centro de ensino superior do ceará faculdade cearense curso de

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL
FRANCISCA DEUZIRENE NOBRE DE LIMA
SITUAÇÃO DE RUA E DROGADIÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A EXPERIÊNCIA
DOS PROFISSIONAIS DO CENTRO POP NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA (CE)
FORTALEZA
2014
FRANCISCA DEUZIRENE NOBRE DE LIMA
SITUAÇÃO DE RUA E DROGADIÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A EXPERIÊNCIA DOS
PROFISSIONAIS DO CENTRO POP NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA (CE)
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Serviço Social do Centro
de Ensino Superior do Ceará, como
requisito parcial para a obtenção do grau
de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profa. MS. Ivna de Oliveira
Nuns.
FORTALEZA
2014
FRANCISCA DEUZIRENE NOBRE DE LIMA
SITUAÇÃO DE RUA E DROGADIÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A EXPERIÊNCIA DOS
PROFISSIONAIS DO CENTRO POP NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA (CE)
Monografia como pré-requisito para
obtenção do título de Bacharelado em
Direito,
outorgado
pela
Faculdade
Cearense – FaC, tendo sido aprovada
pela banca examinadora composta pelos
professores.
Data de aprovação: ____/ ____/____
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Profa. MS. Ivna de Oliveira Nunes
Faculdades Cearenses - FAC
_______________________________________________________
MS. Luciana Sátiro Silva
Faculdades Cearenses - FAC
_______________________________________________________
MS. Lara Denise Oliveira Silva
Universidade Federal do Ceará – UFC
Como exemplo de luta, determinação e
honestidade a que me seguiu nesse
percurso, dedico este trabalho aos meus
pais, Clotildes Reis e Francisco Nobre;
aos meus irmãos; a toda minha família e
ao Junior, pelo amor e companheirismo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Ele (Deus), pois sei que me concedeu pessoas ao meu redor
que me ajudou nessa trajetória, entre várias outras, e assim lembrava-se dessa
como força para seguir neste trabalho tão desafiador, mas que me proporcionou
realização também.
Agradeço aos meus pais Clotildes Reis Lima e Francisco Nobre, pelo
amor, dedicação e preocupação que me deste e me dão ao longo da minha vida e
deste trabalho, sempre apresentando boa expectativa, confiança e cuidado, me
motivando cada vez mais. Aos meus irmãos, Dejean e Deuzilene pelo apoio e às
vezes na ajuda em alguns desafios que vivenciei no início deste trabalho, assim
dedico em nomes de uma das conquistas de nossos objetivos.
Ao Junior, pelo o amor e apoio durante a construção do trabalho, sempre
ao meu lado me motivando e às vezes me acompanhando nas altas horas da
madrugada, não me deixando desencorajar neste percurso. Bem como seus
familiares, que sei que de alguma forma contribuíram nos momentos da produção
deste trabalho.
Ao meu sobrinho, Nandinho que em muitos momentos de aflição, correria,
e dificuldades no percurso deste trabalho me presenteou com seus sorrisos e
carinhos tornando esse processo mais ameno e tranquilo, saudades criança!
Às amizades que fiz no período da faculdade, em especial à Izabelly
Karynne e Marcos Antônio, além de Miriam, Mikaela e Joana os quais fizeram parte
de momentos alegres e me fizeram rir ainda em períodos difíceis na faculdade e até
na minha vida. Até mesmo pelos momentos de divergências, que posteriormente
víamos e ríamos desses episódios, fazendo nos conhecermos mais e confiar no
nosso companheirismo como amigos e colegas acadêmicos.
Inclusive a outras amizades que de certa forma me propiciaram a
participar, discutir e ampliar minhas percepções sobre participação política e assim
contribuindo para formação acadêmica, tornando ação relevante para carregar em
minha bagagem na trajetória acadêmica, profissional e nas vivências como ser
humano.
À minha orientadora Ivna Nunes, por aceitar e abrir de braços abertos
meu trabalho no momento em que me encontrei desamparada e sem força para
seguir na realização deste. Obrigada pela paciência, por acreditar em minha
capacidade, pelas reflexões, pelas correções e mais correções e pelo incentivo para
elaboração de ideias e para conclusão deste trabalho. Muito carinho e obrigada!
Às participantes das entrevistas que muito contribuíram na concretização
deste trabalho.
Ao corpo docente da Faculdade Cearense, que possuem relevância para
minha formação acadêmica, profissional e até como ser humano. Saudades de
muitos que mesmo as aulas sendo pouco difíceis, fazia com que esses momentos
se tornassem mais divertidos e interessantes.
À Luciana Sátiro e Lara Silva por aceitarem participar da banca e
contribuírem como este processo de conhecimento.
Por fim, a todos, que embora não tenha citado neste, de alguma forma
contribuíram e me motivaram nessa realização. Muito obrigada!
“Quando tiver sessenta que os meus olhos
funcionem bem. E eu, estando só, busque os
meus netos na escola. Que seus sorrisos me
lembrem que eles são a fortuna que acumulei.
Nossas visitas ao asilo sejam apenas para ver os
quadros dos que lá moraram, porque os meus
amigos estarão comigo, jogando suas redes no
rio, proseando sobre como a nostalgia sempre
esteve em alta, com anos de atraso. Mas aí me
lembro: Rapaz, você ainda tem trinta e três e seu
mundo ainda é aquele onde as filas por um rim
dão
as
suas
voltas
no
continente.
Que anda quente demais exceto dentro do carro
com vidros fechados, porque, se abertos, tudo
pode acabar ali num assalto. Se eu chegar até lá
que possamos ser mais médicos e menos juízes.
E, ao estarmos num semáforo que não seja pra
pedir
dinheiro,
mas
para
dar
abraços,
perceberemos que são os nossos irmãos que
estão ali com frio na rua enquanto permanecemos
aqui salvos e aquecidos com nossas lareiras. Mas
aí me lembro: Rapaz você está nos trinta, e grito:
"tempo, pare um pouco para eu respirar! Ainda
não consegui ser a metade do que deveria ser”!
Então ele me diz: "você continua um sonhador”.
Que ainda sonha que tudo mude quando tiver
sessenta”.
