O campo teórico-investigativo e profissional da didática e a

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O CAMPO TEÓRICO-INVESTIGATIVO E PROFISSIONAL DA DIDÁTICA E
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
José Carlos Libâneo
Introdução
A didática é apresentada neste texto como a ciência profissional do professor,
simultaneamente uma disciplina pedagógica, campo de investigação e de exercício
profissional. Sua especificidade epistemológica é o estudo da atividade de ensinoaprendizagem na relação com um saber, em situações pedagógicas contextualizadas.
Num processo que assegura a unidade entre o aprender e o ensinar, o aluno é orientado
em sua atividade autônoma por adultos e colegas, para apropriar-se dos produtos da
cultura, da ciência, da arte, de modo geral, da experiência humana. Desse modo, o
processo de ensino é dirigido para a apropriação de conhecimentos e sua aplicação,
tendo em vista o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos e de sua
personalidade global. As práticas de ensino, integrantes do conteúdo da didática,
supõem a constituição de saberes profissionais a partir das lógicas próprias da atividade
escolar e da atividade de ensino, por sua vez inseridas em contextos socioculturais e
institucionais.
A didática articula a lógica dos saberes a ensinar (dimensão epistemológica) e a
lógica dos modos de aprender (dimensão psico-pedagógica), por onde se requer sua
dependência da epistemologia das disciplinas e, portanto, da relação conteúdosmetodologias. Ao mesmo tempo, interliga estas dimensões à dimensão das práticas
socioculturais e institucionais, formando a base da organização social do ensino para o
desenvolvimento humano. Desse modo, os elementos integrantes do triângulo didático –
o conteúdo, o professor, o aluno, as condições de ensino-aprendizagem - articulam-se
com aqueles socioculturais, linguísticos, éticos, estéticos, comunicacionais e midiáticos.
Apresento neste texto uma posição sobre o estatuto epistemológico da didática e
suas consequências para o exercício profissional dos professores. Serão abordados os
seguintes tópicos: os reveses da didática como disciplina e campo investigativo; antigas
e persistentes antinomias no campo pedagógico-didático; posicionamento sobre os
conceitos centrais da didática; derivações para o campo investigativo e profissional.
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1. Reveses da didática como disciplina e campo investigativo
A produção intelectual na área da didática, no Brasil, tem sido proeminente
ainda que escassa, abrangendo questões teóricas e epistemológicas, questões do
exercício docente como o ensino de disciplinas, as práticas de ensino, a articulação entre
a didática e a pesquisa cultural, a relação teoria e prática na formação inicial e
continuada (por ex., OLIVEIRA (1992, 1997, 2011), CANDAU 2009, 2011a, 2011b,
2011c), PIMENTA (1997, 2010), LIBÂNEO (2008, 2010a, 2010b, 2011a), VEIGA,
(1999a, 1999b, 2010, 2011), BEHRENS (2006), ANDRÉ (1995, 1997), MASETTO
(2003), ANASTASIOU E ALVES, 2006, FRANCO, 2010). Por outro lado, recentes
estudos mostram que, no conjunto, a produção acadêmica não chega a mudanças
significativas nos cursos de formação inicial e nas ações de formação continuada
(GATTI E NUNES, 2009; LIBÂNEO, 2010), portanto, trazendo pouca contribuição
para o desenvolvimento do campo profissional. A despeito desse paradoxo, cumpre
ressaltar que as disciplinas de didática e de metodologias específicas estão presentes
praticamente em todos os cursos de licenciatura em pedagogia do país, cerca de 2.500,
chegando a, no mínimo, 20.000 professores, sem contar os professores de didática e
didáticas disciplinares dos outros cursos de licenciatura.
Essas constatações nos levam a perguntas embaraçosas. Se a disciplina didática
está no centro da formação por ser ela requisito para a profissionalidade e
profissionalização dos professores, o que explica a ineficácia das produções acadêmicas
nas mudanças e inovações na prática escolar e docente? A despeito de existir um
número considerável de professores universitários envolvidos com a didática, as
didáticas específicas e as metodologias de ensino das disciplinas - cerca de 30%, a
considerar o dado de que esse é o percentual de horas destinadas a essas disciplinas nos
currículos dos cursos de pedagogia (LIBÂNEO, 2011c) – o que leva professores de
outras disciplinas de ciências humanas a não reconhecer o status científico ou a
importância dessa disciplina na formação profissional? Suprimida a didática (como
parece ser o desejo de muitos professores das disciplinas pertencentes aos chamados
“fundamentos da educação”), como se daria a formação de professores para os
conhecimentos específicos da profissão, isto é, aqueles ligados ao ensino, à
aprendizagem e ao desenvolvimento dos alunos? Onde pedagogos (ou, ao menos, os
pesquisadores e professores de didática) estão falhando ao permitir que se alastre o
desprestígio da didática como disciplina, campo investigativo e profissional?
