ção normativa dos Direitos Humanos na perspectiva da soc

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Amarildo Souza de Paula
Advogado e Engenheiro Florestal. Doutor em Engenharia Florestal.
O presente trabalho de pesquisa constitui um estudo a cerca da proteção normativa dos Direitos Humanos na perspectiva da sociedade, e na ordem internacional. Reúne alguns exemplos de normas e de ponderação entre
direitos humanos e os direitos fundamentais, que têm como premissa a tríade da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Analisa particularmente o princípio da fraternidade, sob a ótica do Direito, enfatizando
que seu conteúdo pode contribuir de forma decisiva para a efetivação e promoção da dignidade da pessoa humana, na medida em que abre novos horizontes para os operadores no direito, na satisfação das demandas sociais.
Constata em derradeiro que a natureza das normas que disciplinam os Direitos Humanos e as garantias fundamentais é de direito constitucional na medida em que estas se inserem no texto de uma Constituição, tendo, portanto,
uma aplicabilidade imediata. A Constituição Federal do Brasil descreve ainda,
os direitos e as garantias individuais, com presteza das Constituições mais
modernas do mundo.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
11
A pretensão de abordagem do tema “O Princípio da Fraternidade como
conteúdo necessário na efetividade do “Direito” dos Direitos Humanos no
Ordenamento Jurídico Brasileiro” objetiva demonstrar a verossimilhança
existente na relação do Direito e o Princípio da Fraternidade, elemento, mediador entre os princípios da liberdade e da igualdade, que a luz de estudos
científicos, vem sendo objeto de pesquisa na Ciência Jurídica.
Estudos mais aprofundados sobre o tema iniciaram através de um grupo de estudiosos e pesquisadores, que por alguns anos ficou restrito na Europa, a “priori” na Itália, que ficou conhecido como Movimento “Comunhão e
Direito”, ou seja, o Direito posto em “comunhão.” Ainda na fase inicial deste
movimento, esta ideia se propagou para outras partes do mundo, tendo não
só a participação dos estudiosos do Direito, mas, como aderentes também
os operadores do Direito, disposto a levar para frente este desafio do início
do século XXI.
Nas palavras de Munir Cury, o termo “Comunhão e Direito” tem um duplo significado:
De um lado, propõe-se a colocar à disposição do mundo jurídico conhecimentos e experiências da atividade profissional; de outro, descobrir no
direito um meio eficaz e necessário para contribuir na transformação da
vida da sociedade em autêntica comunhão, a começar pelo operador do
direito, sendo ele o primeiro a acolher a todos, a desejar a promoção da
parte envolvida no processo como se fosse a sua própria, a se identificar
com o sofrimento daquele que bate à porta da Justiça. 1
Desta vasta difusão originou-se o Congresso Internacional “Relações
no Direito Qual o espaço para a fraternidade?” em 2005 em Roma-Itália, no
Brasil, a primeira discussão sobre o assunto, aconteceu em São Luís/MA, no
período de 12 a 14 de outubro de 2006, com o tema “Fraternidade: Novo
Elemento ao Conceito de Justiça”, e posteriormente o Congresso Nacional
Direito e Fraternidade, realizado em Vargem Grande Paulista/SP, no período
de 25 a 27 de janeiro de 2008. E a foi partir da influência e do entusiasmo
de acolhimento dessa nova perspectiva de enxergar o Direito sobre o prisma
da fraternidade, que nasceu essa proposta de trabalho de pesquisa científica.
A iniciativa em estudar a matéria no Brasil, sob o rigor da ciência, bem
como a produção de textos científicos tendo como objeto a “fraternidade
como categoria jurídica”, se deu por iniciativa da Pesquisadora e Cientista
Josiane Rose Petry Veronese, Professora Titular da disciplina Direito da Criança e do Adolescente da Universidade Federal de Santa Catarina, na quali-
1 CURY, Munir. O instituto da adoção e a realidade social brasileira. In: CASO, Giovanni et al. (Orgs.).
Direito e fraternidade: ensaios, prática forense. São Paulo: LTr; Cidade Nova, 2008. p. 105.
12 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
dade de Vice-diretora do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina e Coordenadora do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente, que ofereceu no Programa de PósGraduação em Direito (Mestrado e Doutorado) à disciplina: “Seminário Direito
e Fraternidade”, que tem como ementa:
Um diálogo com a cultura contemporânea, cuja ementa é Direito e justiça. Direito e fraternidade. A fraternidade como categoria jurídica. Fraternidade e direitos humanos. Elementos do conceito de fraternidade e de
Direito Constitucional. A fraternidade e a cultura contemporânea. A fraternidade no ordenamento jurídico brasileiro. Relações jurídicas e fraternidade. A produção jurisprudencial e a categoria fraternidade. 2
No que tange os procedimentos de pesquisa, destaca-se que a metodologia empregada consistiu em pesquisa bibliográfica, pois são as fontes
de pesquisa que propiciam um contato direto com estudos realizados sobre
a temática, valendo se também da análise de dispositivos legais.
Os dados bibliográficos foram coletados a partir da seleção de renomados autores conforme a natureza da temática. Dentre eles: Flavia Piosevam, Fábio Konder Comparato, Norberto Bobbio, Paulo Bonavides, Miguel
Reale, Maria Tereza Uille Gomes, Antonio de Padua Ribeiro, bem como os
autores italianos Antonio Maria Baggio, Marco Aquini, Fausto Goria.
Para uma melhor compreensão do tema proposto, o trabalho está organizado em dois capítulos.
O Capítulo 1 aborda a gênese e evolução dos Direitos Humanos sob a
perspectiva da sociedade, e na ordem internacional, notadamente a partir da
II Guerra Mundial, e o valor do princípio da fraternidade no cumprimento do
princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Assim, com especial
destaque à fraternidade que, neste contexto, é preconizada como categoria
jurídica e atua na efetivação desses Direitos que é de toda a Humanidade.
O Capítulo 2 trata do princípio da fraternidade frente a diversos ramos
do Direito, como princípio que melhor confirma a unidade do Ordenamento
Jurídico Brasileiro, e que é (ou deve ser) expressão da estreita correlação
entre direitos e deveres. Enfatiza o conteúdo jurídico fraternal que a Constituição Federal de 1988 inaugura em nosso país ao assegurar o exercício dos
direitos fundamentais “como valores supremos de uma sociedade fraterna.”
Por fim, a conclusão que chegou este trabalho de pesquisa, realizado
através das fundamentações teóricas demonstradas.
2 VERONESE, Josiane Rose Petry. Seminário direito e fraternidade: um diálogo com a cultura contemporânea. Florianópolis: Centro de Ciências Jurídicas da UFSC, 2009.
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13
Quando se fala em direitos humanos, corre-se o risco de se deparar na
literatura, com significados errôneos a respeito, tendo-se em conta a diversidade de interpretações motivadas por tal expressão.
Em diferentes situações de arguição sobre a questão, a maioria das
respostas evidencia deduções supérfluas, comprovando que cada ser humano tem seus próprios direitos, descaracterizando o sentido real da expressão, que se perfaz num conjunto de atribuições que estimam tais direitos e
derivam deles com antecedentes históricos significativos e realidades sociopolíticas com significados precisos.3
Elizabete Maniglia ressalta que direitos humanos supõem uma constante histórica, cujas raízes remontam a instituições do mundo clássico. Por
outro lado ao contrário pode ser ainda sustentado na ideia de que os direitos
humanos nascem com a afirmação cristã da dignidade moral do homem como pessoa.4
O comum é dizer que, os direitos humanos nascem contra o regime
feudal e a formação das relações burguesas.
Para Norberto Bobbio direitos humanos, como um termo não realmente
definido e, quando o é, torna-se mal formulado. Para tanto, Bobbio analisou
o tema “direitos humanos” em três dimensões, para assim apresentar um
conceito que ele chama de razoável: uma tautológica que não aporta nenhum elemento novo que permita caracterizar tais direitos. Assim, os direitos do homem são os que correspondem ao homem por direito de ser homem.5
A definição formal não especifica o conteúdo desses direitos, limitando-se a alguma indicação sobre seu estatuto, desenhado ou proposto, como
os direitos do homem sendo aqueles que pertencem e devem pertencer a
todos os homens e dos quais ninguém pode ser privado. Por fim, Bobbio
atribui uma definição na qual apela a certos valores últimos, suscetíveis de
diversas interpretações como: “Os direitos dos homens são aqueles imprescindíveis para o aperfeiçoamento da pessoa humana, para o progresso social
e para o desenvolvimento da civilização.” 6
A expressão “direitos humanos” altera-se de acordo com a realidade e
a experiência de cada povo. Nos ensinamentos de Maniglia, os direitos hu-
3 MANIGLIA, Elizabete. As interfaces do direito agrário e dos direitos humanos e a segurança alimentar. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. p. 67.
4 MANIGLIA, 2009, p. 67.
5 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
p. 04.
6 BOBBIO, 1992, p. 05.
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manos constituem a conjunção dos direitos naturais, ou seja, correspondem
ao homem pelo mero direito de ser membro da sociedade humana. 7
À luz dos direitos fundamentais, após 1770, na França, passa-se a
adotar o posicionamento de que os direitos fundamentais são aqueles direitos humanos positivados nas constituições estatais e, ainda, aqueles princípios que resumem a concepção do mundo e que informa a ideologia política
de cada ordenamento jurídico.
Na busca de uma definição para os direitos humanos, Maniglia ensina
que:
[…] os direitos humanos aparecem como um conjunto de faculdades e
instituições que em cada momento histórico concertam as exigências da
dignidade, da liberdade e da igualdade humana, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.8
Nesse sentido, é dado objetivar os direitos humanos como uma faculdade que corresponde às necessidades humanas nos fatos históricos, para
situar as necessidades que se alteram ao longo do tempo, pois os direitos
alteram-se num caráter dinâmico e real e, ao mesmo tempo, precisam voltar-se para valores de dignidade, liberdade e igualdade.
Para Maniglia a dignidade humana é o ponto de referência de todas as
faculdades que se dirigem ao reconhecimento e à afirmação da dimensão
moral da pessoa. Sua importância é a gênese da moderna compreensão dos
direitos humanos.9
A liberdade ensina Maniglia constitui o princípio aglutinante da luta
dos direitos humanos, confundida por muito tempo com a própria noção de
direitos humanos.10
A igualdade é o postulado fundamental de toda moderna construção
teórica e jurídica positiva dos povos. Por fim a positivação do conjunto dessas faculdades incorre no enfoque formalista de se efetivarem, por meio de
instrumentos normativos, até as técnicas de proteção e garantia.11
A origem dos direitos humanos no processo evolutivo se dá com os direitos individuais desde o Egito e na Mesopotâmia. Na Grécia, havia o ideal
de emancipação do homem cidadão, surgindo, também estudos sobre a liberdade e igualdade do homem, como as previsões de participação política e
crença num direito natural superior às leis escritas.
7 MANIGLIA, 2009, p. 68.
8 Ibid., p. 71.
9 MANIGLIA, loc. cit.
10 MANIGLIA, 2009, p. 71.
11 MANIGLIA, loc. cit.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
15
Segundo Gilberto Giacóia o homem, enquanto soberano em sua individualidade, não pode inspirar conformismo próprio daqueles que renegam a
dignidade de sua condição humana.12
Nessa mesma linha, indaga, afinal, qual a nossa lei-regente? A de Antígona ou a de Creonte? Tarda perceber que, aos poucos, vão sendo relegados princípios emanados das leis imutáveis e não escritas dos céus, que não
nasceram ontem nem hoje, que nunca morrem e que ninguém sabe de onde
provieram.
Para o mestre, importa, pois, tornar coeva a resposta de Antígona ao
rei de Tebas, figura do tirano, na peça de Sófocles, diante da acusação de
descumprimento de seu édito, ao enterrar o corpo do irmão Polícines (morto
em batalha contra aquele reino), declarado insepulto para ser devorado por
cães e abutres, frente à indagação:
Ousaste infringir minha lei?
Sim. Porque não foi Zeus quem a ditou, nem foi
a que vive com os deuses subterrâneos
a Justiça – quem aos homens deu tais normas.
Nem nas tuas ordens reconheço força
que a mortal permita violar aquelas
não escritas e intangíveis leis dos deuses.
Estas não são de hoje, ou de ontem: são de sempre;
Ninguém sabe quando foram promulgadas.13
O cristianismo, segundo Maniglia desenvolveu e universalizou a ideia
judaica do homem criado à imagem e semelhança de Deus, e, por isso, mais
tarde, Santo Tomás de Aquino, em sua Summa theologica, no século XIII, já
afirmava que o homem não pode ser rebaixado a nenhuma outra condição,
pois é reconhecido a todo ser humano um valor radical e distinto do atribuído ao restante dos seres da criação. 14
Porém, para a autora, foi o direito romano, com a Lei das XII Tábuas,
que iniciou um procedimento escrito sobre liberdade, propriedade e proteção dos direitos do cidadão.
