RESUMO 19ªEXPANDIDO RAIB 174/010 239 CARACTERIZAÇÃO HISTOLÓGICA DA PELE DA RÃ-TOURO (RANA CATESBEIANA, SHAW 1802) D.S. Ferreira, P.E.A. Júnior, C.S. Maia, W.E. Silva, D.F. França, E.F. Moraes, V. Wanderley-Teixeira, A.A.C. Teixeira Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, Laboratório de Histologia, CP 23, CEP 52171-900, Recife, PE, Brasil. E-mail: [email protected] RESUMO A Rana catesbeiana (Shaw 1802) é um anfíbio anuro de grande importância comercial. Conhecida vulgarmente por rã-touro é usada em larga escala por ranicultores por se adaptar muito bem as condições de cativeiro. Sua pele vem sendo utilizada comercialmente para produção de objetos e em pesquisas que revelam sua utilidade como curativo biológico para queimados, além de ser fonte de colágeno, sendo muito utilizada no setor de cosmético. Apesar da diversificada utilização de sua pele existem poucos relatos sobre a sua histologia. Objetivou-se caracterizar histologicamente a pele da rã-touro (R. catesbeiana). Foram utilizadas peles de fêmeas e machos de rã-touro, provenientes do LAFAQ (Laboratório de Fisioecologia Aquática) do Departamento de Pesca da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), onde foi realizado o abate e a retirada da pele desses animais. Fragmentos de pele foram imediatamente mergulhados em líquido de Bouin, permanecendo no mesmo por 48h, onde foram levados ao Laboratório da Área de Histologia da UFRPE para processamento. Os resultados mostraram que na pele da R. catesbeiana, a epiderme é estratificada e pouco queratinizada seguindo as características gerais descritas para os anfíbios, enquanto que a derme é constituída por grande quantidade de fibras colágenas grossas e paralelas, poucas fibras elásticas, várias glândulas pluricelulares alveolares bem desenvolvidas, cromatóforos do tipo melanóforos e ausência de fibras musculares. PALAVRAS-CHAVE: Rana catesbeiana, pele, histologia, anfíbio. ABSTRACT HISTOLOGICAL CHARACTERIZATION OF THE SKIN OF THE BULLFROG (RANA CATESBEIANA, SHAW 1802). The Rana catesbeiana (Shaw 1802) it is an anuran amphibious of great commercial importance. Known commonly as the bullfrog, it is used in wide scale on frog farms since it adapts very well to conditions of captivity. Its skin has been used commercially for production of objects, and research studies have revealed its usefulness as a biological curative for burns, besides being a source of collagen, very much used in the area of cosmetics. Despite the diversified use of its skin, there have been few reports concerning its histology. Therefore, the present study was aimed to characterize the histology of bullfrog (R. catesbeiana) skin. Skins of female and male bullfrogs were used, obtained from the LAFAQ (Aquatic Physioecology Laboratory) Fishing Department of UFRPE, where the frogs were sacrificed and their skins removed. Fragments of skin were immediately immersed in Bouin liquid stain for 48 hours, and then taken the Histology Laboratory of the same university for histologic processing. The results showed that in R. catesbeiana skin the epidermis is stratified and a little keratinized in regard to the general characteristics described for the amphibians, while the dermis it is constituted by a large quantity of thick and parallel collagen fibers, few elastic fibers, various well-developed multicellular alveolar glands, chromatophores of the melanophores type, and the absence of muscular fibers. KEY WORDS: Rana catesbeiana, skin, histology, amphibian. Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.239-243, 2006 240 19ª RAIB INTRODUÇÃO A rã como a maioria das espécies de anfíbios apresenta grande variedade de substâncias químicas no muco secretado pelas glândulas epidérmicas, as quais vêm sendo estudadas pela indústria farmacêutica para a fabricação de antibióticos e outros medicamentos, constituindo-se num novo campo de estudo da farmacologia (CLARK et al., 1994; MOR et al.,1994; FEIO, 1997). Em muitos aspectos, a biologia dos anfíbios é determinada pelas propriedades da sua pele. A estrutura e a função da pele podem ser características primárias que modelaram a evolução e a ecologia dos anfíbios e podem também ser responsáveis por alguns aspectos de sua suscetibilidade à poluição (POUGH et al., 1999). A Rana catesbeiana (Shaw 1802) é originária do continente norte-americano e de locais da América Central, como os sopés rochosos e também de algumas regiões do Canadá. É uma espécie de grande porte, atingindo cerca de 43 cm de comprimento e podendo chegar a 2,5 kg (LONGO, 1987). A rã-touro, assim como todos os anfíbios, é um animal ectotérmico, ou seja, seu metabolismo está inteiramente dependente da temperatura ambiente (BRAGA & LIMA, 2001). Diferentemente de outros vertebrados, a pele das rãs prende-se ao corpo apenas ao longo de determinadas linhas. Sua flexibilidade e superfície coberta de muco permitem que a rã