CMYK Saúde Editora: Ana Paula Macedo [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 23 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 8 de julho de 2012 Cardápio em risco de extinção Estudo da USP alerta que hábitos e padrões importados, como o consumo de refeições congeladas, ameaçam a saúde da população e a tradição alimentar brasileira Arquivo pessoal/Divulgação Ed Alves/CB/D.A Press » BRUNA SENSÊVE m vez do tradicional prato com arroz, feijão, salada e carne, a refeição vem précozida, em uma embalagem descartável, que precisa de rápidos cinco minutos no microondas para ser servida. No lugar da família reunida, esperando os alimentos saírem da panela e serem dispostos na mesa, lanches são consumidos individualmente em frente ao televisor ou ao computador. Quanto do comportamento alimentar tradicional do brasileiro já foi substituído pelos produtos e pela influência da indústria globalizada? Essa é a pergunta que dois pesquisadores do Centro de Estudos Epidemiológicos em Saúde e Nutrição da Universidade de São Paulo tentam responder, em um artigo publicado na última edição da PLoS Medicine. Para Cláudio Monteiro e Geoffrey Cannon, o processo de substituição já se iniciou, mas, diferentemente do que ocorre em outros países, o Estado e a sociedade brasileira resistem, com leis e políticas públicas que tentam blindar essa influência. No país, a alimentação tradicional está baseada no consumo de refeições preparadas com uma diversidade de alimentos in natura ou minimamente processados, que propiciam energia e nutrientes adequados. Segundo os pesquisadores, a ameaça a esse sistema chega pelas corporações transnacionais de alimentos e bebidas — no artigo, retratadas como Big Food e Big Snack —, que conseguem desestabilizar as relações econômicas e políticas, alterando os fluxos produtivos locais. Desde os anos 1980, a E Cláudio Monteiro: propaganda estimula alimentação prejudicial Na Escola Classe da 410 Sul, nada de salgadinho: os alunos só consomem alimentos frescos na merenda substituição dos sistemas de alimentação tradicionais na África, na Ásia e na América Latina tem crescido rapidamente, com produtos ultraprocessados gordurosos, salgados e açucarados, de longa vida. O impacto dessa mudança tem potencial para minar a saúde pública, levando ao aumento da incidência de obesidade e doenças crônicas. Para Daniela Frozi, conselheira nacional de segurança alimentar e nutricional e pesquisadora associada do Observatório da Educação (NUTES/UFRJ), o maior impacto dessa transição está, provavelmente, na identidade nacional. Quanto mais adepta do padrão de alimentação industrializada, mais a população se afastaria de sua cultura e de suas crenças po- pulares relacionadas à alimentação. “Ao substituir os alimentos frescos e mais tradicionais pelos já processados, nossa população poderá perder seu conhecimento culinário, as tradições religiosas, regionais e familiares, relacionadas ao preparo e ao consumo.” O processo é diferenciado nos países de alta renda, uma vez que seus padrões dietéticos já são completamente industrializados. Neles, a sociedade e o Estado atuais buscam uma forma de ajustar a formulação de produtos ultraprocessados para que contenham, por exemplo, menos sal e gorduras trans, ou mais micronutrientes sintéticos. No entanto, essas reformulações, muitas vezes, permitem aos fabricantes anunciar seus produtos como saudáveis. Perda e ganho rápidos de peso » REBECA RAMOS Desde que os problemas causados pela obesidade foram estabelecidos, aumentou a quantidade de opções de dietas para os mais diferentes biotipos e objetivos. Algumas, mais severas, restringem a ingestão de nutrientes que seriam vilões da silhueta. Já outras, mais conscientes, indicam o consumo equilibrado de todos os alimentos. Um estudo do Hospital New Balance e da Fundação Centro de Prevenção da Obesidade Infantil de Boston, nos Estados Unidos, analisou três dietas diferentes e constatou que aquelas com menor teor de gordura aceleram a perda de peso; entretanto, a chance de recuperá-lo é maior. O estudo pesquisou o efeito de três dietas diferentes e populares: pobre em carboidrato, com pouca gordura e de baixo índice glicêmico. De acordo com a diretora associada do Hospital New Balance, Cara Ebbeling, os partici- pantes foram alimentados com uma dieta padrão, para perder entre 10% a 15% do peso corporal inicial. Em seguida, eles foram submetidos às três dietas diferentes, em ordem aleatória. Manter o peso é um enorme desafio para a maioria dos indivíduos. Uma das razões é a taxa a qual o corpo queima calorias, que diminui com a perda de peso. “Em outras palavras, o gasto energético e o metabolismo ficam mais lentos. Fizemos esse estudo para descobrir quais dietas podem ter efeitos mais benéficos sobre o metabolismo após a perda de peso substancial”, explica a endocrinologista Cristiane Moulin. A especialista explica que, quando se perde peso, há uma resposta do organismo, que reduz o gasto