Marxismo e Serviço Social - aspectos

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Marxismo e Serviço Social - aspectos introdutórios à questão das relações
entre teoria e prática do projeto ético-político 1
Edna Donzelli 2
Palavras-chave:
Projeto ético-político – questão social – objeto - mediação –
prática institucional
Marxismo e Serviço Social - aspectos introdutórios à questão das relações entre teoria
e prática do projeto ético-político.
O presente texto tem como objeto de reflexão a vertente marxista no Serviço
Social sob o ponto de vista das relações entre o conjunto teórico produzido desde
meados da década de 80, no Brasil, e a prática profissional como ainda exercida nas
instituições de assistência. A crítica aqui esboçada se distancia nitidamente da crítica
ideo-política 3 para se desenvolver através da análise de alguns impasses ainda presentes
na construção do projeto marxista no Serviço Social e que têm impedido a sua não
efetivação como projeto profissional, sobretudo quando assumindo o lugar do tradicional
nas instituições de assistência social. A hipótese central é que a introdução do projeto
ético-político no cotidiano institucional (historicamente de fonte ortodoxa, desde os anos
60 do século passado, ortodoxia retomada pelo objeto contemporâneo do Serviço Social),
criou o paralelismo radical ou paradigmático entre a forma tradicional, ali ainda vigente e
hegemônica, e o novo projeto, crítico e revolucionário do status quo. Como
consequência, alguns obstáculos importantes, como o ecletismo do ponto de vista da
construção do conhecimento do próprio projeto, a coexitência de ações que apenas se
somam no conjunto das atividades gerais, mas não interagem entre si, nem se
completam e nem se excluem..
Desenvolvemos a discussão do tema em dois momentos diferenciados. O
primeiro trata das origens da dependência paradigmática entre o projeto marxista no
Serviço Social e o marxismo como recurso ideo-político de transformação da realidade
social e das apropriações ideo-política e epistemológica que o caracterizaram nos anos
60 a finais de 70, respectivamente. Trata também da busca na ontologia marxiana do
1
Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la
coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica
Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009.
2
Edna Donzelli, professora Adjunto-Doutor III, Universidade Federal Fluminense de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.
1
novo solo para o projeto profissional no Serviço Social, o projeto ético-político, então sob
a influência de Gramsci e Lukács, na década de 80. O Código de Ética Profissional de
1993 foi um avanço importante na concepção de uma prática transformadora das
relações sociais alienadas e alienantes do sistema capitalista e passa a ser entendida
como o recurso fundamental para caracterizar a nova posição no Serviço Social. No
mesmo período, a reforma das políticas sociais no Brasil, fruto de lutas políticas travadas
em busca da efetivação de direitos sociais junto ao Estado, torna-se um ponto de
referência importante para consecução de uma nova etapa do projeto marxista no
Serviço Social. É interessante assinalar que, no bojo desses acontecimentos, define-se a
questão social como objeto de conhecimento e intervenção do Serviço Social e o seus
status epistemológico como uma especialização na ordem sócio-técnica do trabalho,
ambos originais de Mar4ilda Iamamoto (1992; 2000)
Esses dois aspectos, a ética como instrumento de atuação profissional no
contexto institucional e a definição do Serviço Social como uma especialização na
questão social5 criam um impasse na condução do desenvolvimento da teorização do
Serviço Social: o primeiro reduzindo toda intervenção a uma postura ética, democrática,
solidária e comprometida com a população carente, retroalimentando os objetivos
institucionais; a segunda, buscando ainda na epistemologia marxista, embora através da
forma indireta da especialização, respostas para uma prática política que nega a
fragmentação da pobreza e necessariamente as formas fragmentárias de respostas aos
direitos sociais, como de fato se dá na prática institucional. Tanto em uma quanto em
outra opção, tem-se como resultado a impossibilidade de se construir instrumentos que
efetivamente realizem o projeto marxista, a práxis transformadora das relações sociais no
contexto limitado das instituições.
