7º Congresso da Água SUSTENTABILIDADE DE PEQUENOS SISTEMAS DE TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUAIS Ana GALVÃO Eng.ª do Ambiente, Mestre em Gestão da Ciência e Tecnologia, IST, [email protected] José SALDANHA MATOS Prof. Associado SHRH, DECivil, IST, Av. Rovisco Pais 1049-001 Lisboa, +351.21.8418371, [email protected] RESUMO Por causa do seu tamanho, e em regra, os pequenos aglomerados ou povoações não beneficiam dos efeitos de escala que tem lugar quando se constroem sistemas centralizados de saneamento que servem aglomerados de elevada dimensão. De facto, em pequenos sistemas de drenagem e tratamento de águas residuais não é possível beneficiar das economias de escala que se verificam em grandes sistemas, pelo que os custos per capita de pequenos sistemas podem ser significativamente superiores aos de comunidades de maior dimensão. Deste modo, o conceito de soluções de tratamento sustentáveis para pequenos aglomerados envolve a utilização de tecnologias com baixo custo de construção e manutenção, mas que garantam simultaneamente eficiências de tratamento adequadas. Nesta comunicação são apresentados e discutidos alguns indicadores de sustentabilidade para sistemas de tratamento de águas residuais convencionais (leitos percoladores e lamas activadas na variante de arejamento prolongado) e não convencionais (leitos de macrófitas) relativos a populações servidas inferiores a 2300 habitantes. Os indicadores analisados referem-se a área total, volume de betão, potência instalada e custos de investimento por habitante servido. As observações retiradas da análise efectuada confirmam como uma das principais vantagens do recurso a leitos de macrófitas diz respeito aos reduzidos custos energéticos associados, especialmente relevantes para populações inferiores a 500 habitantes. De acordo com os elementos recolhidos, para a mesma população servida, o volume de betão necessário para a construção dos órgãos de tratamento de soluções convencionais é cerca de 2 a 3 vezes superior ao das soluções com leitos de macrófitas, onde o recurso ao betão se resume essencialmente à construção civil dos órgãos de tratamento preliminar e primário. Palavras-chave: Águas residuais; leitos de macrófitas; saneamento; soluções convencionais sustentabilidade. 1 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS 7º Congresso da Água 1. INTRODUÇÃO Actualmente, verifica-se em Portugal um crescente investimento em sistemas de drenagem e tratamento de águas residuais, resultante do objectivo traçado pelo governo português, no sentido de alcançar uma taxa de atendimento neste sector de 90%. Este objectivo principal, cujas orientações estratégicas são apresentadas no “Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais” (MAOT, 2000), deverá ser atingido tendencialmente em 2006. Esta comunicação diz respeitos aos sistemas de tratamento apropriados a pequenas comunidades rurais, em virtude do elevado número de povoações de reduzida dimensão actualmente existentes no nosso país, assim como a elevada dispersão geográfica que apresentam. De facto, muitas destas povoações são apenas servidas por fossas sépticas individuais, nem sempre concebidas e conservadas da forma mais adequada, e em algumas situações, o recurso prolongado a este tipo de disposição final provoca impactos ambientais negativos, que devem ser minorados ou completamente eliminados. Em Portugal, cerca de 70% das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) previstas até 2006 irão servir comunidades com um equivalente populacional inferior a 2000 habitantes (MATOS e tal, 2002). Em zonas rurais do interior do País, com aglomerados de pequena ou muito pequena dimensão (Pop < 200 habitantes) e afastados entre si, não se torna, em regra, economicamente viável e tecnicamente sustentável a construção e manutenção de sistemas centralizados de saneamento. Nestes casos, assumem relevo, entre outros, os seguintes aspectos ou particularidades com impacte no comportamento hidráulico e ambiental dos sistemas de tratamento de pequena dimensão: variabilidade muito elevada da afluência de caudais e de cargas orgânicas