serviço social apropriação da teoria social marxista - cress-mg

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SERVIÇO SOCIAL: APROPRIAÇÃO DA TEORIA SOCIAL MARXISTA E FORMAÇÃO
PROFISSIONAL CRÍTICA.
Sandra Neres Santos1
RESUMO
Este artigo pretende apresentar os elementos do amadurecimento teóricometodológico profissional do Serviço Social com a aproximação da tradição marxista
em Marx. Para isto, o artigo busca resgatar, de forma breve, a trajetória histórica da
constituição da profissão de Serviço social, a partir da expansão capitalista, repensado
o seu posicionamento frente às condições da reprodução da força de trabalho. Buscase também analisar a relação do Serviço Social com a igreja católica e a intenção de
ruptura com o conservadorismo, observando as particularidades do contexto brasileiro
nas diferentes décadas. Destacando a década de 1970 que foi de suma importância,
pois nesta década há um movimento de reconceituação da profissão, em que os
profissionais assumem suas inquietações e questionam a ordem vigente, que se
caracteriza por um desenvolvimento excludente e subordinado. Neste contexto há
uma revisão nos níveis teórico, metodológicos, operativos e políticos, em que surge
um comprometimento com um projeto profissional voltado as classes subalternas, e
consequentemente a apropriação da teoria social de Marx, desvinculando-se da
perspectiva positivista. Ressalta-se ainda, os desafios da profissão em trabalhar de
acordo com o direcionamento do projeto ético-político profissional, que tem como
perspectiva a transformação social. Considera-se a relevância dos avanços na profissão
que se dá pela valiosa apropriação à orientação teórica- metodológica da teoria social
marxista. Essa orientação possibilita ao profissional uma visão crítica de sua atuação,
tendo seu fazer profissional para além do imediato, sendo capaz de fazer uma leitura
crítica da realidade. Tudo isso resultado de lutas da categoria na discussão do projeto
profissional, em que determinados elementos se constitui e se legitimam, fortalecendo
a luta pela permanente construção do projeto ético-político da profissão tendo como
base a teoria social marxista. Mesmo havendo esta teoria social marxista como base
de orientação profissional, é necessária uma constante discussão acerca do projeto
profissional, pois o mesmo é indissociável das transformações societárias.
Palavras-chave: Serviço Social, teoria social marxista, projeto ético-político.
1
Graduada em Serviço Social do período pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri (UFVJM). Pos-graduanda em Política Social e Gestão de Serviços Sociais, pela AVM
Faculdades Integradas, a distância.
2
1.INTRODUÇÃO
Este artigo pretende apresentar os elementos do amadurecimento teóricometodológico profissional do Serviço Social com a aproximação da tradição marxista
em Marx. Para isto, o artigo busca resgatar, de forma breve, a trajetória histórica da
profissão debatendo a constituição ética da profissão.
O assistente social, ao longo da sua trajetória profissional, obteve muitos
avanços no fazer profissional. Esse avanço foi resultado da incorporação da teoria
social de Marx na análise das transformações que foram tomando direcionamento
social, econômico, político, etc. Com isso a profissão demandou repensar suas
estratégias na sua atuação diante dessas transformações societárias, que afetam
principalmente a classe trabalhadora. O amadurecimento teórico-metodológico do
Serviço Social deu-se a partir do período pós- ditadura e foi fortalecido na década de
1970 com o movimento de reconceituação na intenção de ruptura com o
conservadorismo.2
2. Um Breve Histórico da Constituição da Profissão de Serviço Social.
Com a expansão do capital e a pauperização da força de trabalho, o Estado se
apropriava da prática assistencial, individualizando a “questão social”3 e culpabilizando
os sujeitos sociais.
Segundo Aldaiza Sposati (2008), (...) “a partir da crise mundial do capitalismo o
Estado gendarme, aparelho de justiça e polícia, reposiciona-se frente à sociedade.
