra
Mundial, serviu como médico pelo exército austríaco. Finda a guerra, voltou a Berlim como editor
do jornal Freiheit. A cidadania alemã, obtida em 1920, permitiu-lhe ser nomeado Ministro das
Finanças por duas vezes, em 1923 e, depois, de 1928 a 1929. Com a ascensão do nazismo, em 1933,
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Hilferding exilou-se na Dinamarca e, posteriormente, na França, onde viria a morrer em 1941,
após ser capturado pela Gestapo. Hilferding publicou diversos artigos econômicos em jornais. Seu
livro, O Capital Financeiro, lançado em 1910, foi considerado imediatamente uma contribuição
original à teoria marxista e fonte de explicação econômica para a dinâmica expansiva dos Estados.
Apesar da ampla repercussão de seus escritos, poucos trabalhos buscam analisar conjuntamente
as contribuições de Ratzel e de Hilferding sobre a expansão de poder Estados e de seus desdobramentos
sobre as teorias do imperialismo. É possível encontrar na vasta literatura, nacional e internacional,
sobre o tema muitas referências às obras dos seguidores de Hilferding (os escritos de Lenin, por
exemplo) e de Ratzel (com os formuladores da Geopolítica), mas são raros os trabalhos que buscam
analisar as contribuições diretas desses dois autores (VESENTINI, 2003). Suas conclusões em relação
à necessidade de expansão territorial dos Estados têm similitudes, encontram respaldo no tempo
e no espaço, sobretudo quando se tem por referência as condições políticas e o desenvolvimento
do capitalismo na Alemanha.
Sob o conceito de imperialismo surgiram diversas teorias buscando explicar as transformações
político-econômicas do final do século XIX e os fundamentos da expansão territorial das potências
mundiais. Em muitos casos, transformava-se a teoria econômica do imperialismo na própria teoria
do imperialismo (COHEN, 1973). Ou, do outro lado, com a emergência da Geopolítica, criavamse teorias com pretensas análises científicas a favor da projeção de poder de um Estado sobre os
demais, sem grandes considerações econômicas. Quando se parte dos estudos sobre o capital
financeiro (Hilferding) e sobre a geopolítica (Ratzel), percebe-se que os autores foram além de seu
tempo, trouxeram interpretações originais sobre o impulso expansivo dos Estados e influenciaram
o desenvolvimento posterior das ciências políticas, econômicas e sociais.
O presente trabalho está dividido em quatro partes, sendo a primeira esta introdução, onde
se buscou contextualizar brevemente a importância dos trabalhos de Hilferding e de Ratzel. Na
segunda parte, faz-se uma apresentação dos principais conceitos de Hilferding sobre a concorrência,
monopólios, cartéis e, a partir daí, de como o autor chega a seu conceito central, o capital financeiro,
para explicar a natureza expansiva do capital e de sua necessidade em se apoiar nas políticas de um
Estado forte para realizar a exportação de capital e conquistar novos “territórios econômicos”. Na
terceira parte, analisa-se às contribuições de Ratzel – e, de forma muito breve, às de seu principal
discípulo: Rudolf Kjellén – sobre o espaço e o poder. Fundador da Geografia Política, Ratzel lança
mão de um conjunto de conceitos que ajudam a pensar como o poder de um Estado e, por extensão,
seu impulso expansivo se relaciona com as características do território e do povo. E, na última
parte do texto, serão feitas algumas considerações sobre o legado teórico desses autores e sobre
o caráter expansivo do capital e dos Estados que lideram o processo de acumulação de poder e
riqueza no sistema interestatal moderno.
CAPITAL FINANCEIRO, EXPANSÃO TERRITORIAL E A TEORIA DO IMPERIALISMO
Como coloca Cohen (1976) existem muitas teorias sobre o imperialismo, a maioria, entretanto,
tende a concentrar suas argumentações em temas de natureza econômica. A partir da segunda
metade do século XIX, uma nova onda de disputas territoriais entre as potências europeias entrou em
curso em uma velocidade e extensão sem precedentes. Em pouco mais de duas décadas, Inglaterra,
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França, Holanda, Bélgica, Alemanha, Itália, Portugal e Espanha, além dos Estados Unidos e do
Japão, dividiram entre si amplos territórios da Ásia e da África.
