volume ii - número i

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VOLUME II - NÚMERO I
UMA DISCUSSÃO SOBRE
SOCIABILIDADES: INDIVIDUALIDADE
E COLETIVIDADE NO MUNDO
MODERNO
Autor: Heitor Tavares Zanoni
[email protected]
Aluno do 8º período do Curso de Graduação em Ciências
Sociais, pela Universidade Federal de Uberlândia.
Trabalho elaborado como requisito parcial para aprovação na disciplina “Tópicos Especiais em Ciências Sociais I”, do Curso de Graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal de Uberlândia, ministrada pela Profª Drª Eliane Schmaltz
Ferreira. Este trabalho compõe, ainda, o rol de atividades promovidas e organizadas pelo Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação à Docência (PIBID/Sociologia), apresentando uma possível abordagem temática para uma aula de Sociologia
em Ensino Médio, na qual se aponta os principais caminhos pelos quais passam as construções da coletividade e da individualidade na sociedade moderna, associando essa discussão à realidade dos alunos.
Resumo:
Este artigo busca elaborar um panorama geral da
sociabilidade (ou das formas de sociabilidade) no contexto
moderno e contemporâneo, se focando na contradição/
relação entre a individualidade e a coletividade. Para isso,
é realizado um percurso histórico, por meio de autores
que trabalham, direta ou indiretamente, essa temática
em momentos históricos diversos. Assim, são utilizados
autores clássicos e contemporâneos da Sociologia, tais
como Durkhéim, Weber, Simmel e Giddens, apontando
como cada um enfrenta essas temáticas em seus estudos.
Conclui-se, ao término do artigo, que a sociabilidade tem
sofrido alterações ao longo do tempo, como a exacerbação
da individualidade e a tensão da coletividade, porém as
relações entre os indivíduos acabam por se adaptar a essa
nova realidade e às novas formas de sociabilidade vigentes.
Resumé
This article search prepares general scenery of sociability
(or the sociability forms) in the modern context and
contemporary, focusing on the contradiction/relationship
between the individuality and the collectivity. For this, is
making a historical course, through of authors who work,
directly and indirectly, these themes in several historical
moments. So, are used classic authors e contemporary
of the Sociology, like Durkheim, Weber, Simmel and
Giddens, pointing how each one face that thematic in your
studies. It follows, on the finish of this article, that the
sociability has suffering alterations on the pass of the time,
like the exacerbation of the individuality and the tensions
of collectivity, but the relationships between individuals
eventually make a adaptation in this new reality and this
new forms of existing sociability.
Palavras-Chave: : Sociabilidade – Modernidade –
Individualidade – Coletividad
Keywords: Sociability – Modernity – Individuality –
Collectivity
Introdução
uma série de conceitos e comportamentos que
antes eram tidos como certos e fixos na vida
social. Por isso, desde os clássicos da Sociologia,
como Max Weber e Émile Durkheim, a questão da
sociabilidade vem sendo trabalhada com cautela,
a partir dos mais diversos pontos de vista.
Dessa maneira, fica evidente que o tema abordado
neste trabalho é de crucial importância para
aqueles que se dedicam a entender a vida social
tanto de sua época quanto de seus antepassados, e
a forma como os indivíduos encaram as relações
entre si. É necessário que se compreenda que
individualidade e coletividade não são conceitos
Sabe-se que há muito o tema da relação/
contradição entre individualidade e coletividade
está em voga nas discussões intelectuais. Essa
temática é muito cara às discussões referentes
à sociabilidade, pois é nessa contradição que as
relações sociais entre os indivíduos (ou a falta
delas) se mostram como verdadeiramente são.
Quanto à Sociologia, pode-se dizer que essa
temática perpassa suas discussões desde a sua
origem, quando o mundo passava por grandes
transformações, o que gerou uma mudança de
mentalidade e de hábitos, sendo necessário rever
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REVISTA ELETRÔNICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
postos e rígidos, mas são conceitos construídos
socialmente, historicamente, culturalmente e
politicamente. Assim sendo, a sociabilidade é
um conceito que depende da dinâmica de cada
sociedade e do recorte histórico-político-cultural
que se procura fazer dessa sociedade. Nesse
sentido, faz-se necessário neste trabalho, abordar
o conceito de sociabilidades, pois as relações
sociais podem ser várias e dependem de uma série
de fatores, compreendendo uma gama ampla de
formas de sociabilidade.