às ETAR – durante os períodos nocturnos, a afluência de caudais pode ser nula e nos períodos de maior afluência, as “pontas” podem exceder, em relação ao caudal médio, factores superiores a 10. No caso das cargas orgânicas, a variabilidade pode ser ainda superior à dos caudais. em regra, não se dispõem, facilmente, nesses locais, de recursos económicos e humanos compatíveis com as exigências do ponto de vista do controlo das operações e processos de tratamento de sistemas mais sofisticados. em locais do País com características rurais e com elevados padrões de valor paisagístico e recreativo, e também com exigências de águas balneares (linhas de água que descarregam para zonas balneares ou em albufeiras com uso recreativo), as características dos efluentes, mesmo de pequenos aglomerados, podem ter que obedecer a requisitos exigentes de descarga. Adicionalmente, e por motivos de protecção ambiental, os limites de descarga definidos na legislação portuguesa podem ser aplicados, de igual modo, tanto para pequenas povoações, como para aglomerados urbanos de maior dimensão. Deste modo, pequenos agregados populacionais têm de garantir níveis de tratamento iguais a centros urbanos de grande dimensão, constituindo um desafio atingir este objectivo com recurso a orçamentos reduzidos e de uma forma sustentável. De facto, em pequenos sistemas de drenagem e tratamento de águas residuais não é possível beneficiar das economias de escala que se verificam em grandes sistemas, pelo que os custos per capita de pequenos sistemas podem ser significativamente superiores aos de comunidades de maior dimensão (METCALF & EDDY, 1991). Deste modo, o conceito de soluções de tratamento sustentáveis para 2 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS 7º Congresso da Água pequenos aglomerados deve envolver a utilização de tecnologias com baixo custo de construção e manutenção, mas que garantam simultaneamente eficiências de tratamento adequadas. Assim, o conceito de sustentabilidade de soluções de tratamento envolve diversos aspectos relevantes, designadamente: Relativamente reduzidos encargos com energia e reagentes; Relativamente reduzidos volumes de betão e equipamento electromecânico; Relativamente reduzidos encargos em operação e manutenção; Valorização ambiental da área envolvente, nomeadamente em termos visuais. Nesta comunicação são apresentados alguns indicadores de sustentabilidade para sistemas de tratamento de pequenos aglomerados, referentes a ETAR dimensionadas para populações inferiores a 2300 habitantes equivalentes. Inserido igualmente na temática dos sistemas de tratamento adequados para pequenos aglomerados, apresentam-se os objectivos e actividades em desenvolvimento no âmbito do Projecto Europeu ICREW – Improoving Coastal and Recreational Waters for all, no qual o Centro de Estudos e Hidrossistemas do Instituto Superior Técnico e a Câmara Municipal de Odemira estão envolvidos no Sub-Projecto 6 “Soluções Sustentáveis de Saneamento” (na terminologia original do projecto “Pilot Action 6 – Sustainable Sewerage Solutions”). Este projecto, com duração prevista de 3 anos, foi aprovado no âmbito da iniciativa Atlântica INTERREG III-B – Atlantic Area, promovida e financiada pela Comissão Europeia, incluindo também parceiros no Reino Unido, Irlanda, França e Espanha. 2. 2.1 SISTEMAS DE TRATAMENTO PARA PEQUENOS AGLOMERADOS Situação actual Na maioria dos países europeus, em pequenos aglomerados rurais onde não é possível a aplicação de sistemas de infiltração no solo, o procedimento mais comum consiste na implantação de sistemas de drenagem constituídos por colectores com escoamento gravítico, em superfície livre, destinados a transportar os efluentes recolhidos até um sistema de tratamento centralizado. Estas ETAR apresentam como sistema de tratamento mais comum o tanque Imhoff ou fossas sépticas, geralmente compostas por dois ou três compartimentos, sendo dimensionadas por forma a garantir tempos de retenção da massa líquida entre um e dois dias. Para populações servidas superiores a 250 habitantes, é comum a utilização de fossas sépticas em paralelo. A utilização