A maioria das teorias econômicas compartilhava da visão sobre a tendência declinante da
taxa de lucro sobre o capital, isto é, que no longo prazo as taxas de lucro das economias capitalistas
avançadas tenderiam a diminuir1, o que poderia gerar uma situação de estagnação. Suponham, assim,
a existência de uma tendência inerente ao desenvolvimento capitalista, e não uma inevitabilidade.
As soluções, mesmo que parciais, indicavam o comércio e os investimentos externos como capazes
de manterem ou evitarem a queda na taxa de lucro.
A obra O Capital Financeiro de Rudolf Hilferding, publicada em 1909, foi a primeira que
sistematizou, no âmbito da teoria marxista, esta nova fase financeira do capitalismo2, além de
realçar a importância do Estado, da esfera do poder, como parte constituinte do processo de
concentração técnica do capital e de centralização financeira.
Hilferding, a partir dos conceitos de capital bancário e capital industrial, originários de Karl
Marx, construiu uma abordagem centrada no capital financeiro, assim explicado:
“Chamo de capital financeiro o capital bancário, portanto o capital em forma de dinheiro que,
desse modo, é na realidade transformado em capital industrial. Mantem sempre a forma de
dinheiro ante os proprietários, é aplicado por eles em forma de capital monetário – de capital
rendoso – e sempre pode ser retirado por eles em forma de dinheiro. Mas, na verdade, a maior
parte do capital investido dessa forma nos bancos é transformado em capital industrial,
produtivo (meios de produção e força de trabalho) e imobilizado nos processos de produção.
Uma parte cada vez maior do capital empregado na indústria é capital financeiro, capital à
disposição dos bancos e, [empregado] pelos industriais”. (HILFERDING, 1986, p. 219).
Signo de um tempo em que a concorrência atingia níveis elevados, este capital financeiro
criou um novo ciclo para o capitalismo, desbancou a fase comercial com o desenvolvimento de
técnicas administrativas, as sociedades anônimas, e a monopolização da indústria. A formação de
cartéis e trustes deu ao capital financeiro seu mais alto grau de poder, enquanto o capital comercial
se fragilizava.
Esta nova fase, estudada por Hilferding, concretizava a expectativa de Marx sobre o processo
de centralização cada vez mais intenso do capital, substituindo a anarquia dos tempos de regulação
mercantil por um capitalismo mais planejado e centralizado (ARRIGHI, 1996, p. 275). Com a
formação dos cartéis, os bancos ampliaram a capacidade de previsão e a eficiência das indústrias,
aumentando as possibilidades de ganhos. Para Hilferding, os cartéis traziam mais segurança e
possibilitavam a uniformidade dos rendimentos das empresas que compunham o grupo. Em sua
visão
1 Cohen (1976: 38) escreve que “quase todos os economistas do século XIX supuseram que a taxa de lucro, nas sociedades capitalistas, tendiam
a decrescer a longo prazo. Consideravam isso um problema crítico por que, em seu mundo laissez-faire, o progresso das economias nacionais
só era determinado pela taxa de investimento privado, que, por sua vez, era unicamente determinado pela taxa de lucro privado. Se os lucros
fossem elevados, as poupanças poderiam ser investidas, e a capacidade produtiva cresceria, mas se os lucros fossem baixos, o capital não seria
acumulado e a produção seria estática”
2 O próprio Braudel - que discordava de Hilferding a respeito da caracterização do capitalismo financeiro como um novo rebento da década
de 1990, ao considerar que as características deste tipo de capitalismo remontavam a um longo período anterior, a Gênova e Amsterdam –
escrevera, num momento posterior, que só “no século XIX, depois de 1830- 1860, o capitalismo financeiro verá seus esforços coroados de êxito,
quando a banca se apossará de tudo, da indústria e depois da mercadoria, e a economia em geral terá adquirido suficiente vigor para sustentar
definitivamente essa construção.” (BRAUDEL, 1987, p. 42).
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suprimidos os riscos da concorrência que, frequentemente, eram muito perigosos para a
empresa industrial. Mas, com isso, sobe a cotação dessas empresas, o que, por outro lado,
significa maior lucro de fundador de novas emissões. Além disso, a segurança para o capital
aplicado nessas empresas é significativamente maior. Isso permite aos bancos estender mais
amplamente o crédito industrial e, dessa forma, participar no lucro industrial em proporções
maiores do que até então. (HILFERDING, 1986, p. 218).
Segundo o autor, com esse grau de desenvolvimento, o capitalismo não desejava liberdade,
mas dominação, de tal modo que “não tem interesse pela autonomia do capital industrial, mas exige
seu atrelamento; detesta a anarquia da concorrência e quer a organização” (HIFERDING, 1986, p.