(Guilherme de Sá)
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CadÚnico
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
CAPR
Centro de Atendimento à População de Rua
CAPS
Centro de Atenção Psicossocial
CAPS AD
Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas
CDPPEAS
Célula de Desenvolvimento de Programa e Projetos Especiais da
Assistência Social
CASSI
Coordenadoria de Políticas Públicas de Assistência Social
CFESS
Conselho Federal de Serviço Social
CNAS
Conselho Nacional de Assistência Social
CENTRO POP
Centro de Referência Especializado para População em Situação
de Rua
CPSE
Coordenação da Proteção Social Especial
CRAS
Centro de Referência da Assistência Social
CREAS
Centro de Referência Especializado da Assistência Social
CREAS POP
Centro de Referência Especializado da Assistência Social para
População em Situação de Rua
CPDrogas
Coordenadoria de Políticas sobre Drogas
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IMPARH
Instituto Municipal de Pesquisas, Administração e Recursos
Humanos.
EAN
Espaço de Acolhimento Noturno para População em Situação de
Rua
LOAS
Lei Orgânica da Assistência Social
MDS
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
NASF
Núcleo de Apoio à Saúde da Família PBF – Programa Bolsa
Família
PNAS
Política Nacional de Assistência Social
PNISPSR
Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação
de Rua
PSB
Proteção Social Básica
PSE
Proteção Social Especial
SAMU
Serviços de Atendimento de Urgências e Emergências (SAMU),
SEAR
Serviço Especializado de Abordagem de Rua
SEDAS
Secretaria de Educação e Assistência Social
SEMAS
Secretaria Municipal de Assistência Social
SME
Secretaria Municipal de Educação
SETRA
Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à
Fome
SUAS
Sistema Único de Assistência Social
RESUMO
A presente pesquisa objetiva analisar as percepções e as ações profissionais
empreendidas junto à relação da população em situação de rua e drogadição no
município de Fortaleza, através do Centro de Referência Especializado para a
População em Situação de Rua. Este trabalho propõe ainda entender a trajetória
para as ruas, tomando o contexto histórico em que sinalizou essa população,
principalmente na conjuntura capitalista e os seus desdobramentos que aparecem
como consequências para as degradações de condições de vida, estas causas que
implicam também na ida para as ruas como forma de sobrevivência e/ou de
moradia. Contudo, sem desconsiderar outros fatores que vão além da questão
estrutural que, por sua vez envolve o uso de drogas. A compreensão da população
em situação de rua e drogadição tomam como direção considerar a visão dos
profissionais frente a essas realidades e sua percepção sobre a visão da sociedade
na realidade que vivenciamos, apresentando-se muitas vezes como invisível ou
distorcida no imaginário social, inclusive de alguns profissionais da assistência social
e de outras políticas sociais. O trabalho tem como intuito também compreender a
política de assistência social executada através do Centro Pop, bem como o seu real
trabalho frente ao processo da situação de rua e de drogadição – parte do objeto de
estudo - que aparece em muitos casos como experiência envolvida, em diversas
interfaces na situação de rua. Na realização desse estudo, os dados metodológicos
utilizados constituíram-se em pesquisa biográfica, análise documental através da
ficha de atendimento/cadastro e das entrevistas sob análise na perspectiva
qualitativa. Desse modo, entendemos que a situação de rua e drogadição é uma
relação que apresenta como real evidenciada por diversas interfaces, contudo
compreendendo que não se trata de uma relação genérica. Constatamos ainda que
assim como a drogadição, há outras adversidades que indicam demandas
coexistentes, tornando-se necessário a atenção efetiva do Estado junto aos serviços
sociais para o reconhecimento da população em situação de rua e da drogadição e
assim, propiciar uma atenção integral e diversa frente às singularidades e múltiplas
facetas dessa realidade.
Palavras-chaves: População em situação de rua. Drogadição. Política de
assistência social.
ABSTRACT
This research aims to analyze the perceptions and professional actions undertaken
by the ratio of the population homeless and drug addiction in the city of Fortaleza,
through the Center for Specialized Reference Population in the Streets. This work
proposes yet understand the trajectory to the streets, taking the historical context in
which signaled this population, especially in a capitalist environment and its
consequences that appear as consequences for the degradation of living conditions,
these causes also involve the way for streets in order to survive and / or housing.
However, without disregarding other factors beyond the structural issue which in turn
involves the use of drugs. Understanding the population homeless and drug taking as
a direction to consider the views of practitioners facing these realities and
perceptions about the vision of society in reality we experience, performing as often
invisible or distorted the social imaginary, including some social care professionals
and other social policies. The work is also aimed to understand the policy of social
assistance implemented through the Centre Pop, as well as your actual work against
the process of homelessness and drug addiction - part of the object of study - which
appears in many cases as experience involved, in several interfaces in the streets. To
conduct this study, the methodology used is data on the biographical research,
document analysis through attendance / registration form and interviews in qualitative
analysis in perspective. Thus, we believe that homelessness and drug addiction is a
relationship that appears as real as evidenced by several interfaces, yet realizing that
this is not a generic relationship. We also acknowledge that as the addiction, there
are other adversities that indicate coexisting demands, making it necessary to
effective care of the state with social services to the recognition of the population
homeless and drug addiction and thus provide a diverse and comprehensive care
front singularities and multiple facets of this reality.
Keywords: Population living on the streets. Drug addiction. Welfare.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ...............................................................................................12
2
CONTEXTUALIZANDO A REALIDADE DA POPULAÇÃO EM
SITUAÇÃO DE RUA: BREVES DISCUSSÕES ............................................26
2.1
O histórico da população em situação de rua ................................................27
2.2
A repercussão sócio-histórica da população em situação de rua no
contexto brasileiro ..........................................................................................36
2.3
Características as pessoas em situação de rua: vivências e fatores
implicados na trajetória para as ruas .............................................................43
2.4
A interlocução entre a situação de rua e o uso de drogas .............................50
3
A PNAS: POSSIBILIDADES E DESAFIOS NA INTERVENÇÃO À
DUPLA DEMANDA - POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E
DROGADIÇÃO. .............................................................................................62
3.1
A Assistência Social como política no Brasil ..................................................63
3.2
A Política Nacional de Assistência Social do Brasil. ......................................65
3.3
A intervenção da PNAS nas demandas coexistentes entre situação
de rua e uso problemático de álcool e outras drogas ....................................70
4
A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E DROGADIÇÃO E
A PNAS NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA...................................................73
4.1
A situação de rua e drogadição: a realidade em Fortaleza ....................73
4.2
A política de Assistência Social e a experiência na intervenção
em torno da questão situação de rua e drogadição ......................................76
4.2.1
As vivências dos profissionais na atuação de trabalho junto à
população em situação de rua no município de Fortaleza ............................79
4.2.2
A relação situação de rua e drogadição: percepções a experiências
na atuação profissional a essas realidades. ...................................................82
4.3
A inclusão de outras políticas sociais na atuação junto à população
em situação de rua: desafios e possibilidades ..............................................92
4.4
A população em situação de rua: perfil, aspectos e demandas ....................98
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................102
6
REFERÊNCIAS ............................................................................................106
7 ANEXOS................................................................................................................112
8
APÊNDICE............................................................................................................117
12
1 INTRODUÇÃO
Vivenciamos, durante a realização desta pesquisa, uma dura realidade e
percebemos que embora ainda haja uma certa invisibilidade da população em
situação de rua, este é um público que dentre as adversidades vividas antes e na
vivência das ruas, tem na drogadição uma das questões mais agudas, que é o
móvel esta pesquisa.
