Monteiro T. y col - Novos Indicadores da Repolarização... 5to

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Tema Livre
Novos Indicadores da Repolarização Ventricular.
Estudo de Normalidade
Monteiro T., Pereira T., Pocinho M.,
Figueiredo J.P., Conde J.
Departamento de Ciências Imagiológicas e Biossinais, Escola
Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra, Coimbra, Portugal.
Introdução
Actualmente, defende-se a existência de heterogeneidade do potencial de acção entre as células
contrácteis do miocárdio, demonstrando o perfil electrofisiológico e farmacológico do endocárdio,
epicárdio e das células M, em várias espécies, inclusivé o homem. Diferenças no tempo da
repolarização destes três predominantes tipos de células miocárdicas são responsáveis pela inscrição
da onda T no electrocardiograma (ECG) [1,2]. O aumento da dispersão transmembranar da
repolarização do miocárdio ventricular é a base arritmogénica em várias síndromes. Surge, assim, a
necessidade de identificar uma maneira não invasiva para quantificar a dispersão transmembranar da
repolarização [1, 2, 3].
Estudos recentes discutem o valor do intervalo entre o pico e o fim da onda T (Tpeak-end) e do
intervalo entre o início do complexo QRS e o pico da onda T (QTpeak) como indicadores da dispersão
transmembranar da repolarização podendo predizer a ocorrência de arritmias ventriculares, pois a
duração do potencial de acção das células musculares determina o intervalo QT e a duração do
potencial de acção das células epicárdicas determina o intervalo QTpeak [1]. A dispersão da
repolarização ventricular tem sido alvo de vários estudos envolvendo diversas patologias.
Antzelevitch (2004) refere uma acentuação do intervalo Tpeak-end e do risco arritmogénico, como
sendo o efeito típico do exercício nos pacientes com síndromes de QT longo 1 e 2.
Yamaguchi et al. (2003) defendem que o intervalo Tpeak-end é mais significativo que o intervalo QT
corrigido (cQT) e a dispersão do intervalo QT (QTd), como indicador de arritmias graves como Torsade
de Pointes, em pacientes com síndrome de QT longo.
Wolk et. al. (2001), defendem que o intervalo Tpeak-end deve ser incluído nos tradicionais índices
electrofisiológicos de dispersão eléctrica em pacientes com hipertrofia ventricular hipertensiva, uma
vez que as arritmias ventriculares verificadas nestes casos de estão relacionadas com a heterogenia
da repolarização das células do miocárdio.
Estramiana & Antzelevitch (2004) sugerem que o encurtamento heterogéneo da duração do potencial
de acção nas diferentes células miocárdicas geram um substrato arritmogénico em condições
associadas ao síndrome do QT curto.
Uyarel et. al. (2005) elaboraram um estudo acerca da dispersão do intervalo QT na Sarcoidose,
revelando o aumento deste índice electrocardiográfico nos pacientes portadores desta patologia em
comparação com grupos de controlo. Este aumento deve-se ao granuloma da sarcoidose que leva à
heterogeneidade da repolarização ventricular, aumentando a incidência de contracções ventriculares
prematuras podendo gerar episódios de fibrilhação ventricular.
Pastore et. al. (2007) estudaram as repercussões da terapia de ressincronização cardíaca (TRC) na
repolarização ventricular, em pacientes com insuficiência cardíaca, chegando à conclusão que tanto o
intervalo QT como o intervalo Tpeak-end diminuem com esta terapia, sendo parâmetros
electrocardiográficos apropriados para analisar os efeitos da TRC na melhora da homogeneidade da
repolarização ventricular destes doentes.
Gür et. al. (2007) relacionaram as propriedades elásticas da aorta e a QTd em pacientes adultos com
hipertensão recentemente diagnosticada, chegando à conclusão de que este índice
electrocardiográfico tende a aumentar nos indivíduos hipertensos, não só pela hipertrofia ventricular
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característica destes doentes, como também pelas alterações das propriedades elásticas da aorta.
Uyarel et. al. (2005), num estudo acerca da associação entre a variabilidade do intervalo QT e a
ingestão prévia de álcool em indivíduos saudáveis, verificaram que há um aumento da QTd com o
consumo intenso de bebidas alcoólicas, aumentando assim, a susceptibilidade de arritmias
ventriculares malignas com este tipo de comportamento.
Yildiz et. al. (2001) compararam a QTd e outros parâmetros electrocardiográficos predictores de risco
arritmogénico, em pacientes em hemodiálise, em diálise peritoneal ambulatória contínua (DPAC) e
num grupo de controlo. Concluíram que os índices electrocardiográficos são superiores em indivíduos
com necessidade de realizar de diálise do que no grupo de controlo e, que este aumento é superior
nos indivíduos que realizam hemodiálise standard do que nos que realizam DPAC. Esta diferença pode
dever-se aos diferentes efeitos destas duas modalidades de diálise nos diversos electrólitos,
especialmente nos níveis de cálcio.