314). Essa concorrência, englobando a competição entre os Estados, tendeu a dividir o mercado
mundial em domínios territoriais distintos. As dimensões do espaço econômico, subordinado aos
Estados, tornaram-se importantes na determinação da própria capacidade de expansão do poder
nacional.3
Como os bancos negociavam com dinheiro, e não mercadorias stricto sensu, seu objetivo central
estava na produção de dívidas, na criação de uma taxa de lucro elevada sobre o capital. Como a
taxa de lucro tendia a declinar ao longo do tempo, o capital financeiro era obrigado a buscar novas
oportunidades de investimento no exterior. Portanto, a política do capital financeiro, segundo
Hilferding, perseguia três objetivos essenciais: i) ampliação do território econômico; ii) proteção
desse “território econômico” com tarifas para limitar a concorrência estrangeira; e iii) transformação
da área subordinada em zona privilegiada de exploração das associações monopolistas nacionais.
A própria dinâmica expansiva do capital financeiro reivindicava o fortalecimento do Estado,
sendo este uma plataforma de poder viável e necessário ao interminável processo de acumulação
de capital. Construía-se, desse modo, uma crítica radical a visão liberal da integração econômica
entre os países.
Os antigos livre-comerciantes acreditavam no livre-comércio não somente como a mais
correta política econômica, mas também como ponto de partida para uma era de paz. O capital
financeiro perdeu há muito tempo essa crença. Não acredita na harmonia dos interesses
capitalistas. No lugar do ideal humanitário irrompe o ideal do poder e da força do Estado.
(HILFERDING, 1986, p. 314).
E, acrescenta o autor, que o próprio esforço de unificação social, cultural, do Estado territorial
moderno acabou por ser alterado. Com o capital financeiro, a própria nação aspirava dominar as
demais, seu ideal se tornara o “domínio do mundo, uma ambição tão ilimitada quanto a ambição
do capital por conseguir lucro, que lhe dá origem.” (HILFERDING, 1986, p. 314). Uma ambição
que se convertia em obrigação econômica, uma vez que qualquer atraso ou propósito mal sucedido
reduziria o lucro do capital financeiro, o que implicaria na diminuição da capacidade de concorrência
e, por fim, poderia fazer de cada território econômico menor um espaço subordinado a outro maior.
3 Neste ponto Hilferding não titubeia ao escrever que “quanto maior e mais povoado for o espaço econômico, tanto maior pode ser a unidade
empresarial e, portanto, tanto menores os custos de produção e tanto mais acentuada também a especialização interior das empresas, o que
significa igualmente redução dos custos de produção. (...) Por isso, não há dúvida alguma de que na produção capitalista desenvolvida, o livrecomércio que unisse todo o mercado mundial num único território econômico preservaria a maior produtividade do trabalho e a mais racional
divisão internacional do trabalho” (HILFERDING, 1986, p. 293).
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Assim, da obra de Hilferding, deduz-se que a ação do Estado busca criar as condições para
a expansão econômica e territorial. A geração do mais-valor no exterior é o ponto central desta
construção teórica, sendo a exportação de capitais e a ampliação do espaço econômico os objetivos
fundamentais das potências capitalistas. Neste sentido, quanto maior o “território econômico” e
maior o poder estatal, mais privilegiada é a posição do capital nacional no mercado internacional.
Por isso, escreve Hilferding em um de seus parágrafos clássicos:
Daí a exigência de todos os capitalistas interessados em países estrangeiros para que o poder
estatal seja forte, cuja autoridade proteja seus interesses também no mais longínquo rincão do
mundo, daí a exigência de que levante uma bandeira de guerra que precisa ser vista por toda
a parte, para que a bandeira do comércio possa ser plantada por toda a parte. (HILFERDING,
1986, p. 302).
Partindo dessa referência teórica, haveria uma contradição fundamental no desenvolvimento
do capitalismo na Alemanha, enquanto avançava a industrialização, o desenvolvimento de suas
forças produtivas, aumentava a insignificância de seu “território econômico”. Ao passo que os seus
concorrentes diretos, como França, Bélgica, Holanda, Estados Unidos, Rússia e, principalmente,
Inglaterra, dispunham de imensos territórios próprios ou dominados no exterior. Prenunciando um
grave conflito, Hilferding (1986: 311) alertava que se tratava de “uma situação que necessariamente
agrava de forma extraordinária o confronte entre Alemanha e Inglaterra com os seus satélites,
uma situação que impele a uma solução violenta”.