Insere-se na relação capital-trabalho (...)”. Esse processo faz com que o Estado repense
2
A intenção de ruptura é tratada como algo que “(...) não é puro resultado da vontade subjetiva dos seus
protagonistas: ela expressa, no processo de laicização e diferenciação da profissão, tendências e forças
que percorrem a estrutura da sociedade brasileira (...)”.( NETTO, 2008 p.255-256).
3
“ (...) historicamente a questão social tem a ver com a emergência da classe operária e seu ingresso no
cenário político por meio de lutas desencadeadas em prol dos direitos atinentes ao trabalho, exigindo o
seu reconhecimento como classe pelo bloco de poder, e, em especial pelo Estado. Foram as lutas sociais
que romperam o domínio privado nas relações entre capital e trabalho, extrapolando a questão social para
a esfera pública, exigindo a interferência do Estado para o reconhecimento e a legalização de direitos e
deveres dos sujeitos sociais envolvidos.” (IAMAMOTO, 2001, p.17).
3
sua posição frente às condições da reprodução da força de trabalho, exigindo nesse
momento um técnico que respondesse as tensões sociais da época, atuando na
operação da “questão social”. Em 1936 surge a primeira Escola de Serviço Social no
Brasil fundada na doutrina social da Igreja Católica, trabalhando de forma a
potencializar os sujeitos no seu auto-desenvolvimento, demonstrando nesse momento
um compromisso com a justiça e liberdade. Como afirma Yazbek
[...] é por demais conhecida a relação entre a profissão e o ideário católico
na gênese do Serviço Social brasileiro, no contexto de expansão e
secularização do mundo capitalista. Relação que vai imprimir à profissão
caráter de apostolado fundado em uma abordagem da ‘questão social’
como problema moral e religioso e numa intervenção que prioriza a
formação da família e do indivíduo para solução dos problemas e
atendimento de suas necessidades materiais, morais e sociais (2009, p. 145).
Diante dessa busca por cientificidade, ainda carregando esse direcionamento
com viés assistencialista, é aos poucos e através de muitas lutas que vai tomando
rumos críticos da realidade que estão inseridos.
Conforme Aldaiza Sposati (2008) é nesse período que se busca a cientificidade
da profissão. No ano seguinte (1937) emerge o golpe de Estado, em que há a
necessidade do profissional do Serviço Social para atuar frente às demandas da época.
Já em 1938 decreta-se uma lei instituindo o Serviço Social como serviço público,
organizado pelo Conselho Nacional de Serviço Social e pelo Ministério da Educação e
Saúde. No entanto, se institui como uma prática de clientelismo político. Decorrente
dessa característica, surge a LBA (Legião Brasileira de Assistência) em 1942, assistência
esta, realizada pelas primeiras damas aos soldados da Segunda Guerra Mundial e
posteriormente estendeu-se a toda população pobre voltada à ações pontuais como
ajuda financeira e material. Diante desse voluntarismo, os profissionais de Serviço
Social passam a exercer suas funções baseadas nessas ações supracitadas.
Conforme Barroco (2008) em 1947 foi instituído o primeiro código de ética,
este com uma base filosófica humanista-cristã pautada no neotomismo4, em que a
4
O neotomismo “ defende um modelo cristão de sociedade, que se consubstancia nas condições históricas
da ordem burguesa, tendo em vista torná-la ‘mais justa e fraterna’, cuja caracterização passa por um
4
profissão é tratada como algo hegemônico e a ação profissional é tida como vocação,
ou seja, como compromisso religioso, ocultando os elementos fundantes da “questão
social” contribuindo para a reprodução, percebendo as desigualdades de forma
moralizante. Os problemas sociais são concebidos como disfunções sociais, tendo uma
concepção de normalidade dada pelos valores cristãos.