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A busca de explicações sobre o enfraquecimento do campo disciplinar e
investigativo da pedagogia e da didática tem sido tentada em outros textos (LIBÂNEO,
2010a, 2011b). Para o momento, nos parece suficiente trabalhar com três hipóteses: a) a
existência de um dissenso ou dispersão entre educadores, pesquisadores, legisladores,
políticos, técnicos do MEC e Secretarias de Educação, em relação aos objetivos e
funções da escola pública; b) A forte tendência entre nós da predominância no campo
investigativo da educação e na produção acadêmica, das análises externas da
problemática educacional sobre as internas, referentes ao que se passa no interior da
escola; c) A escassa presença, no conjunto da investigação no campo da educação, de
pesquisas e produções acadêmicas voltadas para a escola, o ensino, o trabalho com os
conteúdos, as metodologias de ensino, ou seja, a pesquisa voltada para a sala de aula.
Em relação à primeira hipótese, é certo que o dissenso em relação a objetivos e
funções da escola se projeta no planejamento de ações voltadas para a organização do
sistema escolar, nos currículos das escolas e da formação profissional de professores, na
organização e funcionamento das escolas. Há, ao menos, duas explicações para isso. Por
um lado, a notória penetração nas políticas educacionais brasileiras da concepção de
objetivos e funções da escola decorrente da internacionalização das políticas
educacionais; por outro, a proliferação de concepções de educação e currículo no campo
da educação, seja pela nossa tendência renitente de apropriação acrítica de ideias
surgidas no estrangeiro, seja pelas visões relativistas em relação à constituição de
subjetividades, formas de educar e ensinar, e papel da escola.
Quanto à primeira explicação, estudos bastante consistentes (DE TOMMASI,
WARDE e HADDAD, 1966; TORRES, 2001; FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003;
SHIROMA, GARCIA, CAMPOS, 2011; AKKARI, 2011) mostram que o Banco
Mundial e outras organizações transnacionais exercem pressão nos sistemas de ensino
nacionais para a adoção da visão pragmática e utilitária da escola, encarregando-a de
atender as necessidades “mínimas” de aprendizagem visando empregabilidade e o
suficiente para inserção dos indivíduos mundo da informação e do consumo, e assegurar
o acolhimento social e integração social dos alunos, levando ao esvaziamento de suas
funções em relação ao conhecimento e à aprendizagem (LIBÂNEO, 2012, YOUNG,
2011). Sobra pouco espaço para a pedagogia e a didática. A despeito da indiscutível
relevância social e humana de políticas de atendimento à diferença e às diversidades
sociais e culturais dos alunos, incluindo as práticas interculturais nas escolas, não se
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pode ignorar que, tal como se apresentam nos documentos internacionais e nacionais,
essas características estão muito mais próximas de uma visão de escola destinada a
ações caritativas e à redução de conflitos nas relações sociais nos países emergentes e
pobres. Como escrevem Shiroma, Garcia e Campos, tais alterações na função social da
escola decorrentes da adesão a políticas internacionais deslocam os princípios que regem
o campo do conhecimento para os da sociabilidade em que a inclusão social dos sujeitos
pela educação “tem como finalidade manter os sujeitos incluídos socialmente, servindo de
estratégia social contra o esgarçamento do tecido social, uma vez que a passagem pelos
bancos escolares (...) não guarda nenhuma relação com possibilidades de mobilidade
social, mas é apresentada como uma forma de inclusão social” (SHIROMA, GARCIA e
CAMPOS, 2011, p.245).
A segunda hipótese refere-se à tendência no campo das políticas educacionais e
no próprio campo científico da educação do predomínio das análises externas
(sociopolíticas, institucionais e organizacionais) sobre as internas (referentes ao trabalho
pedagógico-didático na escola e na sala de aula). Não se trata de recusar a relevância
das análises sociopolíticas na compreensão dos problemas educacionais, inclusive os da
escola, mas de criticar certo reducionismo sociológico e político nas análises da
problemática educacional, desconhecendo a análise pedagógico-didática. Os próprios
pedagogos-especialistas, a quem cabe orientar decisões concretas na escola e da sala de
aula, induzidos a abordar os fatos educativos pelo viés sociológico, parecem terem se
esquecido da especificidade “pedagógica” de seu trabalho. Ou seja, em documentos
oficiais e na produção acadêmica, o fator pedagógico-didático tem sido o elo perdido
entre as políticas públicas da educação e as práticas reais das escolas e salas de aula.
Das observações anteriores, chegamos à terceira explicação: a crescente
depreciação do pedagógico e do didático no meio acadêmico e institucional, reflete-se
na desvalorização da pesquisa específica sobre aprendizagens e práticas de sala de aula.
