MITOLOGIA E PATERNIDADE Contribuições das narrativas gregas para a ilustração de padrões de paternidade contemporâneos Giselli Renata Gonçalves Luciano Diniz de Oliveira Olavo Virgílio de Carvalho Wolney Martini1 Contato: Giselli Renata Gonçalves Telefones: (43) 3323 1496 / (43) 9915 3059 / (11) 8216 8207 e-mail: [email protected] Olavo Virgílio de Carvalho Telefone: (11) 2368 8960 e-mail: [email protected] Currículo: Giselli Renata Gonçalves – CRP 08/14437. Graduou-se em História e em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina. É mestranda vinculada Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, junto ao Núcleo de Estudos Junguianos. Olavo Virgílio de Carvalho Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). É mestrando vinculado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, junto ao Núcleo de Estudos Junguianos. Luciano Diniz de Oliveira – CRP 06/86127. Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. É mestrando vinculado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica na mesma universidade, junto ao Núcleo de Estudos Junguianos. Especialista em Cinesiologia Psicológica pelo Instituto Sedes Sapientiae. Wolney Martini – CRP 06/92151. Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. É mestrando vinculado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica na mesma universidade, junto ao Núcleo de Estudos Junguianos. 1 Os autores são mestrandos no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica (Núcleo de Estudos Junguianos) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Brasil. Resumo: Este estudo visa ilustrar, de forma sucinta, como o conhecimento das narrativas míticas pode colaborar para o entendimento de padrões de comportamento contemporâneos. Sugerimos que, a partir da utilização da mitologia grega como pano de fundo, seja possível amplificar as imagens dos deuses gregos, relacionando-as a padrões comportamentais associados à masculinidade, em geral, e à paternidade, em específico. A partir dessas noções, podemos tomar os deuses como personificações de determinados aspectos do arquétipo paterno ou de potenciais psíquicos que podem estar presentes tanto em homens como e mulheres. Desde os primórdios de suas elaborações teóricas, Jung reconhece e explicita a importância do conhecimento dos grandes símbolos coletivos, como os mitos, para a compreensão da natureza dos conteúdos psíquicos inconscientes. Isto porque, conforme nos lembra Boechat (s. d.), enquanto o ego se caracteriza pelo pensamento apolíneo de adaptação à realidade externa, que funciona pelo mecanismo de associação de idéias racionais, o inconsciente opera pelo mecanismo associativo de imagens mitológicas. Ou seja, a natureza fundamental dos conteúdos mais arcaicos e primevos da psique é mítica. Objetivamos, com o presente trabalho, evidenciar como o conhecimento das narrativas míticas pode contribuir para a compreensão da psique contemporânea. O mito pode ser entendido como uma manifestação do confronto da consciência coletiva com o inconsciente coletivo. Enquanto função primordial, ele atua como organizador e norteador da vida humana, na medida em que aponta para o que é realmente significativo para a alma, inserindo o indivíduo em um contexto de sentido. Na clinica, a utilização do material mítico tem a mesma função do mito em si, ou seja, nortear e o terapeuta e o paciente em um contexto maior, facilitando a compreensão daquilo que está sendo vivenciado. Nossa proposta, com este breve estudo, é ilustrar como as imagens dos deuses gregos podem ser amplificadas e associadas a padrões comportamentais relativos à masculinidade, em geral, e à paternidade, em específico. A utilização da mitologia grega como pano de fundo para o estudo de diversas questões já foi explorada por inúmeros autores junguianos, como Bolen (2002; 2003) e Cavalcanti (1996), em cujo trabalho nos baseamos para discernir alguns padrões aqui apresentados. Ao discorrer sobre o papel da cultura no desenvolvimento dos modelos de paternidade, Faria (2003) propõe que esta deva ser compreendida numa dimensão ampla, que abrange o conjunto de idéias e valores que sinalizam o que é ser pai num determinado contexto sócio-histórico. O modelo cultural determina o que será esperado de alguém que vivencie o papel paterno, o que influenciará a construção de sua persona. Os mitos nos informam sobre como, culturalmente, foi construída a imagem do pai e da paternidade que observamos historicamente. Nessa perspectiva, as histórias dos deuses olímpicos podem ser concebidas como ilustrações de uma espécie de “história de família”, nas palavras de Bolen (2002), que lançam luz sobre nossa genealogia patriarcal. Essas histórias, que representam atitudes e valores transmitidos desde os gregos exercem, sobre nossas vidas pessoais, uma influência de grandes proporções. Faria (2003) relembra, ainda, que a dimensão arquetípica está presente em todos os relacionamentos e, portanto, também na dimensão pai-filho, a qual desperta formas míticas de relação fundadas na experiência ancestral. Tais formas, quando não percebidas e discriminadas do relacionamento pessoal, podem invadir o vínculo, produzindo efeitos deletérios. Entretanto, seu esclarecimento evitaria a repetição mítica e, além disso, apontaria