Na década de 1950, período pós-guerra, caracterizado pela busca de libertação
do comunismo e das tentativas de expansão do capitalismo internacional, exige-se
uma modernização e ampliação das políticas sociais, e por isso a necessidade da
atuação do profissional que tivesse o conhecimento da teoria e prática para pensar em
políticas sociais, dando respostas às mazelas sociais que se desenvolveram no pósguerra, abarcando a prestação de serviços sociais básicos e programas voltados para as
comunidades pauperizadas sócio-economicamente, sob a égide da Organização das
Nações Unidas - ONU. O objetivo era integrar os indivíduos e grupos ao mercado de
trabalho, desenvolvendo suas potencialidades. Entretanto, com o intuito de favorecer
o capital “iludindo” os mesmos com programas de qualificação profissional para no
futuro selecionar os mais aptos para atender as novas exigências da produção
industrial, a custos mais baixos. Este processo acarretou a privatização de alguns
direitos, implicando principalmente na área social, onde a classe trabalhadora
brasileira vivenciou, como ressalta Porto
[...] uma verdadeira anticidadania patrocinada pelo Estado Ditatorial, cuja
marca foi a exclusão mordaz da classe trabalhadora da cena sociopolítica–
centralizada pelos interesses absolutos do grande capital-, equidistando-se,
portanto, do padrão preponderantemente emancipador prevalecente nos
modelos do Welfare State (2001, p.24).
A década de 60 é marcada pela elaboração de programas sociais nacionais e
incorporados por segmentos progressistas da sociedade. Nesse momento, há um
reposicionamento da prática profissional se auto-reconhecendo como uma profissão
de caráter político que irá se intensificar na década de 1970. Década em que há uma
trabalho de evangelização das massas, como exigência para o desenvolvimento, na vida social, do senso
de liberdade e fraternidade.” ( ABREU, 2004, p. 51- 52).
5
racionalização, reestruturação e intensificação no controle sobre o trabalho com a
finalidade de reduzir custos e elevar a lucratividade.
No pós 64 há uma atualização da posição conservadora em que processos de
individualização das relações sociais estão presentes nesse período. De acordo com
Iamamoto
Forja-se assim uma mentalidade utilitária, que reforça o individualismo,
onde cada um é chamado a ‘se virar’ no mercado. Ao lado da naturalização
da sociedade – ‘ é assim mesmo, não há como mudar’-, ativa-se os apelos
morais à solidariedade, na contra face da crescente degradação das
condições de vida das grandes maiorias (2006, p. 174).
Diante do autoritarismo e repressões da ditadura, os profissionais ao invés de
criticar o seu perfil peculiar da profissão, criticam os próprios métodos, o que
desencadeou no método BH que criticava as próprias práticas do tradicionalismo,
como diz Netto
O método que ali se elaborou foi além da crítica ideológica, da denúncia
epistemológica e metodológica e da recusa das práticas próprias do
tradicionalismo; envolvendo todos estes passos, ele coroou a sua
ultrapassagem no desenho de um inteiro projeto profissional, abrangente
oferecendo uma pauta paradigmática dedicada a dar conta inclusive do
conjunto de suportes acadêmicos para a formação dos quadros técnicos e
para a intervenção do Serviço Social (2008, p. 276-277).
Diante do contexto rebelde dos anos 1960 vivenciado pela sociedade, houve
uma reformulação do primeiro código de ética, e em 1965, institui-se um novo código.
Este, mais normativo, com base filosófica humanista-cristã pautado no neotomismo e
positivismo.5 Em decorrência, o Serviço Social adquire amplitude técnico-científica
permeado pela influência norte americana, reconhecendo a existência de diferentes
concepções e credos profissionais, ou seja, o pluralismo, e é tratado como uma
profissão liberal, cujos deveres profissionais decorrem da obrigação formal dada pela
legislação, contendo sanções, punições e normatizações, o que não era previsto no
5
“Particularmente em sua orientação funcionalista, esta perspectiva é absorvida pelo Serviço Social,
configurando para a profissão propostas de trabalho ajustadoras e um perfil manipulatório, voltado para o
aperfeiçoamento dos instrumentos e técnicas para a intervenção, com as metodologias de ação
(...)”(YAZBEK,2009, p. 147-148).
6
código anterior. Outra característica era a reprodução dos costumes tradicionais
mantenedores da ordem social dominante, com uma direção ética liberal, em defesa
de princípios democráticos e do estabelecimento de uma ordem social justa.