de tanques Imhoff é igualmente comum devido ao facto de não requererem mão-de-obra especializada para operação e manutenção. Em países como Portugal e Reino Unido, a utilização de tanques Imhoff como tratamento primário é geralmente seguida de tratamento biológico através de leitos percoladores de baixa ou média carga, com eficiências de remoção da CBO5 entre 70 a 85%. Estes resultados correspondem a efluentes da ETAR com valores da CBO5 entre 40 a 100 mg/l. Actualmente, a instalação de estações de tratamento pré-fabricadas, também denominadas “ETAR compactas” constitui igualmente uma alternativa às ETAR convencionais, dimensionadas “de raiz”. O sistema de tratamento mais aplicado em Portugal ao nível das ETAR compacta foi durante bastante tempo, possivelmente, o de discos biológicos, existindo, no entanto, outros sistemas de tratamento com 3 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS 7º Congresso da Água tecnologias de tratamento alternativas, como as lamas activadas na variante de arejamento prolongado, reactor em êmbolo ou a estabilização por contacto. Apesar de apresentarem custos de construção menos atractivos que as ETAR compactas, as ETAR convencionais apresentam algumas vantagens relevantes, designadamente em termos de maior facilidade de adaptação à área local disponível, às características específicas do efluente a tratar e ao facto de a operação e manutenção não depender de fornecedores de um equipamento específico. As ETAR convencionais mais usualmente utilizadas para pequenos aglomerados incluem leitos percoladores ou tanques de arejamento (lamas activadas na variante de arejamento prolongado), sendo igualmente utilizadas as lagoas facultativas ou de arejamento. Paralelamente à aplicação dos sistemas referidos, tem-se vindo a observar nas últimas décadas uma utilização crescente dos sistemas de leitos de macrófitas para o tratamento biológico de efluentes (HARBEL, 2003). Os leitos de macrófitas promovem o tratamento biológico das águas residuais através de processos naturais característicos de zonas húmidas (“wetlands” nas terminologia anglo-saxónica), que ocorrem na vegetação, no solo e nos microrganismos associados. O primeiro sistema de leitos de macrófitas em grande escala construído na Europa entrou em operação em 1974 em Othfresen, na Alemanha. Desde então, mais de 1000 novas instalações foram já construídas por toda a Europa. A tecnologia dos leitos de macrófitas apresenta diversas variantes, dependendo principalmente da forma como a água se escoa através do leito. Uma das formas mais utilizadas é o escoamento horizontal sub-superficial, em que o leito é alimentado numa das extremidades e o efluente se escoa através das camadas porosas sub-superficiais numa trajectória aproximadamente horizontal, até ao dispositivo de saída (VYZAMAL, 2003). Os mecanismos que promovem a melhoria da qualidade do efluente são diversos, designadamente os seguintes (IWA, 2000): Sedimentação da matéria particulada em suspensão; Filtração e precipitação química através do contacto da massa líquida com o substrato e resíduos que compõem o leito; Reacções químicas; Adsorção e trocas iónicas à superfície das plantas, do substrato, dos sedimentos e dos resíduos que se formam; Decomposição, transformação e consumo dos poluentes e nutrientes pelos microrganismos e plantas presentes no leito; Predação e morte natural dos microrganismos patogénicos. Como mais valia adicional ao tratamento de águas residuais, os sistemas de leitos de macrófitas apresentam ainda a vantagem de oferecem “habitats” a pequenos animais característicos de zonas húmidas, para além da beneficiação da área envolvente, do ponto de vista estético e visual. Na Figura 1 apresenta-se uma vista geral da ETAR com tratamento biológico por leito de macrófitas de fluxo horizontal sub-superficial, localizada junto da povoação de Fataca, no concelho de Odemira. O leito de macrófitas encontra-se implantado a jusante de uma fossa séptica, encontrando-se a ETAR dimensionada para servir uma população de 150 habitantes. O pessoal responsável pela operação da ETAR relatou, em visita ao local, indícios da presença de pequenos animais no interior da ETAR, nomeadamente sapos e lontras. 