Ao longo de minha trajetória acadêmica e pessoal, tive conhecimento de
diversas questões que merecem a atenção de debates e estudos, porém escolhi
como tema deste trabalho de conclusão de curso, a questão das drogas, associada
às pessoas em situação de rua.
É certo considerar que a questão das drogas, assim como a situação de
rua tem tido algum tipo de atenção do Estado1, evidenciadas pelas políticas públicas,
como a Política Nacional sobre Drogas e a Política Nacional para a População em
Situação de Rua, bem como pelos serviços a essas demandas: CAPS AD, CENTRO
POP (CP). Além disso, essas questões são realidades que ainda vêm sendo alvo de
discussões e pautas de noticiários veiculados pela mídia.
Contudo, considerando que tanto o uso de drogas, como a situação de
rua se apresentam como fenômenos complexos, atrelados a diversas interfaces e
fatores envolvidos, merecem ser ainda bastante estudados pelos pesquisadores,
profissionais e órgãos competentes.
A partir da minha inserção em campos de estágio supervisionado em
Serviço Social, tive a oportunidade de me aproximar dessa questão e, também, de
alguns usuários de drogas, muitos destes que fazem das ruas seu espaço de
socialização, moradia ou aquilo que lhe propicia “um grito de liberdade”. Apesar de
ser uma realidade bastante conhecida, não tinha ainda lido ou discutido sobre2.
Inicialmente me questionava sobre a questão das drogas, no que se
refere aos motivos do seu uso. Através de minha participação nos grupos de
1
2
Compreende-se como Estado um ordenamento político de uma comunidade, originado da
dissolução da comunidade primitiva fundada sobre os laços de parentesco e da formação de
comunidades mais amplas oriundas da união de vários grupos familiares por motivos de
sobrevivência internos (o sustento) e externos (a defesa) (BOBBIO, 1987).
As vivências e experiências obtidas sobre o assunto se deram nas práticas de estágio, iniciadas em
2012 e finalizadas em 2014.
13
laboratório de valores do CREMA3, que discutiam sobre os valores da vida humana
e da sociedade, e os relacionavam com as vivências dos próprios adictos
encontrados naquela instituição, pude conhecer um pouco mais sobre os usuários
de substâncias psicoativas: suas concepções, as complicações geradas pelo abuso
de drogas e outras experiências coexistentes, como a vivência nas ruas.
A partir dos relatos que ouvi, percebi que a relação situação de rua e uso
de drogas é decorrente de uma série de fatores e circunstâncias sociais, a exemplo,
os conflitos familiares, que por sua vez, são ocasionados por diversas situações.
Somada a essas apreensões, tive minha maior aproximação e
inquietação das situações que indicavam sobre o tema no meu último campo de
estágio - a Assessoria Psicossocial, da Promotoria de Defesa de Saúde Pública, do
Ministério Público do Ceará, no município de Fortaleza – concepções, aspectos,
demandas e o funcionamento de alguns serviços, da rede de saúde e de atenção
social aos usuários de drogas, muitos destes em situação de rua.
Em acesso aos processos instaurados na referida Promotoria, percebi
que, embora o uso de drogas não esteja presente na vida de todos que vivenciam as
ruas como moradia ou forma de sobrevivência, há um número significativo de casos
que indicam essa relação. Isso se evidenciou através de um levantamento sucinto,
que observei em 684 processos (maio de 2013 a abril de 2014), os quais indicavam
216 que envolviam essa realidade, equivalente aproximadamente 32,5%. Durante o
estágio, recebíamos algumas ligações telefônicas anônimas ou de usuários
transeuntes pelas ruas da cidade de Fortaleza que informavam sobre o paradeiro de
pessoas em situação de rua. Muitos destes identificados como usuários de drogas
ao decorrer do tempo que passaram a utilizar os espaços públicos como locais de
moradia, sobrevivência ou alternativos à sua liberdade de ações e opções
subjetivas.
Dentre alguns casos, não havia identificação de alguma referência familiar
ou oriunda de outros âmbitos, relações sociais. Contudo, em outros casos, segundo
relatos de familiares em entrevistas ou ligações telefônicas, percebemos que alguns
sujeitos em situação de rua possuíam moradia e referências familiares, porém, com
o uso compulsivo de drogas passavam a ir para as ruas. Bem como os que
3
CREMA – Centro de Recuperação Mão Amiga, é uma organização não governamental, em forma de
comunidade terapêutica, iniciada a partir de outubro de 2008, em Maracanaú/CE, destinado ao
trabalho de recuperação de jovens e adultos que fazem uso abusivo de drogas.
14
passavam a se ausentar de casa, vivenciando as ruas como forma de socialização,
e passavam a fazer uso de substâncias psicoativas.
Através das respostas emitidas pelos serviços envolvidos, seja da saúde,
como os CAPS AD`s por exemplo e da assistência social, como os CREAS, CRAS
observei ainda relatos que evidenciavam algumas ações limitadas relativas aos
casos de uso de drogas e situação de rua.
Tais situações podem ser exemplificadas pela saída de usuários de
drogas que chegaram a vivenciar as ruas e percebidos pelas descrições como casos
sem possível intervenção, haja vista a escolha da ida para as ruas, ou já ter havido
primeira tentativa, sem lograr êxito na intervenção para tratamento. O que se
percebia em muitos relatos era a medida de internação compulsória indicada ou
apoiada aos familiares como intervenção possível àqueles usuários.
Salientamos também que, embora o uso de drogas indicasse problemas
em relação à saúde dos sujeitos em situação de rua, alguns destes não
demandavam cuidados apenas na questão da saúde pelo envolvimento com essas
substâncias, mas também por outras circunstâncias que não eram, de pronto,
percebidas na vida dessas pessoas.