Barroco (2008) salienta ainda que as seqüelas da “questão social” não eram
mais vistas como “disfunção social”, mas tornam-se objeto de intervenção do Estado,
materializando as políticas sociais na busca de controlar as classes trabalhadoras e
legitima-se como representante de toda a sociedade. O Serviço Social está ligado ao
Estado, mas em defesa ao liberalismo6, que nada mais é, que o próprio princípio do
capitalismo. Nesse contexto a moral funciona como instrumento ideológico do
consenso e harmonia. Ivete Simionatto ressalta
[...] O Estado consiste, ainda, em ‘todo complexo de atividades práticas e
teóricas com os quais a classe dirigente não só justifica e mantém seu
domínio, mas consegue obter o consenso ativo dos governados’ (Gramsci,
2000a, p.331 apud Simionatto, 2009, p.42).
Dessa forma o Estado anula muito das autonomias das classes subalternas7,
pois utiliza-se de um “poder” desmobilizador através de aparelhos privados de
hegemonia cuja intenção é fortalecer a fragmentação social das classes subalternas e
interferir diretamente na formação da opinião pública, evitando que a ordem seja
colocada em perigo, e desestruturando as lutas de classe. Portanto Simionatto afirma
[...] Nenhum grupo social possui condições de superar seus patamares de
subalternidade até que não seja capaz de ‘sair da fase econômicocorporativa para elevar-se à fase da hegemonia político-intelectual na
sociedade civil e tornar-se dominante na sociedade política (Gramsci, 1977,
p. 460 apud Simionatto, 2009, p. 43).
6
“O liberalismo defende a liberdade de consciência, o que significa a liberdade de cada um para escolher
o seu caminho – religioso, estético, ético, profissional, etc. – dentro das possibilidades dadas, desde que
respeite dois princípios básicos: não coloque em risco a propriedade alheia; não invada os limites da
liberdade alheia”(BARROCO, 2008, p. 165).
7
Sugere, no estudo das classes subalternas, a observação de uma série de medições, tais como suas
relações com o ‘desenvolvimento das transformações econômicas’; sua ‘adesão ativa ou passiva às
formações políticas dominantes’; as lutas travadas a fim de ‘influir sobre os programas dessas formações
para impor reivindicações próprias’; a formação de ‘novos partidos de grupos dominantes, para manter o
consenso e o controle dos grupos sociais subalternos’; a caracterização das reivindicações dos grupos
subalternos e ‘as formas que afirmam a autonomia’ (GRAMSCI, 2002, p.140 apud SIMIONATTO, 2009,
p.42).
7
A partir da década 1970 há um posicionamento crítico dos profissionais, pois, o
período ditatorial possuía como característica a consolidação do capitalismo
monopolista no Brasil.
Segundo Yazbek (2009), é nesse período que os profissionais assumem suas
inquietações e questionamentos, decorrentes do processo do capitalismo mundial que
trazia consigo um desenvolvimento excludente e subordinado. É marcado por uma
revisão nos níveis teórico, metodológicos, operativos e políticos, em que surge um
comprometimento
com
um
projeto
voltado
as
classes
subalternas,
e
consequentemente a apropriação da teoria social de Marx8, desvinculando-se da
perspectiva positivista
(...) que restringe a visão de teoria ao âmbito do verificável, da experimentação e da
fragmentação. Não aponta para mudanças, senão dentro da ordem estabelecida,
voltando-se antes para ajustes e conservação” (2009, p.147), visando uma perspectiva
crítica da realidade e na sua totalidade. O que foi impulsionado pelo movimento de
revisão do método, ou seja, o movimento de reconceituação.
Nesta década há um processo de reconceituação profissional, em que os
mesmos passam a reconhecer sua prática de forma crítica e política, compreendendo
que suas ações são direcionadas a fins sociais que ocupam posições distintas e
antagônicas na sociedade. No código de ética de 1975 o neotomismo inexiste, e a
base filosófica é a humanista-cristã no positivismo e personalismo, este tendo a pessoa
como centro, objeto e fim da vida social. Há uma individualização, uma exclusão do
pluralismo9, reatualizando o projeto profissional conservador.