Para Hilferding, as relações entre os Estados se orientavam por meio de duas forças antagônicas:
de um lado, a generalização do sistema protecionista aspirava dividir o mercado mundial em áreas
econômicas individuais, separadas pelas fronteiras estatais; do outro, a evolução do capitalismo
financeiro aumentava a importância da magnitude do espaço econômico sob o domínio de um
Estado. A superação das consequências negativas do sistema protecionista e de seus efeitos sobre a
taxa de lucro ocorreria por meio da exportação de capital. Por isso, o capital financeiro necessitava
de um Estado politicamente poderoso que “na sua política comercial, não tenha necessidade de
respeitar os interesses opostos de outros Estados” (HILFERDING, 1986, p. 314). Portanto, o
essencial, com neste tipo de competição capitalista, era a conquista permanente de novas posições
monopólicas, capazes de gerar lucros extraordinários (FIORI, 2007, p. 44).
Como sustenta Belluzzo (1999), o trabalho de Hilferding descreve o funcionamento de um tipo
de capitalismo, o monopolista de Estado. Uma forma de relacionamento entre o poder do Estado
e os capitais privados que correspondeu bem ao quadro das estratégias de desenvolvimento do
capitalismo alemão. A rápida industrialização deste país não decorreu da existência de burguesias
avançadas, mas da vontade política do império. Os objetivos nacionais terminaram por se interrelacionar de forma virtuosa com a expansão dos negócios. De fato, como descreve Arrighi (1996),
na Alemanha de Otto von Bismarck (1871 até 1890), as intervenções estatais não se rendiam
aos interesses particulares dos investidores privados, ao contrário, utilizavam-se destes capitais
privados para fortalecer autoridade política do II Reich.
Os grandes bancos alemães surgiram dos programas de financiamento das estradas de ferro,
mineradoras, siderúrgicas, indústria de bens de capital e química pesada (GERSCHENKRON, 1970).
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O volume de capital requerido impôs novas formas de organização da estrutura financeira. Os
bancos, ao controlarem os empréstimos de curto e longo prazo, passaram a serem as instituições
mais poderosas do processo de produção, detinham a primazia sobre as estratégias das empresas
industriais, e, com o tempo, passaram da esfera do controle financeiro para chegar a esfera das
decisões empresariais.
No final do século XIX, o sistema bancário alemão era liderado por quatro grandes bancos –
Deutsche, Dresden, Discount, Dramstadt – seguido pelo Schaaffhausen, pela Companhia Comercial
de Berlim e por um conjunto de bancos estatais. Através dessa rede, configurou-se um padrão de
financiamento que comandava a oferta monetária e o crédito sem a necessária obediência aos
pressupostos do padrão-ouro, onde “a expansão monetário-creditícia só surgia em função da
disponibilidade de reservas em ouro em cada região”. (BRAGA, 1999, p. 200).
Os efeitos produzidos pelo capital financeiro alteraram o modo de organização da produção.
O controle exercido pelos bancos sobre a estrutura produtiva impedia que se produzissem lutas
“terminais” entre os grandes grupos corporativos, incluindo as pequenas empresas, como descreveu
Arrighi (1996, p. 275), as que sobreviviam “passaram a viver como membros subalternos de uma
economia de comando privado, controlada por um grupo de burocracias administrativas cada vez
maiores e mais complexas”.
Neste tocante, Hilferding foi claro ao ressaltar que o capitalismo financeiro levava a
uniformização do capital, dado que os setores do capital industrial, comercial e bancário, antes
separados, encontravam-se agora “sob a direção comum das altas finanças, na qual estão reunidos,
em estreita união pessoal, os senhores da indústria e dos bancos” (HILFERDING, 1986, p. 283).
De acordo com Brewer (2001), Hilferding teve uma importância fulcral na elaboração
do conceito de capital financeiro, forneceu diversos elementos que permitiram compreender
as crescentes rivalidades intercapitalistas, entretanto, pouco avançou nas explicações sobre os
desdobramentos de suas próprias teses. Seu foco principal era o desenvolvimento interno das
economias capitalistas.
Nas duas primeiras décadas do século XX, as publicações de Rudolf Hilferding, Nicolai
Bukharin e Vladimir Lenin criaram uma verdadeira teoria do imperialismo, sendo difícil separar
as contribuições de cada um. O fato é que Hilferding foi o pioneiro e que em sua obra estavam
quase todos os principais pontos desenvolvidos posteriormente pelos demais autores.