O segundo momento se desenvolve em uma outra instância de análise, a da
verificação das afirmações anteriores através de algumas experiências já presentes na
literatura do Serviço Social. Essas tentativas de introdução do novo projeto profissional
nas estruturações criadas em perfeita sintonia com os princípios que regem tanto a
fragmentação quanto a institucionalização da questão social permitem evidenciar alguns
aspectos importantes relacionados aos obstáculos referidos acima.
Nas considerações finais, uma rápida análise de algumas consequências desses
impasses na efetivação do projeto. A questão colocada é sobre a autenticidade de um
4
5
Como as realizadas por Di Carlo, 2001 e Cortinas, 2003.
Portanto, o equacionamento científico da pobreza pelo materialismo histórico.
2
projeto marxista, ortodoxo em suas bases teóricas, quando se infiltrando nas formas
tradicionais de atuação que respondem a imperativos de uma ordem social e ideo-política
contraditória, da qual as práticas profissionais dependem e sem a qual não poderão se
manter na totalidade da estruturação social capitalista. Ou ainda, até que ponto o projeto
como delineado teoricamente pela posição marxista no Serviço Social latino-americano
pode manter a sua coerência interna e externa quando nas condições restritas
das
instituições, condições que fazem das instituições projetos devedores e partícipes de
princípios contraditórios à posição marxista. Se partícipes e devedores dos princípios que
regem o todo social, toda transformação das relações sociais na instância menor das
instituições
somente
enriquecimento
desse
podem
todo
de
alguma
particular,
forma
sem
responder
entretanto
ao
crescimento
transformá-lo
em
e
suas
estruturações básicas e essenciais, como ainda pretende a ortodoxia marxista 6
I. A vinculação histórica do projeto ético-político ao materialismo histórico
1.1 A impossibilidade de construção de uma teoria do Serviço Social, seja tradicional
ou marxista.
As origens da dependência do materialismo histórico estão na descoberta dos
recursos teórico-críticos do marxismo por assistentes sociais descontentes com os rumos
que a profissão assumira no Brasil e em vários países da América Latina
década de 50.
desde a
A institucionalização do Serviço Social a serviço dos interesses do
capitalismo industrial instalado na região (SILVA e SILVA, 1995) leva os intelectuais,
dentre eles muitos assistentes sociais, a iniciarem um processo de revisão crítica da
profissão no caldo do pensamento stalinista e leninista (NETTO, 2005), buscando, em
perfeita sintonia com o movimento revolucionário de esquerda, o desmonte do próprio
sistema e de suas formas de alienação social. A prática do Serviço Social de cunho
positivista-funcionalista que se institucionalizava no Brasil sob a influência norteamericana introduzida nos anos 50 e de seus desdobramentos nacionais sofre uma
crítica radical e inicia o debate sobre um novo projeto que se inicia com o Movimento da
Reconceituação Latino-Americana, posteriormente revisto revisto na década de 80 sob a
influência do pensamento dialético de Gramsci e Lukács. Esta nova posição do
6
Ainda, segundo Montano, quando discriminando os três grandes projetos da sociedade, sendo os dois primeiros a)o
projeto neoliberal, b)o projeto reformista e: “ c) o projeto revolucionário (fundamentalmente de inspiração marxista que
busca, gradual ou abruptamente, a substituição da ordem capitalista por uma sociedade sem classes...”. Id. p.4.
3
marxismo no Serviço Social vai se desenvolver como projeto acadêmico,
aprofunda a crítica à realidade brasileira a partir das obras dos originais marxistas
e enfoca mais de perto a construção de um conhecimento específico da
profissão7.