Porém para entender as peculiaridades da
sociabilidade e verificar a existência de novas
formas de expressão, é preciso recuperar os
diagnósticos característicos da modernidade.
Sobre isso se debruçou Flávia Schilling, traçando,
após seus estudos, os cenários do século XIX, de
maneira sucinta e ao mesmo tempo abrangente.
não apenas envolve essa ruptura com o que a
precede, mas também apresenta diversas rupturas
internas. Diante desse cenário de mudanças
e transformações, floresce a idéia de que o
indivíduo pode construir o seu próprio destino
pessoal. Isso traz o sentimento de solidão, pois
nada está pronto e tudo deve ser construído
individualmente (pois cada indivíduo tem um
planejamento diferente e cada um pensa em
seguir apenas seu planejamento).
No século XIX estão presentes as próprias
contradições do projeto da modernidade, e nisso
reside o fascínio desse século. São contradições
entre solidariedade e identidade, entre justiça e
autonomia, entre igualdade e liberdade. A autora
nos conduz a pensar as relações entre sociedade
civil, íntimo, privado e individual. Essas esferas
estão em círculos idealmente concêntricos e
Segundo essa autora, o século XIX é reconhecido entrecruzados. O esforço analítico é pensar
como o século das revoluções, das guerras, como essas múltiplas esferas se entrecruzam,
da tensão do urbano, das multidões; é um considerando que não há um modelo único de
século de aglomerações em que se destacam análise.
as transformações e a imprevisibilidade do
O presente artigo se pauta, portanto, nesses
futuro. Com o advento da modernidade, o que
cenários trabalhados por Schilling, para entender
está patente é a transitoriedade das coisas;
como as sociabilidades se dão na sociedade
apesar do progresso e da tecnologia, a vida
moderna, em especial na relação/contradição
moderna traz também o efêmero, a fragilidade
entre individualidade e coletividade. Para isso, é
dos laços humanos, o fugidio e o fragmentado.
necessário que se compare diferentes abordagens.
Isso dificulta a preservação do sentido da
Realizando um percurso histórico, serão
continuidade histórica (as coisas e as pessoas
trabalhadas, primeiramente, idéias clássicas da
parecem não ter mais história; a história parece
Sociologia referentes a essa temática, utilizando os
ter perdido o sentido). Exemplo disso é a pretensa
estudos de Émile Durkhéim, Max Weber e Georg
“perda de memória” que se vive atualmente (não
Simmel. Em seguida, será possível perceber como
se dá mais importância aos artefatos históricos,
essas idéias são aproveitadas, e/ou criticadas, e/
e ao passado). Portanto, se há algum sentido na
ou amadurecidas, na contemporaneidade, por
História, há que se descobrir esse sentido e definimeio dos estudos de Anthony Giddens. Ao fim
lo de dentro do turbilhão das mudanças.
do artigo, será possível uma breve e incipiente
Schilling (1996) aponta que a modernidade comparação entre as formas de sociabilidade
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tanto no início da modernidade quanto na
contemporaneidade, tal como a forma com que
as categorias de individualidade e de coletividade
se inserem nesses contextos.
Desenvolvimento
Émile Durkheim e sua teoria social –
solidariedade mecânica X solidariedade
orgânica
Émile Durkheim (1858 – 1917) teve importância
crucial para a Sociologia, pois foi o primeiro
capaz de definir o objeto de estudo dessa
ciência. Segundo esse teórico, o indivíduo é
amplamente influenciado e moldado pela esfera
social. Para ele, a estrutura social é que define
o indivíduo, ou seja, o indivíduo é considerado
como passivo no processo de construção social
e, conseqüentemente, no processo de formulação
das identidades individuais e sociais. Isso resulta
na exacerbação da coletividade, em detrimento
da individualidade. Durkheim não teorizou
especificamente sobre sociabilidades, mas ele
trabalha com padrões de relações, que sugerem
formas de sociabilidade.