A EXPANSÃO TERRITORIAL E SEU DISCURSO CIENTÍFICO: AS ORIGENS DA GEOPOLÍTICA
CLÁSSICA
O surgimento da geopolítica também está atrelado ao contexto europeu do final do século
XIX. O crescimento do interesse intelectual pela relação entre poder e espaço manifestou-se em
um momento histórico em que praticamente toda a superfície do globo era objeto de disputa
pelo domínio, direto ou indireto, das potências mundiais. A disciplina é, portanto, tributária
das preocupações sobre a natureza do poder e de como a organização do espaço geográfico é um
fundamento à coesão interna e ao fortalecimento do Estado. Foi no contexto de unificação do
território alemão que Friedrich Ratzel escreveu sua obra clássica Politische geographie, publicada
em 1897, cujo subtítulo indicava uma “Geografia dos Estados, do Comércio e da Guerra”. O termo
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“geopolítica”, entretanto, não foi cunhado por Ratzel, mas sim por um de seus discípulos, Rudolf
Kjellén, como será visto no final desta parte do texto.
Entre as preocupações centrais de Ratzel estava a tentativa de compreender a dimensão
territorial do poder, bem como o duplo esforço alemão, que, de um lado, buscava consolidar sua
unificação territorial e, do outro, pleiteava ingressar no rol das potências mundiais.4
O território, assim, era tido não como trunfo, ou resultado dos embates de poder travados
entre os Estados modernos em seu processo de consolidação, mas como a própria essência do
processo. Desse modo, os escritos de Ratzel buscaram evidenciar a necessidade de um aparato
capaz de pensar o território, no sentido de integrar, controlar e de tonar o seu conteúdo material
um recurso de poder. O objetivo real era sempre o mesmo, isto é, o de reforçar e manter o poder
do Estado.
A história, segundo Ratzel, provaria que o espaço e a posição influenciaram o destino político de
diferentes sociedades. O espaço seria o resultado da ambição dos povos pelo seu domínio, enquanto
a posição geográfica é um dado da natureza, sobre o qual é necessário contornar seus imperativos.
O êxito da conquista e da dominação do espaço depende da visão de mundo dos estadistas e da
mobilidade e capacidade de adaptação de povo.
Ratzel defendia a elaboração de método de investigação que buscasse compatibilizar os
materiais de pesquisa levantados – descrições, inventários, mapas, estatísticas – com uma análise
fundada na história de desenvolvimento dos Estados. Nesse sentido, alertava para a necessidade
de valorizar a reflexão política, em que pese o fato de que, para Ratzel, as ciências políticas
haviam perdido de vista a importância do fator espacial, da situação, como elemento de poder.
Seus estudos visaram preencher essa lacuna, demonstrando aos homens do poder - e aos demais
cientistas sociais - que o Estado não flutua no ar e que seu território é muito mais do que uma
forma superior de propriedade fundiária. Assim, o movimento da história mostraria que território
é a base real da política e que, em política ou em história, a teoria que abstraio território toma o
sintoma pela causa.5
Entretanto, para Ratzel, não é apenas segundo a extensão do território que se pode verificar
a força de um Estado, tem-se uma melhor medida quando se considera os vínculos históricos que a
sociedade sustenta com o território. Os Estados fortes são aqueles cuja manifestação demográfica,
cultural e econômica demonstram-se mais vigorosas que os limites territoriais existentes. Tais
Estados desenvolveriam tendências expansivas. O poder viria da ambição por mais território e
não da extensão territorial a priori.
De acordo com sua teoria os Estados podem se expandirem, se contraírem e até desaparecerem.
Daí seu controverso conceito de lebensraum (espaço vital), uma manifestação da necessidade de
expansão territorial do Estado frente as suas condições produtivas (técnicas e econômicas), seus
recursos naturais e seu efetivo demográfico. Seria uma relação em busca de um equilíbrio - ou
melhor, de uma ruptura com o ponto de paralisia - entre a população e os recursos existentes.
Neste sentido, o espaço é um elemento vital e deve estar em consonância com as necessidades do
4 Para Bassin (2003) a obra de Ratzel deve ser compreendida no quadro das urgências por um sistema político-geográfico que fornecesse respostas aos desafios enfrentados por Bismarck (1971 -1901) diante do processo de consolidação do Estado alemão.