Evidencia-se também, um retrocesso na história do Serviço Social, em que os
profissionais se posicionam em uma perspectiva acrítica e despolitizante, em face da
8
Far-se-á necessidade de ressaltar que segundo Barroco, as circunstâncias nas quais ocorreram as
primeiras aproximações com o marxismo fragilizam a possibilidade de uma aproximação ontológica do
pensamento de Marx. Para isso, contribui a forte influência de Althusser nos meios acadêmicos, o que se
explica no contexto da ditadura, em que ocorre uma adequação entre o discurso científico-neopositivista e
os limites dados pela censura e pelo esvaziamento político da universidade. (NETTO, 1991 apud
BARROCO, 2008, p.152-153).
9
O Pluralismo “supõe o reconhecimento da presença de distintas orientações na arena profissional, assim
como o embate respeitoso com as tendências regressivas do serviço Social, cujos fundamentos liberais e
conservadores legitimam o ordenamento social instituído” (IAMAMOTO, 2006)
8
ação disciplinadora do Estado, que em nome do bem comum tem o direito de dispor
sobre as atividades profissionais.
A ação do profissional reafirma o conservadorismo tradicional, na direção de
uma adequação às demandas da ditadura. O Estado busca controlar as classes
trabalhadoras, e legitimar-se como representante de toda a sociedade.
Segundo Porto (2001), o período político de Geisel (1974- 1979) é marcado pela
transição democrática, momento este, de mudança do regime militar para o governo
liberal democrático. Aqui a política econômica é determinada pelo capital nacional
privado, capital internacional e o estrangeiro, que culmina numa queda do padrão de
vida de classe trabalhadora que proporcionou o ressurgimento do movimento operário
e da organização partidária. Segundo Sposati
A consciência da ineficácia social das políticas sociais atreladas a um Estado
comprometido com um processo de expansão capitalista monopolista,
principalmente como resultado da conjuntura de luta que se instala no país
a partir dos movimentos sociais, levam o Serviço Social a rever suas
propostas de ação (2008, p. 52).
Em 1979 ocorre em São Paulo o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
que tinha como tema as políticas e os movimentos populares que denunciam a
miserabilidade da população. Em que a mesa é ocupada não mais por ditadores, mas
por trabalhadores, por isso, congresso da virada.
2.1. A Importância da Tradição em Marx no Amadurecimento Profissional.
A década de 80 foi um momento histórico em que há uma luta contra o Estado
autoritário, e dos seus reflexos sociais na sociedade com o aumento da pobreza e
miséria, e o aparecimento das lutas pela democratização do Estado e da sociedade,
num debate intensificado sobre as políticas, principalmente no que tange o corte
social. Com o governo Sarney, em 1985 é inaugurado no país a Nova República,
marcada pelo aprofundamento do capitalismo monopolista, e estratégias voltadas a
enfrentar a pobreza e, ao mesmo tempo, conter a organização popular através de
políticas sociais, devido ao agravamento da desigualdade social.
9
Diante deste contexto há uma discussão dos códigos anteriores, e um
aprimoramento das determinações dos mesmos. Em 1986 surge então o quarto código
que segundo Simões
[...] Nasceu do movimento de reconceptualização do Serviço Social,
contraposto ao conservadorismo e ao assistencialismo, gestado a partir dos
anos 1970, explicitando a dimensão necessariamente político-institucional
do exercício profissional (2009, p. 520).
Mesmo assim, se mostrou insuficiente do ponto de vista teórico e filosófico, e
na operacionalização do cotidiano profissional. Segundo Barroco (2008) o código de
ética de 1986 teve sua importância, porém não acompanhou os avanços teóricometodológicos e as políticas resultantes desta década, pois estes avanços não
proporcionaram um debate ético abrangente, já que não se sustentava em uma teoria
que contribuísse para a compreensão dos fundamentos da profissão.