4 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS 7º Congresso da Água Figura 1 – Vista geral da ETAR de Fataca, no concelho de Odemira. A aplicação de leitos de macrófitas em ETAR é geralmente associada a pequenas comunidades rurais, por diversos factores, designadamente: 2.2 relativa facilidade de construção; reduzidos encargos de operação e manutenção; baixa produção de lamas; processo de tratamento relativamente estável, capaz de suportar variações significativas de caudais e cargas poluentes. Indicadores de sustentabilidade Os indicadores de sustentabilidade que a seguir se apresentam visam analisar qual o tipo de tratamento desse ponto de vista mais adequado a pequenas comunidades, nomeadamente através da comparação entre a tecnologia de leitos de macrófitas e outras tecnologias convencionais, tais como os leitos percoladores ou as valas de oxidação. Os indicadores de sustentabilidade referem-se a uma relação entre duas variáveis ou parâmetros, por forma a permitir a comparação entre diferentes tipos de tratamento em termos de utilização de recursos, para o mesmo grau de tratamento. Para a definição dos indicadores de sustentabilidade podem intervir, por exemplo, a área necessária para a implantação da ETAR, os consumos energéticos, a potência instalada ou os recursos humanos necessários para a operação do sistema. O interesse associado aos indicadores de sustentabilidade reside na quantificação do desempenho técnico e económico dos sistemas, permitindo uma melhor compreensão das vantagens e benefícios de determinado tipo de tratamento sobre outros, em determinados aspectos. Os dados que serviram de base à análise que a seguir se apresenta foram recolhidos de projectos de execução relativos a ETAR em operação ou a construir, destinadas ao tratamento de águas residuais de origem maioritariamente doméstica. As ETAR seleccionadas localizam-se na região Norte e Centro de Portugal, sendo referentes a populações inferiores a 2 300 habitantes. No Quadro 1 apresentam-se as principais características de cada ETAR, nomeadamente no que diz respeito à sua localização, população servida e tipo de tratamento biológico. Quadro 1 – Principais características das ETAR analisadas. 5 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS 7º Congresso da Água ETAR Travanca do Mondego Porto da Raiva Oliveira Mondego Coiço Cunhedo Silveirinho Paredes Cruz do Soito Castinçal Parada S. Paio Mondego Rebordosa Meimão Vale Sra. da Póvoa Amiais Barroca Silvares Galifonge Lustosa Ribafeita Criação Concelho Penacova Sabugal Viseu Cantanhede População servida Tipo de tratamento biológico [e.p.] 400 250 300 200 200 150 200 150 250 200 250 500 550 2 300 650 500 1 500 550 800 800 1 100 Fossa séptica e leito de macrófitas Fossa séptica e leito de macrófitas Fossa séptica e leito de macrófitas Fossa séptica e leito de macrófitas Fossa séptica e leito de macrófitas Fossa séptica e leito de macrófitas Fossa séptica e leito percolador Fossa séptica e leito de macrófitas Fossa séptica e leito percolador Fossa séptica e leito percolador Fossa séptica e leito de macrófitas Tanque Imhoff e leito percolador Fossa séptica e leito de macrófitas Arejamento prolongado e decantador sec. Fossa séptica e leito de macrófitas Fossa séptica e leito percolador Arejamento prolongado e decantador sec. Tanque Imhoff e leito de macrófitas Tanque Imhoff e leito de macrófitas Tanque Imhoff e leito de macrófitas Tanque Imhoff e leito de macrófitas No âmbito da presente comunicação foram considerados quatro indicadores de sustentabilidade, designadamente: 2.3 Área total por habitante servido (m2/hab.) Volume de betão por habitante servido (m3/hab.) Potência instalada por habitante servido (Kw/hab.) Custos de instalação e construção por habitante servido (€/hab.) Apresentação e discussão de resultados Na Figura 2 apresenta-se a relação entre a população servida e a área total da ETAR por habitante, verificando-se, tal como esperado, que os sistemas convencionais requerem áreas menores que os sistemas de leitos de macrófitas. De salientar que os valores para sistemas convencionais variam, em geral, entre 1 a 4 m2 por habitante para populações inferiores a 2000 habitantes, enquanto que para o mesmo escalão populacional os leitos de macrófitas apresentam áreas entre 4 a 14 m2 por habitante, ou seja, valores 3 a 5 vezes superiores aos sistemas convencionais. A área total considerada nesta análise inclui áreas de circulação, desidratação de lamas e tratamento primário. 