Psallas et. al. (2006) desenvolveram um estudo, onde pretenderam analisar a QTd em indivíduos
diabéticos em comparação com indivíduos não diabéticos e correlacionando com a neuropatia
autonómica cardíaca (NAC), não tendo verificado qualquer diferença dos valores da QTd entre os
indivíduos diabéticos e não diabéticos.
Gürkan et. al. (2002) realizou um estudo que mostrou que a intoxicação por monóxido de carbono
leva ao aumento da QTd, aumentando consequentemente a heterogeneidade da repolarização
ventricular e probabilidade arritmogénica nestes indivíduos.
Apesar de todos estes estudos desenvolvidos no contexto da heterogeneidade da dispersão da
repolarização em diversas condições clínicas, não existem estudos até à data, que estabeleçam uma
padrão de normalidade para os intervalos Tpeak-end e QTpeak, tornando-se este o objectivo geral do
nosso trabalho.
Objectivos
Neste estudo, o objectivo principal foi estabelecer valores de normalidade para os intervalos Tpeakend e QTpeak, avaliando como estes se relacionam com o sexo, a idade, os hábitos tabágicos, o
consumo prévio de cafeína e com o aumento da frequência cardíaca.
Material e Métodos
A amostra foi constituída por um total de 141 jovens saudáveis (104 mulheres e 37 homens), com
idades compreendidas entre os 17 e os 24 anos. Todos os indivíduos constituintes da amostra não
possuíam patologia cardíaca diagnosticada. Oitenta e três indivíduos (80,6%) refere não ter história
familiar de doença cardíaca e dentro do grupo que refere ter história familiar de doença cardíaca, é o
enfarte agudo do miocárdio, a patologia cardíaca mais referida como antecedente clínico n=8 (7,8%).
Quanto à toma regular de medicação, a maioria dos indivíduos refere não tomar qualquer tipo de
medicação n=75 (73,5%) e dentro do grupo de indivíduos que refere tomar medicação regularmente,
a maioria n=20 (19,6%) toma medicação com fins contraceptivos (pílula).
elativamente aos hábitos tabágicos e ao consumo de cafeína, a maioria dos indivíduos não fuma n=89
(86,4%) nem consome café regularmente n=61 (59,2%).Para a recolha de dados, registaram-se
electrocardiogramas de repouso, a uma velocidade de 50mm/s e a 2mV, utilizando apenas três
derivações electrocardiográficas (DII, V1 e V5) e tendo recorrido ao electrocardiógrafo Cardiette 600,
Mod, AR600, ref. 80400002, ano 2003. Em alguns casos, realizou-se um novo registo
electrocardiográfico, para a avaliação do comportamento dos intervalos Tpeak-end e QTpeak com
algumas variáveis, tais como, o aumento da frequência cardíaca, o consumo prévio de tabaco e o
consumo prévio de cafeína. Foi necessário assegurar um período mínimo de abstinência de consumo
de tabaco e de cafeína de seis horas. Para a obtenção dos resultados, foi necessário proceder à
medição dos intervalos em estudo. Assim, o intervalo Tpeak-end foi medido desde o pico até ao fim
da onda T do ECG em cada derivação estudada; o intervalo QTpeak foi medido desde o início do
complexo QRS até ao pico da onda T. A interpretação dos resultados obtidos foi feita com base no
nível de significância de 0,05 (intervalo de confiança de 95%).
Resultados
Analisaram-se as Curvas de Normalidade para os Intervalos Tpeak-end e QTpeak e definiram-se
intervalos de normalidade para a faixa etária estudada, que se encontram sintetizados na tabela 1. Os
valores do limite máximo e mínimo foram arredondados à unidade, uma vez que, em termos práticos,
as casas decimais não têm relevância, sendo os valores acima do limite máximo, os que determinam
a anormalidade destes intervalos, podendo ter consequências clínicas importantes.
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Tabela 1: Valores de normalidade propostos para os Intervalos Tpeak-end e QTpeak.
Legenda: DP – Desvio padrão; Max. – Máximo; Mín. – Mínimo.
Adicionalmente, verificou-se que não existe relação significativa entre os intervalos Tpeak-end e
QTpeak com a idade, nem com o consumo prévio de cafeína. Observou-se que os indivíduos de sexo
masculino apresentam valores superiores para o intervalo Tpeak-end, enquanto que os do sexo
feminino possuem valores superiores para o intervalo QTpeak.
Verificou-se também que, com o consumo prévio de tabaco, o intervalo Tpeak-end aumenta (gráf. 1),
enquanto que o intervalo QTpeak diminui (gráfi. 2). Relativamente ao aumento da frequência
cardíaca, observou-se que o intervalo Tpeak-end aumenta (gráf. 3) e que o intervalo QTpeak diminui
(gráf. 4). Com o consumo prévio de cafeína, o intervalo Tpeak-end apresenta um comportamento
variável nas derivações registadas (gráf. 5), enquanto que o intervalo QTpeak diminui em todas as
derivações (gráf. 6).