A escassa pesquisa de questões propriamente pedagógico-didáticas se reflete no
enfraquecimento do campo teórico e da pesquisa em pedagogia e didática. Isso explica,
em boa parte, o insucesso e a decadência dos atuais cursos de licenciatura em
pedagogia. Tal situação pode bem explicar a persistência no campo pedagógico-didático
de antigas antinomias, que se refletem fortemente no campo disciplinar, investigativo e
profissional da didática.
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2. O campo pedagógico-didático: antigas e persistentes antinomias
A primeira dessas antinomias é a fragmentação entre os conceitos de ensino e
aprendizagem. Pesquisa em que foi analisado o papel da didática nos cursos de
formação de professores das séries iniciais (pedagogia), mostrou que nas ementas dessa
disciplina o foco predominante é o ensino, geralmente no seu aspecto prático, pois em
boa parte das ementas prevalece o trabalho com os elementos do plano de ensino.
(LIBÂNEO, 2011c). Numa visão ainda apegada à didática instrumental, descuida-se do
objeto da didática: a unidade entre ensino e aprendizagem ou a mediação das
aprendizagens em relação a um conteúdo. A questão pode ser vista sob outro prisma: a
tendência, no próprio campo investigativo da didática, com reflexos no campo
profissional, de deixar em segundo plano questões do ensino afetas à psicologia
educacional: os processos de aprender e os processos de desenvolvimento. Penso que
uma questão muito forte para a pesquisa em didática possa partir desta pergunta: porque
falham nos currículos de pedagogia a formação psicológica e a formação metodológica
dos futuros professores? Tenho uma suspeita de que também neste aspecto nota-se o
impacto da sociologização do pensamento pedagógico. Não quero dizer que a
abordagem sociológica se omite em relação à aprendizagem dos alunos. Mas, uma
questão muito distante do prisma sociológico é entender que a aprendizagem, a par de
estar dependente da organização social e cultural do ambiente, é um processo de
internalização que implica uma atividade psicológica interna. Este assunto será
retomado no terceiro tópico deste texto.
A segunda antinomia refere-se à presença bastante frequente nos documentos
oficiais de políticas curriculares, da centralidade nos interesses e necessidades do aluno
x centralidade no conhecimento e na aprendizagem. Trata-se nesta antinomia do
reaparecimento das políticas educacionais transnacionais, agora na sala de aula, em que
o papel da escola voltado para o conhecimento é substituído pelo atendimento às
necessidades dos alunos, definidas em termos de competências e resultados
mensuráveis, portanto, baseado no aluno, o que chamo de currículo instrumental. Uma
variação desta mesma política é o currículo baseado em experiências por meio de temas
geradores ou projetos, com forte ênfase em vivências socioculturais e situações
experienciais de socialização e integração social. O que se critica não é o fato do
currículo dar atenção às características individuais e sociais dos alunos, mas a rejeição
do que é especifico da escola: a formação das capacidades intelectuais dos alunos por
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meio dos conhecimentos e da aprendizagem de cunho cognitivo, tal como já
consideramos.
A terceira antinomia identifica um problema crucial no campo didático: a
separação conteúdo/método da ciência/metodologia do ensino. Esta tripla separação
acontece de modo distinto nos cursos de licenciatura para as séries iniciais (pedagogia)
e nos cursos de licenciatura para as séries subseqüentes. Enquanto nos primeiros ocorre
a ênfase no metodológico sem referência ao conteúdo, nos segundos a ênfase está no
conteúdo com prejuízo da metodologia de ensino, principalmente onde as disciplinas de
licenciatura acontecem no último ano do bacharelado. Em ambos os casos, o conteúdo
ou a metodologia de ensino estão separados do método da ciência, ou seja, os dirigentes
desses cursos e os pesquisadores dos problemas de ensino não levam a fundo o estudo
da epistemologia e dos processos de investigação da ciência ensinada nas suas relações
com o ensino dessa ciência.
Da antinomia anterior, decorre a quarta, a fragmentação entre o conhecimento
do conteúdo (conhecimento disciplinar) e o conhecimento pedagógico do conteúdo
(didática e didáticas disciplinares). Aqui nos referimos especificamente a dois dos mais
essenciais saberes profissionais do professor: o domínio do conteúdo e o domínio das
formas de introduzir o aluno nesse conteúdo. No dizer de Shulman (2007), um professor
precisa compreender as estruturas da matéria ensinada e os princípios de sua
organização conceitual e, ao mesmo tempo, ter o conhecimento pedagógico do
conteúdo, ou seja, como organizar temas e problemas adequados aos diferentes
interesses e capacidades dos alunos, favorecendo sua compreensão e interiorização da
matéria. Trata-se de um problema que não se põe nos cursos de formação de
professores. Enquanto na formação de professores para as séries iniciais em que se
forma o professor polivalente, a separação conteúdo-forma se caracteriza pela
predominância da formas (isto é, do “metodológico”) em detrimento do domínio dos
conteúdos a serem ensinados às crianças, nas demais licenciaturas em que se forma o
professor especialista em um conteúdo, há uma visível ênfase nos conteúdos sem
menção explícita à metodologia de seu ensino; a situação fica piorada quando a
formação pedagógica está nos anos finais pós-bacharelado, em que conteúdo some. Em
ambos os casos, verifica-se a dissociação entre aspectos indissociáveis na formação
docente, ou seja, entre o conhecimento do conteúdo (conteúdo) e o conhecimento
pedagógico do conteúdo (forma).