5 “a história nos mostra, de uma maneira muito mais penetrante que o historiador, a que ponto o solo é a base real da política. Uma política
verdadeiramente prática tem sempre um ponto de partida na geografia. Em política como em história, a teoria que faz abstração do solo toma
o sintoma pela causa” (RATZEL, 1983: 99)
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Porto Alegre: Editora Letra1; Rio de Janeiro: REBRAGEO, 2014, p. 125-137. ISBN 978-85-63800-17-6
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Estado. Ratzel formulou seu conceito a partir de observações diretas dos EUA, mas estendeu sua
análise para compreender a situação europeia.
A realidade fragmentada dos Estados europeus era antítese do lebensraum, sobretudo quando
se comparava com a vastidão dos territórios dos EUA e da Rússia. Na falta de um espaço físico no
próprio continente, as potências europeias poderiam alcançar um grossraum (espaço amplo) por
meio da conquista de territórios além-mar (SEEMANN, 2012). Assim, a expansão competitiva das
potenciais europeias no contexto histórico da virada de século XIX ganhava o revestimento de um
discurso científico pautado na incorporação de métodos e teorias das ciências naturais6. Ratzel
transformava a história do imperialismo na história espacial da luta dos Estados pela sobrevivência.
Segundo o autor, se, no entanto, um Estado com um elevado grau de desenvolvimento fosse
incapaz de conquistar novos territórios, ou se as suas tentativas se mostrarem ineficazes, suas
bases de sustentação começariam a se esgotar7. Esse imperativo de crescimento territorial era
dividido entre todos Estados que pleiteavam ou que buscavam manter a condição de potência. O
problema, todavia, assentava-se no pressuposto básico que a Terra era finita, sendo, portanto,
limitado o espaço de crescimento dos países. Com isso, os estados eram forçados a competir
cada vez mais para obterem uma vantagem territorial sobre os demais, neste sentido a “luta pela
existência” seria na verdade uma “luta pelo espaço”.
Do exame da evolução dos Estados através da história e da modificação de suas bases físicas,
Ratzel deduziu a existência de algumas leis que explicam a modificação dos Estados. São denominadas
As leis do crescimento espacial dos Estados (RATZEL, 1990, p. 177-190), a saber: i) As dimensões
do Estado crescem com a expansão de sua cultura; ii) o crescimento dos Estados seguem outras
manifestações do crescimento dos povos, que necessariamente deve preceder o crescimento do
Estado; iii) o crescimento dos Estados procede pela anexação dos membros menores ao agregado,
ao mesmo tempo, a relação entre população e a terra torna-se continuamente mais próxima; iv) a
fronteira é o órgão periférico do Estado e, como tal, a prova de crescimento se encontra na força
e nas mudanças desse órgão; v) em seu crescimento o Estado tem a tendência de absorver áreas
politicamente valiosas; vi) O primeiro impulso de crescimento territorial de um Estado vem lhes
do exterior; e, por fim, vii) a tendência geral para a anexação e fusão territoriais transmite-se de
Estado a Estado, e cresce continuamente de intensidade. Ratzel, para cada lei, fez uma extensa
justificativa, utilizando diversos exemplos históricos e situações geográficas específicas de Impérios,
Estados, tribos e grupos organizados em todos os continentes.
Por estar associada ao contexto de consolidação da Alemanha, a obra de Ratzel teve influência
nos debates sobre o poder mundial (Weltpolitik) de Guilherme II (1888-1918), de quem foi partidário.
Como intelectual engajado, Ratzel participava da Liga Pangermanista e da Liga da Marinha,
6 De acordo com Claude Raffestin (1995) apesar de dedutível não se encontra na obra Politische Geographie de Ratzel uma definição do lebensraum.
Uma definição do conceito só aparece em outra obra, lançada anos mais tarde. Em Der Lebensraum, Eine biogeographische Studie (O Habitat: um
estudo de biogeografia. Tradução própria), de 1901, Ratzel em poucas palavras escreve que “pour la l’humanité, la signification de son Lebensraum, auquelon a donné le nom d’oekoumène, est de première importance. Mais chaque espèce que l’espece s’approprie sur terre; une partie de
la capacite de vie de l’espèce dèpend de la grandeur et de la forme de cet espace. Même si nous ne distinguons pas exactement cet espace, il est
clair qu’il appartientaux plantes, aux animaux et au peuple” (Ratzel apud RAFFESTIN, 1995: 33). O conceito de Ratzel estava enquadrado num
esforço teórico de sistematização de uma ciência. Foi Rudolf Kjellén quem deu uma conotação política ao lebensraum. Algumas décadas depois,
Karl Haushofer, faria uso do conceito em sua geopolítica nazista.