Exemplo disso é o próprio objeto de estudo da
Sociologia, que Durkheim denominou de fato
social. Os fatos sociais são maneiras de ser,
pensar e agir impostas aos indivíduos pelo social,
ou seja, são regras, normas e comportamentos que
orientam a vida dos indivíduos em sociedade. As
três características do fato social comprovam a
supressão da individualidade: o fato social é geral
(atinge a todos ou à maioria de um grupo social),
exterior (independe da vontade individual) e
coercitivo (gera sanção – legal ou moral – para
quem não o segue).
Para manter a sociedade (um todo coeso, que não é
harmônico, e em que a existência de conflitos leva
à sua cisão), a educação e a religião desempenham
papel crucial na integração, definindo normas
sociais. A educação é o mecanismo de transmissão
de valores e de formação de capacidades,
garantindo a transmissão dos atributos humanos e
a formação do ser social no meio social real, que
existe em tempo e espaço determinados. Porém,
para Durkheim, a moralidade é o centro e o fim de
seu trabalho. A concepção de moralidade é ampla,
abrangendo do fundamental ao trivial. Para tanto,
o autor se centra na análise das regras morais,
que são fatos sociais (disseminados também
pela religião), e as distingue das regras legais
(que são um subconjunto das regras morais).
A distinção pode ser feita pelo modo como as
sanções são administradas: enquanto as sanções
morais são difusas, pois são administradas por
todos, as sanções legais são organizadas, já que
são elaboradas e aplicadas por um corpo de
especialistas.
Fazendo a distinção clara entre individualidade
e coletividade, e mostrando como essa
distinção define padrões diversos de relações
sociais, Durkheim define dois tipos diferentes
de sociedade: as sociedades mecanicamente
solidárias e as sociedades organicamente
solidárias. Segundo o autor, a solidariedade
pressupõe a forma como os laços de integração
são estabelecidos.
As sociedades que possuem solidariedade
mecânica consistem em grupos de indivíduos
que são mais homogêneos, com sentimentos
comuns e forte coesão social. Por isso, têm
menos oportunidades para manifestarem
suas individualidades. A consciência, nessas
sociedades, é coletiva, pois o todo é superior ao
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eu. Sendo assim, todos trabalham em prol dos
interesses coletivos. A religião, principalmente
nesse tipo de sociedade, é um fator que mantém
a força da consciência coletiva. A divisão social
do trabalho é pouco desenvolvida, pois não se
permite a diferenciação dos indivíduos. Nessas
sociedades, o direito é repressivo, pois visa
impedir que o indivíduo cometa os mesmos erros
novamente, já que isso afeta a coletividade como
um todo. Essas sociedades são denominadas
de Comunidade. O conceito de comunidade
se caracteriza por um alto grau de intimidade,
profundidade emocional, compromisso moral,
coesão social e continuidade no tempo.
Comunidade se liga ao homem em sua totalidade,
e não definido por papéis sociais.
Já os grupos sociais que possuem solidariedade
orgânica consistem em indivíduos que
reconhecem suas diferenças e permitem a
expressão da individualidade. Diminuem,
portanto, as semelhanças mentais e morais.
Sendo assim, a consciência é individual, pois
é possível agir visando os próprios interesses,
e não o bem comum. A integração dos seres
sociais é possibilitada pela divisão do trabalho,
que garante a interdependência entre indivíduos,
e entre indivíduo e sociedade. Assim, a divisão
do trabalho tem função moral, e é fonte de
solidariedade. O direito, nessas sociedades,
é restitutivo, pois visa integrar o indivíduo
novamente ao meio social, restituindo-lhe a
liberdade.
Segundo Mancuso, a respeito do pensamento
de Durkheim, a solidariedade tem uma dupla
dimensão: enquanto modo de vida e enquanto
sistema. Ela escreve:
[...] Enquanto modo de vida, a sociedade integrarse-ia pelas orientações de ação; enquanto sistema,
a sociedade seria vista como a relação criada entre
os indivíduos pelo intercâmbio dos produtos do
trabalho, sem que nenhuma ação propriamente
social viesse regular este intercâmbio – a sociedade
seria vista como mercado. (MANCUSO, 1996: p.