Na Idade Média, consagra-se a ideia de que os direitos humanos têm
sempre o mesmo traço: a limitação do poder estatal que, segundo Fábio K.
Comparato desde os séculos XI e X a.C., até os dias de hoje, são marcas que
acompanham pari passu esses direitos.15
12 GIACOIA, Gilberto. Invasão da intimidade. Revista Direito e Sociedade, Curitiba, v. 2, n. 1, p.123,
jan./jun. 2001.
13 GIACOIA, loc. cit.
14 MANIGLIA, 2009, p. 72.
15 COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.
40.
16 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
Para Olivier Nay o período revolucionário evoluiu sensivelmente durante os dois últimos séculos. Segundo o autor o processo teria dado início com
as revoluções inglesas do século XVII (1642-1649), e com a “Revolução Gloriosa” de (1688-1689), inspirada nas teorias de John Locke, e teria acelerado
no final XVIII com as revoluções da Suíça, dos Países Baixos e da Irlanda. 16
Nesta mesma época, na França, a revolução industrial, que ocorreu na
Inglaterra, teve um desfecho dramático: a Revolução Francesa, com o seu
documento fundamental; “Declaração dos Direitos do Homem” de 1789.
As transformações ocorridas na Europa nos séculos XVII e XVIII, principalmente no que se refere à economia, alteram a forma de pensar no mundo.
O Iluminismo – iniciado por René Descartes (1596-1650), e os ingleses
Isaac Newton (1642-1727) e John Locke (1632-1704) e o holandês Baruck
Espinosa (1632-1677) – criticavam o absolutismo, a religião e o mercantilismo como elementos limitadores do avanço da sociedade como um todo,
nesse sentido, aduz Nay, que a Revolução Francesa (1789), já numa primeira
perspectiva espelhava o resultado conquistado nos séculos anteriores. 17
Para os revolucionários de 1789 a proclamação da soberania do povo é
uma etapa necessária para romper com um sistema absolutista e feudal o
qual julgavam inócuo.
Nos dizeres de Nay a visão política na França colocada em 1789,
apóia-se no princípio de uma justiça igualitária, supondo a possibilidade de
garantir aos homens os mesmos direitos no espaço público, onde os cidadãos não devem ser identificados, de fato, por sua origem social ou por sua
riqueza, não se apoiando nas diferenças de status que justificam a existência
de privilégios e de direitos desiguais.18
No regime anterior a Revolução Francesa, os laços comunitários eram
definitivos, como se fosse uma condição “natural” da qual não podiam sair,
onde uma minoria abastada era protegida pelo nascimento e a fortuna, mantendo os demais indivíduos num estado de servidão.
Segundo Nay, ao proclamar a soberania da nação e ao romper definitivamente com os quadros da sociedade cristã e a monarquia, à Revolução
Francesa abre assim o caminho da construção democrática. 19
Em 04 de julho de 1776, nos Estados Unidos das Américas é assinada
pelo Congresso a Declaração de Independência dos Estados Unidos, outro
marco na história da sociedade ocidental, cuja, redação redigida na Filadélfia
16 NAY, O. Histórias das ideias políticas. Trad. Jaime A. Clasen. R.J. Petrópolis: Vozes, 2007. p.
255.
17 NAY. 2007, p. 253.
18 Ibid., p. 254.
19 Ibid., p. 255.
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17
por Thomas Jefferson (com a ajuda de Benjamim Franklin) é o prelúdio de
oito anos de guerra entre os Insurgentes e a autoridade britânica. Neste contexto, treze colônias proclamam altivamente sua independência referindo-se
no dizer de Nay “às verdades evidentes.” 20
Segundo Bobbio, foram consagrados documentos políticos de suma
importância, como a Declaração da Virgínia (1778), com a seguinte afirmação: Todos os homens são por natureza igualmente livres e possuem alguns
direitos inatos, dos quais, entretanto no estado social, não podem privar ou
despojar seus descendentes” e a Constituição dos Estados Unidos da América (1787).21
Por ocasião da Revolução Russa, de outubro de 1917, tendo como
principal líder Lenin (Vladimir Ilitch Ulianov – 1870-1924). O governo bolchevique já instalado desde 1917 toma medidas como: trabalho obrigatório
a todos e salário único; nacionalização dos bancos, nacionalização das empresas industriais com mais de cinco ou dez operários; entrega obrigatória
das colheitas quando requisitadas, salvo a parcela de consumo próprio, situação que perdurou até o final do século XX, quando então decaiu o comunismo soviético com a extinção da União da República Socialista Soviética e a
criação da Comunidade de Estados Independentes. 22
Tais medidas abriram o caminho para o Estado Socialista e despertou a
consciência do mundo para a necessidade de assegurar aos trabalhadores
um nível de vida compatível com a dignidade da pessoa humana.
Nas palavras de Maria Teresa Uille Gomes “O reconhecimento dos direitos humanos de caráter social e econômico foi o principal benefício que a
humanidade recolheu do movimento socialista.” 23
Para a autora, o industrialismo do século XIX, ao mesmo tempo em que
procurava levar às últimas consequências as ideias liberais, mostrava também outra faceta, que era a diferença de classes sociais, com a concentração
de indivíduos que nada mais tinham do que a força de trabalho.
Era imperiosa a necessidade de se implantar uma nova ordem social
igualitária e justa.
A “Declaração dos Direitos do Homem” da Revolução Francesa (1789) e
a doutrina sobre os direitos civis na “Declaração de Independência dos Estados Unidos” de 1776, foram fruto da filosofia iluminista francesa, juntamente
com as doutrinas de Locke e Rousseau, sobre o indivíduo e a sociedade, fi20 Ibid., p. 288.
21 BOBBIO, 2003, p. 198.
22 NAY, 2007, p. 288.
23 GOMES, M. T. U. Direito humano à educação. Curitiba: Juruá, 2009. p. 88.
18 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
xando em sete pontos fundamentais, entre outros: “a revolta contra as autoridades”, “o racionalismo”, “o pensamento do Iluminismo”, “o otimismo cultural”, “o retorno à natureza”, “o cristianismo humanista” e “os direitos humanos.” 24
Inácio Strieder faz referência às ideias sociopolíticas, das declarações
que, no seu dizer, estavam impregnadas de pressupostos libertários e revolucionários da burguesia contra as monarquias, a aristocracia e seus defensores. E, nessa época, a maioria das autoridades das igrejas cristãs e, principalmente, da Igreja Católica, estavam comprometidas com as monarquias e
as classes aristocráticas.25
Para o autor, foi esse o motivo que levou por mais de um século, a
Igreja ter-se ocupado em reprovar os direitos humanos, assim como haviam
sido formulados pela Revolução Francesa. Esta atitude de reprovação total
perdurou, praticamente, até o Papa Leão XIII, que em sua encíclica “ Libertas”,
publicada em 1889, fez a distinção entre o aceitável e reprovável nas “novas
liberdades.”
Strieder, em sua obra assegura que esta primeira aproximação da Igreja com os Direitos Humanos foi motivada pela situação histórica da segunda
metade do século XIX com o avanço do liberalismo econômico e do socialismo. Estas duas ideologias foram vistas pela Igreja como ameaças para a dignidade da pessoa humana.26
Segundo Strieder os princípios proclamados pela Declaração da independência dos Estados Unidos da América (1776) e a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão de 1789 se inspiraram nos mesmos valores: liberdade de consciência, liberdade de culto, liberdade de expressão, direito de
propriedade, liberdade de negócio, igualdade perante a lei, direito a uma
justiça igual para todos.27
Para o autor as duas declarações se baseiam na crença de que existem
verdades universais e eternas, anteriores a qualquer sistema governo ou ideologia, dentre essas verdades estão os “direitos fundamentais do homem”
Strieder aduz, ao comparar a Declaração de Independência dos Estados
Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa que é
possível encontrar, em ambas, uma clara fusão de duas interpretações ideológicas que se desenvolvem paralelamente, desde o século II de nossa Era:
sendo primeiro, um humanismo idealista de origem grega; e segunda interpretação, a tradição profética judaico-cristã.28
24 STRIEDER, Inácio. A Fundamentação filosófica-teológica dos direitos humanos. In: ARAUJO, G M.
L.de.; MOMESSO. L.A. (Orgs.). Cadernos de Direitos Humanos. Recife: Universitária. 2008. p. 19.
25 Ibid., p. 18.
26 STRIEDER, op. cit.
27 STRIEDER, 2008, p.15.
28 STRIDER, 2008, p. 16.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
19
Na explicação do autor, a interpretação cristã predomina no Documento dos Estados Unidos, pois ele afirma que “todos os homens são iguais,
porque o Criador os dotou com os mesmos direitos”, essa mesma Declaração
também se dirige ao Supremo Juiz do mundo e menciona a Divina Providência, ao passo que, a humanística grega se destaca na Declaração francesa,
onde, apenas no preâmbulo, se refere ao “Ser Supremo”, afirmando que todos os homens nascem com direitos iguais, por possuírem a mesma natureza humana.
A compreensão do homem que subjaz a essas declarações supõe que
todos os homens foram criados pelo único Deus, pai de todos, que os dotou
com uma única natureza racional, que lhes confere a dignidade de pessoas
humanas.29
A igualdade e a fraternidade são características dessas duas proclamações.
Para Strieder sua herança religiosa é inconfundível, pois declara que
esses direitos são sagrados e invioláveis. O primeiro panfleto com os “Direitos dos Cidadãos”, distribuído em Paris trazia, logo abaixo do título, um olho
dentro de um triângulo, esse símbolo é tradicionalmente o símbolo da Santíssima Trindade, mas os revolucionários franceses explicavam esse símbolo,
dizendo, que ele representava “o supremo olho da razão que ilumina toda a
humanidade.”30
É verdade, como já sublinhara Locke no final do século XVII, e que continua no século XVIII, que o reconhecimento, dos direitos naturais têm importantes incidências políticas, sobretudo, a ideia de que todo indivíduo
possui direitos que nenhuma autoridade poderia contestar. Ligados à natureza humana, esses direitos não podem ser limitados sem que, se quer sejam enquadrados pela lei.
Nesse sentido Nay, esclarece que ao pertencer ao âmbito da “legislação
natural”, são considerados como anteriores à “lei positiva” que é colocada
sob a responsabilidade do soberano.31
A espécie humana, em seu longo processo evolutivo, cuidou de moldar
características próprias de uma raça que se destaca por deliberar sobre seu
destino, aliás, não pode o poder identificar-se à vontade apenas de um homem, mas emanar-se da coletividade para lhe assegurar as condições de
vida e desenvolvimento.
29 Ibid., loc.cit.
30 Ibid., loc.cit.
31 NAY, 2007, p. 288.
20 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
Nessa mesma linha Nay relata a ideia de incluir os direitos naturais
numa declaração está particularmente em voga no fim do século XVIII. 32
Esse desejo, veio com a consagração mundial da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Déclaration des droits de l'homme et du citoyen, August 26,1789), com 17 artigos, entre os quais se destacam algumas
previsões lembradas por Maniglia:
Princípio da igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à
opressão, associação política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal princípio da presunção de inocência, liberdade religiosa e livre manifestação de pensamento. 33
Os partidários da Declaração conseguem seus objetivos políticos, ou
seja, transformar os direitos inscritos na natureza em lei positivada a fim de
que seu valor seja publicamente reconhecido, e mais, de caráter universalista, tornando-se referência para todas as elites que, na Europa, depois no
mundo, procuraram desfazer-se dos poderes autoritários.34
Todavia, a Declaração do Direito do Homem e do Cidadão é precedida,
na história, por outros documentos que corroboraram para efetivação desses
direitos que foram a Petition of Right, de 1628, que previa a não obrigatoriedade do pagamento de impostos ou taxas que não tivessem o consentimento
do parlamento; o Habeas Corpus, de 1679, a Bill of Rights, que restringiu o
poder estatal, fortalecendo o princípio da legalidade; o direito de petição,
vedação de penas cruéis, entre outras; o Act Seattlement, de 1701, que reafirmou o princípio da legalidade e a responsabilidade política dos agentes
públicos.35
Ressalta Maria Tereza Uille Gomes, que o sucesso da Declaração fez da
França, por muito tempo, a campeã das ideias liberais, justamente pelo fato
dos autores da Declaração, reconheceram e declararem que os “homens nascem e continuam livres e iguais em direitos” e que “as distinções sociais só
podem fundar-se na utilidade comum.” 36
Para a autora, esse fato significou um progresso na afirmação dos valores fundamentais da pessoa humana, como símbolo do exercício da liberdade, sob o império da lei, em condições de igualdade. 37