Gráfico 1: Variação do Intervalo Tpeak-end com o Consumo Prévio de Tabaco.
Legenda: DII – Derivação DII; V1 – Derivação V1; V5 – Derivação V5.
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Gráfico 2: Variação do Intervalo QTpeak com o Consumo Prévio de Tabaco. Legenda:
DII – Derivação DII; V1 – Derivação V1; V5 – Derivação V5.
Gráfico 3: Variação do Intervalo Tpeak-end com a Frequência Cardíaca. Legenda: DII
– Derivação DII; V1 – Derivação V1; V5 – Derivação V5.
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Gráfico 4: Variação do Intervalo QTpeak com a Frequência Cardíaca. Legenda:DII –
Derivação DII; V1 – Derivação V1; V5 – Derivação V5
Gráfico 5: Variação do Intervalo Tpeak-end com o Consumo Prévio de Cafeína.
Legenda: DII – Derivação DII; V1 – Derivação V1; V5 – Derivação V5
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Gráfico 6: Variação do Intervalo QTpeak com o Consumo Prévio de Cafeína. Legenda:
DII – Derivação DII; V1 – Derivação V1; V5 – Derivação V5
Conclusões
Após a análise das Curvas de Normalidade para os intervalos Tpeak-end e QTpeak foi possível propor
valores de normalidade para estes dois intervalos electrocardiográficos relativos à amostra estudada.
Estes dados podem ser utilizados em estudos futuros para comparação, servindo, também, como um
contributo para o estabelecimento de valores de referência, de forma a definir a anormalidade destes
indicadores não invasivos da repolarização ventricular. Isto é, valores acima dos limites máximos,
indicam aumento na dispersão da repolarização ventricular, o que indica um maior risco arritmogénico
[1, 3].
Observou-se não haver relação entre os intervalos Tpeak-end e QTpeak com a idade, uma vez que a
amostra foi constituída por indivíduos pertencentes ao mesmo grupo etário.
Pela análise dos resultados da comparação dos géneros, são os indivíduos do sexo masculino, os que
apresentam valores superiores para o intervalo Tpeak-end, possuindo assim uma dispersão da
repolarização ventricular superior, o que indica um maior risco para desenvolver arritmias cardíacas
[1, 3]. Por outro lado, é nos indivíduos do sexo feminino que o intervalo QTpeak é maior, o que pode
significar uma amplitude reduzida das ondas T, assim como o aparecimento mais tardio do pico da
onda T nos indivíduos deste género [1]. Uma questão que se poderia levantar perante estes
resultados, prende-se com um potencial efeito modulador das hormonas sexuais femininas na
repolarização celular, tendo em conta as evidências acumuladas que indicam que estas afectam, de
facto, alguns componentes electrocardiográficos, havendo um risco arritmogénico acrescido no sexo
masculino.
Na avaliação da variação dos intervalos em estudos com o consumo prévio de tabaco, verificou-se que
o intervalo Tpeak-end aumenta, o que leva a concluir que o consumo de tabaco aumenta o risco
arritmogénico, por aumento da dispersão transmembranar da repolarização, aumento este que ocorre
preferencialmente nas células musculares [1]. O intervalo QTpeak tem um comportamento inverso ao
intervalo Tpeak-end, isto é, diminui, de forma a compensar o aumento do intervalo Tpeak-end já
referido. Este resultado indica um maior risco arrítmico associado ao consumo de tabaco, sendo este
mais um parâmetro a acrescentar à lista, já existente, dos malefícios associados ao tabaco.
O estudo da influência do aumento da frequência cardíaca nos intervalos Tpeak-end e QTpeak,
mostrou que o primeiro intervalo aumenta, enquanto que o segundo intervalo diminui. Desta forma, o
intervalo QTpeak acompanha o comportamento normal do intervalo QT com o esforço, ou seja, vai
diminuir. Pode-se assim referir que, esta diminuição normal deste intervalo é feita à custa da
diminuição do intervalo QTpeak, que por sua vez, se deve à diminuição da fase 2 do potencial de
acção transmembranar [13, 14].
Relativamente à variação dos intervalos em estudo com o consumo prévio de cafeína, não se verifica
um comportamento homogéneo das três derivações registadas para o intervalo Tpeak-end, não se
podendo avaliar, fidedignamente, qual o comportamento deste intervalo com esta variável. Contudo,
verifica-se uma diminuição generalizada do intervalo QTpeak após o consumo de cafeína. O
comportamento deste último intervalo pode ser relacionado com o aumento da frequência cardíaca
que normalmente é consequência do consumo desta substância e, tal como já foi referido, leva à
diminuição dos intervalos QT e QTpeak.
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Concluindo, foi possível, com este estudo, propor valores de normalidade para os intervalos Tpeakend e QTpeak e estabelecer relações com factores que levem ao aumento do risco arritmogénico,
realçando o impacto do consumo de tabaco como promotor de maior heterogenia da repolarização
indexada ao intervalo Tpeak-end.
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Publicação: Outubro de 2007
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