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Finalmente, a quinta antinomia refere-se a um descuido renitente no campo
pedagógico, ou seja, a desconexão (ou distorções) entre aspectos sócio-políticosculturais e aspectos pedagógico-didáticos implicados no ensino e aprendizagem. O
problema de como o ensino e aprendizagem se articulam com o contexto social e
cultural é antigo na teoria e na prática pedagógica, ou seja, desde as teorias da educação
compensação compensatória, da educação popular e, agora, das pedagogias que giram
em torno da diversidade e da diferença, ainda há muito o que investigar e realizar sobre
como práticas socioculturais são conectadas com o ensino dos conteúdos e o
desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos.
3. Um posicionamento sobre os conceitos básicos da didática
A análise dos percalços envolvendo a didática pode ser mais bem compreendida
desde uma determinada visão do campo disciplinar da didática, delineada com base na
teoria histórico-cultural e em outras contribuições teóricas. A didática tem como
especificidade epistemológica o processo instrucional que orienta e assegura a unidade
entre o aprender e o ensinar na relação com um saber, em situações contextualizadas,
nas quais o aluno é orientado em sua atividade autônoma pelos adultos ou colegas,
para apropriar-se dos produtos da experiência humana na cultura e na ciência, visando
o desenvolvimento humano. Este processo é designado mediação didática, isto é,
mediação das relações do aluno com os objetos de conhecimento (processo de ensinoaprendizagem), em contextos sociais e culturais concretos, em que se articulam o
ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos.
A unidade entre ensino e aprendizagem está expressa na palavra russa
obutchenie, cuja tradução literal é instrução (PRESTES, 2010). Diferentemente do
significado convencional no Brasil de mera transmissão de conhecimento, de conotação
pejorativa, a palavra se refere na língua russa ao processo simultâneo de instrução,
ensino, estudo, aprendizagem. A instrução, assim, é a forma de organização do processo
de apropriação, na qual está implicados o ensino (o que o professor faz) e a
aprendizagem (o que o aluno faz), ou seja, o ensinar por meio da atuação de outra
pessoa no processo de aprendizagem. Segundo Prestes:
Para Vigotski, a atividade obutchenie pode ser definida como uma atividade autônoma
da criança que é orientada por adultos ou colegas e pressupõe, portanto, a participação
ativa da criança no sentido de apropriação dos produtos da cultura e da experiência
humana. (...) Ou seja, obutchenie implica a atividade da criança, a orientação da pessoa
e a intenção dessa pessoa. (...) Por tudo isso, a palavra que, a nosso ver, mais se
aproxima do termo obutchenie de Vigotski é instrução (PRESTES, 2010, p. 188)
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O significado, portanto, do ensinar-aprender e do aprender-ensinar, desde a
perspectiva histórico-cultural, é o de que a aprendizagem envolve a apropriação pelo
indivíduo da experiência social e histórica expressa nos conhecimentos e modos de ação
que, com a adequada orientação do ensino, leva ao desenvolvimento mental, afetivo e
moral dos alunos. Trata-se essencialmente de um processo de mudança, de
reorganização e enriquecimento do próprio aluno, implicando sua participação ativa e,
ao mesmo tempo, a intencionalidade educativa daquele que ensina. Para Vigotsky, boa
instrução (ensino) é a que se antecipa e mantém o foco na próxima etapa do
desenvolvimento, ao despertar e provocar “toda uma série de funções que se encontram
em estado de maturação na zona de desenvolvimento próximo” (VYGOTSKY, 2007, p.
360), guiando o processo de desenvolvimento.
Em concordância com Vygotsky a respeito de que o processo de apropriação
envolve a formação de conceitos científicos para além dos conceitos empíricos, Vasili
Davidov se empenhou em identificar as peculiaridades do caminho da formação de
conceitos com base na lógica dialética. Essa peculiaridade consiste em que a principal
função da escola é atuar no desenvolvimento do pensamento dos alunos, introduzindoos no domínio do caráter abstrato e generalizante dos saberes, de modo que os alunos
aprendem formando abstrações, generalizações e conceitos. Assim, os objetos de
conhecimento (conteúdos) e o método pelo qual são investigados cientificamente são a
base da qual decorre o método de ensino e as formas de organização da aprendizagem
do aluno. Sua proposta ressalta a unidade entre a lógica investigativa do objeto, o
método de pensamento para conhecê-lo, a atividade social concreta com este objeto e a
interiorização pelo aluno desses procedimentos lógicos e investigativos (ou seja, os
conceitos). Em síntese, “a apropriação é o resultado da atividade empreendida pelo
indivíduo quando ele aprende a dominar métodos socialmente desenvolvidos de lidar
com o mundo dos objetos e a transformar esse mundo, os quais gradualmente tornam-se
o meio da atividade própria do indivíduo (DAVYDOV e MARKOVA, 1983, p. 5).
