Métodos em Psicologia do Desenvolvimento

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Métodos em Psicologia do desenvolvimento
José Farinha
Métodos em Psicologia do
Desenvolvimento
Aspectos globais
NATUREZA DO PROCESSO INVESTIGATIVO
Neste capítulo abordaremos de uma forma relativamente breve algumas das
metodologias mais utilizadas pelos psicólogos do desenvolvimento para fazer
investigação e assim obterem os dados necessários á construção do conhecimento
acerca do desenvolvimento psicológico humano.
Quando nos referimos à investigação em Psicologia estamos de uma forma geral a
referirmo-nos à investigação científica, contudo, a investigação científica não é
estruturalmente diferente de qualquer outro tipo de investigação em outras áreas
da actividade humana. Um investigador começa por recolher factos, depois
formular palpites ou hipóteses acerca do que se está a passar, depois analisar as
pistas e os indícios, o que pode levar à recolha de informações adicionais, até que
um dos seus palpites ou hipóteses se revela correcto, isto é encaixa em todas ou
na maioria dos dados recolhidos. Desvendar os mistérios do desenvolvimento
humano é, em muitos aspectos, uma tarefa semelhante. Os investigadores deverão
observar cuidadosamente os seus sujeitos, estudar a informação recolhida e
depois tirar conclusões acerca de como as pessoas se desenvolvem do ponto de
vista psicológico.
Assim, neste capítulo, começaremos por tentar compreender porque os psicólogos
do desenvolvimento consideram absolutamente essencial reunir todos esses dados
e depois abordaremos alguns dos métodos de investigação mais utilizados
procurando analisar as vantagens e desvantagens de de cada um deles.
O método científico
O método científico é um conjunto de regras básicas de como se deve proceder a
fim de produzir conhecimento dito científico, quer seja este um novo conhecimento
quer seja este fruto de uma integração, correcção (evolução) ou uma expansão da
área de abrangência de conhecimentos pré-existentes. Na maioria das disciplinas
científicas o método científico seque um processo mais ou menos estandardizado
que consiste em começar por recolher dados (evidências empíricas verificáveis)
baseadas na observação, depois construir hipóteses que vão depois ser testadas
utilizando métodos específicos para a realidade que se está a estudar. Podemos
observar este processo mais em detalhe na figura seguinte.
O estudo do desenvolvimento psicológico é naturalmente realizado num
enquadramento mais geral que é a investigação científica que assenta no método
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científico, isto porque a Psicologia há muito é reconhecida como uma ciência com
os seus métodos e objectos de estudos definidos de forma rigorosa. O método
científico é, na verdade, mais uma atitude face ao conhecimento e às formas como
pode ser obtido, do que um conjunto de procedimentos ou receitas que deverão ser
seguidos da mesma forma em todas as circunstâncias. Essa atitude que
poderemos designar como científica assenta no facto de que, acima de tudo, os
investigadores têm de ser objectivos e fazer com que sejam as suas observações
(os seus dados) a decidir do mérito das suas ideias. Os métodos são assim vias
pelas quais se procura dar resposta às perguntas que se formulam. As perguntas
podem resultar da observação da realidade ou de teorias pré-existentes e que se
revelaram insuficientes ou inadequadas para explicar novas observações. Contudo,
os dados da observação não são estudados directamente mas servem para gerar
hipóteses de resposta e são essas hipóteses que decidem qual o método mais
adequado a ser adoptado para obter os dados que nos vão permitir confirmar ou
não as hipóteses anteriormente elaboradas.
Vamos então estudar mais em pormenor os métodos mais utilizados na
investigação em Psicologia do desenvolvimento.
A Observação
A observação é um método largamente utilizado nas ciências para a obtenção de
dados que serão posteriormente analisados por outros métodos. Defendida por
Galileu como um dos elementos que proporcionariam um conhecimento fidedigno
do mundo, posteriormente também passou a ser também utilizada pelas ciências
humanas e sociais e podemos mesmo dizer que a observação é a base de toda
investigação em Psicologia. Enquanto método de recolha de dados, a observação é
versátil, e pode ser utilizada isolada e independentemente ou ser conjugada com
outros métodos.