Guimarães diz que a concepção contemporânea dos direitos humanos
só vem a surgir numa 3a fase de sua evolução histórica, que se dá em 10 de
dezembro de 1948, com a Declaração Universal de Direitos Humanos, como
32 NAY, loc. cit.
33 MANIGLIA, 2009, p. 72.
34 NAY, op. cit.
35 MANIGLIA, 2009, p. 72.
36 GOMES, 2009, p. 89.
37 GOMES, loc. cit.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
21
marco maior do processo de reconstrução dos direitos humanos, face às
atrocidades praticadas pelos nazistas na II Guerra Mundial. 38
O que segundo Gomes, em nome do Estado, abalaram de tal forma o
sentimento das pessoas do mundo todo, ultrajando a consciência da humanidade, vindo a Declaração, desta forma, a buscar a manutenção da liberdade, da justiça e da paz no Mundo.39
Neste contexto aduz Gomes:
As guerras são o terreno de desenvolvimento dos piores crimes. E continua, durante a primeira Guerra Mundial, foram mortos mais de um milhão de armênios e de outros cristãos no Império Otomano, com massacres e incríveis deportações no coração do deserto sírio, permanecendo
cravado o Metz Yegbern, o grande mal, o massacre de grande parte do
povo armênico na Anatólia […]. Durante a Segunda Guerra Mundial, a
Sboab acabou no aniquilamento de seis milhões de judeus, vítimas inocentes de um ódio antigo e novo. A Sboab, com seus mortos de modo
violento e científico, como numa cadeia de produção da morte, permanece como o monumento fúnebre da loucura anti-semita […]. Com os
judeus, foram mortos milhões de poloneses, de eslavos, de pessoas de
outros povos e, enfim, de ciganos que eram considerados associais pelos nazistas. É Samudaripen, o genocídio em língua romani, com o massacre de uma boa parte do povo cigano, cujas vítimas são calculadas entre duzentos e cinquenta e quinhentos mil. Entre os mortos desse povo,
houve quinze mil franceses, mil italianos, quinze mil alemães, vinte e oito croatas, trinta e sei mil romenos […]. Os ciganos, especialmente crianças, foram material humano de eleição para as experiências médicas
do famigerado médico nazista Mengele […]. A perseguição dos ciganos
baseava-se na convicção da diversidade das raças. Esse povo sem-terra,
que jamais se tornou uma nação na Europa, considerada associal por
natureza, parece aos bem-pensantes um elemento de desordem até os
dias de hoje.40
Nesse sentido o conjunto desses fatores contribuiu para a criação de
uma ordem internacional capaz de agrupar os interesses dos Estados em
busca de um ideal comum. É neste contexto que é proclamada a Declaração
Universal de Direitos Humanos, em 10-12-1948, data em que também é
ratificada pelo Brasil.41
Nas palavras de Gomes, é possível afirmar que os direitos humanos
são objeto de preocupação mundial histórica, que se desenvolveram gradativamente, visando garantir o direito à liberdade, à igualdade e à dignidade da
pessoa humana.42
38 GUIMARÃES, M. A. Fundamentação dos direitos humanos: relativismo ou universalismo?. In: PIOVESAN. F.(Coord.) Direitos Humanos. Curitiba: Juruá, 2007. p. 57.
39 GOMES, op. cit., p. 89.
40 GOMES, 2009, p. 89.
41 GUIMARÃES, 2007, p. 57.
42 GOMES, 2009, p. 91.
22 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
Leciona Flávia Piovesan, os direitos humanos compõem assim uma
unidade indivisível, interdependente e interrelacionada, capaz de conjugar o
catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais.43
Piovesan ao abordar o tema Direitos Humanos destaca: “É no princípio
da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra o próprio
sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, para a hermenêutica constitucional contemporânea.” 44
Conforme Maniglia é na segunda metade do século XX, que se passou
a classificar os direitos humanos em três gerações, instalando-se, assim, os
direitos humanos da época contemporânea, conforme alinhavados a seguir:
1a geração: os direitos civis (direito à vida, à integridade física e moral, à
dignidade, etc.) e políticos (direito de participar de organizações políticas, de eleger e ser eleito, etc.); realçam o princípio da liberdade e os direitos dos cidadãos. Paulo Bonavides considera que essa primeira geração de direitos valoriza, primeiramente, o homem singular, o homem
das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista, que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual, não
tendo, dessa forma, preocupação com os problemas sociais, até porque
a igualdade burguesa era exclusivamente formal.
2a geração: é conhecida como dos direitos econômicos (direito à propriedade individual e/ou coletiva, etc.); sociais (direitos à alimentação, à
saúde, à educação, ao trabalho, à seguridade social, ao salário justo e
equitativo, etc.) e culturais (direito aos benefícios da ciência e da tecnologia, direito à investigação científica, etc.); se identificam com as liberdades positivas reais ou concretas e acentuam o princípio da igualdade.
Esses direitos surgem em decorrência da deplorável situação da população pobre das cidades industrializadas da Europa ocidental, que era
constituída por trabalhadores expulsos do campo. Os camponeses expulsos do campo tornaram-se, muitas vezes, mendigos nas cidades.
Conclui Maniglia que, quando se proclamaram os direitos humanos como emancipação política, realizou-se apenas uma etapa da dinâmica
histórica. Ao longo dos anos, os direitos sociais foram se consolidando
em direito ao trabalho, à saúde, à educação e a previdência social, direitos estes que exigem uma atividade positiva do Estado por meio de políticas públicas.
3a geração: materializa poderes de titularidade coletiva, atribuídos genericamente a todas as formações sociais, e consagra o princípio da solidariedade ou fraternidade. Desenvolve o estudo dos direitos humanos
como os mais consolidados e representativos, como direitos à paz, ao
desenvolvimento econômico, a livre determinação dos povos, direito da
criança e do adolescente, ao meio ambiente, etc. Maniglia assinala, que
os direitos e as liberdades da terceira geração se apresentam como uma
resposta ao fenômeno da denominada “contaminação das liberdades.” A
43 PIOVESAN, Flávia. Pobreza como violação de direitos humanos. In: NOLETO, M. J.;
WERTHEIN,J.(Org.) Pobreza e desigualdade no Brasil: traçando caminhos para a inclusão Social. Brasília: UNESCO. 2003. p. 137.
44 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 31.
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autora acentua que a revolução tecnológica redimensionou as relações
entre os seres humanos, entre o homem e a natureza, e do ser humano
com o seu contexto ou marco cultural de convivência, já que essas mudanças claramente incidem na esfera dos direitos humanos. 45
Ainda sob o ponto de vista das gerações dos direitos humanos, o assunto não é pacífico. Paulo Bonavides cita ainda uma 4a geração o direito à
democracia, a informação e ao pluralismo (como reflexo da globalização) e a
garantia do futuro da cidadania e da liberdade de todos os povos. 46
Segundo o autor, essa evolução deu-se no plano dos direitos internos,
e, no âmbito internacional, nesse processo os direitos que primeiro surgiram
foram os econômicos e sociais.47
No que observa o autor, a sequência correta seria: em primeiro lugar,
os direitos ao trabalho e condições de trabalho; em segundo, os direitos individuais, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.48
A terminologia “gerações” para Trindade, leva ao raciocínio de seres
humanos que se sucedem no tempo, não a ideia de somatização dos direitos
anteriores aos posteriores.49
Afirma ainda, que os novos direitos – os direitos de solidariedade ou
fraternidade, como o direito ao desenvolvimento e ao meio ambiente sadio –
interagem com os direitos individuais e sociais, não os substituindo, distintamente do que a noção simplista das chamadas gerações de direitos humanos se sucedem no tempo, os direitos, por outro, se acumulam e se sedimentam.50
Nos ensinamentos de Vojin Dimitrijkevi, a evolução dos direitos humanos é um processo dinâmico infindável: não só os direitos reconhecidos serão aperfeiçoados, enriquecidos e ampliados, como também se farão acompanhar de novos direitos, tão logo haja consenso sobre a importância notória dos valores que estes veiculam e sobre sua capacidade de serem expressos positivamente.51
Nesse sentido corrobora Hannah Arendt, “Os direitos humanos não são
um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução.”52
No Brasil, os direitos humanos ganharam nova expressão, a partir de
1988, com a Constituição Federal. O Art. 5o descreve os direitos e as garantias individuais, com presteza das Constituições mais modernas do mundo,
45 MANIGLIA, 2000, p. 74.
46 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 564.
47 BONAVIDES, loc. cit.
48 BONAVIDES, loc. cit.
49 TRINDADE, A. A. C. Direitos Humanos e meio ambiente. Porto Alegre: Sérgio Fabris,1993. p.191.
50 TRINDADE, 1993, p. 191.
51 DIMITRIJKEVI. Vojin. Direitos humanos e paz. In: SYMONIDES, Janusz. (Org.). Direito humanos
novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO, 2003. p. 85.
52 ARENDT. H. As origens do totalitarismo. Rio de Janeiro. 1979. p. 34.
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mas não é só: o meio ambiente, política dos direitos sociais, a política econômica, os direitos do consumidor, a lei tributária e fiscal, suas funções sociais estão presentes em diferentes capítulos da Carta Magna.
Para Maniglia num primeiro olhar, a ideologia e o positivismo proposto
na Constituição Federal de 1988, revelam a expressão de um país consolidado em princípios democráticos que respeitam e implantam a dignidade do
cidadão, ao menos em seu teor legal.53
Diz Gomes, que no Brasil, estamos diante do surgimento muito recente
de um novo ramo do Direito, o “Direito dos Direitos Humanos”, autônomo, e
que provoca nos juristas e acadêmicos o desafio de estudar a temática dos
direitos humanos a partir da interpretação e aplicação dos tratados e declarações internacionais e seus reflexos na realidade social, identificando os
mecanismos de proteção de tais direitos em favor dos manifestantes pobres
e, em especial, dos excluídos que são vítimas de violação de seus direitos
fundamentais (civis, políticos, econômicos, sociais e culturais). 54
Dimitrijkevic relata em seu artigo “Valores como Direitos”, que a proposição de que certos valores reconhecidos devem ser expressos em termos
de direitos individuais, necessários para o alcance ou a proteção do bem
relevante (valor), está na origem do pensamento dos direitos humanos. 55
Cita o autor, como exemplo os instrumentos internacionais de direitos
humanos, o valor mais protegido é a dignidade da pessoa humana; dentro
desta, não é a vida humana o que mais se valoriza (uma vez que, sob certas
circunstâncias, admite-se a pena capital e é legítimo matar nos conflitos
internacionais), mas a integridade física da pessoa. Há um consenso de que
qualquer tentativa de transgressão do sistema orgânico do corpo humano é
inaceitável.56
Comparato entende que os direitos fundamentais são:
Os direitos humanos reconhecidos como tais pelas autoridades às quais
se atribui o poder político de aceitar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano internacional; são os direitos humanos positivados
nas Constituições, leis, nos tratados internacionais.57
E cada vez mais, o reconhecimento de tais direitos converge com a
consciência ética coletiva, de que a dignidade da pessoa humana exige o
53 MANIGLIA, 2000, p. 77.
54 GOMES, 2009, p. 82.
55 DIMITRIJKEVI, 2003, p. 79.
56 DIMITRIJKEVI, loc. cit.
57 COMPARATO, 2003, p. 85.
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respeito a certos bens e valores em qualquer circunstância, ainda que não
reconhecidos no ordenamento jurídico estatal ou internacional.
Ensina Gomes, que as Normas internacionais de direitos humanos, pelo
fato de exprimirem a consciência ética universal, estão num patamar acima
do ordenamento jurídico de cada Estado. Havendo conflito entre regras internacionais e internas, que digam respeito aos direitos humanos, prevalece
sempre a regra mais favorável à proteção da dignidade da pessoa humana no
caso concreto.58
Segundo Comparato os princípios fundamentais do sistema dos direitos humanos são de duas ordens: princípios axiológicos e princípios estruturais.59
Os princípios axiológicos dizem respeito aos valores éticos supremos:
liberdade, igualdade e fraternidade, conforme a tríade da tradição francesa
reafirmada no primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos.60
O princípio da liberdade tem como referencial axiológico a ideia de autonomia, ou seja: de submissão de cada qual às normas por ele mesmo editadas.
O princípio da igualdade está relacionado à abolição dos privilégios estamentais e a igualdade individual perante a lei.
O princípio da fraternidade está vinculado à ideia de responsabilidade
de todos pela carência ou necessidade de qualquer indivíduo ou grupo social. Com base nesse princípio é que passaram a ser reconhecidos os direitos
humanos sociais, que se realizaram através da efetivação das políticas públicas e visam proteger aqueles que não dispõem de recursos próprios para
viver com dignidade.
