Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade Física Adaptada e Saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira OBESIDADE NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA MAURO FISBERG Diretor do Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde e Nutrição Universidade São Marcos. Chefe do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente Universidade Federal de São Paulo. Em um mundo em que se define o normal como um conceito estatístico, os extremos são encarados com segregação, preconceito e uma curiosidade mórbida. Altos e baixos, magros e gordos, todos os polos são problemáticos e enfrentam dificuldades diárias. Entre todas as alterações do nosso corpo, provavelmente a obesidade é a situação mais complexa e de difícil entendimento, tanto no meio científico como entre os leigos. O excesso de peso, real ou falso, ilusório ou catastrófico é uma doença ou um modo de vida? É um aspecto do nosso metabolismo ou apenas a falta de controle sobre a gula? É um mal da atualidade ou sempre nos preocupamos muito pouco com os efeitos deletérios do sobrepeso? Inúmeras são as respostas, inúmeros os questionamentos, mas sem dúvida, nos últimos anos mitos tem sobrevivido às custas de um problema que é tão antigo quanto os primeiros passos do ser humano na terra. Milhares de linhas escritas, milhares de receitas milagrosas, de dietas especiais e mágicas, humor ou agressão, o obeso sempre rendeu enormes quantias aos que exploraram e exploram os vários setores dirigidos a esta população tão especial. O obeso é um problema dos países ricos e com dietas inadequadas e o obeso é um problema nos países pobres. Enquanto a moda atual gera a postura de "ser saudável", o magro modelo e manequim esquelético, milhares de pessoas sofrem com um peso radicalmente excessivo, nas ruas dos bairros mais elegantes de Miami, às favelas da região periférica de São Paulo. Estudos mais recentes apontam a obesidade como o problema nutricional mais prevalente nos Estados Unidos, chegando a afetar 40% da população adulta e adolescente. No Brasil os dados são semelhantes e 30% dos adultos apresentam sobrepeso ou obesidade. A obesidade é provavelmente uma das enfermidades mais antigas do homem. Desenhos rupestres mostram o homem pré-histórico com aspectos de peso excessivo para a sua altura. O homem ingeria enormes quantidades de alimentos com o objetivo de armazenar energia para a sua sobrevivência em um meio inóspito. 1 Durante anos e anos, nas sociedades antigas, babilônicas, gregas, romanas e em outros povos, a condição de sucesso econômico, associava-se ao aumento do panículo adiposo. Refeições nababescas, orgias alimentares eram o apanágio do excesso e do poder. Na idade média e no renascimento, o padrão estético feminino privilegiava a mulher com formas arredondadas, matronais e sensuais ao mesmo tempo. Os impressionistas mostram modelos ora cadavéricos, ora com pesos "buñuelescos". Tudo se modifica com a chegada dos anos sessenta e a busca de um corpo magro, atlético e de formas muito definidas. A ginástica, a geração saúde se impõe, chegando a extremos causadores de anorexia mortais. O obeso passa à condição de pária, ao mesmo tempo em que proliferam estudos associando o peso excessivo à riscos cardiovasculares, respiratórios e ortopédicos. De padrão de beleza à vilão dos tempos modernos, o obeso é catapultado para a área do preconceito físico sem igual. Vitrine de jargões, epítetos e ódios, o obeso é prêsa fácil de exploradores que lhe prometem a fórmula mágica do emagrecimento sem esforço. Tudo tem influência sobre a composição corporal desta paciente peculiar. O sol, as mares, as estrelas, a lua, alimentos e água, deixar de comer, comer só alguns itens, exercícios estafantes e macas que fazem o exercício pelo paciente. Loja para vender roupas para gordos, design específico, móveis especiais, o obeso é a sensação do folclore nutricional. Todos tem a sua receita milagrosa e "especialistas" receitam drogas suicidas para controlar o apetite pantagruélico. Na área pediátrica, reflete-se a incongruência dos tempos. Nos anos 50 e 60, com o augê da explosão do aleitamento artificial e dos engrossantes, busca-se os bebês gordos, farináceios, como sinônimo de saúde perfeita. À nível terapêutico, como conciliar emagrecimento com crescimento adequado. A obesidade é das patologias nutricionais que mais tem apresentado aumento em seus números, não apenas nos países ricos, mas também nos países em desenvolvimento. Todo um sistema de vida inadequado provavelmente favorece este tipo de acontecimento: sedentarismo, hábitos familiares inadequados, alimentação insatisfatória, excesso de gorduras e carboidratos inadequados na dieta, a velocidade da refeição, os lanches desequilibrados e o consumo de doces e guloseimas. Nos países mais ricos a obesidade tem crescido assustadoramente, especialmente nas classes menos favorecidas. A obesidade está relacionada à pobreza, raça e condições genéticas e ambientais. Conceitualmente, a obesidade pode ser considerada como um acúmulo de tecido gorduroso, regionalizado