escape de um predador (STORER et al., 1995). Sua cor pode variar de acordo com o ambiente ou também com fatores internos, mas em geral é esverdeada ou parda na região dorsal e a região ventral apresenta-se branca, ou esbranquiçada com tonalidades mais ou menos amareladas e com manchas escuras, sua cabeça é mais clara e às vezes esverdeada, os membros são mais escuros, sendo que os anteriores apresentam manchas pardo-escuras e os traseiros, com linhas ou faixas também escuras (VIEIRA, 1979). A criação de rãs é uma atividade em fase emergente e em franco crescimento no Brasil (LIMA et al., 1999). A pele, por exemplo, constitui 11% do peso vivo do animal e quando curtida é empregada como matéria prima na produção de inúmeros objetos, como cintos, pulseiras, ornamentos do vestuário, bijuterias, carteiras, bolsas, sapatos e luvas. Pode ainda ser empregada em encadernações, revestimento de porta-jóias e outras embalagens industriais requintadas (LIMA et al., 1999). Além disso, é fonte de colágeno, constituinte do tecido conjuntivo de largo emprego no setor de cosméticos e queratina, sendo utilizada ainda como um tecido regenerativo extraordinário, de grande utilidade no tratamento de queimados, pois devido ao fato de ser translúcida, permite a passagem da luz, fundamental para a cicatrização da lesão (VELLY, 2001). Apesar de sua grande importância, existe uma escassez de literatura sobre a histologia da pele da R. catesbeiana. Objetivou-se analisar, por meio da microscopia de luz, os aspectos histológicos da pele de rãs-touro adultas, utilizando colorações de rotina (Hematoxilina-Eosina) e especiais (Tricrômico de Mallory, Resorcina Fucsina Weigert e PAS-Ácido Periódico de Schiff). MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi realizado no Laboratório da Área de Histologia do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Foram utilizadas peles de fêmeas e machos de rãs-touro (R. catesbeiana), provenientes do LAFAQ (Laboratório de Fisioecologia Aquática) do Departamento de Pesca da UFRPE, onde foi realizado o abate e a retirada da pele dos animais. Para o abate foi realizada a insensibilização das rãs através de choque térmico com conseqüente paralisação e anestesia dos animais. Para o choque térmico foi utilizado um balde de 5 L contendo bastante gelo e um litro de água gelada e após um período de 10min foi feita a decapitação. A pele foi removida realizando-se um corte superficial na região abdominal no sentido cloaca-cabeça, e com auxílio dos dedos polegares e indicadores a pele ao redor do pescoço foi solta, puxando-a inteira, no sentido cabeça-cloaca seccionando-a na altura do ânus, obtendo-se a pele inteira em forma de macacão. As peles foram imediatamente mergulhadas em líquido de Bouin e processadas para inclusão em parafina. A seguir os blocos foram cortados em micrótomo do tipo Minot ajustados para 5 μm. Os cortes foram colocados em lâminas previamente untadas com albumina de Mayer e mantidos em estufa regulada à temperatura de 37° C durante 24h para secagem. Após esses procedimentos, os cortes foram submetidos às técnicas de colorações por H.E. (hematoxilina-eosina), Tricrômico de Mallory, Resorcina Fucsina Weigert e PAS. As lâminas foram analisadas em microscópio de luz e fotografados em fotomicroscópio. RESULTADOS E DISCUSSÃO Descrição histológica da pele de machos de rãtouro A epiderme da região dorsal da rã-touro é revestida por tecido epitelial estratificado pouco queratinizado. Na derme papilar distingue-se o estrato esponjoso, constituído por tecido conjuntivo frouxo, enquanto que na região reticular observa-se o estrato compacto, constituído por tecido conjuntivo denso modelado. Na epiderme observa-se no epitélio estratificado pavimentoso uma fina camada de queratina consti- Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.239-243, 2006 19ª RAIB tuindo o estrato córneo. Abaixo, no estrato esponjoso da derme, nota-se a presença de glândulas alveolares bem desenvolvidas, vasos e cromatóforos que se encontram circundados por tecido conjuntivo frouxo (Fig. 1). Limitando a epiderme da derme, nota-se a lâmina basal que em algumas regiões aparecem coberta por uma densa camada de cromatóforos da derme subjacente (Fig. 2). Histologicamente, a epiderme da região ventral apresentou-se semelhante à região dorsal, porém, o epitélio é mais espesso podendo-se observar nitidamente o estrato intermediário que é constituído por células com morfologia poligonais e logo abaixo o estrato germinativo constituído por células cúbicas. A derme também é constituída pelos estratos esponjoso e compacto, onde encontramos vasos sanguíneos, glândulas também bem desenvolvidas e ausência de cromatóforos (Fig. 3). A análise histoquímica revelou na derme a presença de fibras elásticas (Fig. 4) e grande quantidade de fibras colágenas, sendo esta última com maior predominância, principalmente, na região do estrato