Ainda nas lições de Comparato, os direitos sociais englobam o direito
ao trabalho, o direito à seguridade (saúde, previdência e assistência), o direito a educação e, de modo geral, como se diz no Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (art. 11). “o direito de toda
pessoa a um nível de vida adequado para si própria e sua família, inclusive á
alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria
contínua de suas condições de vida.” 61
Quantos aos princípios estruturais dos direitos humanos, eles são de
duas espécies: a irreversibilidade e a complementaridade solidária.
O princípio da irreversibilidade dos direitos humanos está ligado ao fato de que, na medida em que se amplia a consciência ética e coletiva e se
instituem os direitos fundamentais em vigor, estes se tornam irreversíveis e
se impõem pela sua própria natureza. Não podem ser suprimidos pelos Po58 GOMES, 2009, p. 86.
59 COMPARATO, 2008, p. 62.
60 COMPARATO, loc. cit.
61 Id., 2003, p. 64.
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deres Públicos, pelo Poder Constituinte e nem pela Organização das Nações
Unidas. Simplesmente é inválido suprimir direitos fundamentais por via de
novas regras constitucionais ou convenções internacionais.
O princípio da complementaridade solidária dos direitos humanos diz
respeito à essência do ser humano que é uma só, razão pela qual, de forma
igualitária e independente das diferenças, é dever dos Estados promover e
proteger dos os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
Tal princípio foi proclamado pela Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena em 1993 nos seguintes termos:
Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes
e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos
humanos globalmente, de modo justo e equitativo, com o mesmo fundamento e a mesma ênfase. Levando em conta a importância das particularidades nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de
base históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e
proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais. 62
O homem é um ser social e criou a figura do Estado para disciplinar
essas relações da vida em sociedade. A Lei é que dá vida aos Estados soberanos, e como o mundo é uma sociedade de Estados, que demanda a integração de interesses jurídicos, econômicos e políticos, surge uma ordem
internacional constituída de organismos que, mesmo destituídos de soberania, buscam a interação entre os Estados, cuja prevalência deve ser a dignidade da pessoa humana e a paz social.
O Direito internacional público, também conhecido como Direitos das
Gentes, constitui-se no conjunto de princípios ou regras destinados a reger
os direitos e deveres internacionais dos Estados, dos organismos e dos indivíduos. Surgiu como ciência autônoma em princípios do século XVII.
Nas palavras de Amartya Sen, a ideia dos direitos humanos tem avançado muito nas décadas recentes, adquirindo assim uma espécie de status
oficial no discurso internacional. Comitês influentes reúnem-se regularmente
para debater a fruição e a violação direitos humanos em diversos países do
mundo.63
62 DECLARAÇÃO e Programa de Ação de Viena. 1993. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br>.
Acesso em: 03 jun. 2010.
63 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. 6. ed. São Paulo:Companhia das Letras, 2007. p. 261.
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Para o autor a retórica dos direitos humanos hoje em dia é muito mais
aceita – na verdade, invocada com muito maior frequência – do que já foi no
passado. Pelo menos a linguagem da comunidade internacional parece refletir uma mudança de prioridades e ênfase em comparação com o estilo dialético prevalecentes de algumas décadas atrás. 64
No século XX o Direito Internacional atingiu seu pleno desenvolvimento, com importantes acontecimentos, tais como: as Conferências Internacionais Americanas, as Conferências Internacionais da Cruz Vermelha, a 2a Conferência da Paz de Paris, a criação da Liga das Nações, em 1919, o Tratado
de Versalhes, na França, a criação da Corte Permanente de Justiça Internacional, a instituição em Haia da Academia de Direito Internacional, o pacto Briand-Kellong de proscrição da guerra e a Conferência Internacional da Consolidação da Paz, promovida pelo Presidente Franklin Roosevelt, bem como a
criação da Organização das Nações Unidas. 65
Para Gomes a questão dos direitos fundamentais da pessoa humana –
Direitos Humanos – que até então eram tratados de forma isolada por cada
um dos Estados, a partir do século XX passou a ser objeto de estudos e debates no campo das relações internacionais. 66
Segundo Piovesan, o processo de universalização dos direitos humanos
permitiu, por sua vez, a formação de um sistema normativo internacional de
proteção destes direitos.67
A concepção contemporânea de direitos humanos caracteriza-se pelos
processos de universalização e internacionalização destes direitos, compreendidos sob o prisma de sua indivisibilidade.
Piovesan ressalta ainda que a Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a concepção da Declaração de 1948, quando, em seu
parágrafo 5o, afirma: “Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e interrelacionados.” A comunidade internacional deve tratar os
direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase.68
Logo, a Declaração de Viena de 1993, subscrita por 171 Estados, endossa a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, revigorando
o lastro de legitimidade da chamada concepção contemporânea de direitos
humanos, introduzida pela Declaração de 1948.
Piovesan, ao abordar o tema Direitos Humanos e tecer considerações
sobre o princípio da dignidade humana como referência ética maior a orientar a ordem jurídica interna e internacional, consagra-o como verdadeiro
64 SEN, loc. cit.
65
ACCIOLY, Hidelbrando, Manual de direito Internacional público. 11. ed. São Paulo: Saraiva. 1980. p.
90.
66 GOMES, 2009, p. 91.
67 PIOVESAN, 2003, p. 139.
68 PIOVESAN, 2003, p. 142.
28 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
super princípio e destaca que “é no princípio da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra o próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, para a hermenêutica constitucional contemporânea.” 69
De acordo com o pensamento de Gomes é a partir da recepção do valor
da dignidade humana no sistema internacional, que se inaugura um novo
tempo histórico: a era da cidadania mundial.70
Como já mencionado em 10-12-1948, em Paris foi proclamada pela
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas a Declaração Universal
dos Direitos Humanos que, ao introduzir a concepção contemporânea de
direitos humanos, tornou-se o marco de criação do chamado “Direito Internacional dos Direitos Humanos”, um sistema jurídico normativo de alcance
internacional, com o objetivo de proteger os direitos humanos.
Direitos Humanos é tema de interesse comum para toda a humanidade, cuja observância é exigência universal. Além da característica universal,
os direitos humanos também são indivisíveis e interdependes. 71
A Declaração definiu pela primeira vez, em nível internacional e como
um padrão comum para todos os povos e nações, os direitos humanos e as
liberdades fundamentais – noções até então difusas e tratadas de maneira
não uniforme.
Nos dizeres de Gomes, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
modificou radicalmente a premissa que tinha o Estado como centro das
atenções como forma de fortalecimento econômico e militar. Estabelecendo
o ser humano como centro das preocupações da Política e do Direito, não
podendo o Estado intervir de forma arbitrária violando a liberdade e o direito
à existência digna dos seres humanos.72
A Declaração estabelece que: “O reconhecimento da dignidade inerente
a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é
o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.” 73
A Declaração em seus 30 artigos (anexo A) é precedida de um preâmbulo, onde se diz que a Assembléia Geral das Nações Unidas proclama:
A presente Declaração Universal dos Direitos do Homem com o ideal
comum a ser atingindo por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre
em mente esta Declaração se esforce através do ensino e da educação,
por promover o respeito a esses direitos e liberdade, e, pela adoção de
medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar
o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto
69 PIOVESAN, op. cit., p. 31.
70 GOMES, 2009, p. 92.
71 Ibid., p. 94.
72 GOMES, 2009, p. 95
73 DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos Nações Unidas. Assembléia Geral, Resolução 217 A.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
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entre os povos dos Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.74
A luz do pensamento de Celso Dallari apud Gomes: “Tratando-se de
direitos fundamentais inerentes à natureza humana, nenhum indivíduo ou
entidade, nem os governos, os Estados ou a própria Organização das Nações
Unidas, tem legitimidade para retirá-las de qualquer indivíduo.” 75
A Declaração também estabelece além do direito à liberdade, igualdade
e dignidade da pessoa humana, um elenco de direitos fundamentais, sem
distinção de qualquer espécie tais como:
Direito à vida, à segurança pessoal; direito de não ser mantido em escravidão; de não ser submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo
cruel, desumano ou degradante; direito de reconhecimento como pessoa
na forma da lei; direito a receber dos tribunais remédio efetivo para os
atos que violem os direitos fundamentais; direito a não ser preso arbitrariamente; direito à presunção de inocência até julgamento final; direito de não ser preso arbitrariamente; direito à presunção de inocência até
o julgamento final; direito de não sofrer interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques
a sua honra e reputação; direito à liberdade de locomoção; direito de
asilo político, direito a uma nacionalidade; direito de contrair matrimônio; direito à propriedade, direito à liberdade de pensamento; direito à
liberdade de opinião e expressão; direito à liberdade de reunião e associação pacíficas; direito de tomar parte no governo de seu país direta ou
indiretamente; igual direito de acesso ao serviço público de seu país; direito de votar; direito a segurança nacional social, e à realização dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e
ao livre desenvolvimento de sua personalidade; direito ao trabalho em
condições adequadas; direito a repouso, lazer e férias remuneradas; direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e
bem-estar, inclusive alimentação, vestuário habitação, cuidados médicos
e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda
de meios de subsistência em circunstância fora de seu alcance; direito a
cuidados especiais na maternidade e na infância; direito à instrução; direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as
artes e participar do progresso científico, direito autorais; direito a uma
ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na Declaração possam ser plenamente realizados. 76
Conforme Gomes, os direitos humanos costumam ser relacionados, inclusive pelas Nações Unidas, em duas categorias: os civis e os políticos (art.
3o a 21); os econômicos, sociais e culturais (22 a 18).
74
DECLARAÇÃO, loc. cit.
75 GOMES, 2009, p. 95.
76 DECLARAÇÃO, 217. A
30 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
Gomes valendo-se dos ensinamentos de Jack Donnelly revela uma
classificação melhorada nos seguintes termos:
a.
b.
c.
d.
e.
f.
g.
direitos Pessoais, incluindo os direitos à vida, à nacionalidade,
ao reconhecimento perante a lei, à proteção contra tratamentos
ou punições cruéis, degradantes ou desumanas, e à proteção
contra a discriminação racial, étnica, sexual ou religiosa (arts. 2o
a 7o e 15);
direitos Judiciais, incluindo o acesso a remédios por violações
dos direitos básicos, a presunção de inocência, a garantia de
processo público justo e imparcial, a irretroatividade das leis
penais, a proteção contra prisão, detenção ou exílio arbitrários,
e contra a interferência na família, no lar e na reputação (arts.
8o a 12);
liberdades Civis, especialmente as liberdades de pensamento,
consciência e a religião, de opinião expressão pacífica (arts. 13 e
de 18 a 20);
direitos de Subsistência, particularmente os direitos à alimentação e a um padrão de vida adequado à saúde e ao bem-estar
próprio e da família (art. 25);
direito Econômico, incluindo principalmente os direitos ao trabalho, ao repouso e ao lazer, e à segurança social (arts. 22 a 26
– proposital ou acidentalmente, Donnely omite o art. 17, sobre o
direito a propriedade, que acabaria excluído dos Pactos Internacionais de Direito Humanos);
direitos Sociais e Culturais, especialmente os direitos à instrução
e à parte na vida cultural da comunidade (arts. 26 e 28); e
direito Políticos, principalmente os direitos a tomar parte no governo e a eleições legítimas com sufrágio universal e igual (art.
21), mais os aspectos políticos de muitas liberdades civis.77
Segundo Gomes uma vez, tendo sido proclamados todos esses direitos
na Declaração Universal dos Direitos Humanos, como normas jurídicas, estes
devem ser aplicados independentemente de sua inclusão nos direitos dos
Estados pela formalização legislativa. Entretanto, diante da inexistência de
um órgão que possa impor sua efetiva aplicação ou impor sanções em caso
de não-observância da Declaração, o Estado tem adotado como praxe, incluir nas próprias Constituições um capítulo referente aos direitos e garantias
individuais justamente porque, uma vez incorporadas ao direito positivo dos
Estados, aquelas normas adquirirem plena eficácia.78
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 reproduziu uma série de direitos humanos que estão previstos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, dotando-os de plena eficácia:
77 GOMES, 2009, p. 95.
78 GOMES, 2009, p. 99.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
31
O art. 5o, § 1o da Constituição Federal prevê que as normas definidoras
de direitos e garantias fundamentais (Título II CF – aí inserido o capítulo
que trata dos direitos sociais – educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância,
assistência aos desamparados) tem aplicação imediata. 79
Neste contexto, aduz Gomes, negar a aplicação imediata dos direitos
econômicos e sociais – especialmente o direito a educação, a saúde, ao trabalho, à moradia, à segurança, à previdência social, à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados – equivale a manter o status quo que
ampara a injustiça social.80
Os direitos econômicos, sociais e culturais integram a chamada “concepção contemporânea de direitos humanos”, enunciada pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, e reiterada pela Declaração de Viena de 1993. Tais direitos pertencem à mesma categoria hierárquica dos direitos civis e políticos.