Nesse universo, observávamos através de contatos em trabalhos
articulados algumas posições de estranhamento, limitadas e relacionadas a
percepção de “coitado” ou fatalistas a esse público, o que fez com que
desenvolvessem inquietações e indagações acerca do assunto: Qual as percepções
dos profissionais envolvidos nas demandas da população em situação de rua e
usuárias de drogas sobre esse segmento social? Como interviam no sentido de
compreender circunstâncias sociais e as razões da trajetória para as ruas? Quais as
estratégias de aproximação, relação e sensibilização aos usuários que estão em
situação de rua e fazem uso de drogas a outras alternativas de vida? Quais seus
princípios envolvidos no trabalho com esse segmento social? Quais são os valores
da população em situação de rua que são conservados, e que podem interferir no
trabalho profissional a esses usuários? Até que ponto há possibilidade de intervir nas
demandas da população em situação de rua, usuárias de drogas?
No decorrer do tempo, as aproximações e pesquisas sobre o assunto e o
contato indireto com outros serviços da área da saúde e da assistência social sobre
15
as demandas da situação de rua e uso de drogas foram contribuindo para a ideia
sobre esse trabalho, até chegar a definição do objeto de estudo.
A partir de estudos sobre a população em situação de rua, verifiquei que,
embora esse segmento social não esteja totalmente relacionado ao uso de drogas,
esse uso vem sendo vivenciado por um número significativo dessa população
apresentando uma realidade cotidiana em nossas cidades, e a necessidade de
contínuo estudo e reflexão-crítica acerca desse fenômeno.
Segundo a Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua
(2008), os problemas de alcoolismo e/ou outras drogas são um dos principais
motivos pelos quais pessoas passaram a viver e morar nas ruas (35,5%), seguido do
desemprego (29,8%) e conflitos familiares (29,1%). Dos entrevistados, 71,3%
mencionaram pelo menos um desses três motivos para a situação de rua (sendo
que estes podem estar correlacionados entre si ou um ser consequência do outro,
haja vista que a situação de rua é, muitas vezes, decorrente de todo um contexto
social de ausência de oportunidades e vivência de situações inacessíveis ou
violadoras de direitos). Esses dados apresentados indicam a coexistência de
diversas adversidades, como a relação entre a situação de rua e o uso de drogas e
consequentemente, ações que contemplem essa complexa questão social.
Nessa direção, considerando que a Política de Assistência Social passou
a ser incluída na agenda de intervenções a esse segmento, por meio da Lei nº
11.258, de 30 de dezembro de 2005, que incluiu a criação de programas de amparo
às pessoas em situação de rua na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742, de
07 de dezembro de 1993), torna-se relevante buscar seu reconhecimento como
possibilidade de atenção a essas pessoas, incluindo as que fazem uso de drogas.
Vale ressaltar que a Política de Assistência Social também foi
contemplada pelo Programa “Crack, é possível vencer”, que diante do viés
intersetorial4, a referida política passou a ter papel relevante nas demandas do uso e
dependência de drogas.
Por isso, o estudo se direcionou para a análise das ações desenvolvidas
nos serviços de assistência social a esse segmento, tendo como serviço de
referência e alvo do estudo o CP, que é previsto no Decreto Nº 7.053/2009 e na
4
De acordo com Raichelis (2000), a intersetorialidade permite a abordagem de forma ampla da
problemática social em seu caráter complexo e multidimensional.
16
Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, como unidade de referência da
proteção social especial de média complexidade, de atenção às pessoas em
situação de rua.
Ressaltamos que o recorte do espaço da pesquisa se deu no município
de Fortaleza, cidade que também contemplou o serviço de atenção às pessoas em
situação de rua. A realidade da situação de rua no referido município foi evidenciada
no noticiário: “Fortaleza não sabe quantos moradores de rua tem” o qual referiu que
em 2007, dos 3.241 usuários atendidos no CP, 73% mencionaram fazer uso de
algum tipo de drogas5.
Contudo, anteriormente ao CP, o referido município teve como serviço
destinado às pessoas em situação de rua o Centro de Atendimento à População de
Rua (CAPR), criada ainda pela Secretaria Municipal de Assistência Social de
Fortaleza (SEMAS). A partir de 2011, esse serviço passou a ser reformulado,
identificado como Centro de Referência Especializado para População em Situação
de Rua (CP a ser reformulado, identificado como Centro de Referência
Especializado para População em Situação de Rua (CP).
Assim, o trabalho se direcionou em compreender o contexto municipal de
Fortaleza, tendo como objetivos: apreender as percepções de profissionais que já
atuaram no CP junto à população de rua, bem como pessoas nessa situação
relacionada com uso de drogas; compreender as ações desses profissionais
empreendidas junto aos que vivenciam as ruas e fazem uso de drogas; caracterizar
o CP na política municipal de Assistência Social de Fortaleza, bem como
contextualizar a população de rua, envolvida com o uso de drogas, e identificar o
perfil desse segmento social.
Para o alcance desses objetivos o trabalho passou por fases, iniciado
com a pesquisa bibliográfica – livros, revistas, teses, dissertações, monografias e
com o acesso a noticiários e outras produções através da internet. Com isso,
contribuiu para ampliação dos conhecimentos, que até então tinha apreendido sobre
5
Fortaleza não sabe quantos moradores de rua tem: última pesquisa com moradores de rua na
Capital foi divulgada em 2008, que apontou o número de 1.701 pessoas em situação de rua. Desde
então, voluntários e militantes apontam crescimento do problema e percebem mudanças no perfil
de quem busca refúgio nos espaços públicos, inclusive o significativo índice de uso de álcool e
outrasdrogas”.Disponívelem:<http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2014/02/03/noticiasjorn
alcotidiano,3200632/fortaleza-nao-sabe-quantos-moradores-de-rua-tem.shtml>. Acesso em: 27 de
março de 2014.
17
o objeto em questão através da aproximação com os campos de estágio. Como
parte dessa fase de pesquisa, a participação em encontros e seminários que
abordavam a questão das drogas e outras situações relacionadas também foi um
dos meios de informação.
Nessa trajetória, descobri concepções e posicionamentos sobre a
temática, contribuindo para novas visões da realidade e ampliação das minhas
concepções sobre a questão das drogas.