6 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS 7º Congresso da Água área total por habitante (m 2/hab.) 20,00 18,00 Leitos de macrófitas 16,00 Sistemas convencionais 14,00 2 R = 0,6549 Log. (Leitos de macrófitas) 12,00 Expon. (Sistemas convencionais) 10,00 8,00 6,00 4,00 2 R = 0,8476 2,00 0,00 0 500 1 000 1 500 2 000 2 500 população servida Figura 2 – Relação entre população servida e área total por habitante. Na Figura 3 apresenta-se a relação entre a população servida e o volume de betão utilizado na construção civil de cada ETAR. Para efeitos de comparação entre sistemas de leitos de macrófitas e sistemas convencionais, quantificaram-se os volumes de betão relativos apenas aos órgãos envolvidos no tratamento, tais como fossas sépticas, tanques Imhoff e leitos percoladores. Figura 3 - Relação entre população servida e o volume de betão utilizado por habitante. Da análise da Figura 3 verifica-se, o que seria perfeitamente expectável, que o volume de betão utilizado em ETAR convencionais é, em média, superior ao utilizado em ETAR com leitos de macrófitas, para a mesma população servida (cerca de 2 a 3 vezes superior). 7 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS 7º Congresso da Água Na Figura 4 apresenta-se a relação entre a população servida e a potência instalada por habitante, para cada ETAR em estudo. A potência considerada em cada ETAR refere-se a instalações elevatórias e aos equipamentos de arejamento necessários ao tratamento biológico, incluindo recirculação de lamas ou de efluente, nos casos onde tal foi considerado necessário. potência instalada por habitante (KW/hab.) 0,016 Leitos de macrófitas Sistemas convencionais 0,014 0,012 0,010 0,008 0,006 0,004 0,002 0,000 0 500 1 000 1 500 2 000 2 500 população servida Figura 4 - Relação entre população servida e potência instalada por habitante. Da análise da Figura 4 verifica-se que muitas das ETAR com leitos de macrófitas não necessitam de equipamento electromecânico para garantir o respectivo funcionamento, em particular no caso do escalão populacional até 500 habitantes. Acima deste valor é em regra necessário considerar pequenas instalações elevatórias destinadas à bombagem de lamas produzidas no tratamento primário (tanque Imhoff) para unidades de desidratação (leitos de secagem). No caso das ETAR de leitos de macrófitas de pequena dimensão, constitui prática comum o armazenamento de lamas nas fossas sépticas existentes a montante dos leitos, sendo estas recolhidas periodicamente e posteriormente transportadas para ETAR de maiores dimensões, onde se centraliza o processo de estabilização bacteriológica ou química das lamas. Na Figura 5 apresenta-se a relação entre a população servida e os custos de construção e instalação por habitante, para cada ETAR analisada. Os custos considerados referem-se apenas a custos de investimento dos órgãos de tratamento, não tendo sido incluídos encargos de operação ou manutenção durante o período de vida da obra. 8 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS 7º Congresso da Água Figura 5 - Relação entre população servida e o investimento por habitante. Apesar de os dados relativos a ambos os tipos de tratamento se sobreporem parcialmente, as curvas de regressão parecem indiciar que para o escalão populacional inferior a 500 habitantes, as ETAR com leitos de macrófitas podem constituir uma solução de tratamento economicamente mais favorável, em termos de investimento inicial. Os custos relativos às ETAR com sistemas de leitos de macrófitas e às ETAR convencionais parecem aproximar-se, para populações de projecto entre 500 e 1000 habitantes. Para ETAR destinadas a servir populações superiores a 