Ao internalizá-los na ordem constitucional, os direitos humanos passaram a ser denominados direitos fundamentais, em especial com o legado
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, se fez com que os direitos
humanos transcendessem os interesses exclusivos dos Estados para salvaguardar a dignidade dos seres humanos protegidos.
Nos dizeres de Gomes Direitos Humanos é matéria de interesse internacional e não, apenas de interesse particular de um Estado ou da relação
entre os Estados, é objeto próprio de regulação, do emergente Direito Internacional dos Direitos Humanos como um novo ramo do Direito Internacional
Público, dotado de autonomia, princípios e especificidades próprias, cuja
finalidade é a de assegurar a proteção do ser humano nos planos nacional e
internacional concomitantemente.81
O Quadro número 1, apontando marcos importante na evolução dos
direitos humanos.
Quadro 1: Marcos importantes na evolução dos direitos humanos
Surgimento dos direitos humanos na ordem
1945 - Final da II
internacional. Primazia do princípio da dig-
Guerra Mundial
nidade da pessoa humana com superprincípio.
79 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Atualizada. Disponível
em: <http:///www.amperj.org.br/legislação>. Acesso em: 05 jun. 2010.
80 GOMES, op. cit., p. 102.
81 GOMES, 2009, p. 104.
32 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
Encontro de Roosevelt, Churchil e Stalin- na
1945 - Rússia
busca de uma “organização mundial” em
nome da paz.
Conferência – Carta das Nações Unidas e
criação da Organização das Nações Unidas
1945 - San Francisco
(ONU). A Carta reafirma a fé nos direitos
humanos fundamentais do homem e na dignidade da pessoa humana em nome da paz.
Promulgada a Declaração Universal dos Direitos, com base na Carta das Nações Unidas. Um dos documentos mais importantes
do mundo. O Estado deixa de ser o centro
das atenções, que passa a ser exercido pelo
Homem. A Declaração definiu pela primeira
1948 – Paris
fez os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Nenhum Estado ou Organismo
tem legitimidade para retirar os direitos fundamentais ali consagrados. Para evitar discussões quanto à eficácia dos direitos, a
Constituição de vários Países vem encampando o reconhecimento de tais direitos.
a) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
1976 - Entrada em
b) Pacto Internacional de Direitos Civis e Po-
vigor dos dois Pactos
líticos.
que regulamentam a
Inobstante a classificação em duas categori-
Declaração Universal
as, não há hierarquia entre os direitos
dos Direitos Humanos. econômicos, sociais, e culturais e, prevalece
a ideia de indivisibilidade dos direitos fundamentais.
Um desafio para o direito Internacional dos
Direitos Humanos:
como efetivar os direitos fundamentais?
A eficácia dos direitos fundamentais que
foram reconhecidos, especialmente dos direitos fundamentais sociais e econômicos é o
ponto crucial de maior dificuldade
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
33
Fonte: Gomes, com modificações feitas pelo autor.82
Do quanto foi exposto, em síntese, é possível afirmar que os direitos
humanos são objeto de preocupação mundial histórica, que se desenvolveram gradativamente, visando garantir o direito à liberdade, à igualdade à
fraternidade e à dignidade da pessoa humana.
Neste capítulo, será dado especial destaque ao tema fraternidade, que
diversamente do que aconteceu com os princípios da liberdade o da igualdade, o da fraternidade que tradicionalmente vem sendo tratado como ideal de
filosofia política e social ou relegado ao plano moral, agora é redescoberto
também como categoria jurídico-constitucional.
Para Antonio Maria Baggio, a fraternidade, no decorrer da história, foi
adquirindo um significado universal, chegando a identificar o sujeito ao qual
ela pode referir-se plenamente como o sujeito “humanidade” - comunidade
de comunidades - como o único que garante a completa expressão também
aos outros dois princípios universais: a liberdade e a igualdade. 83
O princípio da fraternidade tem fundamento religioso explicito e é a
partir disso, ou seja, da compreensão, que as religiões disponibilizaram para
o conhecimento do homem que se pode falar de liberdade e igualdade, e é a
partir dessa compreensão de que homem nasce livre e igual, porque são irmãos, que o pensamento moderno desenvolveu a liberdade e igualdade como categorias políticas, mas não fez o mesmo com a fraternidade.
Entende Baggio que a fraternidade é o alicerce da liberdade e da
igualdade, sendo este o princípio regulador dos outros dois princípios: se
vivida fraternalmente, a liberdade não se torna arbítrio do mais forte, e a
igualdade não se degenera em igualitarismo opressor. 84
Para o mesmo autor, a fraternidade teve aplicação política, embora
parcial, com a ideia da “solidariedade”, porque houve um progressivo reconhecimento dos direitos sociais em alguns regimes políticos, dando origem a
políticas do bem-estar social, ou seja, políticas que tentaram realizar a dimensão social da cidadania.
De fato, a solidariedade dá uma aplicação parcial aos conteúdos da
fraternidade. Mas esta, para Baggio, não pode ser reduzida a todos os outros
significados, ainda que bons e positivos, pelos quais se procura dar uma
82
Ibid., p. 106.
BAGGIO. A. M. (Org). O princípio esquecido/1: a fraternidade na reflexão atual das ciências políticas.
(Org.). Tradução Durval Cordas, Iolanda Gaspar, José Maria Almeida. São Paulo: Cidade Nova. 2008. p. 21.
84
Ibid., p. 54.
83
34 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
aplicação. E cita um exemplo, dizendo que solidariedade – tal como historicamente tem sido muitas vezes realizada – permite que se faça o bem aos
outros embora mantendo uma posição de força em relação “vertical” que vai
do forte ao fraco.85
No entanto também é verdade que algumas formas de “solidariedade
horizontal” se desenvolveram por meio de movimentos de defesa dos direitos humanos e, em particular, dos direitos dos trabalhadores, e no movimento cooperativo, na economia solidária que vem se desenvolvendo nas
últimas décadas.
Para Baggio, a fraternidade sempre pressupõe o relacionamento “horizontal”, com divisão de bens e poderes. É a partir dessa ideia que está se
elaborando – na teoria e na prática – o pensamento de uma “solidariedade
horizontal”, em referência à ajuda recíproca entre sujeitos diferentes, seja
pertencentes ao mesmo âmbito social ou mesmo nível institucional.86
Marco Aquino apud Calvo diz
Uma coisa é ser solidário com um outro, associando-me à sua causa;
outra é ser seu irmão. Sou irmão de alguém por nascimento, e isso implica uma relação pessoal, não com a causa do outro, mas com o outro
enquanto pessoa, membro da mesma e única família humana.87
Defende Marco Aquini que a fraternidade não pode ser reduzida ao
conceito de solidariedade, pois esta não implica a ideia de efetiva paridade
dos sujeitos que se relacionam, e não considera constitutiva a dimensão de
reciprocidade.88
O termo fraternidade sempre remete à ideia de consanguinidade, laços
entre parentes, designando a qualidade que liga membros de uma mesma
família. No dicionário da língua portuguesa Hoauiss, o entendimento caminha na mesma direção: “Parentesco de irmãos, União fraternal, Amor ao próximo, Boa inteligência entre os homens, Harmonia.” 89
Desses significados não tão precisos, é possível retirar aspectos jurídicos, que mostram que a fraternidade supõe o relacionamento concreto entre
pessoas, no qual cada um tem valor absoluto.
A fraternidade, à luz da doutrina de Chiara Lubich, nos remete que:
85
BAGGIO, 2008, p. 22.
BAGGIO, loc. cit.
87
AQUINI, Marcos. Fraternidade e direitos humanos. In: BAGGIO, A. M. (Org.) O princípio esquecido/1: a
fraternidade na reflexão atual das ciências políticas. Traduções Durval Cordas, Iolanda Gaspar,José Maria
Almeida. São Paulo: Vargem Grande Paulista, Cidade Nova. 2008. p. 138.
88
Ibid., p. 137.
89
DICIONÁRIO Houaiss. Disponível em: <http://houaiss.uol.com>. Acesso em: 16 jul. 2010.
86
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
35
[...] A ideia da fraternidade começou assim, a abrir caminho na história.
E se poderia refazer a evolução do pensamento das diversas épocas,
identificando na história a presença da fraternidade - como base de
muitas concepções políticas fundamentais - às vezes manifestas, outras
vezes mais ocultas. Uma fraternidade frequentemente vivida, embora de
maneira limitada. Sempre que, por exemplo, pessoas de diferentes convicções superaram toda desconfiança para afirmar um direito humano. O
quanto à descoberta da fraternidade seja central, em especial para a política, no-lo afirma também o importante evento histórico, que constitui
um divisor de águas entre duas épocas, a Revolução Francesa. Em seu
lema “liberdade, igualdade, fraternidade”, ela sintetiza o grande projeto
político da modernidade. Embora ela mesma tenha entendido os três
princípios de modo muito restrito. Além disso, se inúmeros países,
construindo regimes democráticos, conseguiram dar uma certa efetividade à liberdade e à igualdade, a fraternidade, no entanto, foi mais proclamada do que vivida. Mas a Revolução Francesa, apesar de suas contradições, havia intuído o que as experiências sucessivas demonstraram:
os três princípios estão em pé ou caem juntos; só o irmão pode consentir plena liberdade e igualdade ao irmão. 90
O conceito de fraternidade para Bernhard pressupõe a liberdade individual e a igualdade de todos os homens, e está numa relação de interdependência mútua com esses dois princípios, onde os três conceitos tem por primazia a dignidade da pessoa humana.91
O objetivo de proteger os Direitos Humanos quanto o alcance da tutela
e da garantia do indivíduo, deve valer – segundo o conceito de fraternidade –
como garantia mínima para cada indivíduo, em cada tempo e em cada lugar,
inclusive os direitos sociais.
Como se sabe a história dos Direitos Humanos têm suas raízes na antiguidade, pois é somente na Modernidade que seus conceitos se apropriaram de seu significado próprio e distinto.
Nesse sentido Baggio aponta não ser novidade encontrar alguns conceitos fundamentais do cristianismo nas raízes teológicas dos Direitos Humanos. Os Direitos Humanos fazem parte da tradição histórico-conceitual do
cristianismo, e a prova direta é que assim são percebidos pelas tradições
não-ocidentais, que acusam os Direitos Humanos de não serem universais,
mas justamente ocidentais e cristãos.
Se não vejamos:
No conceito de pessoa, na sua unicidade e dignidade, na ideia de que
cada ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus, e que existe
90
LUBICH, Chiara. Ideal e luz: pensamento, espiritualidade, mundo unido. Traduções Irani B. Silva, José M.
de Almeida e Iracema do Amaral. São Paulo: Brasiliense; São Paulo: Vargem Grande Paulista, Cidade Nova,
2003. p. 321.
91
BERNHARD, Agnes. Elementos do conceito de fraternidade e de direito constitucional. In: CASO, Giovanni et al. (Orgs.). Direito e fraternidade: ensaios, prática forense. São Paulo: LTr; Cidade Nova, 2008. p.
39.
36 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
em todos os homens, inclusive no mais desprezível, uma chama, uma
centelha divina que não se apaga; na ideia que existe um Pai e que, por
isso, todos, os homens são irmãos, superando assim as barreiras sociais
e culturais.92
Afirma Giussepe Tosi, que não só os direitos humanos e a fraternidade
encontram suas raízes no cristianismo, mas também a igualdade e a liberdade.93
John Rawls apud Pasquale Ferrara, em seu trabalho “Uma teoria de justiça”, firmada no pensamento onde se tem “o maior bem para o maior número”, ou seja, não em princípios de utilidade, mas numa ideia mais profunda
de justiça, com base “na ordem social onde a distribuição do poder e da riqueza, serão justas se alcançar os membros menos favorecidos da sociedade, bem como, os cargos e posições deverão ser abertos a todos.” Rawls
chamou essa ideia de “princípio da diferença” que vincula expressamente à
ideia de fraternidade.94
Ferrara com base nos ensinamentos de Rawls, considera que desse
modo, o conceito de fraternidade, frequentemente obscurecido na teoria
política moderna, por ser julgado restritivo e “familiar”, torna-se um modelo
perfeitamente aceitável e politicamente praticável. 95
Nesse sentido Agnes Bernhard, ressalta que a fraternidade requer a
contribuição ativa de todas as pessoas envolvidas e a assunção de responsabilidades comuns e, se necessário, também de responsabilidades diferenciadas.96
A doutrina é clássica em afirmar que a sociedade não vive sem o direito, posto que este regula as relações entre todos, disciplinando os direitos e
instituindo os deveres comuns.
Nesse sentido, é fácil imaginar o que seria a sociedade sem o direito:
anarquia, violência e tudo o que dela se extrai.
92
BAGGIO, A. M. O princípio esquecido/2: exigências, recursos e definições da fraternidade na política.
Traduções Durval Cordas e Luciano Menezes Reis. São Paulo: Vargem Grande Paulista, Cidade Nova. 2009.
p. 560.