Observei
que
a
temática
escolhida
indicou
várias
interfaces
e
perspectivas, apresentando-se como um fenômeno complexo que exige a escolha
de determinados métodos e técnicas que possibilitem compreender o objeto,
considerando o processo histórico que este está inserido.
O percurso da pesquisa é identificado como uma longa trajetória de
buscas sobre a temática escolhida, e no seu decorrer, deparamos com situações
inesperadas, que indicam desafios no trajeto desta.
Relativo a isso, explicito neste trabalho que este sofreu alterações,
conforme os rumos e caminhos que percorri durante a pesquisa. O primeiro campo
que havia direcionado minha pesquisa, anteriormente dirigida apenas aos usuários
de drogas – o Centro Integrado de Referência sobre Drogas – tornou-se inviável,
quando na segunda visita realizada a este, no intuito de firmar a minha pesquisa
naquele local, fui esclarecida que precisaria da autorização da Plataforma Brasil
(Comitê de Ética) para a realização da pesquisa naquele local. Informação não
explicada quando perguntei na primeira visita com o intuito de me aproximar do
campo de pesquisa.
Contudo, na época em que obtive essa informação, me pareceu
impossível conseguir a autorização por absoluta falta de tempo hábil para recebe-la
a tempo de concluir minha pesquisa até o final do semestre. Essa circunstância me
angustiou, pois já havia direcionado o trabalho para as pesquisas referentes àquela
instituição.
Porém, decidida em continuar com os estudos referente ao tema: drogas,
situações coexistentes e intervenção, bem como a trajetória entre pesquisa teórica e
de campo, passei a pesquisar outras possibilidades, buscando identificar um
trabalho que direcionasse para a questão das drogas e a outras questões sociais,
como a inclusão da Assistência Social enquanto política interventiva.
18
Nessa oportunidade, meu interesse pela intervenção da Assistência
Social nas demandas das drogas, tendo como ciência do envolvimento de outros
fenômenos relacionados a esta - como já havia vivenciado no campo de estágio da
Promotoria de Saúde, tornou-se mais acentuado. Assim, a situação de rua,
experiência que atualmente coexiste em significativo número com o uso de drogas
despertou meu interesse para o estudo dessa relação, que se encontrava em
segundo plano e o qual ainda se aproximava da minha primeira busca - a
participação de políticas sociais nas demandas de drogas coexistentes com outras
circunstâncias sociais. Nesse sentido, direcionei meus questionamentos à dimensão
da relação uso de drogas e situação de rua, e a inserção da Política de Assistência
Social, especificamente, do Centro de Referência Especializado de Assistência
Social para a População em Situação de Rua, que atende à essa população, que se
relacionam, em significativa parcela, ao uso de drogas. Dessa forma, considerando a
temática do objeto de estudo escolhido, compreendi que o presente trabalho requer
um estudo configurado pela abordagem qualitativa.
Relativo a esses objetivos, Minayo (1994) aponta que o trabalho com
significados, motivos, valores e atitudes, corresponde a um espaço mais profundo
das relações, dos processos e dos fenômenos, os quais não devem ser submetidos
a redução da operacionalização de variáveis.
A pesquisa objetivou compreender sobre os significados de questões
particulares de determinado fenômeno social, que por sua vez, é permeado de
vários aspectos e relações sociais.
Martinelli (1999) esclarece e reforça que na experiência de um trabalho
com a pesquisa qualitativa, é relevante a relação direta entre sujeito e o
pesquisador, que ainda não há desconexão do sujeito da sua estrutura, e a busca
para compreensão dos fatos dar-se pela interpretação que ambos (pesquisador e
sujeito) desenvolvem de suas vivências cotidianas.
Além disso, como norteador do processo da pesquisa, foi utilizada o viés
da dialética, considerando que o estudo teórico está vinculado as experiências
práticas e assim, deve estar intrínseco na trajetória de apreensão do conhecimento.
Dessa forma, metodologicamente, o trabalho foi realizado em duas etapas: a
exploração bibliográfica e a pesquisa de campo/entrevista.
19
E como ação contínua, diante da inclusão da questão no objeto de
estudo, as pesquisas bibliográficas se estenderam e foram ampliadas no sentido de
compreender esse fenômeno - relação do uso de drogas e situação de rua. Assim, a
busca exploratória foi a primeira fase, mas que percorreu os momentos deste
trabalho. Essa investigação foi através da pesquisa bibliográfica de estudos e
documentos referenciados que contribuíram na problematização da temática e na
produção teórica acerca do objeto em questão.
Segundo Gil (2002), a pesquisa exploratória oferece maior familiaridade
com o problema, possibilitando o aprimoramento das ideias e a descoberta de
instituições. Além disso, aponta que esse tipo de pesquisa envolve o levantamento
bibliográfico de livros, artigos científicos, publicações periódicas que discute o objeto
e revela concepções de pessoas que possuem experiência prática com o problema
pesquisado.
Diante dessa experiência, a pesquisa bibliográfica foi relevante para a
ampliação das minhas percepções acerca da questão das drogas, sobre as políticas
sociais envolvidas e o despertar pela busca das reais ações profissionais relativas a
questões do uso de drogas e situação de rua, com foco na Política de Assistência
Social.
Desse modo, no decorrer dessa pesquisa, realizada após a minha
inserção no campo de estágio e posteriormente em outros espaços, possibilitou-me
expandir os horizontes da temática, contribuindo para uma apreensão mais
cuidadosa dos aspectos e dos relatos apresentados no campo de pesquisa, nas
entrevistas com os interlocutores.
Isso contribuiu para que, quando me deparado com o campo de pesquisa
e com os profissionais, não ter havido formação de conclusões imediatas quanto aos
significados e os objetivos das ações realizadas pelos sujeitos, neste caso, pelos
profissionais referenciados pelo serviço do Centro de Referência Especializado para
a População de Rua.
O segundo passo se deu através da pesquisa de campo, a partir da
observação dos fatos e fenômenos, levando em consideração tanto a apresentação
real, como os possíveis aspectos implícitos inerentes a estes. Deve atentar também
para a relação fluente que deve estabelecer para assim, obter os dados suficientes
para o trabalho.
20
A pesquisa de campo foi realizada no Centro de Referência Especializado
de Assistência Social para a População de Rua, considerando sua referência no
atendimento às pessoas em situação de rua. O referido equipamento é localizado à
rua Antônio Pompeu, nº 134, no centro de Fortaleza, Ceará. Acrescentamos que o
CP do Centro foi o primeiro serviço especializado a ser criado no município de
Fortaleza, tendo maior histórico de atendimentos comparado com o CP do Benfica,
que foi instituído em 2013. Dessa forma, diante de mais de 3.000 arquivos de fichas
de cadastro/atendimento, o serviço do centro foi escolhido para obtermos o perfil do
público de estudo deste trabalho.