Todo este contexto, vem como contribuição ás estratégias do capital, já que a
categoria profissional, como supracitado pelo autora, não compreendia seus
fundamentos. Como então trabalhar numa direção de luta pela emancipação dos
sujeitos?
Analisando esses acontecimentos, principalmente na década de 1990, em que o
processo de reestruturação produtiva10, a “contra-reforma”
11
e a flexibilização do
mercado de trabalho, trazem consigo o aprofundamento das tendências de barbárie,
provenientes da expansão do capitalismo, principalmente nos países de terceiro
mundo como o Brasil, em que as refrações da “questão social” são cada mais
10
“(...) a reestruturação produtiva é uma iniciativa inerente ao estabelecimento de um novo equilíbrio
instável que tem, como exigência básica, a reorganização do papel das forças produtivas na recomposição
do ciclo de reprodução do papel das do capital, tanto na esfera da produção como das relações sociais.”
(MOTTA, 2000, p.65).
11
“Esta concretiza-se em alguns aspectos: na perda de soberania – com aprofundamento da heteronomia e
da vulnerabilidade externa; no reforço deliberado da incapacidade do Estado para impulsionar uma
política econômica que tenha em perspectiva a retomada do emprego e do crescimento, em função da
destruição dos seus mecanismos de intervenção neste sentido, o que implica uma profunda
desestruturação produtiva no desemprego (Mattoso, 1999); e, em especial, na parca vontade política e
econômica de realizar uma ação efetiva sobre iniqüidade social, no sentido de sua reversão, condição para
uma sociabilidade democrática” ( BEHRING,2003, p. 213).
10
acirradas12. Todo esse desenvolvimento das forças produtivas resulta numa enorme
redução do trabalho vivo e flexibilização crescente das relações trabalhistas, todas
estas transformações surgem como uma ofensiva do capital na produção, atingido
diretamente a classe trabalhadora. Diante desses desafios, torna-se necessário
examinar e aprimorar a contribuição política e profissional dos assistentes sociais, em
face das transformações macrossocietárias.
Segundo Barroco (2008) busca-se
apreender a dialética que há na realidade e as diversidades ou singularidades,
entender e compreender suas formas ontológicas, ou seja, compreender o ser social
no seu processo histórico e materialista, tendo como centralidade as relações sociais
na categoria trabalho, este entendido enquanto categoria fundante do ser social, que
no seu processo de transformação da natureza transforma-se a si mesmo, porque há
essa necessidade natural enquanto ser social histórico para realização de suas
necessidades e de seu objetivo.
De acordo com Simões (2009) com a necessidade da revisão do código de 1986,
houve um envolvimento das entidades representativas da categoria profissional, ou
seja, uma grande participação dos assistentes sociais, instituindo-se o código de ética
de1993.
Este atribuiu maior amplitude política à atuação profissional, segundo seus
considerandos, por meio da criação de novos valores éticos fundamentos na
definição mais abrangente de compromisso com os usuários, com base na
liberdade, democracia, cidadania, justiça e igualdade social (2009, p.521).
A revogação do código de ética de 1993, juntamente com a lei de
regulamentação profissional do mesmo ano e as diretrizes curriculares da Associação
Brasileira de Ensino e Serviço Social – ABESS em 1982, constituem a dimensão
12
Cabe salientar que na análise da estrutura do capitalismo a tradição marxista considera o trabalho como
categoria central, “O trabalho é a categoria central, na qual todas central, na qual todas as outras
determinações já se apresentam in nuce: ‘O trabalho, portanto, enquanto formador de valores-de-uso,
enquanto trabalho útil, é uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de
sociedade; é uma necessidade natural eterna, que tem a função de mediatizar o intercâmbio orgânico entre
o homem e a natureza, ou seja, a vida dos homens’.” ( LUCKÁS, 1979,p. 16).