compacto, apresentando-se grossas e paralelas (Fig. 5). A técnica do P.A.S. não revelou a presença de fibras musculares na derme (Fig. 2). Fig. 1 - Pele da região dorsal da rã-touro macho. Observar epitélio estratificado pavimentoso (seta) acima o estrato córneo (EC); Estrato esponjoso (EE) com a presença de glândulas alveolares (GL), cromatóforos (C) e tecido conjuntivo frouxo (TC). Coloração H.E. ± 428x. Fig. 2 - Pele da região dorsal da rã-touro macho. Observar lâmina basal (seta) e ausência de fibras musculares na derme. Coloração PAS. ± 428x. Fig. 3 - Pele da região ventral da rã-touro macho. Notar presença de glândulas (GL) e vaso (V). Coloração H.E. ± 428x. Fig. 4 - Pele da região dorsal da rã-touro macho. Observar fibras elásticas (setas) no estrato esponjoso. Coloração Fucsina-Resorcina de Weigert contra-corado pelo método de Van Gienson ± 428x. Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.239-243, 2006 241 242 19ª RAIB Fig. 5 - Pele da região dorsal da rã-touro macho. Notar estrato compacto (EC) preenchido por fibras colágenas. Coloração Tricrômico de Mallory. ± 107x. Descrição histológica da pele de fêmeas de rã-touro Na epiderme também se observou o epitélio estratificado pavimentoso pouco queratinizado formando o estrato córneo e a derme com seus estratos esponjoso e compacto nas regiões dorsal e ventral. No entanto, a análise morfológica revelou que a epiderme, na região dorsal mostrou-se mais espessa em relação à epiderme dorsal do macho. Abaixo desta, notamos o estrato esponjoso da derme, com presença de glândulas alveolares, vasos e cromatóforos (Fig. 6). Na região ventral a ausência de cromatóforos se confirmou da mesma forma que nos machos. As colorações pelos Tricrômicos de Malorry e pelo P.A.S. revelaram as mesmas características observadas na pele dos machos. A epiderme da rã-touro é estratificada como observada em todos os vertebrados, porém pouco queratinizada. Segundo GEORGE et al. (1998), os anfíbios apresentam essa modificação no tegumento como forma adaptativa à vida terrestre. Com relação à epiderme da fêmea ter se mostrado mais espessa na região dorsal pode estar relacionada a muda, pois de acordo com STORER et al. (1995) periodicamente a epiderme sofre um processo de renovação, onde se forma uma nova camada abaixo da existente. Esta muda está intimamente relacionada aos níveis do hormônio tireoidiano que induz a atividade mitótica na camada germinativa. De acordo com F ARQUHAR & P ALADE (1965), HILDEBRAND (1995) e GEORGE et al. (1998) a derme dos anfíbios é constituída por duas camadas bem Fig. 6 - Pele da região dorsal da rã-touro fêmea. Notar epitélio espesso (E) e estrato esponjoso (EE) com glândulas (GL), vaso (V) e cromatóforos (setas). Coloração H.E. ± 428x. distintas, os estratos esponjoso e compacto, ambos constituídos por tecido conjuntivo onde se observou glândulas, vasos e cromatóforos. A derme de R. catesbeiana apresenta-se com uma intensa predominância de fibras colágenas que foram observadas através das colorações pelos Tricromicos de Mallory, além de algumas fibras elásticas comprovado pela coloração da fucsina-resorcina de Weigter. No entanto, os dois últimos autores relatam a presença de fibras musculares, o que não foi observado para a espécie estudada. MORANDINI (1976) e GEORGe et al. (1998) afirmaram que são encontradas glâdulas acinosas de dois tipos, mucosas e serosas, as quais têm origem da camada germinativa da epiderme. STORER et al. (1998) e POUGH et al. (1999) relataram que os anfíbios possuem glândulas mucosas por toda a superfície do corpo, produzindo um fluido aquoso que mantém a pele úmida, essencial para a respiração cutânea e escorregadia, servindo de proteção contra predação. As glândulas serosas são mais escassas, porém maiores, produzem uma proteção espessa, esbranquiçada, granulosa e alcalóide, constituindo as glândulas do veneno. Os cromatóforos são responsáveis pela coloração da pele dos anfíbios. Segundo STORER et al. (1998), em R. pipiens e em outras rãs podem ser encontrados 3 tipos de cromatóforos: os xantóforos que tem um tom amarelado, os iridóforos com organelas que refletem luz e os melanóforos compostos por pigmentos de melanina. Na região dorsal da pele de R. catesbeiana observou-se apenas melanóforos. Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.239-243, 2006 19ª RAIB CONCLUSÃO Histologicamente a epiderme de R. catesbeiana é estratificada e pouco queratinizada seguindo as características gerais descritas para os anfíbios, enquanto a derme é constituída por grande quantidade de fibras colágenas grossas e paralelas, poucas fibras elásticas e ausência de fibras musculares, além de cromatóforos do tipo melanóforos. REFERENCIAS BRAGA, L.G.T. & LIMA, S.L. Influência da Temperatura Ambiente no Desempenho da Rã-touro, Rana catesbeiana (Shaw, 1802) na Fase de Recria. 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