O domínio desses métodos supõe os conteúdos, uma vez que esses métodos
correspondem aos processos investigativos pelos quais se chega à constituição de um
saber cientifico. Nesse sentido, a referência básica do processo de ensino e
aprendizagem são os objetos científicos (os conteúdos) que precisam ser apropriados
pelos alunos mediante a descoberta de um princípio interno do objeto e, daí,
reconstruído sob forma de conceito teórico no decorrer da atividade conjunta entre
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professor e alunos. A reconstrução e reestruturação do objeto de estudo constituem o
processo de interiorização, a partir do qual se reestrutura o próprio modo de pensar dos
alunos promovendo, com isso, seu desenvolvimento mental (Cf. LIBÂNEO, 2011b).
É importante assinalar que o processo de apropriação consiste na reelaboração
subjetiva de conhecimentos, capacidades habilidades constituídos socialmente a partir
de ferramentas culturais já desenvolvidas socialmente. Isto significa que a apropriação é
uma atividade psicológica interna, envolvendo processos psíquicos complexos como a
abstração, a generalização, a formação de conceitos. Uma das questões mais centrais da
teoria histórico-cultural é saber de que forma os indivíduos aprendem a fazer abstrações
e generalizações de modo a ultrapassar os limites da experiência sensorial imediata e
como os professores atuam com a mediação didática para a formação desses processos
nos alunos.
Há que se considerar, ainda, que o processo de apropriação ocorre em contextos
de práticas sociais, culturais e institucionais, dada a natureza social das funções sociais
superiores. Desse modo, o ensino acontece em meio a práticas correntes no entorno
social e nas próprias situações de aprendizagem na escola e na sala de aula, dando a
configuração dos ambientes sociais de aprendizagem. A atuação na zona de
desenvolvimento próximo, portanto, supõe o contexto de “vivências” do aluno, ou seja,
os contextos socioculturais e institucionais que atuam na sua subjetividade. Não se trata,
pois, de um processo que surge e termina na aprendizagem individual do aluno. Com
isso, as atividades de uma disciplina na sala de aula orientadas para a formação de
processos mentais por meio dos conteúdos científicos precisam estar articuladas com as
formas de conhecimento cotidiano vivenciadas pelos alunos.
A contribuição de Davydov para a didática é sumamente relevante, indicando o
vínculo explícito entre a didática e a lógica científica das disciplinas. Supõe uma relação
indissolúvel entre o plano epistemológico (da ciência ensinada) e o plano didático, ou
seja, o vínculo essencial entre conhecimento disciplinar e o conhecimento pedagógicodidático. Em síntese, podemos sistematizar ideias para um conceito de didática:
a) A questão “campo do didático” se resolve, em primeira instância, pelo papel
do ensino em criar as condições para assegurar a relação do aluno com um saber
(mediação, compartilhamento de significados), levando a uma mudança qualitativa nas
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relações com esse saber (transformação das relações que o aluno mantém com os
saberes), promovendo o desenvolvimento humano.
b) A atividade de ensino é permeada pela atividade social coletiva e pela
atividade de aprendizagem individual. Os processos psicológicos superiores estão
enraizados no desenvolvimento social e cultural. O processo de ensino e aprendizagem
consiste na apropriação da experiência social humana histórica por meio de uma
atividade psicológica interna. Segundo Vygotsky, esta apropriação implica a transição
de conhecimentos do plano social externo (atividade social coletiva) para o plano
individual interno, o que implica o desenvolvimento de processos internos de
interiorização, em que o social se incorpora no individual. A didática articula,
simultaneamente, a lógica dos saberes a ensinar (dimensão epistemológica) e a lógica
dos modos de aprender (dimensão psico-pedagógica).
c) A didática implica necessariamente a prática, ou seja, uma atuação em
situações didáticas contextualizadas envolvendo da parte do professor interações
verbais, habilidades, sensibilidade situacional, e outras competências. Tal como escreve
Altet: “O professor-profissional é antes de tudo um profissional da articulação do
processo de ensino-aprendizagem em situação, um profissional da interação de
significações partilhadas” (1996)
c) A mediação didática supõe necessariamente os conteúdos e os métodos
inerentes a esses conteúdos, que são a referência, o ponto de partida para o processo de
ensino e aprendizagem. Não há didática fora dos conteúdos e dos métodos de
investigação que lhes correspondem (não há conteúdos fora dos métodos que levaram à
constituição de um tópico do conteúdo). Não há didática fora da relação do aluno com o
conteúdo (fora da transformação das relações do aluno com o conteúdo). Não há
didática separada das práticas socioculturais e institucionais em que os alunos estão
envolvidos.