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Ao mesmo tempo em que a sociedade organicamente
solidária estimula a individualidade, ela promove
a integração na esfera social. Ou seja, a divisão
social do trabalho permite que os indivíduos se
especializem e, dessa forma, ninguém é capaz de
deter todos os conhecimentos e/ou habilidades,
necessitando dos demais para sua sobrevivência.
Cada um, com suas individualidades, depende
da coletividade. A sociabilidade, nesse sentido,
se refere a um padrão de relações sociais
estabelecido. Na comunidade, o padrão é de seres
homogêneos com elevada coesão social e elevada
consciência coletiva. Na sociedade, o padrão é de
seres diferentes e interdependentes, com elevada
consciência individual.
Max Weber e a teoria da ação social
Max Weber (1864 – 1920) parte de um ponto de
vista diferente do de Durkheim. Para ele, são as
ações dos indivíduos que definem a sociedade,
com suas instituições e interações sociais. Os
sentidos empregados às ações pelos indivíduos
fundamentam as formas de sociabilidade. Dessa
forma, os indivíduos são ativos no processo
de construção da sociedade e de suas próprias
identidades, embora Weber não descarte o papel
das pressões sociais (porém para ele as pressões
não são determinantes). Weber trabalha a
sociedade não como algo exterior e superior aos
indivíduos, conforme Durkheim, uma vez que
a sociedade pode ser compreendida a partir do
conjunto das ações individuais reciprocamente
referidas.
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VOLUME II - NÚMERO I
Tendo em vista essa nova perspectiva, Weber
define como objeto da sociologia a ação social.
Ação social é a conduta humana (ato, omissão
ou permissão) dotada de sentido (motivação)
subjetivo dado por quem executa, tendo em vista
a ação de outro(s) indivíduo(s). Toda ação tem
motivo (causa), sentido (intenção) e significado
social (expectativa). As normas e regras sociais
são o resultado do conjunto de ações individuais,
uma vez que os agentes escolhem, o tempo todo,
diferentes formas de conduta. Ou seja, Weber
nos mostra que é a individualidade que define e
orienta a coletividade.
Considerando a teoria da ação social, percebese que Weber se foca no indivíduo. Porém, esse
indivíduo sempre está ligado à coletividade, pois
a ação social parte do indivíduo e se orienta pela
ação dos outros. Nem toda ação é social, mas
apenas aquelas que impliquem alguma orientação
significativa visando outros indivíduos.
Para Weber, sempre que se estabelece uma
relação significativa, ou seja, algum tipo de
sentido compartilhado entre várias ações sociais,
temos uma relação social. A relação social é a
conduta plural (de dois ou mais indivíduos),
reciprocamente orientada, dotada de conteúdo
significativo e expectativas; a relação social pode
ser considerada, portanto, como a expressão da
coletividade.
O autor aponta, como sintomas da modernidade,
a racionalização da vida e o desencantamento do
mundo. Ele nos mostra que com o advento da
vida moderna as pessoas se tornaram cada vez
mais racionais, confiando apenas naquilo que é
calculável e exato. Ou seja, há uma racionalização
da vida em proveito daquilo que é calculável. Isso
gera um processo em que o mundo não tem mais
nada de fabuloso ou fantástico, pois os indivíduos
que o constituem se tornaram muito racionais
para perceberem os detalhes qualitativos que o
mundo lhes oferece. Esse processo demonstra a
preponderância da individualidade, em detrimento
da coletividade, na vida moderna. Os modernos
se tornaram racionais demais e se focaram em
seus próprios interesses. Assim a coletividade
fica desencantada, diante da racionalização das
individualidades.