A crítica à Reconceituação latino-americana se deu sob a forma de uma
intenção de renovação do pensamento marxista no Serviço Social, movimento
intelectual brasileiro8 que passa a definir mais claramente
duas tendências
importantes: a primeira sustentada pela afirmação das possibilidades do marxismo
ortodoxo de assumir a forma de um projeto profissional especializado na questão social
(IAMAMOTO, 1982; 2000), e a da negação das possibilidades do projeto revolucionário
marxista de se definir sob a forma profissional, mantendo o recurso ao marxismo como
uma posição política ortodoxa, então diretamente centrada na desestruturação do
sistema e, portanto, não passível de ser profissionalizada (NETTO, 1989). Embora Netto
tenha afirmado que a não resolução científica do projeto tradicional está no sincretismo
da prática, origem da fragmentação da questão social, sem poder recorrer a uma noção
de totalidade como oferecida pelo marxismo (e disso advindo a impossibilidade de se
construir uma teoria prática do Serviço Social), nega ao mesmo tempo que o projeto
marxista possa formular uma prática profissional, mesmo recorrendo à noção de
totalidade cientificamente explicitada por Marx (1997). Essas afirmações, embora pouco
aprofundadas pelo autor, trouxe perplexidade à categoria, porém alertou para a questão
de se pretender construir uma prática profissional diretamente decorrente do marxismo,
ou seja, de uma teoria da sociedade capitalista, macro e de cunho científico, que como
tal é naturalmente destinada a construir recursos instrumentais para a transformação
radical do sistema sócio-econômico do capitalismo.
1.2 A questão social como reafirmação da apropriação do materialismo histórico pelo
Serviço Social.
A colocação do Serviço Social (IAMAMOTO, 1996) como uma especialização na
ordem sócio-técnica do trabalho e tendo como objeto a quetão social afasta do debate as
impossibilidades colocadas por Netto, se aproxima da instância epistemológica do
marxismo, mas sob a perspectiva criativa de uma especialização na questão social, e
7
Foi remarcável o desenvolvimento dos estudos pós-graduados do Serviço Social e de estudos e pesquisas com nítido
amadurecimento intelectual . Cf. Netto, 1997; Montago, 2006, entre outros.
8
Tendo José Paulo Netto e Marilda Iamamoto como os seus mais importantes representantes.
4
instaura ao mesmo tempo uma abertura problemática para a continuidade do projeto
ético-político na profissão. Como especialização fundamentada no materialismo histórico,
tem-se aqui de volta uma proposta de cunho epistemológico referente à possibilidade de
se enfocar aspectos particulares da realidade social sob a forma de “novos” objetos de
estudo. Enquanto especialização nas causas da pobreza como determinadas pelo
materialismo histórico, a questão social é uma dessas possibilidades e responde a uma
concepção da pobreza não fragmentada.
Entretanto, a concepção da questão social de forma não fragmentada encontra na
macro-teoria as suas razões fundamentias, primeiras e últimas, e necessariamente cria
uma nova dependência também ela fundamental em relação à teoria. Essa dependência
é de tal forma essencial se se entende que na concepção marxista não há possibilidade
de se explicar a pobreza fora dos recursos teórico-metodológicos do materialismo
histórico. De fato, a questão social é a própria materialização da alienação tratada por
Marx e somente passível de explicação, portanto de um entendimento objetivo e geral,
através dos recursos teóricos oferecidos pelo materialismo histórico. Em qualquer
circunstância ou condição em que ela se apresente nas sociedade modernas, portanto
sob o modelo capitalista de desenvolvimento, a questão social somente toma sentido
dentro do pensamento marxista se diretamente relacionada ao conjunto explicativo dado
por Marx em O Capital.