700 habitantes, e para as ETAR em análise, os sistemas de tratamento convencionais apresentam, em média, custos de investimento superiores. Na Figura 6 apresenta-se a relação entre a população servida e o custo do equipamento electromecânico por habitante. Estes custos incluem não só os grupos electrobomba e válvulas, como também, adufas de canal e outros pequenos equipamentos destinados à abertura e encerramento de “by-pass”, tendo sido igualmente incluídos nos custos totais apresentados na Figura 5. Tal como seria espectável, da análise da Figura 6 verifica-se que as ETAR com sistemas de leitos de macrófitas apresentam, de uma forma geral, custos em equipamento electromecânico inferiores aos dos sistemas convencionais. 9 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS 7º Congresso da Água 160,00 Leitos de macrófitas Sistemas convencionais custos de equipamento por habitante (euros/hab.) 140,00 120,00 100,00 80,00 60,00 40,00 20,00 0,00 0 500 1 000 1 500 2 000 2 500 população servida Figura 6 - Relação entre população servida e o custo de equipamento por habitante. 3. O PROJECTO ICREW Inserido no âmbito da recente remodelação da Directiva Europeia das Águas Balneares, encontra-se actualmente em desenvolvimento o projecto europeu ICREW – Improoving Coastal and Recreational Waters for all, destinado à apresentação de estratégias e soluções para a melhoria da qualidade das águas costeiras e recreativas nos países envolvidos: Portugal, Espanha, Irlanda, Reino Unido e França. Este projecto, com duração prevista de 3 anos, foi aprovado no âmbito da iniciativa Atlântica INTERREG III-B – Atlantic Area, promovida e financiada pela Comissão Europeia, contando com diversos parceiros portugueses, e desenvolvendo-se em torno de sete acções-piloto, designadamente: Acção-piloto 1 – Amostragem de análise de dados; Acção-piloto 2 – Resolução do problema da poluição difusa; Acção-piloto 3 – Desenvolvimento do “rastreamento” de fontes de poluição; Acção-piloto 4 – Previsão da qualidade das águas balneares; Acção-piloto 5 – Reidentificação de águas recreativas; Acção-piloto 6 – Soluções sustentáveis de tratamento de águas residuais; Acção-piloto 7 – Compreensão e gestão de algas. O Instituto Superior Técnico, através do Centro de Estudos de Hidrossistemas CEHIDRO e a Câmara Municipal de Odemira encontram-se envolvidos na acção-piloto 6, destinada ao estudo das soluções de tratamento mais adequadas para pequenos aglomerados. As actividades a desenvolver contemplam a monitorização do comportamento hidráulico e ambiental de duas ETAR de leitos de macrófitas actualmente em funcionamento no concelho de Odemira, servindo as povoações de Fataca (cuja vista geral se apresenta na Figura 1) e de Malavado. Cada ETAR é composta por uma obra de entrada com gradagem manual, uma fossa séptica de três compartimentos e um leito de macrófitas, tendo a ETAR de Fataca sido dimensionadas para 200 habitantes e a de Malavado para 350 habitantes. 10 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS 7º Congresso da Água As campanhas de monitorização englobam a medição contínua de caudais afluentes e efluentes de cada ETAR, a recolha de amostras de efluente em três secções distintas (à entrada, após a fossa séptica e após o leito de macrófitas) e ainda a medição de diversos parâmetros meteorológicos (precipitação, radiação, evapotranspiração), por forma a permitir serem efectuados balanços hidrológicos o mais completos possíveis e ser avaliado o comportamento hidráulico dos sistemas. Do ponto de vista do comportamento ambiental, o programa dá especial ênfase à eficiência em termos de remoção de microrganismos. 