O que distingue a simples observação quotidiana, daquela com uma finalidade
científica é que esta última está habitualmente enquadrada num projecto de
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investigação, possui um planeamento sistemático, método nos registros e
relaciona-se com proposições mais gerais, ou seja, não se apresenta como um
conjunto isolado de fenómenos, e sujeita-se às verificações e controles da
investigação (validade).
O uso da observação é especialmente indicado quando se procura identificar e
obter evidências e os indivíduos não possuem consciência dos factores que, de
alguma forma, orientam seu comportamento, sendo por isso que se trata de uma
metodologia especialmente útil em Psicologia do desenvolvimento pois os sujeitos
de estudo são muitas vezes crianças e bébés.
Antes de avançarmos na caracterização das várias formas em que observação
pode ser usada vejamos algumas vantagens e desvantagens associadas a esta
metodologia.
Vantagens:
Desvantagens
 Possibilita meios directos e
satisfatórios para se estudar uma
ampla variedade de
comportamentos.
 Exige menos do observado do que
outras técnicas;
 O observado tende a criar
impressões favoráveis ou
desfavoráveis no observador;
 Permite a recolha de dados sobre
um conjunto de comportamentos
típicos, e que dificilmente poderiam
ser estudados de outra forma;
 Permite a obtenção de dados que
poderiam não constar no roteiro de
outros métodos como a entrevista
ou o questionários;
 Permite obter a informação no
momento e no espaço onde ocorre;
 Abrange somente os limites
temporais registados;
 Não depende do grau de instrução
do sujeito observado;
 Exige muitas horas de análise e
transcrição das informações,
tornando-se onerosa;
 A presença do observador pode
alterar o comportamento/situação
observada;
 Há grande risco de interferência de
factores imprevistos sobre o
observador;
 A duração dos acontecimentos varia,
e muitos factos podem ocorrer
simultaneamente, o que torna difícil
a recolha das informações;
Tabela 1 – Vantagens e desvantagens da observação.
Em Psicologia do desenvolvimento utilizam-se diversos tipos e modalidades de
observação que podem ser categorizadas de acordo com diversos critérios. A
tabela seguinte mostra uma forma possível de fazer essa categorização:
Quanto à estruturação
da observação
Quanto ao local da
observação
Quanto à acção do
observador no
processo
Quanto ao número de
observadores
Sistemática
Vida real, campo ou
naturalista
Laboratorial
Não participante
Individual
Participante
Em equipe
Ocasional
Tabela 2 – Categorização das modalidades de observação.
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OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA
A observação sistemática pode ser também chamada de estruturada, planeada ou
controlada. Aqui, o observador já sabe de antemão o que deseja observar, e deve
ser objetivo, procurando reconhecer e eliminar quaisquer erros que ocorram sobre
o que está sendo estudado.
São construídas categorias a priori para os comportamentos que serão observados,
e a definição dessas categorias leva à construção de grelhas de observação,
checklists ou outra forma objetiva de registo. Na imagem seguinte podemos
observar dois exemplos de checklists usadas na observação do comportamento
infantil.
Figura 2 – Exemplos de checklist usadas em observação do comportamento infantil.
Neste tipo de observação o observador limita-se a preencher os instrumentos de
observação onde já estão definidos os comportamentos que vão ser observados e
registados.
OBSERVAÇÃO OCASIONAL
A observação ocasional, distingue-se da observação sistemática no sentido em que,
como o próprio nome indica, pode ser realizada sem qualquer tipo de planeamento
prévio. Pode acontecer na sequência de uma experiência casual, sem que se tenha
determinado de antemão quais são os aspectos relevantes a serem observados e
que meios utilizar para observá-los.
Apesar de, naturalmente, comportar o risco do envolvimento emocional do
observador podendo comprometer o rigor científico do trabalho, esta pode ser uma
metodologia a utilizar sempre que o investigador se depare com uma situação que
lhe pareça especialmente interessante e significativa.
OBSERVAÇÃO NATURALISTA
Um dos métodos de investigação mais utilizados em Psicologia do desenvolvimento
é a observação naturalista que consiste na observação e registo dos
comportamentos tal como ocorrem nos seus ambientes naturais. Os psicólogos
observam as pessoas nos ambientes que elas habitam quotidianamente, o que
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geralmente significa entrar nas suas casas, escolas ou parques públicos e registar
o que acontece.