11
normativa do projeto ético-político profissional.13 E estes elementos basilares, e a
necessidade de ultrapassar as equivocadas concepções que no decorrer da década
80 que foram frustadoras e não correspondia com a realidade em movimento,
contribuíram para o posicionamento crítico e repensar seu compromisso com a classe
trabalhadora. Foi necessário coadjuvar forças coletivas, para que desse conta de
compreender a historicidade do ser social que gesta na sociedade capitalista. Segundo
Santos
A esta superação, denomino apropriação da vertente crítico- dialética. Ela é
algo bastante recente, datando de meados dos anos 90, e seu significado
pode ser considerado como um salto qualitativo nas aproximações
sucessivas entre o Serviço Social e tradição marxista, pois tem permitido a
explicitação de questões fundantes na efetivação da ruptura com o
tradicionalismo(...) (2007. P.7).
Tendo em vista o recurso à orientação teórica- metodológica da tradição
marxista e seu entendimento com a recuperação da vertente crítico- dialética, o
Serviço Social rompe com o conservadorismo. Ao profissional foi possibilitado a
capacidade de intervir de forma qualitativa na garantia do projeto ético-político
profissional. E é principalmente com o código de ética profissional criado em 1993, que
se torna possível decodificar o compromisso com os valores éticos e políticos
emancipadores, para conquista da liberdade em defesa da classe trabalhadora.
Segundo Barroco (2008)
A ética profissional é um modo particular de objetivação da vida ética. Suas
particularidades se inscrevem na relação entre o conjunto complexo de
necessidades que legitimam a profissão na divisão sóciotécnica do trabalho,
conferindo-lhe determinadas demandas, e suas respostas específicas,
entendidas em sua dimensão teleológica e em face das implicações éticopolíticas do produto concreto de sua ação (2008, p. 47).
Apesar de ser uma década marcada por ações estatais focalizadas, houve
avanços significantes na história da política brasileira, que culminou num novo
13
O projeto ético-político profissional deu-se no contexto de ruptura com o conservadorismo, “(...) o
projeto ético-político do Serviço social brasileiro está vinculado a um projeto de transformação da
sociedade.Essa Vinculação se dá pela própria exigência que a dimensão política da intervenção
põe,”(TEIXEIRA e BRAZ, 2009,189).
12
processo democraticamente exemplificado pela Assembléia Constituinte que trouxe
consigo a aprovação da Constituição Federal de 1988.
Essa Constituição vem para garantir direitos, mas o Estado não dá suporte para
que os mesmos sejam efetivados, porque nesse momento há também o processo da
“reforma do Estado” ou melhor, uma “ contra-reforma”, pois a reforma se deu apenas
no âmbito do econômico e político, já que a área social foi totalmente afetada. Esse
momento histórico é resultado do adentramento da política neoliberal, processo este
que provocou a retração da atuação do Estado na área social desencadeando a
privatização, a descentralização, e a publicização, caracterizada pela transferência de
responsabilidades para a sociedade civil em diversas formas. O mercado é o regulador
das relações sociais, em que a decisão é determinada por meio de formas mercantis. E
como salienta Behring
[...] a tendência geral é a da redução de direitos, sob argumento da crise
fiscal, transformando-se as políticas sociais - a depender da correlação de
forças entre as classes sociais e segmentos de classe e do grau de
consolidação da democracia e da seguridade social nos países – em ações
pontuais e compensatórias daqueles efeitos mais perversos da crise – ‘a
política econômica produz mortos e feridos e a política social é uma frágil
ambulância que vai recolhendo os mortos e feridos, que a política
econômica vai continuamente produzindo’(Kliksberg,1995, p. 35 apud
Lander,1999, p. 466. In: BEHRING, 2003, p. 248).