4. SÍNTESE CONCLUSIVA A tendência observada no último século relativamente à construção e desenvolvimento de sistemas de drenagem e tratamento de águas residuais tem sido orientada no sentido de soluções envolvendo sobretudo infra-estruturas de betão e aço (“concrete and steel alternatives” na terminologia anglosaxónica). Na perspectiva futura de aumento do custo da energia e de recursos e matérias-primas, este tipo de soluções torna-se cada vez menos atractivo, em particular para pequenos aglomerados, em que os custos associados podem atingir valores significativos. Sistemas de tratamento que necessitam de áreas de implantação maiores, mas apresentam custos de operação em energia e pessoal inferiores às soluções convencionais, podem constituir alternativas atractivas para pequenos aglomerados. Em muitas situações, o recurso a leitos de macrófitas para tratamento biológico de efluentes poderá ser realizado com base em processos naturais e de escoamento gravítico, promovendo uma solução com elevada eficiência energética. Adicionalmente, a manutenção necessária a este tipo de sistemas é consideravelmente inferior à dos sistemas convencionais, podendo inclusivamente operar por períodos longos sem intervenção humana. As características apresentadas colocam os leitos de macrófitas como alternativas de tratamento sustentáveis, em particular devido às suas múltiplas funções, baixos custos e reduzidos impactes ambientais que apresentam. Nesta comunicação são apresentados e discutidos indicadores de sustentabilidade para sistemas de tratamento de águas residuais convencionais (baseadas em leitos percoladores e em solução de lamas activadas, variante arejamento prolongado) e para sistemas não convencionais (leitos de macrófitas) relativos a populações servidas inferiores a 2300 habitantes. A informação apresentada diz respeito a vinte e uma ETAR com tratamento secundário, tendo-se analisado indicadores relativos a área total da ETAR, volumes de betão, potência instalada e custos de investimento por habitante servido. As conclusões retiradas da análise efectuada demonstram que uma das principais vantagens do recurso a leitos de macrófitas diz respeito aos reduzidos custos energéticos associados, especialmente relevantes para populações inferiores a 500 habitantes. De acordo com os elementos recolhidos, para a mesma população servida os volumes de betão necessários aos órgãos de tratamento de soluções convencionais é 2 a 3 vezes superior ao das soluções com leitos de macrófitas, onde o recurso ao betão se resume essencialmente aos órgãos de depuração onde tem lugar o tratamento preliminar e primário. Tendo em consideração que em muitos concelhos do país mais de metade dos aglomerados populacionais apresentam populações inferiores a 2000 habitantes, o saneamento destas povoações contribuirá certamente para uma melhoria da qualidade das águas interiores e costeiras do nosso país. 11 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS 7º Congresso da Água A participação portuguesa no Projecto ICREW procura contribuir para a definição de estratégias no domínio das soluções sustentáveis de saneamento, analisando não só a situação nacional, mas procurando igualmente tirar partido da troca de experiências com países europeus de características semelhantes. BIBLIOGRAFIA HABERL, R. – “History of the Use of Constructed Wetlands”, in 1st International Seminar on the Use of Aquatic Macrophytes for Wastewater Treatment in Constructed Wetlands. Fundação Calouste Gulbenkian, Portugal, Maio 2003, pp 12-1, 12-15. INTERNATIONAL WATER ASSOCIATION - Constructed Wetlands for Pollution Control – Processes, Performance, Design and Operation. Scientific and Technical Report Nº 8. IWA Specialist Group on Use of Macrophytes in Water Pollution Control. IWA Publishing, 2000. MINISTÉRIO DO AMBIENTE E ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO - Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais. MAOT, Abril 2000. MATOS, J.; SANTOS, S. AND DIAS, S. – “Small Wastewater Systems in Portugal: Challenges, Strategies and Trends for the Future”, in International Conference on Small Wastewater Technologies and Management for the Mediterranean Area. Sevilha, March 2002, pp 169-190. METCALF & EDDY - Wastewater Engineering – Treatment, Disposal and Reuse. 4ª Edição, McGraw Hill, New York. VYMAZAL, J. – “Types of Constructed Wetlands”, in 1st International Seminar on the Use of Aquatic Macrophytes for Wastewater Treatment in Constructed Wetlands. Fundação Calouste Gulbenkian, Maio 2003, pp 35-79. 12 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS RECURSOS HÍDRICOS