A enorme evolução técnica registada nos equipamentos de gravação audio e vídeo
tem facilitado enormemente a observação naturalista porque permite que a
observação seja feita não de forma directa e imediata, o que se pode revelar muito
difícil em algumas circunstâncias, mas de forma mediatizada pelos dispositivos
técnicos de registo audio e vídeo. Quer dizer, os investigadores começam por gravar
o que acontece na globalidade, sendo a selecção dos comportamentos mais
significactivos feita a posteriori a partir da gravação o que permite uma análise
mais rigorosa e completa.
Raramente o observador tenta registar todo e qualquer evento que ocorre, apesar
de que normalmente, o investigador está testando uma hipótese específica sobre
uma determinada classe de comportamento, como a cooperação ou agressão e
são os incidentes que se qualificam como exemplos do comportamento que ele vai
ter em conta a partir da análise dos registos efectuados.
A observação naturalista tem um conjunto de vantagens que podemos enunciar:

Permite ao investigador obter uma amostra de comportamentos tal qual
acontecem no mundo real.
 O ambiente e a situação não são determinados pelo psicólogo. Não há
manipulação de variáveis, embora se pretenda controlar as variáveis não
relevantes para o que se pretende estudar. Tudo isto contribui para a
naturalidade da observação.
 É de grande utilidade no estudo dos comportamentos difíceis de observar
em condições laboratoriais.
 Pode ser utilizada em situações nos quais o método experimental (ou
outro) não é apropriado.
A observação naturalista comporta naturalmente também algumas desvantagens e
limitações.


As observações naturalistas são de muito difícil replicação.
O controlo das variáveis estranhas é reduzido, pelo que não se podem
estabelecer relações causa-efeito: – as conclusões são suposições.
 Quando há só um observador – o que geralmente acontece – é difícil
verificar a autenticidade e fidelidade dos factos.
 Se os participantes têm consciência de que estão a ser observados, o seu
comportamento será menos natural; se não sabem que estão a ser
observados e o seu comportamento não é público, podem colocar-se
problemas éticos que invalidam a observação (violação da privacidade).
Podemos concluir portanto que os comportamentos observados em situações
naturalistas estão fortemente ligados aos ambientes em que ocorrem e por isso
esta metodologia de observação tem sido especialmente utilizada em áreas da
Psicologia onde se pretende estudar precisamente essa ligação, como é o caso da
Psicologia ecológica.
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OBSERVAÇÃO LABORATORIAL
A observação laboratorial distingue-se não tanto pela forma como é efectuada,
mas sim pelo local onde é realizada. Os investigadores observam e registam
comportamentos que ocorrem não em contexto natural, mas em situações
laboratorialmente criadas pelo observador de modo a poder analisar de forma
rigorosa as consequências de determinadas situações.
A lógica subjacente a esta abordagem está relacionada com a necessidade de
colocar todos os sujeitos exactamente nas mesmas condições pois só assim nos
podemos assegurar que quaisquer diferenças de comportamento entre eles podem
ser atribuídos a factores ligados ao sujeito e não a factores ligados aos estímulos
do ambiente. Vejamos um exemplo. Um investigador pretende estudar a influência
da idade na resolução de um determinado problema prático e para isso coloca
perante esse problema uma criança de dois anos em sua própria casa, uma
criança de três anos na sua sala do infantário, e a uma criança de 4 anos no seu
gabinete. Verifica que só a criança de quatro anos consegue resolver o problema. A
conclusão óbvia e imediata é que estamos perante um problema que só é resolvido
por crianças de quatro anos. Será que nestas circunstâncias podemos chegar a
essa conclusão? Não, porque, de um ponto de vista científico, nunca se poderá
saber se, por exemplo, o facto de a criança de três anos ter falhado a resolução do
problema de deve ao facto de não ter ainda idade para isso, ou se o seu insucesso
se deveu á falta de concentração devida ao ruído e outros estímulos na sala.
A observação laboratorial pode assumir a forma de Observação directa, situação
em que o observador compartilha o espaço do observado e interage com ele
directamente colocando-lhe questões, brincando com ele, etc., ou assumir a forma
de observação indirecta quando o observador utiliza dispositivos de observação
(espelho de visão num só sentido, gravação audio e vídeo, etc.)