ou em todo o corpo, causado por doenças genéticas ou endócrinasmetabólicas ou por alterações nutricionais. A predisposição hereditária favoreceria a instalação de um terreno propício, em ambientes sociais já afetados. A obesidade na infância e adolescência tem como importância a possibilidade de sua manutenção na vida adulta. Se nas idades menores a morbidade não é freqüente, no adulto a situação é de risco e leva a aumento da mortalidade, por associação com a doença arteriosclerótica, hipertensão e alterações metabólicas. Outro fator de importância da obesidade na infância é a própria facilidade de detecção precoce, estudando-se as variações de peso desde o seu início, analisados antecedentes neonatais, familiares e alimentares. Na infância, alguns fatores são determinantes para o estabelecimento da obesidade: desmame precoce e introdução inadequada de alimentos de desmame, emprego de fórmulas 2 lácteas inadequadamente preparadas, distúrbios do comportamento alimentar e inadequada relação familiar. No adolescente, somam-se a isto todas as alterações do período de transição para a idade adulta, a baixa auto-estima, o sedentarismo, lanches em excesso mal balanceados e a enorme suscetibilidade à propaganda consumista. A obesidade gera alguns fatores de risco para o atendimento da criança e do adolescente porque, muitas vezes, ela é detectada tardiamente. Ainda existem defensores da imagem do bebê rechonchudo, gordo e farináceo como a imagem da saúde e beleza. Preconceitos da equipe de saúde e da população em que a criança convive são comuns: o obeso é perseguido, agredido e marginalizado posteriormente, afastandose do convívio social e esportivo, agravando o processo. A obesidade pode ter início em qualquer época da vida, especialmente nos períodos de aceleração do crescimento. O desmame é um período de risco, pela inadequação da introdução de alimento e fórmulas lácteas mal-utilizadas. Há que se ressaltar que muitos pacientes pediátricos só são encaminhados a consultas de especialistas por apresentarem um "pênis pequeno". Esta queixa, freqüente em crianças e adolescentes obesos, refere-se à situação em que o genital masculino esconde-se sob uma camada de gordura na pubis. Após reassegurar que o pênis tem tamanho normal, o pediatra tem nesta ocasião , excelente oportunidade para o início de uma terapia de modificação de hábitos alimentares. O objetivo principal do atendimento primário ao obeso, não é a perda de peso imediata do paciente, porém a sua reeducação para a vida, em uma programação multidisciplinar visando a modificação de comportamentos, da criança e da família, visando resultados a longo prazo e a manutenção desses resultados. No centro de Adolescentes da Universidade Federal de São Paulo e na Universidade São Marcos, desenvolvemos dois tipos de atuação : uma atenção tradicional, em que o paciente obeso é atendido pelo clínico e, a seguir, é encaminhado para avaliação sistemática, com nutricionistas, psicólogas e professor de educação física, que determinarão um programa de atividades educacionais, exames subsidiários e orientações para a nutrição e atividade física controlada. Uma segunda possibilidade de atendimento é a atenção grupal, em que um grupo de pacientes é atendido por profissionais das várias áreas simultaneamente, com treinamento prévio de situações com técnicas programáticas. O prognóstico da obesidade na infância é bastante controverso: alguns estudos mostram que aproximadamente 30% das crianças obesas podem ser adultos obesos. Outros mostram que quanto menor a idade em que a obesidade se manifesta e quanto maior a sua intensidade, maior a chance de que a criança seja um adolescente e adulto obeso. Retrospectivamente, pode-se verificar que mais da metade dos adultos obesos o foram na infância e adolescência. No entanto, um adolescente obeso, tem aproximadamente 80% de chances de ser um adulto obeso. Exatamente por isso, o tratamento da obesidade é complexo. As chances de um indivíduo obeso conseguir uma melhora permanente não são muito maiores que 30%, na maioria dos estudos. É muito fácil emagrecer, o difícil é manter o peso adequado ao longo da vida. 3 O tratamento da obesidade deve incluir alterações gerais na postura familiar e da criança, em relação a hábitos alimentares, tipo de vida, atividade física e correção alimentar de longa duração. Isto deve levar em conta a potencialidade da criança, sua idade, a participação da família e de uma equipe multidisciplinar integrada, que modifique todo seu comportamento favorecedor. As normas gerais do tratamento do obeso devem contemplar as seguintes três condições: a) uma dieta balanceada, que determine crescimento adequado e manutenção do peso, com conseqüente redução dos índices de massa corpórea, sendo de fácil utilização, baixo custo e possível de ser mantida por períodos extremamente longos; b) exercícios físicos controlados; c) apoio emocional, individual e familiar. Assim, técnicas comportamentais podem modificar toda a situação familiar, facilitando a aderência ao tratamento e a modificação de hábitos inadequados. 4