Assim estabelecido o status epistemológico do Serviço Social e a sua
especificidade como conhecimento, instaura-se, também o paralelismo entre teoria e
prática, pois conjunto teórico dos fundamentos positivistas/funcionalistas a partir dos
quais a prática do Serviço Social buscou a objetividade científica expressa também ele a
materialidade, tanto da estrutura quanto dos processos de desenvolvimento e de
mantenção dessa mesma estrutura, em acordo com a organização geral da sociedade
moderna. Sendo o materialismo histórico9 os fundamentos do projeto ético-político, uma
macro-teoria da sociedade cujas afirmações periféricas permitem conceber toda ação
direcionada apenas e exclusivamente ao seu objeto, a estrutura social capitalista, quando
formulando objetos especializados, como a questão social, por exemplo, embora exija
pesquisas mais aprofundada do seu objeto e tolere recursos particulares a serem criados
a partir do conhecimento desse objeto, o objetivo será sempre o da transformação radical
9
Assim foi e é atualmente afirmado pelos teóricos principais do projeto ético-político, haja vista a centralidade da noção do
trabalho fundamentada em Marx na construção das análises críticas da realidade e da definição do campo de ação da
prática profissional. Cf. Iamamoto, Marilda, 1997.
5
das relações sociais, processo que pede todo o recurso teórico-metodológico diretamente
das leis fundamentais defendidas pela teoria.
Pode-se, então, afirmar que toda explicação causal da alienação social está
implícita
nas próprias razões do sistema enquanto tal e de tal forma que qualquer
fenômeno, por mais particular que seja, somente toma sentido quando encontra a sua
explicação última e essencial no conjunto teórico do qual é uma “especialidade”.
Retiradas do conjunto geral da teoria, as especializações são portanto passíveis de
serem aprofundadas pela pesquisa e reflexão, porém sem a perda de seu foco principal,
o objeto da macro-teoria a partir do qual, em última instância, o tema particular retira a
sua explicação científica. Na realidade, pelo fato de o materialismo histórico ser o modelo
teórico explicativo da alienação do homem e das relações sociais pelo sistema capitalista,
toda construção operacional de suas afirmações periféricas, mesmo a partir do fenômeno
circunscrito
pela
especialização,
não
permitiria
senão
ações
direcionadas
à
transformação da totalidade da sociedade capitalista.
Por essas razões, a posição de Iamamoto não permite a construção de
instrumentos de intervenção
se se definindo como prática profissional confinada às
atividades delineadas pelos objetivos e finalidades das instituições de assistência.
II. Tentativas de aplicação do projeto ético-político nas instituições pelo viés da
ontologia marxista.
Pressionado pelo enfrentamento do cotidiano institucional, a ausência de
instrumentos de intervenção fundamentados no marxismo levou alguns estudiosos a
tentar recursos teórico-metodológicos diferenciados dos tradicionais e aparentemente
mantendo uma relação de sentido ontológico e ideo-político com os fundamentos
marxistas. Para as finalidades do presente texto, foram selecionadas duas tentativas de
construção de instrumentos de intervenção de cunho marxista: através do conceito da
mediação, inspirado em Lukács10, que possibilitaria reconstruir na singularidade do
cotidiano institucional as causas primeiras e finais da alienação, como definida por Marx,
e através da prática reflexiva, diretamente apoiada na postura ética iluminada pela
ontologia marxista.
10
Referimo-nos mais especialmente à tentativa de Pontes de definir sua importância e mesmo seus mecanismos na
postura do assistente social. Cf. Pontes, E. 2003.
6
2.1 A mediação como instrumento de intervenção na realidade institucional.
Pontes recupera em Lukács a noção de mediação e tenta aplicá-la ao cotidiano
do assistente social. Segundo o autor, a particularidade sendo a expressão do
singular como interpretado pelos recursos teóricos do marxismo, essa processo
reflexivo permite reproduzir no cotidiano as razões da alienção. Essa reprodução
dá ao assistente social a possibilidade de interpretar todo “caso” individual ou
grupal na sua instância particular sem perder de vista a perspectiva crítica que lhe
dá condições de se posicionar eticamente frente à população assistida.