3. Derivações para o campo investigativo e profissional
Conforme mencionamos no início, a didática está no centro da formação
profissional dos professores. Na sua condição de ciência profissional, investiga e define
os saberes profissionais a serem mobilizados para a ação profissional. No entanto, sua
ajuda aos professores depende da rigorosidade como disciplina e como campo
investigativo. Somente assim pode ajudar profissionalmente aos professores,
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formulando marcos teóricos e conceituais e perspectivas metodológicas que os ajudem a
compreender como assegurar a unidade do processo de ensino e aprendizagem e como
atuar nas situações didáticas com competência.
Os tópicos anteriores forneceram os elementos para reposicionamentos teóricos
em relação a conceitos chave em didática: relação didática (a relação com saberes),
ensino-aprendizagem, conteúdos, relação conteúdos-métodos, conhecimento didático do
conteúdo, práticas socioculturais e institucionais. Neste último tópico apresentamos
algumas derivações pontuais sobre pistas para o fortalecimento do conteúdo da didática
como disciplina e como campo de investigação.
Em primeiro lugar, uma compreensão mais acurada da didática como mediação
pedagógica implica a superação da fragmentação entre a atividade de ensino e a
atividade de aprendizagem. Ensino e aprendizagem não são elementos nem idênticos
nem separados, eles formam uma unidade. Pimenta escreve que o objeto de estudo da
didática é o ensino em situação, “em que a aprendizagem é a intencionalidade almejada
e na qual os sujeitos imediatamente envolvidos (professor e aluno) e suas ações (o
trabalho com o conhecimento) são estudados nas suas determinações histórico-sociais”
(1997, p. 63). Desse modo, a mediação didática visa assegurar o processo de
conhecimento pelo aluno, por meio da apropriação de métodos e instrumentos
cognitivos presentes nos conteúdos, numa atividade intencional organizada pelo
professor.
O ensino tem um caráter social, ou seja, há uma atuação externa caracterizada
pela intencionalidade do adulto na orientação da atividade dos alunos, seja pela
organização do ambiente social para essa atividade, seja pelas tarefas que asseguram a
atividade de estudo dos alunos. Ao mesmo tempo, a aprendizagem, enquanto relação do
aluno com o conhecimento, implica especialmente um processo de mudança, de
reorganização e enriquecimento do próprio aluno, na dependência de sua participação
ativa nesse processo. Sendo assim, sem uma compreensão dos processos internos da
atividade de aprendizagem, a didática não dará conta de assegurar a unidade entre o
ensino e a aprendizagem.
Com base neste entendimento, importa ao campo investigativo da didática ter
clareza em relação às contribuições da sociologia da educação e da psicologia da
educação. Há uma esfera de problemas pedagógicos que comportam os aportes da
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sociologia, assim como há outra dependente da psicologia. É certo que os aspectos
sociais do processo de ensino e aprendizagem estão presentes em todo o processo de
apropriação de conhecimentos, mas eles são pontos de apoio para a culminância do
ensino e aprendizagem, ou seja, a interiorização de conhecimentos e habilidades. Ora,
este processo de interiorização, que é uma transformação interior, um processo de
subjetivação, uma mudança qualitativa nos processos cognitivos, implica uma atividade
psicológica interna. Em outras palavras, recorrendo a Vygotsky, a aprendizagem tem
uma base social e histórica, em que o interpsiquico se transforma em intrapsíquico, pelo
qual ocorre um processo de subjetivação, de interiorização da atividade social externa.
Desse modo, a didática se constitui como campo científico interdisciplinar cujo objeto é
o ensino dirigido para a aprendizagem. Seu propósito é prover a organização adequada
da atividade de ensino-aprendizagem com vistas ao desenvolvimento das capacidades
intelectuais e da personalidade integral dos alunos.
Em segundo lugar, penso que o campo da didática ganhará mais consistência
teórica em relação ao seu objeto de estudo ao reconhecer que não há didática se não
estiver focada na relação com o conteúdo. Essa é a questão central da didática como é,
também, do currículo. De modo que a referência básica da didática é a relação com os
saberes (conteúdos) em situações didáticas contextualizadas. Uma visão da didática
baseada na relação com os saberes a aprender se opõe a uma forte tradição escalonovista
e de educação popular em nosso país. A escola baseada nos conteúdos foi estigmatizada
por causa de uma visão da pedagogia tradicional em que os conteúdos são dados,
estáticos, prontos e acabados. Não é desta noção de conteúdo que falamos. Os
conteúdos são o conjunto de conhecimentos teóricos de uma disciplina, constituídos
social e historicamente, produtos do desenvolvimento mental humano, considerados
importantes para a formação geral dos alunos e, especialmente, meios de formaçãoi dos
processos mentais pelos alunos. Davydov escreve que “o ensino realiza seu papel
principal no desenvolvimento mental, antes de tudo, por meio do conteúdo do
conhecimento a ser assimilado”. Por isso dizemos que a didática ocupa-se dos processos
de ensino e aprendizagem referentes ao ensino de conhecimentos, em situações
socioculturais concretas, entendendo conhecimento como o processo mental do
conhecimento.