Atenção que a noção de laboratório em Psicologia pode ser significativamente diferente da noção
estereotipada que temos de laboratório nas ciências naturais ou físico-químicas, que normalmente
sugere um local asséptico, cheio de aparelhagem estranha, de provetas, tubos e retortas, com cientistas
invariavelmente de bata branca observando culturas ao microscópio. Na verdade, em Psicologia
podemos considerar como laboratorial qualquer situação em que o investigador tem a possibilidade de
controlar aquilo que acontece em termos de estímulos exteriores.
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Figura 4- Espelho de visão num só sentido.
A observação laboratorial tem como vantagem principal o facto de permitir um
melhor controlo das variáveis parasitas ou estranhas do que no caso da
observação naturalista, mas tem também algumas desvantagens ou limitações que
incluem:
 Artificialidade da situação laboratorial.
 Interferências subjectivas (expectativas do observador e do observado).
Assim, o investigador deve criar condições de não interferência nos
comportamentos observados, de forma a poder assegurar-se da fiabilidade das
suas observações.
OBSERVAÇÃO NÃO PARTICIPANTE.
A observação não participante é uma modalidade de observação em que o
observador não interfere no campo observado, isto é, nas actividades que observa.
É muito frequente o psicólogo observar sem ser visto (observação oculta). É o caso
de quem utiliza um espelho de visão num só sentido (figura anterior) para, por
exemplo, observar actividades de crianças num infantário. O psicólogo estuda
assim as actividades das crianças sem que elas disso se apercebam. A observação
não participante pode ser utilizada tanto em contextos de observação naturalista
como de observação laboratorial. Como já vimos, hoje em dia, a observação não
participante pode ser realizada utilizando uma câmara de vídeo, escondida ou não.
OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE.
A observação participante: é um modo de observação em que o observador se
integra nas actividades dos sujeitos cujo comportamento observa, interferindo
assim no campo observado. Mas esta participação não deve prejudicar a
observação. Por isso, apesar do observador estar presente e se envolver nas
actividades dos sujeitos observados, estes não devem saber que estão a ser
objecto de estudo.
Também neste caso, há observação natural quando, em contexto ecológico, os
sujeitos observados são objecto de estudo sem saberem disso e não influenciados
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pelos objectivos do observador, mas a observação participante também pode ser
utilizada em contexto laboratorial.
A entrevista
A entrevista psicológica é um processo bidirecional de interação, entre duas ou
mais pessoas com o propósito previamente fixado no qual uma delas, o
entrevistador, procura saber o que acontece com a outra, o entrevistado,
procurando agir conforme esse objectivo de conhecimento do outro. Trata-se assim
de uma forma de diálogo assimétrico em que uma das partes busca obter dados e
a outra se apresenta como fonte de informação.
Existem naturalmente tantos tipos de entrevistas como os objectivos que levam à
sua realização. Podemos assim falar de entrevistas diagnósticas,
psicoterapêuticas, de encaminhamento, de selecção profissional e de investigação
psicológica. É este último tipo de entrevista que nos interessa especialmente aqui.
A entrevista de investigação tem como objectivo recolher dados acerca dos sujeitos
entrevistados que permitam a fundamentação de teorias psicológicas.
Habitualmente em investigação são utilizados três tipos de entrevistas,
categorizadas a partir da forma como decorre a entrevista e como são
seleccionadas as perguntas colocadas ao entrevistado:



Entrevistas estruturada
Entrevista semi-estruturada e
Entrevista aberta.
Vejamos mais em pormenor cada um destes tipos.
ENTREVISTA ESTRUTURADA
Uma entrevista estruturada (também conhecida como uma entrevista fechada) é
um método habitualmente empregue em investigação quantitativa. Na sua forma
mais extrema este tipo de entrevista não se distingue de um questionário aplicado
presencialmente. Assim, neste tipo de entrevista existe um guião com perguntas
pré-definidas que são colocadas a todos os sujeitos segundo a mesma ordem.
O objectivo desta abordagem é garantir que as respostas possam ser agregadas de
forma confiável e que as comparações possam também ser feitas com confiança
entre subgrupos da amostra de sujeitos, ou entre os períodos de pesquisa
diferentes.