93
TOSI, Giussepe, A fraternidade é uma categoria política? In: BAGGIO, A. M. (Org.). O princípio esquecido/2: exigências, recursos e definições da fraternidade na política. Traduções Durval Cordas e Luciano Menezes Reis. São Paulo: Vargem Grande Paulista, Editora Cidade Nova. 2009. p. 57.
94
FERRARA, Pasquale, A fraternidade na teoria política internacional. In: BAGGIO, A. M. (Org.). O princípio esquecido/1: a fraternidade na reflexão atual das ciências políticas. Traduções Durval Cordas, Iolanda
Gaspar e José Maria Almeida. São Paulo: Vargem Grande Paulista, Editora Cidade Nova. v. 1. 2008. p. 175.
95
FERRARA, loc. cit.
96
BERNHARD, Agnes. Elementos do conceito de fraternidade e de direito constitucional. In: CASO, Giovanni et al. (Orgs.). Direito e fraternidade: ensaios, prática forense. São Paulo: LTr; Cidade Nova, 2008. p.
63.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
37
A sociedade passou por inúmeras fases, não distintas e estanques entre si, até alcançar a ideia de Jurisdição como é hoje, ou seja, o poder atribuído ao Estado-Juiz que tem como a função dirimir conflitos de interesses.
Aponta Fernando Bolque, que em tempos pretéritos vigorava a lei do
mais forte, fase conhecida como a vingança privada, autotutela e/ou autodefesa. Como não poderia deixar de ser, as ideias eram eminentemente individualistas, onde aquele que detinha a força física impunha a sua vontade sobre o outro, que simplesmente cedia e subjugava.97
Nessa mesma época conforme o autor, também vigorava outra espécie
de resolução de conflitos que era a autocomposição. Esta se caracterizava
pela forma pacífica de resolução dos conflitos. 98
Este intróito revela que a sociedade, desde antiguidade, tinha uma preocupação essencialmente individualista.
Tanto é verdade que, basta lembrar que no desenvolvimento da sociedade temos a realidade dos feudos, onde os senhores proprietários das terras eram soberanos, inclusive decidindo a sorte de seus camponeses.
Bolque, citando Paulo S. Frontini et al., lembra que mesmo com o advento da Revolução Francesa com seu lema de liberdade igualdade e fraternidade, a sociedade de modo geral, ainda pensavam no individual, posto que
a ideia de respeito absoluto ao indivíduo foi a marca característica da Revolução.99
A ideia tradicional do lema liberdade, igualdade e fraternidade, nos
remete, que os dois primeiros, são princípios de Justiça. Mas, e a relação
entre Direito e Fraternidade é possível?
Antes, porém de iniciar qualquer discussão, vale lembrar que a expressão “Direito” será aqui usada como Ciência cujo, objeto é o conjunto das
regras de um ordenamento jurídico estatal. A expressão fraternidade por sua
vez será utilizada como categoria jurídico-constitucional, princípio protetor
(tutela) dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, nos dizeres de Carlos Augusto Alcântara Machado, fraternidade e Direito não são necessariamente excludentes, fato que a fraternidade enquanto valor foi recepcionada tanto na Constituição Portuguesa de
1976, como na Brasileira de 1988, há referência expressa à fraternidade ou à
solidariedade.100
É importante salientar que os direitos fundamentais em sentido formal
são aqueles previstos no texto constitucional, mas, também, fala-se em di-
97
BOLQUE, Fernando. Interesses difusos e coletivos: conceitos e legitimidade para agir. Revista Direito e
Sociedade, Curitiba, v.1, n.1, p. 86, set.-dez. 2000.
98
BOLQUE, loc. cit.
99
BOLQUE, 2000, p. 90.
100
MACHADO, C. A. A. A fraternidade como categoria jurídico-constitucional. In: Congresso Nacional
Direito e Fraternidade. Vargem Grande Paulista. Anais... Vargem Grande Paulista/SP: Direito e Comunhão,
2008. p. 3.
38 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
reitos fundamentais em sentido material, embora não previstos no texto
constitucional, mas devido à importância de seu conteúdo, a eles se equiparam.
Segundo Machado, para enfrentar o tema fraternidade como categoria
jurídica, considerado por muitos e particularmente para juristas em geral
como extrajurídico ou meta jurídico, é mister que seja posta uma premissa,
sem a qual a fraternidade não pode ser perseguida: o reconhecimento da
ideia de igualdade contida no primeiro princípio unida ao conceito de igual
oportunidade, entre todos os seres humanos. Para o autor a igualdade por
ele entendida é antes de tudo uma igualdade em dignidade, considerada
numa perspectiva dinâmica e não estática.101
Fausto Goria, diz que o Direito, segundo uma concepção muito difundida, tem como fim a permanência ordenada de um grupo bem como a coexistência pacífica dos sujeitos que o compõem, de modo que os conflitos
sejam reduzidos ao mínimo e rapidamente resolvidos.102
A fraternidade aspira certamente a realizar muito mais, mas não se pode dizer que ela vá em direção oposta ao Direito.
Ressalta Bernhard, que o conceito de fraternidade é tão rico de implicações que ele não pode acontecer com os meios muitas vezes limitados do
Direito. Nessa perspectiva, o primeiro passo a ser dado será identificar, os
princípios adequados que instituíam juridicamente, as condições para se
realizar à fraternidade.103
De acordo com Óscar Vasquez, ao tratar das relações jurídicas e fraternidade, certamente não se pode prescindir do Direito privado, que, por sua
natureza, é o campo privilegiado das relações, que nascem da experiência
cotidiana e se exprime em regras que buscam fundamentá-las na dimensão
da Justiça.104
Quando se rompe uma relação, acontece no grupo um trauma. As extremas dificuldades com que, geralmente, a convivência em todos os níveis
se debate, bem como, os desafios que se colocam, frente às próprias regras
da convivência, intui-se, que o instituto fraternidade ajuda os sujeitos no
cumprimento de seus deveres recíprocos e apóia o desenvolvimento normal
das relações.105
101
MACHADO, loc. cit.
GORIA, Fausto. Fraternidade e direito: algumas reflexões. In: CASO, Giovanni et al. (Orgs.). Direito e
fraternidade: ensaios, prática forense. São Paulo: LTr; Cidade Nova, 2008. p. 25.
103
BERNHARD, 2008, p. 63.
104
VASQUEZ, Óscar. Relações jurídicas e fraternidade. In: CASO, Giovanni et al. (Orgs.). Direito e fraternidade: ensaios, prática forense. São Paulo: LTr; Cidade Nova, 2008. p. 110.
105
VASQUEZ, 2008, p. 25.
102
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
39
Para Vasquez, a ideia de fraternidade como força motriz da relação que
impulsiona um unir-se a outro, a se construir e reconstruir a vida em sociedade, não se está, com isso, fechando os olhos à existência de interesses
egoístas na sociedade ou mesmo à maldade humana que provoca os conflitos. O “conflito” é, na verdade, um dado sociológico que o Direito tem em
conta.106
Se Caim não tivesse matado Abel, não haveria o Direito.
Escreve Giuseppe Tosi:
Se a fraternidade remete à ideia de um “outro” que não sou eu nem meu
grupo social, mas o “diferente” diante do qual tenho deveres e responsabilidade, e não somente direitos a opor. A fraternidade é entendida
aqui de maneira oposta à famosa resposta de Caim quando interpelado
pelo Senhor: “'Onde está teu irmão Abel? ' E ele respondeu: 'Não sei.
Acaso sou eu responsável por meu irmão?''' (Gn 4,8-9). Caim era irmão
no sentido carnal, mas não foi fraterno, porque não se sentia responsável pelo outro. Por isso Jesus Cristo disse que seus irmãos eram o que o
seguiam (cf. Mt 12,46-50), desvinculando o sentido de fraternidade dos
laços de sangue para laços mais amplos e tendencialmente universais.107
O direito não é por si mesmo, aquele que resolve o conflito, é um instrumento, embora não o único, que serve à prevenção, um meio para caminhar em direção à solução dos litígios ou lides. O Direito exprime, portanto,
as forças construtivas do homem e não as destrutivas. 108
Goria afirma que o Direito tem como fim a permanência ordenada de
um grupo e, como premissa, a coexistência pacífica dos sujeitos que o compõem, de modo que os conflitos sejam reduzidos ao mínimo e rapidamente
resolvidos.109
Para o autor o Direito não se limita a relação particular, mas esta é colada no cenário do grupo no seu conjunto e no seu ordenamento: assim como numa família as relações não se realizam só entre um irmão e outro, mas
atinge toda à família.110
O Direito privado tem um apelo, para a responsabilidade com a comunidade e, ao mesmo tempo, para com os indivíduos, valoriza as realidades
associativas e econômicas que buscam um desenvolvimento econômico e
social e os Direitos Humanos.
Ressalta Goria, que quando a autoridade pública intervém em relações
privadas com leis vinculadas, faz isso tendo em vista da dimensão comunitá-
106
Ibid., p. 110.
TOSI, 2009, p. 59.
VASQUEZ, 2008, p. 110.
109
GORIA, 2008, p. 25.
110
GORIA, loc. cit.
107
108
40 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
ria e a tutela dos valores coletivos, mediante sanções indisponíveis para o
sujeito, cuja aplicação, este não pode renunciar.111
No entanto, se os valores da relação requererem uma tutela maior, a
sanção deixa o âmbito do Direito privado para se situar em outros ramos,
como por exemplo, o Direito penal, tendo em conta a dimensão comunitária
o dever de respeitar, o devido processo legal, o princípio do contraditório e
os direitos fundamentais da pessoa humana.
Substancialmente, portanto o Direito parte de um de fato: a vida concreta cotidiana das pessoas, de um grupo e a sua propensão em direção a
uma relação de fraternidade. Para manter essas relações o Estado pode favorecê-las por meio de leis, que propõe normas supletivas, sanções dentre
outras.112
Outro exemplo é no ramo do Direito empresarial, a lei do Estado pode
contribuir de forma positiva ou negativa com respeito à possibilidade de decisão com relação aos empresários aos quais concede ou nega incentivos. Ao
passo que se os concede na perspectiva da fraternidade, o Direito empresarial pode se colocar a serviço, numa relação recíproca com a economia, cuja
finalidade passa a ser vencer a pobreza e a injustiça.
Segundo Vasquez, no âmbito do Direito de família vê se claramente
que a lei do Estado pode favorecer, ou desfavorecer, determinados tipos de
convivência. O Estado pode tutelar de modo permanente a família, não só do
ponto de vista do Direito Privado, mas também do Direito Público, reconhecendo, desse modo, que não há sociedade sem a preexistência do núcleo
familiar, pedra angular sobre a qual se apóia. 113
Para o mesmo autor, o conceito de fraternidade tem na família uma validade intuitiva e etimológica, e a sua matriz sociológica é evidente. 114
A família é o “lugar” onde nasce à fraternidade, com os consequentes
valores de solidariedade, afeto e cooperação, gerando unidade entre seus
membros.
Na família, é mais natural a partilha dos bens, a acolhida, a correção
fraterna, o cuidado com o outro, com a casa comum, a transmissão de conhecimentos e valores a sadia circulação de notícias.
Tais comportamentos verificam-se, depois, na vida do cidadão, à medida que foram vividos, de algum modo, na família.
Todavia, o Direito, pela sua parte, pode cooperar de maneira significativa no sentido de inserir a família no seu desígnio natural, atraindo sua natural propensão à unidade, quer na esfera legislativa, quer no campo da aplicação da lei.
111
Ibid., p. 30.
VASQUEZ, 2008, p. 111.
113
VASQUEZ, loc. cit.
114
VASQUEZ, loc. cit.
112
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
41
À fraternidade é evidente na dimensão dos direitos humanos, e nesse
sentido, a Convenção sobre os Direitos das Crianças, recepcionada pela Assembléia das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, considerada o
instrumento internacional mais completo no que concerne à defesa das crianças, referindo-se tanto a direitos econômicos, como sociais, culturais,
civis e políticos e, em especial a vulnerabilidade destas. 115
A Convenção dos Direitos da Criança veio suceder a Declaração de Genebra dos Direitos da Criança de 1924 e a Declaração dos Direitos das Crianças da Assembléia Geral das Nações Unidas de 1995.
Tendo sido adotada em uma votação pela Assembléia Geral das Nações
Unidas em 20 de Novembro de 1989 e entrado em vigor em 2 de setembro
de 1990, sendo que apenas dois países ainda não a ratificaram, a saber, os
Estados Unidos que tem a intenção de assiná-la formalmente e a Somália
que não tem um Estado reconhecido.