A partir destas questões, surge uma terceira preocupação para o campo
investigativo e profissional da didática que é a inseparabilidade entre conteúdos e
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metodologias investigativas da ciência ensinada. Como já mencionamos, a didática e as
didáticas disciplinares unem dois planos: a lógica dos saberes (plano epistemológico) e
a lógica da aprendizagem (plano psico-pedagógico). No primeiro, trata-se da natureza e
da organização dos conteúdos a ensinar tendo como referência cada campo científico,
ou seja, a gênese, estrutura e processos investigativos do conteúdo; no segundo, das
formas de aprendizagem dos alunos em relação à aquisição e internalização desses
conteúdos. A didática busca a unidade entre esses dois planos.
Especificamente em relação ao primeiro plano, afirma-se que os métodos de
ensino são derivados dos processos investigativos pelos quais se chega à constituição
de um conteúdo. Isso quer dizer duas coisas: a) que os métodos de investigação de uma
ciência estão atrelados ao seu conteúdo: b) que os métodos de ensino de uma ciência são
inseparáveis dos métodos investigativos dessa ciência (LIBÂNEO, 211a). O didata
francês Ph. Meirieu descreve a mesma idéia de outra forma: “nenhum conteúdo existe
fora do ato que permite pensá-lo, da mesma forma que nenhuma operação mental pode
funcionar no vazio”. Ou seja, a formação de capacidades mentais supõe os conteúdos,
pois essas capacidades estão já presentes nos processos investigativos e procedimentos
lógicos da ciência ensinada.
A noção de conteúdo, portanto, está associada diretamente à formação de
capacidades mentais, no sentido de que o a mediação didática do professor consiste em
traduzir os conteúdos de aprendizagem em procedimentos de pensamento. Isto requer
competência do professor em propor tarefas a partir dos conteúdos que coloquem os
alunos em uma situação didática de exercício da atividade mental, em seqüências de
operações mentais em que os alunos operem mentalmente com os conceitos.
Em quarto lugar, importa ressaltar na pesquisa didática e na formação dos
professores a relação entre o ensino-aprendizagem e as práticas socioculturais, ou seja,
as práticas socioculturais e institucionais, onde estão presentes a diversidade humana e
as diferenças, devem integrar-se nas práticas pedagógico-didáticas. Com efeito, o
mundo sociocultural integra o mundo pedagógico, pois as práticas socioculturais e
institucionais que crianças e jovens compartilham na família, na comunidade e nas
várias instâncias da vida cotidiana são, também, determinantes na formação de
capacidades e habilidades, na apropriação do conhecimento e na identidade pessoal.
Dessa forma, as práticas socioculturais aparecem na escola tanto como contexto da
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aprendizagem quanto como conteúdo, influenciando nas mudanças na aprendizagem e
no desenvolvimento dos alunos.
Na perspectiva da teoria histórico-cultural, a educação escolar está voltada para
o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos por meio dos conteúdos. Por
sua vez, o domínio de conteúdos implica o processo de formação de conceitos, no qual
os conceitos científicos se articulam com os cotidianos, Desse modo, a integração entre
práticas socioculturais e práticas pedagógicas implica um movimento de ida e volta
entre os conceitos cotidianos trazidos pelos alunos e os conceitos científicos presentes
na matéria (não importa aqui qual seja), de modo que professor, ao propor tarefas de
aprendizagem aos alunos, faz integrar os conhecimentos científicos e as práticas
socioculturais de que os alunos participam e vivenciam. Como escreve Hedegaard:
Na abordagem do duplo movimento, o plano de ensino do professor deve avançar de
características abstratas e leis gerais de um conteúdo para a realidade concreta, em toda
a sua complexidade. Inversamente, a aprendizagem dos alunos deve ampliar-se de seu
conhecimento pessoal cotidiano para as leis gerais e conceitos abstratos de um conteúdo
(2005, pp. 69-70).