Sem pultrapassar a perspectiva ética da postura profissional, o esquema
adotado por Pontes se configura como um recurso teórico-metodológico de
interpretação da realidade que permite entender o usuário como resultado da
alienação capitalista. Porém, um processo dialético que fica confinado ainda à
compreensão crítica da realidade pelo
profissional, recaindo na ausência de
instrumento e técnicas para poder gerar a aquisição de uma visão crítica da
realidade pelo usuário.
De fato, compreender a realidade através do esquema singularidade,
universalidade e particularidade como sugere Pontes apoiado em Lukács é trazer
para o cotidiano a visão crítica legada pelo marxismo, mas define a postura frente
à realidade onde se insere historicamente o usuário e não o instrumento de
intervenção no entendimento dessa realidade. A dialética a ser estabelecida para
que se possa afirmar a presença de recursos instrumentais do projeto éticopolítico seria poder transferir para o sujeito usuário esse distanciamento crítico de
tal forma que ele transformasse sua alienação em nova maneira de ver, agora
crítica, das suas relações com a instituição e com a sociedade em geral.
2.2 A prática reflexiva e o ecletismo.
Buscar essa postura crítica do usuário é o que Ana Maria de Vasconcelos (1997,
2002a). propõe como objetivo de intervenção do Serviço Social no cotidiano institucional.
O instrumental sugerido é a prática reflexiva, que “tem como base a socialização da
informação como instrumento de indagação e ação sobre a realidade social” (1997: 134).
. O que Vasconcelos prioriza na pratica reflexiva é o saber de direitos e das formas de
acesso a esses direitos, sem os quais toda reveindicação torna-se impossível. O aspecto
7
educativo está em propiciar a transformação das condições de conflito, geradoras de
problemas vivenciados, pela informação e reflexão sobre a realidade particular a ser
entendida e transformada pelo sujeito assistido. O projeto é voltado para a
criação/reprodução de relações “solidárias, horizontais, democráticas”,
rejeitando as
formas autoritárias e pré-moldadas da prática profissional. Como pensar em uma
sociedade democrática que supere suas diferenças sócio-econômicas sem pensar em
cidadania, em direitos sociais, é a questão que envolve todo o projeto de Vasconcelos.
Para Vasconcelos, o estabelecimento de relações democráticas é a condição
ética de toda intervenção. A educação é fonte de conhecimento dos direitos e o sujeito
informado, o ponto de partida para toda ação transformadora de sua própria realidade.
Embora considerando na relação
com o usuário as condições básicas para o
aprendizado da busca de seus direitos, há uma nítida redução da noção de práxis como
concebida pelo marxianismo quando o processo parte da escuta e da orientação
respeitosa da sujeito, na desculpabilização de sua dependência ou subaltenização aos
recursos institucionais e pelas informações sobre os seus direitos adquiridos e
constitucionais.
Da parte do assistente social, o aspecto metodológico também é
reduzido a uma postura de horizontalidade democrática frente ao usuário e informativa
em relação aos seus direitos e aos recursos institucionais.
Com pequenos grupos, o projeto de Vasconcelos parece produzir resultados mais
interessantes. Entretanto, a reflexão a favor da práxis política transformadora das
relações sociais, excepcionalmente se expressando como grupos politicamente ativos
dentro da instituição, traz modificações nas relações sociais, mas não podem evitar sua
anulação ou absorção pelo sistema institucional se os princípios e os objetivos
pretendidos são contraditórios àqueles que dirigem e organizam o sistema.
Se não
transformado, o sistema os redimenciona necessariamente sob uma forma que lhe seja
significativa, materializando a posição crítica como uma contribuição restrita à instituição,
portanto ao seu desenvolvimento material, técnico e político. E não poderia ser diferente,
visto que o objeto marxista que direciona toda práxis para a transformação radical do
sistema é, neste caso, deslocado de seu objeto genuíno, a totalidade social, para a
transformação das relações sociais na particularidade
da instituição, dependente da
totalidade e mantendo com ela vínculos essenciais.11
11
Os estudos positivistas revelam a maneira pela qual a sociedade moderna, portanto aberta no sentido da antropologia
estrutural levistraussiana, se organiza, se mantém, se desenvolve e se transforma qualitativamente sem romper com suas
características essenciais.