Weber não escreveu diretamente sobre
sociabilidade. Porém, nesse âmbito, nota-se
que ele tende a tratá-la como algo que parte do
indivíduo. Assim, as relações sociais, embora
sejam condutas plurais e em conjunto, sempre
têm como pressuposto as expectativas e
motivações individuais. Nessa sociabilidade, a
racionalização da vida e o desencantamento do
mundo trazem uma nova dimensão, já que os
indivíduos se tornam incapazes de perceber os
detalhes qualitativos, se focando apenas no exato
e no calculável. Isso afeta diretamente as relações
dentro da vida social, pois estas se tornam
efêmeras e os vínculos se tornam frágeis. A
racionalização, a maximização e a acumulação do
lucro, são fatores que transformam a sociabilidade
na vida moderna. Enquanto anteriormente cabia
aos indivíduos conduzirem seus estados de
percepção do mundo, na modernidade isso está
a cargo da racionalização, dando prioridade ao
mundo fragmentado e preciso.
Georg Simmel e a filosofia do dinheiro – uma
crítica ao estilo de vida moderno
Georg Simmel (1858 – 1918) relacionou sua
teoria social ao desenvolvimento e à difusão
de uma economia monetária. A difusão dessa
economia monetária é o que dá origem à chamada
Teoria do Moderno de Simmel. É a partir dessa
teoria que se deve pensar a sociabilidade, com
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esse autor. O importante é que para Simmel o
conceito de moderno exige uma temporalidade
descontínua, ou seja, o que existe são fragmentos
de modernidade, espalhados pelas mais diversas
épocas. Assim, é possível encontrar aspectos que
se acentuam na modernidade, mas que já existiam,
por exemplo, na Roma Antiga. Para o autor, o
moderno estilo de vida está relacionado com uma
grande variedade de formas de socialização, pois
tudo muda com muita fluidez, e diferentes formas
organização do tempo, do espaço e das coisas. Ao
despojar as coisas do caráter qualitativo, o dinheiro
propicia o esquecimento e a perda de memória,
pois os laços estabelecidos por intermédio do
dinheiro são fluidos e efêmeros, e são rompidos
com facilidade, evitando a lembrança duradoura
dos mesmos. Assim ele define os indivíduos
modernos que vivem na metrópole por meio de
três características: pontualidade, calculabilidade
e exatidão.
Porém, o conflito entre coletividade e
individualidade vem justamente quando a
sensibilidade humana é aflorada e isso leva a
um sentimento de solidão. O individualismo, a
exacerbação da individualidade, gera, portanto,
esse sentimento de relações meramente comerciais
e de solidão, já que não se constitui laços
duradouros. Cabe ressaltar que esse sentimento é
tanto mais característico quanto mais o indivíduo
de sociabilidade podem surgir rapidamente.
Simmel analisa profundamente as funções e
conseqüências do dinheiro na vida moderna.
Segundo ele, o dinheiro expressa somente
quantidade, e não qualidade. Por isso, ele aponta
o dinheiro como um equivalente universal, já que
ele é capaz de equalizar tudo e todos em termos
de valores (tudo é visto como mercadoria que
pode ser comprada). O dinheiro tem a capacidade
de converter a mais variada qualidade das coisas está rodeado por seus semelhantes.
em quantidade; ele é fator de indiferenciação Simmel aponta que com a divisão do trabalho
entre as coisas.
cada vez mais acentuada, o dinheiro promove o
O interessante para nosso tema é que o dinheiro individualismo quantitativo, ao mesmo tempo
tem também a função de aproximar os indivíduos em que permite a igualdade entre os homens no
na coletividade. Porém, essa aproximação é livre mercado (porém essa relação entre iguais na
simples e direta, pois é possível realizar várias coletividade é uma relação distante e comercial).
trocas com várias pessoas sem estabelecer Ou seja, o dinheiro traz uma falsa idéia de
vínculos fortes com nenhuma. Assim, o dinheiro igualdade e integração, que é desmascarada
transformou nossas relações no âmbito social em pelo sentimento de solidão e de esvaziamento
relações comerciais. A sociabilidade se mostra, (já que se tem a impressão de que nunca se está
assim, frágil e efêmera, perpassando apenas por satisfeito), quando se percebe o distanciamento
temáticas de lucro e comércio, sem constituir entre as pessoas em suas relações, e a forma como
laços fortes e duradouros.
isso afeta a sociabilidade. O dinheiro promove,
Simmel, assim como Weber, nota que existe uma portanto, a indiferença, a impessoalidade, o
acentuação do racionalismo, uma estreita relação distanciamento, e a preservação da interioridade,
entre o racionalismo, o cálculo e a ação racional. apagando os traços pessoais. No espaço da
O dinheiro propicia uma calculabilidade crescente interioridade os indivíduos se preservam do
em todos os domínios da vida, e prega o ideal contato com o mundo exterior e com os conflitos
de precisão e exatidão que passa a impregnar a que os rodeiam.