Assim, no intuito de coletar dados precisos e firmar a veracidade das
demandas que o objeto em questão aborda, foram realizadas análise documental,
por meio da classificação de documentos nos arquivos do serviço – tanto os que já
foram encaminhados para outros serviços, como os que estavam sendo
acompanhados naquele período que ocorrera minha pesquisa. Bem como através
de outras fontes, que apresentasse centralidade e relevância sobre o objeto em
questão. Com isso, também foi realizado um levantamento do perfil e das demandas
do público alvo que esta pesquisa pretende se dirigir: pessoas em situação de rua,
que possuem alguma modalidade de uso com drogas (uso, abuso ou dependência
química). A pesquisa documental se deu no CP do centro de Fortaleza, realizada sob
autorização da Secretaria Municipal de Trabalho, Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (SETRA). Na ocasião fui recebida pelo coordenador Elias
Figueiredo, que me direcionou aos arquivos onde se encontravam as fichas de
cadastro/atendimento dos usuários que estão ou estavam em situação de rua.
Naquele momento, senti-me bem recebida, pois a maioria dos presentes não sabia o
motivo de minha visita e percebi que, naquele espaço, haviam pessoas que estavam
ali há pouco tempo, situação evidenciada pelas constantes trocas de conhecimentos
uns com outros, e certo estranhamento nas falas relativas a alguns usuários daquele
serviço.
Nessa perspectiva, a observação simples se adequa a essa finalidade,
pois como Gil (2002) afirma, essa observação é a maneira espontânea de observar
os fatos, permanecendo alheio, e identificando-se mais como espectador do que ator
do processo.
21
Dessa forma, este instrumento de pesquisa foi utilizado no intuito de
apreender e registrar fielmente os momentos que presenciei no espaço do serviço e
os documentos e fontes relevantes ao subsídio da análise do objeto em questão,
sem interferir nos processos de trabalho do campo em questão.
A utilização do diário de campo foi imprescindível para o registro das
minhas percepções e reflexões acerca do campo e das ocasiões das entrevistas
com os referidos profissionais. Esse instrumento torna-se relevante para anotar
dados observados em momentos inesperados e as informações colhidas através
das falas dos sujeitos pesquisados.
Nesse sentido, Becker (1997) menciona a importância do diário de campo
e refere que esse instrumento deve ser um meio de registro de comportamentos
contraditórios com as falas, de manifestações dos interlocutores quanto aos vários
pontos pesquisados, dentre outros aspectos.
A aplicação de questionários foi empreendida no intuito de elaborar o
perfil dos usuários, pessoas em situação de rua e usuárias e drogas, do referido
serviço. Bem como, para a elaboração do perfil da instituição CENTRO POP do
município de Fortaleza.
O questionário é identificado como técnica que compõem um número de
questões apresentadas por escrito às pessoas, visando conhecer opiniões, crenças,
interesses, expectativas, situações vivenciadas (Gil, 2002).
Por fim, foram empreendidas entrevistas com os profissionais que (já)
atuaram no CP no intuito de apreender suas experiências profissionais quanto à
demanda das pessoas em situação de rua, em especial aos que fazem uso de
drogas para desvendar e compreender os significados produzidos pelos valores e
práticas destes no que se refere a atenção às pessoas em situação de rua, que
fazem alguma modalidade de uso (uso, abuso ou dependência química) do
município de Fortaleza. Nesta fase, foram realizadas 03 entrevistas (execução e
gestão).
Essa iniciativa foi motivada pela busca de apreender suas experiências
adquiridas no CP, que na época da pesquisa, estava passando por um processo de
mudança de profissionais, com a lotação de novos contratados6.
6
Seleção Pública Simplificada para a contratação por tempo determinado de profissionais de nível
superior e médio da Secretária Municipal de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome –
SETRA.EditalNº03.2014.Disponível
22
Diante desse processo de mudança, concomitante ao período do meu
processo de pesquisa, e ainda considerando o tempo relativamente curto para o
alcance dos objetivos, e a aquisição de experiências desses novos profissionais nas
demandas das pessoas em situação de rua relacionadas com o uso de drogas,
decidi entrevistar aqueles profissionais antes do processo de mudança já referido.
Desse modo, a pauta pré-estabelecida da escolha (já previamente) das
entrevistadas foi o recorte temporal, direcionado para os profissionais que haviam se
inserido e atuado no referido serviço com experiências pelo menos de 06 meses,
com trabalho realizado até março de 2014.
As entrevistas foram registradas através de gravações em áudio,
mediante o consentimento dos entrevistados, e transcritas posteriormente, no
sentido de coletar informações, concepções e dados inerentes aos objetivos do
trabalho. Os nomes atribuídos a cada entrevistado para identificar as falas, serão de
cantoras de músicas brasileiras que gosto de escutar. As transcrições serão
analisadas em diálogo com as categorias definidas a partir da leitura teórica sobre o
objeto.
As entrevistas foram empreendidas em locais alternativos de socialização
escolhidos pelas próprias interlocutoras para assim conseguirmos realizar um
trabalho espontâneo e agradável, como de fato foram alcançados. No decorrer das
entrevistas, percebi que nas ocasiões as participantes se sentiram à vontade na
maioria das entrevistas, somente em alguns momentos dos relatos que
evidenciavam posição pessoal sobre percepções do serviço do CP, como se
constituiu e como se evidencia atualmente, é que notei certa cautela e um pouco de
hesitação nas palavras.
O tipo de entrevista foi constituído como semiestruturada, por possibilitar
uma relativa flexibilidade no decorrer das informações, caso surjam novos
questionamentos inerentes ao objeto da pesquisa, possibilitando inclusão de novas
questões a serem perguntadas. Contudo, a prioridade nesse tipo de entrevista é
seguir a ordem prevista dos pontos a ser perguntados para seguir fielmente com os
interesses do trabalho. Costa (2001) reforça sobre esse instrumental, ao afirmar que
em<:http://www.fortaleza.ce.gov.br/sites/default/files/u1777/edital_03.2014__profissionais_paraa_set
ra_0.pdf>. Acesso em: 04 de março de 2014.