A Convenção mencionada foi ratificada pelo Brasil em 24 de setembro
de 1990, ocasião, já estava em vigor a Constituição Federal de 1988, que
consagra à criança e ao adolescente um dos mais expressivos textos de direitos fundamentais da pessoa humana, cujo, conteúdo foi explicitado pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, que assume função de elevada dignidade de ser espaço destinado à garantia dos direitos da população infanto-juvenil.116
José A. da Silva, enfatiza que o art., 227 da Constituição Federal de
1988 é, por si só, uma carta de direitos fundamentais da criança e do adolescente, assim, o transcrevemos:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 117
Aponta Munir Cury em sua contribuição para o Estatuto da Criança e
Adolescentes, a cerca idéia de família e adoção:
Interessa-nos no momento o tema família e adoção. A convivência com
a pobreza e a injustiça que antes provocava e justificava a perda do po-
115
BÁRBARA, C. C. D. de. A proteção internacional dos direitos das crianças envolvidas em conflito
armados. 98f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade Estadual de Londrina,
Londrina, 2007. p.12.
116
SILVA, J. A. Direitos humanos da criança. Igualdade, Curitiba, v. 10, n. 37, p. 09 out.-dez. 2002.
117
SILVA, 2002, p. 9.
42 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
der familiar, ofereceu-nos a oportunidade de inserir expressamente na
lei a determinação de que “a falta ou carência de recursos materiais não
constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder”,
Não existindo outro motivo além da pobreza a criança será mantida na
sua família de origem, a qual será incluída em programas oficiais de auxílio.118
Para o autor a necessidade de tal previsão legal que foi posteriormente
confirmada pela jurisprudência pelos Tribunais, ao consagrarem reiteradamente.119
A regra visa a proteger os pais pobres, porém diligentes no cuidado dos
filhos. Tem por fito amparar aqueles que lutam com dificuldades, muitas
vezes extremas, mas que não desistem dos filhos. Tutela o interesse dos
pobres em preservar a prole, quando esse interesse é manifestado pelo
inconformismo de quem,não se acomoda não se o omite nas tentativas
de propiciar uma vida digna aos filhos. De quem aceita as orientações e
oportunidades que necessariamente devem ser ofertadas pelos órgãos
de assistência social.120 (Tribunal de Justiça de São Paulo, apelação
nn.22984-0/0 e 260910/4)
É inegável que o Brasil, pela via das crianças e adolescente deu um
passo interveniente obrigatório e fundamental, no que tange a Justiça da
Infância e Juventude, objetivando a implementação das regras da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Goria em seu artigo “Fraternidade e Direito: algumas reflexões” faz a
seguinte pergunta: o que tem a ver a fraternidade com o Direito? Existem
correlações ou trata-se de relações antagônicas? Para o autor o antagonismo
parece ser o mais difundido.121
No entendimento do autor à fraternidade tem natureza espontânea,
enquanto é típico do Direito, a co-atividade.122
Para Goria, a relação entre Direito e fraternidade se dá no sentido que
o Direito será, tanto mais necessário, quanto menos à fraternidade age, e vai
além, no seu pensamento, afirmando, que em uma sociedade impregnada de
fraternidade poderia dispensar o Direito. 123
118
CURY, Munir. O instituto da adoção e a realidade social brasileira. In: CASO, Giovanni et al. (Orgs.).
Direito e fraternidade: ensaios, prática forense. São Paulo: LTr; Cidade Nova, 2008. p. 105
119
CURY, loc. cit.
120
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nn.22984-0/0 e 260910/4.
121
GORIA, 2008, p. 25.
122
GORIA, loc. cit.
123
GORIA. loc. cit.
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
43
Na idade Moderna, o valor da fraternidade foi proclamado, pela Revolução Francesa, em simbiose com os princípios da liberdade e da igualdade.
Estes dois últimos transformaram-se em importantes valores jurídicos.
Na Constituição Federal do Brasil de 1988, ao que parece à fraternidade restou o status de princípio pragmático, estabelecendo como objetivo
fundamental da República a construção de uma sociedade solidária (art.3o, I
CF).124
Tosi defende que ao enfatizar a liberdade e a igualdade em detrimento
da fraternidade, a Modernidade acentuou aspectos individualistas e egoístas
até mesmo nos Direitos Humanos, esquecendo o caráter social, fraterno e
solidário desses mesmos Direitos, que não são simplesmente do indivíduo e
dos grupos, mas também, do “outro”, do pobre, do menos favorecido. 125
Nos dizeres do autor se a liberdade remete ao indivíduo na sua singularidade, e a igualdade abre-se para uma dimensão social, ao passo que à
fraternidade, remete à idéia de um “outro” que não sou eu nem meu grupo
social, mas o “diferente” diante do qual se tem deveres e responsabilidades,
e não somente direitos a opor.126
Boaventura de Souza Santos enfatiza que no Brasil, nos últimos vinte
anos foram promulgadas legislações que de modo ou outro, foram ao encontro dos interesses sociais das classes trabalhadoras e também dos interesses emergentes nos domínios da segurança social e da qualidade de vida.127
Para o autor, muitas dessas legislações têm permanecido como letra
morta, “quanto mais caracterizante uma lei que protege os interesses populares e emergentes, maior é a probabilidade de que ela não seja aplicada.” 128
Assim, a busca democrática pelo direito deve ser no Brasil, a busca pelo direito vigente, tanto quanto pela mudança do entendimento do direito no
que for possível, mediante interpretações inovadoras da lei, obter proteções
voltadas ao desenvolvimento das classes sociais menos favorecidas.
Santos, chamou de “uso do alternativo do Direito”, um estudo que teve
origem na Itália, cujo, objetivo era dar proteção integral aos pobres, tendo
como retaguarda o “aumento dos poderes do juiz.” No Brasil o estudo foi
aplicado na cidade de Recife-PE, em litígios relacionados a conflitos urbanos,
sobretudo no direito de propriedade da terra, na periferia onde vive a metade da população da cidade.129
124
CONSTITUIÇÃO, 1988, art.3o, I.
TOSI, 2009, p. 58.
126
TOSI, loc. cit.
127
SANTOS, B. S. Pela mão de Alice: o social e político na pós-modernidade. 10. ed. São Paulo: Cortes,
2005. p. 178.
128
SANTOS, loc. cit.
129
SANTOS, loc. cit.
125
44 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
O resultado revelou que os moradores da periferia têm conseguido algumas vitórias nos tribunais, ainda que os argumentos alegados sejam relativamente frágeis em termos jurídicos.130
Para o autor essas vitórias nos tribunais, configuram o autêntico uso
alternativo do Direito, que tem como premissa: combinar uma argumentação
tecnicamente sofisticada feita por advogados, que trabalham para as classes
populares, sob a perspectiva de dar uma interpretação inovadora do direito
positivado.131
No caso especifico da cidade de Recife essa iniciativa teve como pano
de fundo a comissão de Justiça e Paz da diocese de Olinda e Recife por iniciativa do bispo D. Helder Câmara.
Corrobora Mário Luiz Ramidoff, o tratamento fragmentário dos dramas
humanos, que justifica o modelo de atuação profissional sob a perspectiva
de ser neutra e isenta, a fim de se evitar “transferências” supostamente capazes de afetar a racionalidade técnica do advogado, não aumentou e sequer
melhorou a eficácia resolutiva das práticas pautadas numa impessoalidade
racional.132
Nessa perspectiva, sugere a autor que o primeiro passo a ser dado é
procurar princípios adequados que consintam criar, juridicamente, as condições para se realizar à fraternidade.133
É preciso, fazer valer o princípio da fraternidade, estampado como
compromisso ideológico e doutrinário que serve de pilar ao Estado Democrático de Direito, fulcrado a partir do preâmbulo da nossa Lei Maior, que
dispõe:
Para instituir um estado democrático, destinado a assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundamentada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com
a solução pacífica das controvérsias.134
Lembra Samia Saad Gallotti Bonavides, que nosso procedimento civil,
tem seu modelo, sua terminologia, e seus métodos de raciocínio nos direitos
romano e germânico. Para a autora, mesmo sendo fiel a sua origem, ora dela
130
SANTOS, loc. cit.
SANTOS, loc. cit.
RAMIDOFF. M. L. Trajetórias jurídicas desafios e expectativas. Florianópolis: Habitus, 2002. p. 26.
133
RAMIDOFF, loc. cit.
134
RAMIDOFF, loc. cit.
131
132
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
45
se difere de forma sutil, sendo influenciado por um ramo francês, sobretudo,
por movimentos como a Revolução Francesa de 1789, razão que leva alguns
doutrinadores a filiar a nossa tradição ao que denominam de sistema francogermânico.135
Ressalta ainda, autora que foi pela influência da Revolução Francesa,
plena de ideias novas, e em si um esperançoso alento para a humanidade,
marcando o século XIX, como os das codificações. 136
Grande inspiradora da lei codificada foi a Escola de Direito Natural, no
século XVIII, ao teorizar que, fazer leis é atributo do legislador (monarca ou
parlamento) autorizado a reformar o direito de modo a abstrair os erros do
passado, partindo daí a nova fórmula dos códigos, adotados até hoje.
No ensinamento do clássico francês Charles de Montesquieu que sustentou a doutrina da divisão de poderes, assinalando que “estaria perdido se
um mesmo corpo de príncipes ou nobres exercesse esses três poderes: o de
fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou
demandas dos particulares.” 137
Nessa linha de entendimento, a Declaração dos Direitos do Homem e
do cidadão de 26 de agosto de 1789, obra da Revolução Francesa e que resume a sua ideologia político-jurídica, proclamou no seu art. 16 que “toda
sociedade que não assegure a garantia dos direitos nem estabeleça a separação dos poderes, não tem constituição.” 138
No entanto Bolque enfatiza que toda a legislação processual civil brasileira, traz implícita, uma ideia individualista e egoísta.139
Para do autor, Institutos como o das partes, da legitimação para agir,
do interesse processual, da sentença, da coisa julgada que faz lei entre as
partes, demonstra a índole egoísta da legislação. 140
Não há restrição de que existam regras a respeito das relações interindividuais, mas a preocupação do Código de Processo Civil Brasileiro é tão
somente a individualidade.
Esta marca de individualidade do processo deve-se segundo a lição de
José Marcelo Menezes Vigliar, ao fato de que foi concebida e influenciada por
codificadores, que vivenciavam ainda a segunda fase metodológica da Ciência Processual, preocupados e devotados com a busca da identificação do
Direito Processual como Ciência em relação ao direito material.141
A modernidade do século XXI parece ter acentuando os aspectos individualistas e egoístas da legislação em vigor, esquecendo o caráter social,
135
BONAVIDES, S. S. G. Direito e civilização: a contribuição do processo civil (o triunfo da verdade busca
do bem comum sobre a retórica). Revista Direito e Sociedade, Curitiba, v. 1, n.1, set.-dez. 2000. p. 118.
BONAVIDES, loc. cit.
137
MONTESQUIE, Charles de. O espírito das leis. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 163.
138
DECLARAÇÃO, 217 A.
139
BOLQUE, 2000, p. 90.
140
BOLQUE, loc. cit.
141
VIGLIAR, J. M. M. Ação civil pública. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 17.
136
46 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
fraterno e solidário desses mesmos direitos, que não são simplesmente do
indivíduo e dos grupos, mas também do “outro”, do mais pobre.
Para Bonavides, o processo civil vem sofrendo profundas mudanças,
estimulado pelo pensamento daqueles que preconizaram a ideia da efetividade do processo, ou seja, de um instrumento com destinações definidas,
cujos objetivos precisam ser alcançados para que se cumpra seu fim de utilidade e para que seja socialmente legítimo.142
Chiovenda apud Bonavides, já havia afirmado, com propriedade e de
forma precisa, que “na medida do que for praticamente possível o processo
deve proporcionar a quem tem um direito, tudo aquilo e precisamente aquilo
que ele tem o direito de obter.” 143
Nas palavras da autora o processo deve outorgar a quem tem razão,
toda a tutela jurisdicional a que tem direito. Nesse sentido Cássio M. Honorato, frisa que o melhor entendimento desse pensamento pode ser compreendido por meio de uma conhecida passagem, muitas vezes repetida em sala
de aula:
Em meio ao tumulto, o repórter aproximou-se do chefe indígena e perguntou o que o índio queria. Em resposta, certeira como a flecha, o bravo guerreio afirmou: “Índio quer Justiça.” Não perdeu tempo o repórter e
emendou uma segunda pergunta: “o que é Justiça?” E o sábio chefe respondeu:” Dar o que é meu!”144
Nos dizeres de Paulo Dourado Gusmão a resposta do sábio cacique vai
ao encontro da definição romana de Justiça: “Justitia est constans et perpetua
voluntas jus suum cuique tribuendi (justiça é a constante e perpétua vontade
de dar a cada um o que é seu).145
Antônio de Pádua Ribeiro é enfático em dizer que é preciso ter-se em
conta que num Estado Democrático de Direito, o governo é das leis e não
dos homens.146
Corrobora José Afonso da Silva: “O democrático qualifica o Estado, o
que irradia os valores da democracia sobre a ordem jurídica. O direito, então,
imantado por esses valores, se enriquece do sentir popular e terá que ajustar-se ao interesse coletivo.” 147
Na clássica afirmação kelseniana que: o Direito reflete a norma, ou seja, se uma regra de conduta estiver prevista em norma jurídica, isto é Direito.