7 Um povo regride quando perde território. Ele pode contar com menos cidadãos e conservar ainda muito solidamente o território onde se encontram suas fontes de vida. Mas se o território se reduz, é, de uma maneira geral, o começo do fim”. (RATZEL, 1983: 94)
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além de diversas atividades acadêmicas ligadas à questão nacional8, defendia que o comércio, o
desenvolvimento das forças produtivas (no seu dizer: “développement de toutes les ressources que
contientle sol”), e as migrações influíam na expansão territorial dos Estados. Suas proposições
instigantes foram rapidamente difundidas pelo continente europeu, especialmente na França, país
onde, segundo Moraes (1983, p. 64), o pensamento geopolítico nasceu do diálogo, na verdade, do
combate às ideias de Ratzel. Com efeito, dentre os principais seguidores de Ratzel, estava o sueco
Rudolf Kjellén (1864-1922), criador do termo geopolítica, usado pela primeira vez em um texto de
1899 sobre as fronteiras da Suécia e depois sistematizado em sua obra principal “O Estado como
forma de vida” (Ser Staatals Lebensform), publicado em 1916 (RAFFESTIN, 1995).
Kjellén levou ao extremo às analogias organicistas, tratando o Estado como ser vivo, sendo
o governo sua alma e cérebro; o império seu corpo. (RAFFESTIN, 1996). Suas considerações se
assemelhavam a uma espécie de manual a expansão territorial das potências europeias. Para ele, os
Estados estariam sujeitos à lei do crescimento, sobretudo aqueles “vigorosos e cheios de vida que
possuem um espaço limitado obedecem ao categórico imperativo de expandir seu espaço, seja por
colonização, amalgamação ou conquista” (KJELLEN apud COSTA, 2008, p. 57). Os Estados fortes,
com poder real, responderiam a três condições: grande espaço, liberdade de movimentação e coesão
interna (TOSTA, 1984). Kjellén defendia a ideia que as Forças Armadas deveriam criar academias
científicas, lugares privilegiados de estudo dos fenômenos geopolíticos. Daí o seu sucesso, segundo
Costa (2008), nos círculos militares de poder de diversos países. Na Alemanha, suas ideias foram
bem recebidas por parte da intelectualidade que estava formando o discurso nacional-socialista.
A partir das contribuições de Ratzel e de Kjellén, do ponto de vista das aplicações práticas,
desenvolveu-se a tradição de pensamento da geopolítica alemã (Geopolitik), levada a cabo por Karl
Haushofer (1869 – 1946), geógrafo e general do exercito alemão, que tanto provocou polêmicas
devido a sua associação com a política nazista do III Reich.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível estabelecer algumas correlações entre as contribuições de Hilferding e de Ratzel a
respeito das necessidades de expansão de poder dos Estados. A despeito de partirem de concepções
teóricas distintas, os dois autores – seja pelo ângulo do capital financeiro ou pelo do lebensraum
(espaço vital) – forneceram explicações de como os fenômenos – econômicos e geográficos – serviam
de base para a ação política dos Estados ao desvelar os fundamentos da integração territorial, da
coesão nacional interna, da natureza monopolística do capital financeiro e da expansão externa
dos Estados.
Com Ratzel surge uma tradição de pensamento que passou a considerar o espaço geográfico
como uma instância importante de compreensão da distribuição de poder nas relações internacionais.
O autor forneceu um vocabulário político com uma aura de ciência, uma construção teórica que
buscava dar respostas aos desafios advindos da unificação politica e da industrialização tardias.
8 Segundo Ó Tuathail (2005, p. 29), Ratzel defendia a expansão colonial da Alemanha em “various colonial advocacy leagues and conservative
nationalist organizations in the 1880s. After Bismarck’s fall he was heavily involved in organizing the Pan-German League and later the Navy
League. In the early years of the twentieth century, he campaigned withot her academics (the so-called fleet professors) for the establishment of
a world-class German navy as a means of furthering the quest for lebensraum.(...) More than anything else, Friedrich Ratzel provided a political
vocabulary with an aura of science for the German Right, a vocabulary that articulated and justified an extreme nationalist desire for space that
was to precipitate two world wide wars in the twentieth century”
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Entretanto, os seus discípulos: Kjellén e, depois, Haushofer, radicalizaram suas reflexões ao
elaborarem um discurso pragmático com vistas a legitimar a ação dos Estados expansionistas.