23
trata-se de um guia planejado previamente, servindo como norte para a entrevista,
podendo adaptar-se com o entrevistador e assim, não exigindo uma ordem rígida de
questões. No entanto, Demo (2006) afirma que uma reconstrução crítica dos dados
obtidos na entrevista, requer do pesquisador a não contentação em apenas expor,
descrever ou apresentar as falas, mas agir na descoberta de relações ocultas,
vazios e silêncios, aclamações frases fortes e fracas, presenças tímidas e
avassaladoras, além das ausências, atentando para as dinâmicas do fenômeno
além da padronização posta. Além disso, é relevante citar sua referência sobre o
olhar – que não é fácil de se ver e acompanhar os argumentos elaborados para as
perguntas realizadas ao que se quer investigar.
Assim, desenvolvendo uma percepção crítica das representações sociais
que são mediatizadas. Para Richardson (1999), o pesquisador deve esclarecer ao
entrevistado sobre o objetivo e o porquê do empreendimento da entrevista. Os
instrumentais referidos são direcionados para a coleta de dados, identificados como
relevantes para o registro de percepções sobre os acontecimentos e relatos no
decorrer da pesquisa de campo e ao alcance dos objetivos da pesquisa.
Posteriormente,
os
dados
apreendidos
foram
organizados
sistematicamente de acordo com os pontos relativos aos objetivos e submetidos a
análise, articulados com o embasamento teórico para que se tornem mais
contundentes e a melhor interpretação e compreensão do objeto de estudo em
questão.
Nessa experiência, Oliveira (2000) contribui na medida que esclarece que
é no processo de construção textual que o pensamento flui, dificilmente possível
antes da textualização de dados obtidos na observação sistemática. Ainda aponta
que além do olhar e o ouvir – elementos relevantes na percepção da realidade pela
pesquisa empírica, o escrever representa um passo indissociável do pensamento.
Dessa forma, o exercício da pesquisa é inerente ao ato de observar, ouvir
e escrever, como uma intrínseca interação relevante ao processo de pesquisa e
construção de novos conhecimentos a partir dos fenômenos que são apreendidos
cognitivamente, na imediaticidade e na percepção aguçada que pode se
desenvolver no exercício da prática da investigação.
Vale ressaltar que este trabalho sofreu algumas mudanças, mas
compreendo que devo ser fiel no relato dos reais acontecimentos e sua exposição
24
neste capítulo – percurso metodológico da pesquisa. No entanto, os percalços da
pesquisa nos obrigaram a um esforço maior na continuidade dessa ação, buscando
conhecer novos elementos que aparecem na trajetória da investigação sobre o tema
de estudo.
Diversos autores contribuíram para o aprofundamento das discussões e
da compreensão das categorias que constituem o estudo do objeto, como Varanda
(2009), Silva (2006), Escorel (1999), Castel (1998), entre outros. Através das leituras
e pela revisão literária, percebi que a relação situação de rua e uso de drogas é
permeada por aspectos, que incluem a cultura, os desdobramentos sócio-políticos e
econômicos das últimas décadas, permeados por diversas metrópoles do mundo.
Vale ressaltar que as situações devem se atentar para o aspecto social,
além da questão do tratamento, da percepção patológica sobre essas questões,
principalmente, acerca do uso de drogas. Assim, a minha decisão foi pesquisar
sobre o uso de drogas e sua relação com as pessoas em situação de rua, que hoje
apresenta-se frequente em um grande número de pessoas.
Embora haja a existência de algumas produções sobre o tema de estudo
escolhido, ainda permanece atual e de relevância, haja vista que está envolvido em
um contexto social sujeito a transformações sociais e, assim, a novas e distintas
concepções sobre o assunto, que pode configurar nos aspectos sócio-políticos e na
intervenção dos serviços sociais disponíveis à população usuária.
O capítulo “Contextualizando a realidade da população em situação de
rua: breves discussões” objetiva explanar o histórico da população em situação de
rua, tendo em vista que se trata de uma realidade que envolve aspectos sociais,
políticos, econômicos e culturais, a partir dos conceitos estudados. Assim, será
contextualizado a vivência da população em situação de rua, tomando em
consideração a história da sociedade, principalmente no contexto capitalista e da
atual conjuntura que implica na expressiva desigualdade social, nas condições de
trabalho e, consequentemente, nas condições humanas de vida, percebidas também
no objeto de estudo.
Acrescentamos que diante das apreensões, apresentaremos ainda o
modo de vida, que em meio as diversas configurações da situação de rua,
evidenciando assim seu caráter heterogêneo, pode ter vários significados e
finalidades. Serão explanas também os motivos que decorrem não ir para as ruas,
25
bem como a interlocução com a questão das drogas que, embora não seja uma
relação genérica entre situação de rua e drogadição, o uso dessas substâncias se
apresenta como experiência expressiva nessa situação, em variadas interfaces,
como veremos no referido capítulo.
O capítulo “A PNAS: Possibilidades e desafios na intervenção à dupla
demanda – população me situação de rua e drogadição” versará sobre o
desenvolvimento da assistência como política direcionada à população em situação
de rua, inclusive sobre o início da articulação com a rede de atendimento para o
acesso de outras políticas sociais à referida população, inclusive em atenção as
demandas do uso de álcool e outras drogas, tenho em vista a intersetorialidade
pautada na Política Nacional para a População em Situação de Rua.
O último capítulo consiste em apresentar a situação de rua e drogadição
no município de Fortaleza e a repercussão da política de assistência social
direcionada a esse público, a partir do desenvolvimento dos serviços de atenção,
tomando em consideração as percepções e vivências profissionais na atuação à
população em situação de rua, inclusive na demanda coexistente da drogadição,
que também sinaliza ser vivenciada por parte da população em situação de rua.
Ademais, ao considerar a processualidade histórica do objeto de
pesquisa, a interpretação e conclusão final sobre o estudo realizado não se cristaliza
como verdades acabadas e inalteradas. Dessa forma, consideramos que o objeto
em questão (sujeitos e aspectos inerentes) é sujeito de contínua atenção e
reflexões, bem como as ações e serviços desenvolvidos a este, considerando ainda
as relações sociais envolvidas nessa realidade.
26
2 CONTEXTUALIZANDO A REALIDADE DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE
RUA: BREVES DISCUSSÕES
A população em situação de rua não é algo fácil de conceituar, haja vista
que carrega uma série de determinações, interfaces e circunstâncias sociais,
econômicas e culturais, sinalizando assim, seu aspecto heterogêneo.