8
Um outro aspecto importante do projeto de Vasconcelos é o seu apelo inevitável
ao ecletismo. A subjetividade é sem dúvida o fator que, nas circunstâncias da prática
institucional, exige a busca de recursos que o marxismo não pode favorecer (Ver
sociologa). Certas situações e circunstâncias convidam mais à compreensão do que ao
conhecimento, muito mais ao desvelamento do mundo do sujeito do que à busca de
dados objetivos que possam revelar a alienação. A subjetividade é um fator real de todo
relacionamento, pois ela dá sentido singular ao mundo, o chamado mundo do sujeito.
Nestes casos, para a autora, outros recursos metodológicos deverão ser buscados, sem
entretanto, identificá-los.
III. Considerações finais
A tentativa de substituir o antigo objeto, a “socialização”12 de sujeitos visando a
integração social, pelo novo objeto, a questão social, trouxe um impasse que se mostra
importante para a continuidade do pensamento marxista no Serviço Social, pois
considerar a transformação das relações sociais alienadas pelo sistema capitalista a
partir do contexto institucional e das demandas da prática tradicional do Serviço Social no
confinamento das instituições é criar um paralelismo entre as duas noções de totalidade
social. Essa impossibilidade é paradigmática, pois a concepção do ser social, da forma
ideal de ser e dos instrumentos necessários para conhecê-lo são absolutamente
irredutíveis uns aos outros, portanto, são dois processos distintos que não interagem
entre si, não se somam e nem se completam.
Embora o projeto ético-político tenha tido resultados positivos em relação à
postura do assitente social por compreender a
exploração do trabalho como causa
fundamental da probreza, o paralelismo criado de duas posições antagônicas não tem
permitido que os resultados obtidos dessas tentativas se influenciem uns aos outros, a
não ser pela paralisia epistemológica do ecletismo, e nem que se substituam no contexto
da prática profissional real. O projeto tradicional, por responder aos princípios que regem
a institucionalização da pobreza, ali firmou o seu locus privilegiado e, pelas mesmas
razões, ali se mantém dominante, embora reduzido em seus princípios e objetivos pela
burocratização e pelo assistencialismo.
12
Socialização no sentido pedagógico de criação, com e/ou para o sujeito, de condições mínimas de integração social,
projeto de natureza psicologisante, de origem richmondiana, não reelaborado para as condições brasileiras e
sulamericanas pelo conservadorismo nacional.
9
Conclui-se que o projeto marxista, quando define a questão social como objeto de
conhecimento e intervenção e pretende desenvolver este objeto nas condições restritas
como definidas pela prática tradicional deixa de ser instrumento de transformação das
relações sociais para provocar, no máximo positivo, mudanças na qualidade do
atendimento e na democraticação das relações sociais estabelecidas entre usuários,
profissionais e as instâncias administrativas. Acreditar que um projeto é marxista porque
trabalha em prol da democratização das relações particulares entre usuários,
profissionais e administrativos de uma instituição e/ou os informa da existência de seus
direitos já instituídos é confundir a socialização da população para a democracia moderna
com o processo revolucionário de transformação das relações subalternizadas pelo
sistema capitalista. Este equívoco aparece com frequência na literatura contemporânea
do Serviço Social e está expresso com clareza por Montano (2006:18), transcrito a seguir
(quase) integralmente (os grifos são nossos): “O Serviço Social
condicionado pelas
estruturas sociais e pelas demandas institucionais [...] ainda assim pode apreentar um
certo protagonismo e uma margem de manobra relativa ao orientar sua ação profissional;
na medida em que dirige seu processo de formação não meramente para o atendimento
direto das demandas institucionais, mas formando um profissional crítico e competente,
que organize o coletivo em entidades fortes e representativas e que consolide códigos de
ética claramente orientados em certos valores definidos coletivamente, o assistente social
pode ver reforçada sua margem de manobra para uma prática profissional que, sem
eliminar os condicionantes sitêmicos, privilegie a garantia dos direitos sociais
conquistados”. 13
IV. Bibliografia
CORTINAS, A propósito de algunas tendencias en el Servicio Social Profesional. Revista de
Trabajo Social, Montevideo, Eppal, 2003.