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Simmel define, então, a atitude blasé. Segundo
ele, o ritmo da vida, na modernidade, sofre uma
aceleração e a vida nervosa é intensificada, a
ponto de fazer com que os indivíduos se voltem
para a intimidade e sejam a todo momento
bombardeados por imagens e impressões. Isso
gera a sensação de vazio, pois tudo os atinge,
mas eles conseguem assimilar pouca coisa, já
que é impossível atribuir imediatamente sentido
a todas essas imagens e impressões. Por isso,
os indivíduos se tornam indiferentes a elas e só
respondem a uma parcela muito reduzida delas.
Essa indiferença do homem moderno, que passa
pela coletividade, sem se alterar ou sem se
afetar, envolvido quase exclusivamente com sua
intimidade, é que Simmel chama de atitude blasé.
Além da atitude blasé, Simmel define a atitude
de reserva, que é a atitude que torna as pessoas
frias, por não conseguirem responder ao intenso
contato com todos que passam por seu caminho.
Assim, desenvolve-se a indiferença, a frieza, e até
a aversão, a estranheza e a repulsão mútuas diante
do contato com os semelhantes. Isso desencadeia
em situações em que não se conhece mais de vista
aqueles que foram vizinhos ou que tiveram algum
contato anterior. Isso demonstra claramente a
visão de Simmel quanto ao moderno estilo de
vida, que exacerbou a individualidade humana e
transformou a coletividade e as relações sociais
em relações entre estranhos, que se repelem e se
odeiam; tais relações consistem em constantes
conflitos interiores (pois os indivíduos questionam
a posição da própria individualidade, mas não
têm ânimo e/ou coragem para se desvencilhar
da mesma) e exteriores (os indivíduos não
reconhecem os demais como seus iguais, e isso
gera o sentimento de repulsa).
Anthony Giddens e a trajetória do Self
Anthony Giddens (1938 – atual) ressalta que nas
sociedades contemporâneas a individualidade
adquire uma especificidade: o “eu” passa a
ser vivido como projeto reflexivo. Ou seja, o
“eu” é o resultado de perguntas que envolvem
o questionamento constante a respeito de si
mesmo. O autor mostra que, na modernidade,
o “eu” constitui-se a partir de uma trajetória de
desenvolvimento que liga passado e futuro de uma
forma específica. O passado é analisado e o futuro
é elaborado como resultado da análise do passado.
Ou seja, pode-se planejar o próprio futuro, que
não está mais determinado e condicionado a
circunstâncias específicas, como acontecia em
outras épocas. Assim, a vida não é mais uma
mera seqüência de ritos institucionalizados.
Porém cabe lembrar que a reflexividade do “eu”
é contínua e abrangente, ou seja, ela não acontece
apenas em um momento da vida do indivíduo,
mas acontece continuamente, em períodos
diversos da existência dele, e sob circunstâncias e
contextos diversos. Nesse sentido, a narrativa do
“eu” é tornada explícita pelo próprio indivíduo.
Isso o obriga a construir uma narrativa coerente,
de acordo com sua própria interpretação de sua
história. A própria sociedade (a coletividade)
questiona e pressiona os indivíduos que constroem
uma narrativa incoerente, pois se exige que ele
seja aquilo que ele diz ser.
A trajetória do “eu” como projeto reflexivo envolve
uma quebra contínua de padrões estabelecidos,
e isso envolve riscos, pois os padrões rompidos
pressupõem a vigência de outras formas de
conduta e de relação que precisam ser construídas
pelo indivíduo. Nisso consiste um problema da
sociabilidade moderna, pois cada indivíduo tem
uma interpretação diferente da história, e tenta
elaborar novas formas de conduta de acordo com
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suas interpretações, o que pode gerar um conflito
com outros indivíduos que possuem outras
formas de interpretação.