para uma nova direção para o relacionamento. A partir dessas noções, podemos tomar os deuses gregos como imagens que se relacionam a determinados aspectos do arquétipo paterno ou que personificam potenciais psíquicos e padrões de personalidade que podem estar presentes tanto em homens como em mulheres2. É necessário esclarecer que as amplificações que aqui fazemos devem ser concebidas como metáforas para certos dinamismos presentes na paternidade e não como tipologias estáticas que visam catalogar os indivíduos. Desta forma, podemos utilizar a imagem dos irmãos Zeus, Posêidon e Hades como personificações da figura do Pai. Situado no topo do Olimpo e legislando sobre a vida dos outros deuses e dos mortais, a figura de Zeus relaciona-se à autoridade que se faz presente mesmo à distância (BOLEN, 2002). A objetividade de Zeus impede, entretanto, o contato com as próprias emoções, o que o transforma num pai justo, porém inconsciente das necessidades afetivas dos filhos. Posêidon, deus do mar, da intuição e do instinto, traria em si a imagem de um pai diferenciado. Embora sua emotividade se manifeste, muitas vezes, com violência, o deus do mar é o pai desvelado em defesa da prole. Quando um de seus filhos, Ciclope, foi cego por Ulisses, Posêidon tomou para si a ofensa, buscando retaliar o Odisseu a qualquer custo. Hades, deus do mundo subterrâneo, das almas e do inconsciente, pode significar tanto o pai recluso e identificado com aspectos sombrios da paternidade, como pode também ser associado à figura de outros deuses ctônicos, relacionados aos aspectos nutridores e cuidadores da paternidade, o que nos permitiria considerá-lo um possível “pai-terra”, mais próximo emocionalmente dos filhos, nas palavras de Colman (1990). Amplificações similares podem ser feitas a partir da imagem dos deuses-filhos, gerados por Zeus, que representam padrões de personalidade bastante distintos. Relacionado aos domínios do intelecto, da vontade e da mente, Apolo é, nas palavras de Bolen (2002), a personificação da força masculina que rege à distância. Ao reunir inúmeros atributos “solares”, Apolo é o fruto do patriarcado, o “representante do Pai”. É, por isso, o filho preferido de Zeus, vencedor das forças caóticas ctônicas e dos impulsos regressivos. Com relação à paternidade, o homem identificado com os traços psíquicos personificados na figura de Apolo estaria predisposto a ser criteriosamente justo com os filhos, mas teria dificuldade de contato emocional, devido à intrínseca objetividade apolínea. Tal como Zeus, Apolo é o pai do comedimento, que exerce sua autoridade legítima e imparcial. 2 Esclarecemos que a utilização, no corpo do texto, dos termos no gênero masculino, se deve ao fato de ser este um trabalho relacionado ao homem, em geral, e à paternidade, em específico. Ao contrário de Apolo, seu irmão Dioniso é um deus mais próximo das emoções corporais, da natureza e do feminino. Deus de múltiplas formas, místico, nômade, amante, relacionado ao vinho (BOLEN, 2002), portador de uma natureza contraditória e irracional, Dioniso personifica, para Cavalcanti (1996), a energia criativa que irrompe do descanso inconsciente e chega à consciência, portadora do novo e do desconhecido. Ligado à figura do puer, o homem identificado com Dioniso tenderia a permanecer jovial e próximo à sua criança interior. Assim, como pai, representaria o oposto do pai apolíneo, podendo ser associado à imagem do pai-terra doméstico, instintivamente próximo dos filhos e das próprias emoções, retomando Colman (1990). Apolo e Dioniso representam um par de opostos complementares e são, segundo Cavalcanti (1996), grandes aliados psíquicos. Para a autora, Zeus representaria a manifestação da vontade do princípio criativo do Self e estes seus dois filhos, como seus desdobramentos, buscariam a realização da totalidade do pai. Assim, em benefício da totalidade psíquica, o “pai apolíneo” necessitaria desenvolver, em si, os atributos relacionados a Dioniso, ao passo que o “pai dionisíaco” necessitaria, igualmente, cultivar as características associadas ao irmão Apolo, para atingir uma possível inteireza. A partir dessas metáforas, buscamos exemplificar como as narrativas míticas nos fornecem orientações atuais sobre a necessidade de desenvolvimento dos traços psíquicos complementares, que nossa personalidade normalmente relega à sombra, o que aqui ilustramos dentro do domínio específico da paternidade. Bibliografia BOECHAT, Walter. O mito na teoria e na prática da psicologia analítica. (sem data conhecida). Disponível em: <www.fw2.com.br/clientes/.../mitologia/Mito_Teoria_Pratica.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2010. BOLEN, Jean Shinoda. As deusas e a mulher: uma nova psicologia das mulheres. São Paulo: Paulus, 2003. BOLEN, Jean Shinoda. Os deuses e o homem: uma nova psicologia da vida e dos amores masculinos. São Paulo: Paulus, 2002. CAVALCANTI, Raïssa. O mundo do pai: mitos, símbolos e arquétipos. São Paulo: Cultrix, 1996. COLMAN, Arthur; COLMAN, Libby. O pai: mitologia e papéis em mutação. São Paulo: Cultrix, 1990. FARIA, Durval Luiz de. O pai possível: conflitos da paternidade contemporânea. São Paulo: EDUC / FAPESP, 2003. Observação: Excluída a bibliografia, o texto conta com 1132 caracteres.