DI CARLO, E. Reflexiones y Refutacones. In: DI CARLO, E.; SAN GIACOMO, O. Una
introduction al Trabajo Social. U. Mar del Plata, 2001.
GENTILLI, R. de M.L. Representações Sociais e Práticas: identidade e processo do
trabalho do serviço
13
Cf. http://www.scielo.br/scielo
10
social. São Paulo: Ed. Veras, 1998.
______ A Prática como Definidora da Identidade Profissional do Serviço Social. Serviço
Social e sociedade, São Paulo, n° 53, março 1997.
IAMAMOTO, M. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 3ª edição. São Paulo: Ed. Cortez, 2000.
______Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. São paulo: Ed. Cortez, 1992.
KAMEYANA, N. Concepção de teoria e metodologia. In: Cadernos ABESS. Nº 3. São
Paulo: Ed.
Cortez, p. 99-116, 1989.
NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós64.São Paulo:
Ed. Cortez, 1990.
_______Transformações Societárias e Serviço Social. In: Serviço Social e Sociedade,
São Paulo,
n° 50, p. 117-119.
_______ O movimento de reconceituação – 40 anos depois. In: Serviço Social e
Sociedade, Ano
XXVI. São Paulo: Editora Cortez, 2005, p. 5-20.
PONTES, R. Mediación: categoria fundamental para el trabajo del asistente social. In:
Borgianni,
E.; Guerra,Y.; Montano, C. (Orgas.)erviço Social Crítico. São Paulo: Cortez, 2003.
SILVA E SILVA, M.O. da (org.).
O
Serviço
Social e o popular - resgate teórico-
metodológico do projeto profissional de ruptura. São Paulo: Ed. Cortez, 1995.
VASCONCELOS, A. M. Serviço Social e Práticas Democráticas. In BRAVO, M. I. S. e
PEREIRA, P.
A. P. (Org.). Política Social e Democracia. 2ª ed. São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro:
UERJ, 2002b.
______Serviço Social e Prática Reflexiva. In Em Pauta. Número 10, R.J, FSS/UERJ,
1997, pp. 131
–181.
11
Resumo
O texto enfoca o paralelismo entre o projeto ético-político e as práticas institucionais,
aspecto problemático das relações entre teoria e prática no Serviço Social
latinoamericano quando tentando substituir as formas tradicionais da prática profissional.
A autora introduz uma perspectiva de análise ainda não trabalhada nas pesquisas
acadêmicas, a construção do conhecimento marxista como desenvolvido pelo Serviço
Social brasileiro, uma especialização na questão social a partir do arcabouço teórico
marxista, mais especialmente vinculado ao materialismo histórico, e introduz a
possibilidade
de se desenvolver um projeto profissional crítico, mas autônomo em
relação à prática tradicional.
Abstracts
The text presents an analysis about the problematical relation between theory and
practice in Latin America Social Work, the clear paralelism created by the marxist projet
when trying to
substitue the traditional practices forms. The autor
introduce a new
perspective of analisis about the special form of marxist knowledge construction like it was
developed by the brazilian social work, a specialization in social problems throuth
historical materialism,
and, because of its epistemological form, introduce questions
about the possibility to developed an independent professional activity .
12
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