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
A entrevista semi-estruturada é um método de investigação utilizado nas ciências
sociais. Enquanto uma entrevista estruturada tem um conjunto de questões
pré-definidas, a entrevista semi-estruturada é mais flexível, permitindo que novas
questões possam ser colocadas durante a entrevista a partir do que diz o
entrevistado. Em vez de perguntas pré-definidas o entrevistador na entrevista semiestruturada tem geralmente tem um conjunto de temas a serem abordados.
Os temas ou tópicos específicos que o entrevistador quer abordar durante uma
entrevista semi-estruturada são geralmente pensados com bastante antecedência
(especialmente no que respeita a entrevistas para projectos de investigação).
Apesar de não haver perguntas pré-definidas, é geralmente benéfico para os
entrevistadores terem um guião de entrevista, preparado contendo os temas a
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serem abordados. O entrevistador tem assim liberdade para decidir as questões
específicas de acordo com o tipo de entrevistado.
A existência de um guião destina-se a assegurar que os mesmos temas são
abordados com cada entrevistado.
ENTREVISTA NÃO ESTRUTURADA
Este tipo de entrevista é também muitas vezes designado como entrevista aberta.
Aqui, existe naturalmente um objectivo geral definido para a entrevista mas não
existem nem questões nem temas pré-definidos que tenham que ser abordados
numa entrevista em particular. O entrevistador vai colocando as questões que lhe
parecem mais pertinentes para cada sujeito, tendo em conta o assunto ou área
sobre o qual pretende obter informação. A regra aqui é que o entrevistador se vá
adaptando na medida do possível às características e prioridades do entrevistado.
O entrevistador coloca-se numa atitude de “ir com a corrente”, procurando sempre
adaptar-se à inteligência, compreensão ou preferências do entrevistado.
Vejamos agora algumas das vantagens e desvantagens da entrevista enquanto
método de investigação em Psicologia do Desenvolvimento. Assim, como vantagens
temos:

Permite a recolha de informação rica e com um bom grau de
profundidade, especialmente na entrevista não-estruturada em que o
investigador pode ir decidindo as questões a colocar dependendo da
informação que pretende obter;
 Permite recolher os testemunhos, interpretações dos entrevistados,
respeitando os seus quadros de referência, a linguagem e as categorias
mentais (forma de classificação);
 Permite ao investigador adaptar a sua linguagem aos conceitos e a
linguagem do entrevistado;
 Permite ir redefinindo os aspectos que se pretendem investigar;
 São flexíveis pois permitem verificar se ambos os intervenientes
compreendem o significado das palavras e explicar.
Vejamos agora as desvantagens.

Falta de motivação ou motivação excessiva por parte do entrevistado
que pode levar a problemas de fiabilidade das respostas (memorização,
fake-good);
 Possibilidade de respostas falsas, quer conscientes quer inconscientes,
ou por o entrevistado não ter compreendido a pergunta;
 Depende sempre da capacidade ou incapacidade que as pessoas têm
para verbalizar as suas próprias ideias;
 O investigador pode, sem se dar conta disso, influenciar o entrevistado
dando-lhe a entender as respostas que pretende;
 Consome muito tempo e é um método relativamente difícil de se
trabalhar;
Naturalmente estas vantagens e desvantagens variam de acordo com o tipo de
entrevista que se está a utilizar.
Estudos de caso
O estudo de caso é um método de investigação particularística em Psicologia do
desenvolvimento que procura descobrir o que há de mais essencial e característico
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num caso, isto é, uma situação específica e concreta para seguidamente procurar
retirar conclusões que lhe permitam fundamentar hipóteses ou teorias. Definidas
as coisas desta forma é torna-se agora necessário definir o que se pode entender
por caso neste contexto. Assim, um caso é sempre uma entidade bem definida
podendo no concreto ser coisas tão diversas como um programa de intervenção,
uma instituição, uma sala de aula, um sistema educativo, uma pessoa, uma
entidade social, etc.. Aquilo que caracteriza um estudo de caso é ser uma
abordagem em que é privilegiada a profundidade em detrimento da generalidade.
Procura-se assim conhecer em profundidade os “como” e os “porquê” do objecto
de estudo, fazendo acima de tudo justiça à sua unidade e identidade próprias. Este
respeito pela natureza particular do objecto de estudo leva a que o estudo de caso
seja habitualmente utilizado no quadro da investigação qualitativa.