A “contra reforma” do Estado trouxe consigo um grande processo de
privatização da coisa pública, intensificando, assim, a pobreza e o acesso da população
aos serviços essências à eles. Há mudanças no mundo do trabalho, e as atuações do
Estado se dão de forma fragmentada, os sistemas de proteção social e as políticas
sociais são redefinidas de acordo com os interesses dos capitalistas, havendo um
fortalecimento da relação público privado, ou seja, aprovação de uma constituição que
preconiza direitos aos cidadãos. Logo após, surge um processo contraditório,
destituindo os direitos que foram resultados de lutas sociais e que ainda nem foram
alcançados. E como ressalta Iamamoto
Presenciamos hoje no mundo contemporâneo uma transformação
significativa dos padrões de produção e acumulação capitalista, com
profundas alterações na dinâmica internacional do capital e da concorrência
13
intercapitalista, implicando numa reestruturação dos Estados nacionais em
suas relações com as classes sociais. Transformações aquelas que vem
acompanhadas de uma clara reorientação do fundo público a favor dos
grandes oligopólios em detrimento da reprodução da força de trabalho, pela
retração dos investimentos estatais nas áreas de seguridade social, da
política salarial e do emprego (2010, p. 173).
Percebe-se que a “contra reforma” do Estado vem privar os direitos sociais,
que ainda os sujeitos sociais não concretizaram por meio de suas lutas, de maneira a
contribuir para o agravamento da “questão social”.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os profissionais de Serviço Social, tendo diretrizes, princípios e atribuições são
solicitados a trabalhar em um contexto contraditório, onde é preciso conhecer o
funcionamento da instituição e as demandas do território, e os limites encontrados
nesses espaços. Mesmo sendo um instrumento basilar da profissão, há desafios em
trabalhar na operacionalização do Código de Ética diante das demandas que são
apresentadas a todo o momento. Segundo Iamamoto
[...] a operacionalização do projeto profissional supõe o reconhecimento da
arena sócio-histórica que circunscreve o trabalho do assistente social na
atualidade, estabelecendo limites e possibilidades à plena realização
daquele projeto. (...) articula um conjunto de mediações que interferem no
processamento da ação e nos resultados individual e coletivamente
projetados, pois a história é o resultado de inúmeras vontades lançadas em
diferentes direções que tem múltiplas influências sobre a vida social (2007,
p. 230).
Netto (2006) afirma que o debate acerca do projeto ético-político do
Serviço Social se deu a partir da transição da década de 1970 e 1980, seguida das
discussões do processo de reconceituação do Serviço Social pós ditadura (1960)
recusando o conservadorismo e trazendo a tona à reinserção da classe trabalhadora na
cena política, que conseqüentemente exigiu da sociedade brasileira transformações
políticas e sociais.
Na transição da década de 1980 para a década de 1990 mesmo havendo
avanços nas discussões acerca do projeto profissional, interligadas a formação
14
profissional, em que determinados componentes foram construídos e legitimados pela
categoria, tais como o atual código de ética profissional, a Lei de Regulamentação da
Profissão (8662/93), as novas diretrizes curriculares e a Constituição de 1988, não se
concretizou este projeto, pois está em constante desenvolvimento. Já que “este
projeto profissional se vincula a um projeto societário que propõe a construção de
uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero”. Este
não depende somente do assistente sociais, mas sim de articular com categorias de
outros profissionais para potencializar seu direcionamento para com a classe
trabalhadora.
De acordo com Teixeira e Braz (2009) é preciso considerar vários fatores que
implicam no desenvolvimento de um projeto societário, desde sua relação social, que
vale considerar a sua relação com o caráter político, cujas determinações estão ligadas
ao interesses sociais, e consequentemente ao posicionamento do assistente social em
uma direção social.
O projeto ético-político do Serviço Social está vinculado ao projeto de
transformação da sociedade ou de conservação da ordem, e está presente no plano
ideal e prático, ou seja, se desenvolve frente às contradições econômicas e políticas na
dinâmica das classes sociais interferindo diretamente na direção do fazer profissional.
Segundo Iamamoto
Os projetos profissionais são indissociáveis dos projetos societários que lhes
oferecem matrizes e valores que expressam um processo de lutas pela
hegemonia entre as forças sociais presentes na sociedade e na profissão
(2006, p. 184).
Diante das transformações societárias e as condições impostas aos profissionais
nessa atual conjuntura, como concretizar de fato o projeto ético-político?
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