142
BONAVIDES, 2000, p. 115.
BONAVIDES, loc. cit.
HONORATO, C. M. Virtudes do direito: elementos a legitimar o Estado Democrático de Direito. Revista
Direito e Sociedade, Curitiba, v. 4, n. 3, p. 109, jan.-jul. 2007.
145
GUSMÃO, P. D. de. Introdução ao estado do direito. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 72.
146
RIBEIRO, A. P. O judiciário como poder político no século XXI. Revista Direito e Sociedade, Curitiba, v.
1, n. 1, p. 12, set.-dez. 2000.
147
SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 119.
143
144
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
47
E viver em um Estado de Direito seria viver sob o Império da Lei, fosse ela
imoral ou contrária à ética deveria ser cumprida pois a lei é a lei.
Neste patamar aduz Ramidoff, que o paradigma reducionista e cientificista, impõe a apropriação do conflito pelo Estado, sob a promessa de segurança jurídica, que as lides terão adequado tratamento e receberão respostas
satisfatórias, levando em conta, que o sistema atuará através de um operador que conhece a lei (é técnico), que não se deixa envolver emocionalmente
(é neutro), que não vai pender nem para um nem para outro lado (é imparcial), e que terá como instrumental (absolutamente seguro) a lei e a dogmática
jurídica.148
Para Bonavides, o grande objetivo da legislação em vigor (Código de
Processo Civil), é atingir a sociedade como um todo, nos seus valores básicos
e fundamentais e propiciar a realização dos direitos que abranjam um número cada vez maior.149
Nas bem ponderadas e lúcidas lições de Antônio de Pádua Ribeiro.
Nesta época de globalização e liberalismo econômico, acerbas críticas
são dirigidas aos entes públicos, ao fundamento de que não funcionam
a contento a serviço da coletividade e de que se tem esquecido da sua
finalidade precípua, qual seja, a de realizar o bem comum e, em decorrência, ajudar a população a alcançar a sua grande aspiração, que é de
toda a Humanidade: efetivar o sonho de ser feliz.150
Esclarece ainda Marco Mondaini ao afirmar que:
No decorrer da segunda metade dos anos 1980, o Brasil tenha realizado
a sua transição para uma autêntica “Era dos Direitos.” Isso não apenas
porque começamos a deixar para trás todo um passado marcado pela
existência de inúmeros regimes de caráter ditatorial no plano político,
mas também devido ao fato de que os direitos que começavam a ser
conquistados passaram a ser reconhecidos de uma maneira universal,
tanto nos campos civil, político e social quanto nos níveis individual e
coletivo.151
Nesse sentido Ribeiro é enfático ao afirmar que em termos de garantias
jurisdicionais dos cidadãos, relativamente à administração da justiça, a
Constituição Federal de 1988, adota como postulado constitucional fundamental:
o “devido processo legal”, expressão da inglesa “ due process of law” ao
dizer, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal” (art.5o, LIV). Adota, ainda o princípio da inafastabilidade
148
RAMIDOFF, 2002, p. 27-28.
BONAVIDES, 2000, p. 117.
150
RIBEIRO, 2000, p. 14
151
MONDAINI, Marco. Direitos humanos no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. p. 97.
149
48 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
do controle jurisdicional, ao estatuir que a “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art.5o, XXXV). Consagra o princípio da isonomia: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito á vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e a propriedade”, “homens e mulheres são iguais
em direitos e obrigações,nos termos desta Constituição” (art.5o, caput e
inciso I). Estabelece ainda, o princípio do juiz ou promotor natural, ao
dizer que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”, e que ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art.5o,
XXXVII e LIII). Estatui o princípio do contraditório: “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios de recursos a ela
inerentes” (art.5o, LV). Prevê o princípio da proibição da prova ilícita: “são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art.5o,
LVI); o princípio da publicidade dos atos processuais: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos” (art.93, IX),
acrescentando que “só a lei poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o exigirem”
(5o,LX); e o princípio da motivação das decisões judiciais sob pena de
nulidade (art. 93, IX).152
Nesse sentido resgata Miguel Reale, que o princípio da equidade empregado como elemento de integração do direito, preenchendo as lacunas da
lei “a fim de que possa dar sempre resposta jurídica, favorável ou contrária, a
quem se encontre ao desamparo da lei expressa.” 153
Por sua vez Honorato, a luz dos ensinamentos de Vicente Ráo, desenvolve o seguinte conceito de equidade:
Designa-se por equidade uma particular aplicação do princípio da igualdade às funções do legislador e do juiz, a fim de que, na elaboração das
normas jurídicas e em suas adaptações aos casos concretos, todos os
casos iguais, explícitos ou implícitos, sem exclusão, sejam tratados
igualmente e com humanidade, ou benignidade, corrigindo, para este
fim, a rigidez das fórmulas gerais usadas pelas normas jurídicas, ou
seus erros, ou omissões.154
A equidade, sendo por sua vez, uma virtude anexa à Justiça, também
se concretiza por meio dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e
também contém aspectos do princípio da fraternidade.
Mais uma vez o autor apoiado nas lições de Ráo, acrescenta que a esses princípios, supracitados, a necessidade “do Direito ser aplicado de modo
humano e benigno”, trazendo consigo não só não a noção de dignidade da
pessoa humana, mas sobretudo a ideia de fraternidade. 155
152
RIBEIRO, 2000, p.14.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 292.
154
HONORATO, 2007, p.118.
155
HONORATO, 2007, p. 113.
153
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
49
No ordenamento jurídico brasileiro, a possibilidade, de emprego do
princípio da equidade encontrava prevista de forma muito limitada no artigo
127 do Código de Processo Civil: “O juiz só decidirá nos casos previstos em
lei”, na hipótese, por exemplo, de procedimento de jurisdição voluntária
(art.1109 do Código de Processo Civil). 156
Este quadro sofreu alteração substancial com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que recepcionou explicitamente como fundamento
princípiológico de nosso Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, vertido nos seguintes termos:
Art. 1o - A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem com fundamento:
III- a dignidade da pessoa humana.157
Nesse sentido Ingo W. Sarlet, que desenvolve com maestria estudos
sobre a dignidade da pessoa humana e, com propriedade ensina:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a
pessoa tanto contra o todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas
para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação
ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em
comunhão com os demais seres humanos.158
Nesse sentido é pertinente o pensamento de Ribeiro, a Lei e a Justiça
“compõem as duas faces deste universo sobre o qual gravitam todos os fenômenos jurídicos.” 159
E o autor é enfático em dizer que existe uma “crise da Lei” e uma “crise
da Justiça” e, que essas, decorrem da “distorção entre a lei e os anseios sociais” e da “ineficiência da realização da justiça.” 160
Por outro lado os conflitos multiplicam-se na sociedade e, a cada instante, os cidadãos estão a clamar por justiça, estes precisam de decisões
para serem solucionadas, mas, em outra medida, a justiça da decisão depende da justiça legal. No entanto, o magistrado tem como atividade essencial a
submissão dos fatos às normas.
156
BRASIL. Código de processo civil. Disponível em: <http:/www.planalto.gov.brccivil/DecretoLei/De14657.htm> Acesso em: 20 jul. 2010.
157
CONSTITUIÇÃO, 1988, art. 1.
158
SARLET, 2002, p. 62.
159
RIBEIRO, 2000, p. 15.
160
RIBEIRO, 2000, p. 15.
50 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
É nesse sentido que Ribeiro diz que a “uma sentença em que se constrói o 'jurídico' antes do 'justo' se equipara uma casa onde se erige o teto
antes do solo”, e valendo-se dos conhecimentos de Plauto Faraco de Azevedo, preconiza a era de um poder judicial criativo: 161
Que preconiza atenda às exigências de justiça perceptíveis na sociedade
e compatíveis com a dignidade humana, um poder para cujo exercício o
juiz se abra ao mundo ao invés de fechar-se nos códigos, interessandose pelo que se passa ao seu redor, conhecendo o rosto da rua, a alma do
povo, a fome que leva o homem a viver no limiar da sobrevivência. 162
Mas não basta apenas repensar o judiciário, o deslinde dos conflitos
ocorre mediante atuação dos Poderes do Estado: o Executivo, o Legislativo e
o Judiciário. Portanto, a justiça em termos estatais, não é praticada só pelo
Judiciário, mas também pelos outros Poderes. Ao judiciário cabe solucionar
apenas certos conflitos denominados litígios e/ou lides.
Pelo exposto é possível concluir que o direito processual vem evoluindo a guisa de diferentes fatores, mas, no limiar do Terceiro Milênio, há o
aspecto prevalente que se convencionou chamar “acesso a justiça”, que nas
palavras de Ribeiro mais é do que a “abertura da ordem processual aos menos favorecidos da fortuna e à defesa de direitos e interesses supraindividuais, com a racionalização do processo.” 163
Que nos dizeres Cândido Rangel Dinamarco o que se almeja é a efetividade do processo, sendo indispensável, para isso, pensar no processo como algo dotado de bem definidas destinações institucionais e que deve os
seus objetivos sob pena de ser menos útil torna-se socialmente ilegítimo.164
Watanabe apud Dinamarco diz que acesso a justiça é o acesso à ordem
jurídica justa, e enfatiza que “não tem acesso a justiça aquele que sequer
consegue fazer-se ouvir em juízo, como também todos os que, pelas mazelas do processo, recebem uma justiça tarda ou alguma injustiça de qualquer
ordem.165
Como visto, hoje não se pede ao Estado apenas proteção, mas muito mais
que isso. Entretanto essa obrigação, não pode ser realizada através de pura e
simples manifestação do voluntarismo político, que enseja ainda, aquela deficiência a contínua edição de leis, muitas delas aprovadas e mal redigidas causadoras
de insegurança jurídica - quiçá um dia uma verdadeira nação – puder reunir os
princípios da liberdade igualdade e fraternidade, de modo a concretizar o fundamento principiológico da dignidade da pessoa humana.
161
RIBEIRO, loc. cit.
RIBEIRO, loc. cit.
Ibid., p. 16.
164
DINAMARCO. C. R. A reforma do código de processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 21.
165
DINAMARCO,1998, p. 22.
162
163
RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 7, n. 2 jul/dez 2011
51
A natureza das normas que disciplinam os Direitos Humanos e as garantias fundamentais é de direito constitucional na medida em que estas se
inserem no texto de uma constituição, tendo, portanto, uma aplicabilidade
imediata.
Entende-se por Direito Humanos aqueles que são inerentes aos indivíduos pela simples razão de pertencerem à raça humana, independente de
vinculação a um determinado Estado, entendimento esse que contribuiu para
a criação de uma ordem internacional capaz de agrupar os interesses dos
Estados em busca de um ideal comum.
A Constituição Federal de 1988, expressamente reproduziu uma série
de direitos humanos no seu texto constitucional, prevendo na Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948, data em que
também é ratificada pelo Brasil. Dotando-os de plena eficácia no ordenamento jurídico brasileiro.
O art. 5o da Constituição Federal do Brasil, descreve os direitos e as garantias individuais, com presteza das Constituições mais modernas do mundo. Mas não é só: ramos do direito como, meio ambiente, direito do consumidor, os direitos fundamentais da criança e do adolescente, a lei tributária e
fiscal, bem como a função social, presente em diferentes capítulos do texto
constitucional.
O Princípio da Fraternidade é recepcionado na Declaração Universal dos
Direitos Humanos nos seguintes termos: assegurando a liberdade, a igualdade, e a dignidade da pessoa humana, bem como o dever de cada ser humano
agir com o espírito de fraternidade.
Faz-se mister aos operadores do direito sejam eles, juízes de direito,
promotores de justiça, defensores públicos, advogados, estudiosos do Direito, e
aos detentores do poder, que não se restrinjam apenas em entender os significados das termos expressos nas leis, mas, que se nutram do princípio da fraternidade, para que possam selecionar dentre às opções de aplicação da lei, a que
melhor atenda a demanda do ser humano, considerando, seus dramas e sua
esperança na justiça. De nada resolve conferirem direitos aos cidadãos, se não
lhes são dados meios eficazes para a concretização desses direitos.
Neste início de século, quando a Constituição e o próprio Estado, adotam posturas que vem sendo denominado de “constitucionalismo fraternal”
que nada mais é se não o resultado de um sentimento de renovação, não se
pode olvidar que no regime democrático, a atuação precípua do Estado mediante seus órgãos, há de visar sempre à afirmação, que ao redor do homem
é que deve circular a sociedade e o Estado.
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