energético e aumenta o apetite. Isso pode ser uma das explicações de por que é tão difícil manter o peso após a dieta. De acordo com Cara Ebbeling, era esperado que o ritmo de queima de calorias dos participantes do estudo diminuísse à medida que perdiam peso. Mas a queda foi maior com a dieta de baixa gordura. Em seguida, vieram a de baixo índice glicêmico e a de poucos carboidratos. “No entanto, é importante notar que a dieta de restrição de carboidratos também causou os maiores aumentos no cortisol urinário e circulantes de proteína C-reativa, que podem aumentar os riscos de doenças cardiovasculares.” Para Ebbeling, a conclusão é que dietas que restringem um tipo nutriente, como gordura ou carboidrato, não são boas opções. Em vez disso, é importante ter uma alimentação moderada, com foco na qualidade dos ingredientes, algo alcançado com a dieta de índice glicêmico baixo. Segundo a médica, o ideal é ingerir alimentos ricos em fibras e carboidratos naturais, como vegetais sem amido, frutas e feijão, com a proteína e a gordura saudável, encontrada em alimentos como nozes, abacate e azeite de oliva. Dessa forma, o organismo inicia um processo chamado de cetose, pelo qual o pâncreas converte as proteínas em ácidos graxos para que o organismo utilize as reservas de gorduras como fonte de energia. A dieta, muito contestada, ganhou mais um ponto contrário. Um estudo realizado na Suécia e publicado no British Medical Journal sugeriu que as mulheres que seguem essa dieta estão se expondo aos risco de doenças cardiovasculares e de acidente vascular cerebral (AVC). Mais de 43 mil mulheres que seguiram a dieta Atkins foram avaliadas durante 15 anos e, dessas, 1.270 sofreram um AVC no período. Os pesquisadores descobriram que, com menos 20g de carboidratos e mais 5g de proteínas ao dia, o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares foi 5% maior,comparando-se a quem não aderiu ao regime. (RR) Para saber mais Em meados dos anos 1970, o cardiologista norte-americano Robert Atkins lançou sua dieta revolucionária. No cardápio proposto pelo médico, os que aderiam à dieta deveriam ingerir proteínas em grande quantidade e quase nada de carboidratos. CMYK Regime polêmico Segundo especialistas, isso pode levar a um aumento do consumo desses alimentos, em detrimento daqueles in natura ou minimamente processados. Segundo Monteiro, dois bons exemplos dessas estratégias que já chegaram aos outros países são as batatas chips fritas, com óleos não hidrogenados e com menos sal, além das redes de fastfood que oferecem lanches supostamente saudáveis. No primeiro caso, o produto continua, na prática, uma fonte compacta de calorias vazias, que aumenta o risco de obesidade e de deficiências nutricionais. No segundo, os alimentos usualmente apresentam teor de sal, açúcar e gorduras muito próximos dos limites máximos recomendados. Invariavelmente, são hiperpalatáveis e possuem alta densidade energética, fatores que promovem a obesidade. “Esses produtos reformulados são alvo de intensa propaganda e, nessa medida, seu impacto pode ser ainda mais danoso do que o dos produtos ultraprocessados tradicionais.” Merenda A professora da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Julicristie de Oliveira lembra que, no Brasil, existem programas que tentam proteger a população da influência dos alimentos industrializados. “O país possui uma série de políticas com grande potencial para promoção da saúde da população. Entre os principais, estão o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) e o Programa Restaurante Popular”, cita Julicristie. De acordo com a legislação brasileira, é assegurada a todas as crianças uma refeição na escola, sendo que pelo menos 70% do alimento deve ser fresco ou minimamente processado. Na última semana, uma das refeições da Escola Classe da 410 Sul foi arroz de carreteiro. Segundo a coordenadora pedagógica da escola, Cristina Tibúrcio, ainda são acrescentados verduras, hortaliças e temperos frescos na alimentação. Como a escola não as tradicionais cantinas de salgadinhos, a comida saudável acaba sendo a única opção. Mas Cristina acredita que, se pudessem, os estudantes trocariam a alimentação assada e cozida por frituras. “A família precisa dar continuidade ao trabalho da escola em casa. É possível que na alimentação familiar existam comportamentos que desestimulam essa mudança no aluno”, observa. Mesmo com iniciativas nutricionais como a merenda escolar saudável e o ostensivo incentivo ao aleitamento materno, o nutricionista Aldemir Mangabeira, especializado em saúde pública, acredita que o caminho ainda deve ser longo para um intervenção estatal com maiores resultados. Para ele, algumas medidas, como a desoneração tributária para matérias-primas da cesta básica, seriam ainda mais efetivas. “Acredito que o Estado, no papel de promotor de saúde, está perdendo a luta, e a oportunidade de deter o avanço do sobrepeso e da obesidade, além das doenças crônicas na sociedade.”