Segundo Giddens, na contemporaneidade, os
indivíduos se deparam com uma diversidade
complexa e confusa de escolhas. Eles são
forçados a realizar escolhas em relação a que
Estilos de Vida irão adotar. Para o autor, Estilo
de Vida é um conjunto de hábitos e costumes que
dão forma à narrativa do eu.
Os Estilos de Vida são setoriais, pois os indivíduos
estão inseridos numa série de ambientes, e em cada
ambiente é necessário adotar um Estilo de Vida
diferente; há a diversificação de comportamentos
sociais. Ou seja, diante de cada coletividade, ele
adota uma determinada individualidade coerente
com aqueles padrões. Isso concretiza a idéia de
sociabilidades, pois diante de cada coletividade,
uma forma diferente de sociabilidade deve ser
adotada e trabalhada, partindo da individualidade
estabelecida pelo indivíduo e manifesta sob a
forma de Estilo de Vida.
O Estilo de Vida que o indivíduo vai adotar
depende: de outros estilos já adotados por ele;
das pressões do grupo; e das circunstâncias sócioeconômicas. Assim, nem todos os indivíduos
podem adotar todos os Estilos de Vida, pois
alguns são incompatíveis com sua história de
vida ou com os ambientes que freqüenta. A
multiplicação e a fragmentação do Estilo de Vida
não implicam no aumento da certeza existencial;
elas geram, na verdade, a dúvida metodológica e
os conflitos, exigindo planejamentos e narrativas
coerentes, já que a individualidade se torna muito
complexa.
Giddens se debruça, ainda, sobre as temáticas
dos relacionamentos, trabalhando a noção de
Relacionamentos Puros. Tais relacionamentos
são característicos da contemporaneidade, e são
tidos pelo autor como flutuantes. São frutos da
substituição do casamento pelo amor romântico,
e duram apenas enquanto satisfizerem as
expectativas mútuas do casal. No que diz respeito
às relações de amizade, essas passam a depender
fundamentalmente de expectativas afetivas e
sentimentos que são destacados de aspectos
sócio-econômicos.
O foco do relacionamento passa a ser, portanto,
a intimidade que, por sua vez, depende do
desenvolvimento da confiança mútua entre os
parceiros. A intimidade pressupõe que os parceiros
conhecem as personalidades uns dos outros.
Assim, Giddens mostra que o compromisso
nesse tipo de relacionamento passa a ter papel
fundamental; é o compromisso (atender às
expectativas sentimentais e afetivas do casal) que
garante a durabilidade do relacionamento.
Segundo o autor, o Relacionamento Puro
também é reflexivamente organizado, pois os
casais passam por períodos de reflexão sobre o
relacionamento. Essas reflexões perpassam pelas
temáticas de planejamento do relacionamento,
e de como conciliar isso com o planejamento
individual de cada membro do casal.
Giddens, portanto, também percebe as
tendências iniciadas na modernidade e
teorizadas por Durkhéim, Weber e Simmel,
na contemporaneidade. Porém ele apresenta
uma visão um pouco mais otimista em relação
à sociabilidade. Para ele, dentro do âmbito
da sociabilidade surgem noções importantes,
como a confiança, a lealdade e o compromisso
mútuo. Os relacionamentos só conseguem ser
duradouros quando elencam essas noções na
prática. Assim, ele reconhece a fragilidade
dos laços nas relações sociais, porém aponta
para o fato de que isso seleciona melhor os
relacionamentos, pois somente superando essa
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fragilidade e essa fluidez das relações é que se
pode assumir um relacionamento intimista, com
ênfases sentimentais e afetivas, e que satisfaça
as expectativas dos indivíduos envolvidos.
Considerando que o “eu” é um projeto reflexivo,
e que cada indivíduo deve planejar seu próprio
futuro, baseado nas escolhas dos Estilos
de Vida e na auto-reflexão, é necessário na
contemporaneidade saber unir esses aspectos
individuais com os aspectos coletivos, para
se estabelecer vínculos fortes em termos de
sociabilidade.