Em coerência com o exposto acima, a quinta tarefa do campo teórico e
investigativo da didática é a definição do que é ou deveria ser a pesquisa em pedagogia
e didática. A pergunta-chave é: em que consiste a pesquisa propriamente pedagógica? O
que é a pesquisa em didática? Minha hipótese é que no campo da didática e da formação
de professores, os procedimentos de pesquisa sobre o ensino são tomados de
empréstimo à sociologia enquanto que a pesquisa sobre aprendizagem realizam-se no
campo da psicologia. Procurei argumentar ao longo deste texto que o didático está na
confluência do epistemológico, do social e do psicológico. Tenho defendido que a
pesquisa em educação, em quaisquer das ciências da educação, deve subordinar-se ao
objeto da pedagogia que, a meu ver, é a teoria e a prática da educação. Sendo mais
explícito: toda pesquisa em educação, seja pelo lado da sociologia, da psicologia, da
antropologia, da economia, da história da educação, da didática, seja pelo lado da
cultura, do currículo, das políticas sociais, da gestão do sistema de ensino e das escolas,
etc., deve ter como ponto de referencia as ações e processos formativos propiciadas
pelas várias modalidades de educação. O conceito que expressa essa idéia de modo mais
completo é o seguinte: a educação é uma prática social, materializada numa atuação
efetiva na formação e desenvolvimento de seres humanos, em condições socioculturais
e institucionais concretas, implicando práticas e procedimentos peculiares, visando
mudanças qualitativas na aprendizagem escolar e na personalidade dos alunos. Desse
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modo, a especificado do enfoque pedagógico-didático está nas formas pelas quais a
educação e o ensino, como práticas sociais, formam o desenvolvimento cognitivo,
afetivo e moral dos indivíduos. O resultado social, pedagógico, cultural, da escola, se
expressa nas aprendizagens efetivamente consumadas.
As considerações feitas até levam a uma sexta questão, ou seja, se estamos
defendendo a inseparabilidade entre didática e a epistemologia da ciência ensinada,
entre o conhecimento pedagógico e o conhecimento disciplinar, duas exigências são
postas para o exercício profissional dos professores: o conhecimento do conteúdo e o
conhecimento didático do conteúdo. Isso leva a uma mudança radical no formato
curricular da formação profissional de professores para a educação básica.
É sabida a existência, nas instituições de formação de professores no Brasil, da
separação entre o conhecimento pedagógico e o conhecimento disciplinar. Essa
separação tem características muito diferentes quando se analisa a concepção de
formação e organização curricular do curso de pedagogia e dos cursos de licenciatura.
Já mencionamos anteriormente essa estranha diferença no formato curricular desses dois
tipos de formação de professores: fundamentos educacionais e metodologias separados
dos conteúdos na formação de professores para as séries iniciais, muito conteúdo
separado dos fundamentos e metodologias na formação de professores para as séries
subsequentes. Em ambos os casos, verifica-se a dissociação entre aspectos inseparáveis
na formação de professores, isto é, entre o conhecimento do conteúdo (conteúdo) e o
conhecimento pedagógico do conteúdo (forma).
Desse modo, cada um desses percursos formativos encontra o seu dilema, em
relação à formação de professores. No curso de pedagogia esse dilema põe-se assim:
para entender o problema pedagógico da mediação entre o sujeito e o conhecimento,
apenas a formação pedagógica não é suficiente. A aprendizagem escolar está ligada ao
desenvolvimento nos alunos de um processo de conhecimento, isto é, implica a
formação de ações mentais inerentemente vinculadas aos conteúdos. Assim, no processo
de ensino e aprendizagem, por um lado, é necessário desenvolver processos mentais
para o acesso aos conteúdos; por outro, é necessário conhecer o percurso investigativo
da constituição dos conhecimentos específicos de cada ciência, e trazê-los no processo
de aprendizagem. Esta é precisamente, uma questão epistemológica.
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O dilema dos cursos de licenciatura põe-se inversamente: para entender como se
ensina um conteúdo para que os alunos de apropriem deles de modo significativo,
somente o conhecimento do conteúdo é insuficiente. É necessário saber como converter
a ciência em matéria de ensino, e isso supõe não apenas conhecer a lógica dos
conteúdos a ensinar mas, também, a lógica dos modos de aprender dos alunos com base
em seus processos cognitivos, afetivos, lingüísticos, etc., as características dos alunos e
seu contexto sociocultural e as formas de organização das situações pedagógicodidáticas Esta é precisamente uma questão pedagógico-didática.
Resulta disso que a formação de professores precisa buscar uma unidade do
processo formativo. A meu ver essa unidade implica em reconhecer que a formação
inicial e continuada de professores precisa estabelecer relações teóricas e práticas mais
sólidas entre a didática e a epistemologia das ciências, de modo a romper com a
separação entre conhecimentos disciplinares e conhecimentos pedagógico-didáticos.
Isso poderá ser assegurado se ambos esses percursos formativos considerarem: a) ênfase
no estudo dos conteúdos que serão ensinados nas escolas da educação básica; b)
privilegiar no ensino a relação conteúdo/método; c) assegurar na formação a integração
entre o conhecimento do conteúdo e o conhecimento didático do conteúdo.
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