Dada a complexidade inerentes aos casos estudados esta metodologia é, ela
própria, também muito complexa, utilizando uma grande variedade de
instrumentos e estratégias (questionários, observação, entrevistas, pesquisa
documental, etc..) e implicando igualmente a recolha de diversos tipos de dados
(históricos, familiar, estatuto sócio-económico, dados escolares, resultados de
testes psicológicos, acontecimentos de vida, etc..). Os estudos de caso
habitualmente têm essencialmente um profundo alcance analítico e um forte
cunho descritivo. Obviamente, sendo o estudo de caso uma metodologia científica
e sendo o conhecimento científico sempre referente ao geral e não ao particular,
este tipo de metodologia opta por estudar um caso particular quando se tem razões
para pensar que o caso estudado é de alguma forma representativo de uma classe
mais geral. É como se se estivesse à procura de algo universal no particular.
Contudo, dadas as suas óbvias limitações o estudo de caso é muitas vezes
utilizado mais no sentido de identificar padrões do que para testar hipóteses. A
identificação de padrões ou regularidades pode efectivamente servir para gerar
novas questões e novas hipótes para futura investigação. O estudo pode assim ser
realizado a partir de duas perspectivas diferentes:
 Uma perspectiva interpretativa em que se procura compreender a natureza
do caso em análise, essencialmente a partir do ponto de vista do elemento
ou elementos que o constituem;
 Uma perspectiva pragmática cuja intenção fundamentalé proporcionar uma
perspectiva global, completa e coerente, do objecto de estudo do ponto de
vista do investigador.
O estudo de caso tem, como todos os outros, vantagens e limitações. Como
vantagens podemos considerar:






Fornecem informação detalhada e aprofundada, relatando em pormenor a
situação o que possibilita uma mior compreensão da realidade;
Permite focar pontos únicos que se perderiam numa investigação mais
generalista e superficial e que se podem revelar essenciais para a
compreensão do caso estudado;
O conhecimento adquirido pode ser aplicado a outros casos similares,
podendo servir de suporte á interpretação dos mesmos;
No que respeita às limitações podemos considerar:
Dificuldades de generalização dos dados;
Pouca objectividade havendo a possibilidade de atitudes tendenciosas por
parte do investigador;
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Métodos em Psicologia do desenvolvimento

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Normalmente prolonga-se no tempo o que nem sempre é exequível por
razões práticas e financeiras.
Método clínico
O método clínico é, tal como o estudo de caso, uma método de investigação
paticularística pois assenta essencialmente na relação entre o investigador e o
sujeito, podendo ser definido como uma espécie de junção da entrevista com o
estudo de caso. Inclui o estudo de caso porque cada sujeito é abordado
individualmente de acordo com as suas características e isso é feito normalmente
através de entrevistas individuais.
É um método que conjunto de técnicas e de estratégias que, numa dupla vertente
terapêutica e de investigação, visam compreender de forma global, qualitativa e
aprofundada de casos individuais (um individuo ou um pequeno conjunto de
indivíduos).
A atenção do método incide na história pessoal do sujeito. A compreensão de cada
comportamento parte da ideia de que este é o resultado de uma evolução, de um
processo. Por isso compreender um determinado comportamento de forma global e
aprofundada exige que se dê atenção ao resultado final (ao comportamento actual)
e também à sua génese e ao modo como se desenvolveu. O método clínico pode
ser utilizado tanto na vertente terapêutica como na vertente de investigação, sendo
esta que nos interessa aqui particularmente.
Utilizado na vertente de investigação o método clínico é uma forma de obtermos e
de aprofundarmos conhecimentos sobre diversos fenómenos psicológicos.
Podemos através da sua utilização encontrar respostas para questões como “De
que modo se desenvolve a inteligência humana?”, “Qual o papel da
hereditariedade e do meio no nosso comportamento, na nossa personalidade e no
desenvolvimento intelectual?”, “O que é a memória?”. Como se vê, o método clínico
não é simplesmente utilizado para tratar pessoas com problemas psicológicos, mas
também para conhecer fenómenos psicológicos. Por isso nem só os psicólogos
clínicos o utilizam. Piaget, psicólogo do desenvolvimento, utilizou-o para
compreender a evolução da inteligência.