Em Hilferding, o poder, os Estados e a guerra passaram a compor o núcleo argumentativo da
teoria do desenvolvimento capitalista a partir do predomínio do capital financeiro. Sendo o poder
político decisivo na luta competitiva pela ampliação do “território econômico”. Uma luta em que
“um Estado possa intervir em toda parte do mundo para converter o mundo inteiro em área de
investimento para seu capital financeiro” (HILFERDING, 1986, p. 314). Desse modo, a política do
poder ilimitado das potências mundiais se tornou uma exigência própria do capitalismo financeiro.
O processo de unificação nacional e as particularidades do desenvolvimento capitalista
alemão, em que pese a variedade de interpretações existentes, reuniram condições históricas
excepcionais - aspecto político conturbado, industrialização tardia, proeminência dos bancos e
cartéis, questão nacional, migrações, fronteiras, guerra - que fizeram do país um caso particular de
desenvolvimento. Desta especificidade histórico-geográfica, surgiram conceitos, teorias e áreas do
conhecimento que revolucionaram o modo de pensar sobre as características do capitalismo e dos
Estados territoriais modernos. As interpretações econômicas tendiam a dominar as explicações sobre
o imperialismo, entretanto, foram notadamente insuficientes na compreensão dos complexos - e
por ora contraditórios – fundamentos expansionistas dos Estados. No caso europeu, na medida em
que a Alemanha mobilizou seu poderoso aparato militar em busca de seu lebensraum, tornou-se mais
evidente que na história de criação, consolidação e expansão dos Estados territoriais modernos a
guerra e o capitalismo são fenômenos indissociáveis, sendo difícil precisar o que determina o quê.
A separação analítica entre as dinâmicas do poder e da riqueza pode ser compreendida como
necessária para se explicar a formação dos primeiros Estados territoriais modernos, a expansão da
economia mundial e do sistema político mundial, porém, como demonstra Fiori (2004) a expansão
e universalização do sistema capitalista não foram uma obra do “capital em geral”. A formação e
consolidação dos Estados territoriais ocorreram junto a expansão do capitalismo, desde o princípio
foram “dotados de uma mesma ‘compulsão’ originária e internacionalizante.
A pressão competitiva entre os Estados no “longo século XIX” (1790-1914), liderado pela
disputa pelo controle hegemônico da Europa e, por extensão, do sistema político-econômico que
se universalizava, opunha a Inglaterra e a França. O acirramento dessa rivalidade, entretanto, não
impediu a emergência de três novas potências, Alemanha, Japão e Estados Unidos, revolucionando
o “núcleo central” das grandes potências. Os Estados, e não somente o “capital”, são herdeiros de
um paradoxo que os persegue desde sua origem, isto é, que os primeiros Estados “nasceram e se
expandiram imediatamente para fora de seus próprios territórios eram seres híbridos, uma espécie
de ‘minotauros’, meio estado-meio império” (FIORI, 2004, p. 30). Neste universo, os conflitos e
as contradições que movem o sistema interestatal capitalista levaram, por um lado, a crescente
internacionalização da economia, e, por outro, acirram as disputas pelo poder global. Entretanto,
nem os impérios nem o “capital financeiro” internacional eliminaram os Estados, as economias
nacionais e as disputas.
A articulação dos Estados com suas economias nacionais gera o mecanismo fundamental de
acumulação de poder, riqueza e de expansão externa com vistas a obtenção de posições monopólicas,
criando verdadeiros “impérios mundiais”, internacionalizando a economia capitalista, sem que,
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entretanto, se promovesse a eliminação das fronteiras nacionais. Este movimento, pelo contrário,
foi, e continua sendo, o resultado da expansão vitoriosa das grandes potências, ou do Estado
que hierarquiza o sistema, que conseguem impor seu poder de comando sobre um “território
econômico” (na expressão de Hilferding) cada vez mais amplo, internacionalizando sua moeda, sua
dívida pública, seu sistema de crédito, seu capital financeiro e, enfim, seus custos de manutenção
do exercício de seu próprio poder global. É como se o próprio mundo fosse, em realidade, o limite
do lebensraum (Ratzel) do Estado hegemon.
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