Considerações finais
Na modernidade se iniciou o processo em
que a individualidade passou a assumir
importância crucial na existência das pessoas e
se tornou cada vez mais difícil realizar atitudes
desinteressadas. Esse processo teve continuidade
na contemporaneidade, atingindo níveis ainda
mais elevados de individualidade. Os indivíduos
estão se fechando em suas intimidades,
buscando respostas para seus conflitos interiores
e perseguindo seus próprios interesses e
planejamentos. Isso é o que percebem todos os
autores trabalhados nesse artigo.
Desde Durkhéim, que notou a coesão social das
sociedades organicamente solidárias, mantida
pela predominância da consciência individual
e da acentuada divisão social do trabalho,
estabelecendo um contexto de busca pelos
próprios interesses e de diferenciação entre os
indivíduos, até Weber e Simmel, que perceberam
a racionalização exacerbada da vida moderna, e a
busca pelo lucro e pela efemeridade das relações,
em detrimento de relações mais afetivas e pautadas
em vínculos fortalecidos. Chegando, inclusive,
em Giddens, que mostra que o compromisso
mútuo e a lealdade são atributos necessários para
a durabilidade das relações, porém devido aos
planejamentos individuais e às escolhas pessoais
(como os Estilos de Vida) têm se tornado raros,
pois os relacionamentos só são estabelecidos
enquanto satisfazem as expectativas mútuas, o
que gera a fragilidade dos vínculos e a facilidade
com que podem ser rompidos, caso desfavoreça a
um dos indivíduos envolvidos.
Com isso, a coletividade vive momentos de
tensão, pois as relações entre os indivíduos
são relações distantes e de estranheza (e
até de repulsa). Com a predominância das
individualidades, a coletividade tem ficado à
mercê dos interesses individuais, o que gera
conflitos nos relacionamentos entre as pessoas.
Os indivíduos não mais conseguem estabelecer
relações duráveis e voltadas para os interesses
coletivos, gerando um desconforto ao se
relacionar com seus semelhantes, que Simmel tão
bem define sob os conceitos de Atitude Blasé e
Atitude de Reserva.
Porém, é necessário perceber que, como já disse
Aristóteles, “o homem é um ser social” e, por
isso, não é possível se ausentar por completo da
coletividade. A sociabilidade, por mais conflituosa
que às vezes pareça ser, é necessária para o
convívio social, e o convívio social é necessário
para a existência humana.
É interessante
ressaltar que a individualidade tem ganhado
preponderância, mas ela sempre se apóia e se
baseia em padrões e pressões da coletividade. Foi
isso que Weber ressaltou com a definição de ação
social, que são ações que partem do indivíduo,
mas que se orientam para outro(s) indivíduo(s).
Por isso, as relações sociais e a sociabilidade
ainda influenciam as escolhas individuais e os
planejamentos pessoais, moldando os indivíduos
por meio da disseminação de padrões que devem
ser seguidos, ou mesmo rompidos. Cabe lembrar
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REVISTA ELETRÔNICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
que o rompimento de padrões, assim como a
obediência a eles, também é uma ação política
e está dentro do rol de ações sociais passíveis de
serem realizadas pelos indivíduos.
Sendo assim, a sociabilidade é uma realidade
e, embora esteja sofrendo alterações (desde o
advento da modernidade até os dias atuais),
são relações válidas para se entender o
convívio social de determinada época, e/ou de
determinado contexto, e/ou de determinada
sociedade. Por meio da sociabilidade, Giddens
mostra que a racionalização e a exacerbação
da individualidade estão ocorrendo, mas os
indivíduos ainda preservam suas relações
duráveis, dotadas de virtudes, buscando
assimilar as expectativas alheias e conciliá-las
com as expectativas individuais. Portanto, tudo
é passível de adaptação, e os indivíduos estão
se adaptando às novas formas de sociabilidade
vigentes e ao declínio das antigas maneiras de se
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Recebido em:
06/10/2010
Aprovado em:
07/05/2011
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