Como já dissemos a compreensão de um comportamento exige da parte de quem
usa o método clínico uma relação pessoal (intersubjectividade), alguma capacidade
de intuição (a percepção de algo que não é acessível à simples razão) e de
compreender os outros (o seu ponto de vista e os significados que atribui às
situações).
O método clínico é normalmente utilizado a partir de um conjunto de técnicas que
se indicam em seguida:
OBSERVAÇÃO CLÍNICA


Entrevista clínica – trata-se de uma conversa que, mais ou menos
estruturada, é orientada pelo psicólogo, baseado numa atitude
compreensiva (procurar compreender o interlocutor) e também
interventiva (procurar ajudar o entrevistado a compreender-se). Pode ser
também não-directiva.
Anamnese – registo de dados biográficos. Trata-se de recolha e
organização de dados e informações que permitem reconstituir a história
pessoal de um indivíduo.
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Métodos em Psicologia do desenvolvimento
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
Técnicas psicométricas – designam testes que avaliam comportamentos
e atitudes. Há testes de inteligência, de personalidade e de aptidão.
Permitem a recolha eficaz e rigorosa de informação sobre o sujeito que
os realiza comparando os seus resultados com os de outros indivíduos.
Os testes devem apresentar as seguintes características:
o Padronização (condições iguais para todos);
o Validade (clareza na definição do que se quer avaliar);
o Fidelidade (resultados semelhantes em circunstâncias idênticas);
o Sensibilidade (permitir diferenciar os indivíduos).
Uma das principais vantagens do método clínico é a riqueza e profundidade da
informação obtida e é essa riqueza que lhe confere capacidade psicoterapêutica.
O método clínico tem também algumas desvantagens, ou, melhor dizendo,
limitações entre as quais podemos destacar a dificuldade de comparar protocolos
de investigação de sujeitos que foram tratados de forma diferente e ainda a
dificuldade em controlar a forma como os pressupostos teóricos do investigador
podem influenciar as questões e interpretações propostas pelo investigador.
Verifca-se assim que aquela que é uma das maiores potencialidades do método
clínico, isto é, a intersubjectividade gerada a partir do jogo relacional entre o
psicólogo e o sujeito, pode, se não for bem gerida, tornar-se numa das suas
maiores desvantagens.
Método experimental
O método experimental é normalmente considerado como sendo o mais científico
de todos os métodos, o método “escolha” cuja utilização em Psicologia permitiu
que esta fosse reconhecida como ciência. Como vimos atrás quando abordámos a
questão da observação laboratorial, o principal problema com que nos deparamos
nas metodologias não-experimentais é a falta de controle sobre a situação. O
método experimental é um meio de tentar ultrapassar este problema. Contudo, por
questões ligadas ao próprio objecto de estudo o método experimental é muito mais
utilizado na Psicologia da aprendizagem em que o controle dos estímulos exteriores
é fundamental, do que em Psicologia do desenvolvimento em que o que está
fundamentalmente em causa são os processos internos ligados ao sujeito. A
realização de experiências procura estudar relações de causa e efeito e por isso
rigorosamente o método experimental é o único que pode fornecer dados que
fundamentam teorias psicológicas. Assim, convém explicitar o que é uma teoria.
Uma teoria pode ser definida como um "princípio geral proposto para explicar como
estão relacionados uma série de fatos separados." Por outras palavras, uma teoria
é uma "ideia sobre um relacionamento." Para testar se uma teoria está correcta ou
não, precisamos realizar uma experiência. Portanto, de forma muito resumida,
podemos definir o método experimental como aquele em que os dados são obtidos
a partir da realização de experiências. Posto isto torna-se importante agora definir o
que é uma experiência em investigação psicológica.
Podemos definir experiência como sendo um procedimento rigorosamente
controlado em que um investigador manipula uma variável normalmente
designada por variável independente (VI) para estudar a influência da variação
dessa variável em uma ou várias outras variáveis a que chamamos variáveis
dependentes (VD). De uma forma geral em experiências psicológicas tentamos
Manipular significa fazer com que a variável assuma vários valores.
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Métodos em Psicologia do desenvolvimento
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manter todos os aspectos da situação constante, excepto uma, a VI que é o que
estamos estudando. Isto é assim para nos podermos assegurar que os efeitos que
obtemos são unicamente devidos à variação da VI. Por exemplo, suponha que
queremos investigar qual de dois métodos é o mais eficaz para ensinar as crianças
a ler. O aspecto que podemos variar aqui é o método de ensino da leitura e por isso
é essa a nossa VI. A capacidade de leitura das crianças será, neste caso, a variável
dependente (VD), porque, o método de ensino (VI) pois supomos que a capacidade
de leitura das crianças depende do método de ensino utilizado.
Assim, generalizando, a variável que é manipulada pelo investigador é chamada
variável independente e a variável dependente é a mudança de comportamento
medido pelo investigador hipoteticamente resultande da variação da VI. Todas as
outras variáveis que podem afectar os resultados e dar-nos, portanto, um falso
conjunto de resultados são chamados de variáveis de parasitas (também referidos
como variáveis aleatórias). Exemplos de variáveis parasitas no exemplo acima
podem incluir por exemplo diferenças nas instruções dadas por um professor ou
nos materiais de estímulo que está sendo utilizado (um dos métodos pode ser
ensinado por um professor mais competente ou ter materiais pedagógicos mais
adequados e por isso as crianças aprendem melhor) ou também diferenças ao
nível das crianças, (o grupo de crianças a quem é ensinado um dos métodos pode
ser mais inteligente e por isso aprendem melhor).
Assim, manipular uma variável (VI) e medir a variação de outra (VD) conseguindo
nós controlar na medida do possível todas as outras fontes de variação,
permite-nos tirar conclusões com maior grau de certeza do que qualquer método
não experimental. Se a VI é a única coisa que é alterada, ela deve ser responsável
por qualquer alteração na VD. É por isto que a maior parte das experiências em
Psicologia são realizadas em ambientes controlados a que chamamos laboratórios,
para podermos controlar as fontes de variação.
Apresentado de forma muito resumida o método experimental, vejamos agora as
suas vantagens e limitações. No que respeita às vantagens podemos considerar:

A realização de experiências é o único meio pelo qual se podem
estabelecer relações de causa e efeito.
 Permite um controle preciso das variáveis. A finalidade do controle como
vimos é permitir ao experimentador isolar uma variável chave que foi
selecionado (a VI), a fim de observar seu efeito sobre a alguma outra
variável (a VD); pretende-se que o controle nos permita concluir que é a
VI e nada mais, que está influenciando a VD.
 As experiências podem ser replicadas. Se uma experiência é repetida,
com os mesmos resultados obtidos, mais certeza podemos ter que a
teoria que está sendo testada é válida.
No que respeita às limitações do método experimental, podemos considerar.

A artificialidade: Devido à necessidade de controlo uma experiência não
é algo habitual em situações da vida real. A maioria das experiências são
realizadas em laboratórios – ambientes estranhos e artificiais, em que
as pessoas são convidadas a realizar tarefas incomuns ou mesmo
bizarras. Esta artificialidade pode produzir uma distorção do
comportamento, tornando os resultados ecologicamente inválidos.
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Métodos em Psicologia do desenvolvimento
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José Farinha
Devido à natureza da maior parte das experiências laboratoriais, os
comportamentos estudados são muito elementares e demasiado
limitados para serem significativos.
Não é possível controlar todas as variáveis , por isso existe sempre um
certo enviesamento que afecta os resultados obtidos através do método
experimental. Por exemplo, estima-se que 90% das experiências em
Psicologia realizadas nos EUA utilizam como sujeitos estudantes
universitários, pois estes estão à mão e são baratos.
Algumas experiências podem levantar questões éticas . Isto porque
muitas experiências em Psicologia implicam de alguma forma “enganar”
os sujeitos experimentais. Por exemplo as célebres experiências de
Milgram sobre a obediência foram muito criticadas por ser pedido aos
sujeitos que administrassem choques eléctricos a outros indivíduos.
Apesar de os choques não serem realmente administrados, os sujeitos
experimentais eram levados a crer o contrário. Muitas experiências em
Psicologia simplesmente não são realizadas por envolverem
insuperáveis questões éticas.
Faro, 26 de setembro de 2014
Pode até acontecer que haja variáveis a afectar os resultados da experiência, das quais o investigador
não tem conhecimento que existem.
É por esta razão que muita da investigação laboratorial em Psicologia é realizada utilizando animais.
Contudo, mesmo a utilização de animais tem sido recentemente posta em causa.
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