Assim, compreender esse segmento social nos sinaliza ter uma investida
desafiadora, devendo então considerar diversos significados. Para isso, neste
capítulo, serão explanadas definições que possibilitem somar percepções junto às
definições de instrumentos políticos para melhor compreensão dessa realidade.
A situação de rua vem sendo considerada por diversos autores7 – os
quais serão referidos adiante – como complexa e decorrente de inúmeras situações
que convergem para essa vivência. As vivências nas ruas podem incluir tanto a
utilização das ruas para moradia, como espaço de vivência permanente, indicando
assim, longo tempo nos espaços públicos, como também meio de atividade para
obtenção de sustento e estratégias de sobrevivência.
Quanto às denominações atribuídas a população em situação de rua, o
que podemos perceber como evidência são considerações pejorativas, do senso
comum, direcionadas aos que não possuem condições de moradia, ou dignas de
vida, aos que não têm ou não querem enfrentar os desafios da vida social e aos que
permanecem nas ruas, condição de sua própria “escolha”. Tais termos são
evidenciados por vagabundos preguiçosos, bêbados sujos, mendigos, vadios
(GOMES, 2012).
No entanto, para compreendermos melhor sobre o universo da população
em situação de rua, precisamos investigar a trajetória sócio histórica, e os aspectos
sociais, econômicos, políticos e culturais que incidem no objeto de estudo,
compreensão que seria insuficiente se nos detivéssemos às denominações
reproduzidas pelo imaginário social sobre essa população.
Essa trajetória apresenta que a população em situação de rua decorre de
uma série de fatores, mas principalmente que se trata de uma realidade inerente aos
diversos tempos longínquos e contemporâneos que iremos discutir a seguir.
7
Dentre os autores que discutem sobre os aspectos e fatores implicados na situação de rua,
podemos citar: SILVA, 2006; VARANDA, 2009; ROSA, 2005; MATTOS, 2006, entre outros.
27
2.1 O histórico da população em situação de rua
A vivência nas ruas seja como moradia ou como espaço de subsistência
não é fenômeno originado do cenário urbano contemporâneo, mas sim, oriunda de
tempos longínquos, proveniente da história da humanidade.
Porém, compreender a situação de rua nos remete principalmente ao
surgimento das cidades pré-industriais da Europa, e com o desenvolvimento do
capitalismo, vem apresentando momentos de retração e outros de expansão (SILVA,
2009 apud GOMES, 2012).
No período anterior ao desenvolvimento das cidades – no Feudalismo,
muitas pessoas mantinham sua subsistência através de atividades laborais
desenvolvidas em terras de proprietários. Devido a isso, firmavam relações de
fidelidade e submissão a estes, motivadas também pelo abrigo e proteção obtidos
nesses espaços privados.
Contudo, essa população ainda se encontrava em precárias e frágeis
condições
de
vida
e
de
trabalho,
sinalizando
assim
vulnerabilidade
de
desabrigamento e, consequentemente, a possibilidade da ida para as ruas.
Os que não se submetiam às condições de proprietários de terras
passavam a utilizar a rua como moradia, como afirmam Arruda e Pilleti (1996): “Para
elevar seus rendimentos, os senhores feudais aumentaram as obrigações dos
servos. Muitos tiveram de abandonar as terras em que viviam ou chegaram a ser
expulsos delas; passaram a viver como mendigos ou bandidos” (ARRUDA; PILLETI,
1996, p.121).
Assim, surgiam “itinerantes” que sem moradia e a autonomia para a
reprodução de sua vida, diante das condições precárias de vida, ficavam próximos
aos feudos e às cidades que se formavam, buscando sobrevivência e ações de
caridade que as igrejas já ofereciam.
Dessa forma, Silva (2006) afirma que nesse contexto de expropriação de
produtores rurais e camponeses, de sua transformação em assalariados, como
resultados da acumulação primitiva, surge o fenômeno do pauperismo e, ainda da
população em situação de rua.
O Renascimento Comercial, ainda na Idade Média, foi um processo
histórico que apresentou o agravamento dessa situação, evidenciado como pobreza
28
marcada pela disparidade entre os que detinham lotes de terras dos que se
situavam distante do comércio e do consumo - elementos que indicavam marca
prerrogativa de organização da vida social.
Porém, em meados dos séculos XVI a XVIII, em que se iniciou e avançou
o novo modelo econômico – o capitalismo mercantil, os sistemas econômicos e
políticos foram submetidos a diversas transformações que, por sua vez, incidiram na
vida material e subjetiva da sociedade, principalmente, na classe social que não
tinha meios de produção e para comercialização à sua sobrevivência.
A expansão do comércio e do desenvolvimento das cidades era objetivos
centrais desse novo período. E como elemento fundamental para o almejo de
valores e lucros, ações e estratégias foram empreendidas como estratégias de
apropriação da força de trabalho da camada populacional pobre.
Acrescentamos ainda a destituição de terras dos camponeses que ainda
possuíam como meio de sua sobrevivência.
Encurralados no campo, com as terras comunais usurpadas, os
camponeses foram obrigados a vender sua força de trabalho para subsistir
em penosas condições de trabalho (longas jornadas, baixos salários,
trabalham de menores [...] e de mulheres) (FALEIROS, 1991, p. 10).
Outra estratégia de controle aos interesses dos latifundiários era
empreendida através de instrumentos legais impostos como forma de aprisionar um
grande contingente populacional à estrutura socioeconômica estabelecida.
Nesse contexto, Castel (1998 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2011)
explana que as leis: dos Pobres (1601), a lei de domicílio (1662) e a Lei de
Speenhamland Act – Lei de Assistência aos Pobres (1795), as quais tinham um
caráter punitivo e coercitivo, tinham a função de manter a ordem de pobres e
miseráveis, no sentido de impor-lhes aos imperativos do trabalho estabelecido,
aceitando os baixos salários e assim, inibindo-os de deslocarem-se para outras
regiões em busca de melhores condições de vida. Essas legislações indicavam a
intolerância e a proibição da mendicância dos pobres.
Percebemos então, que o crescimento das cidades e as novas formas de
trabalho e economia não favoreciam a todos que estavam inseridos nesse mesmo
contexto. Nesse cenário, havia os que detinham propriedades e meios de
reprodução material e do capital, ocupando espaços estratégicos para os interesses
29
comerciais, e outro grupo social que se encontrava em aglomeração, em espaços
desfavoráveis de condições mínimas de vida, incluindo a moradia.
Assim, com o surgimento e o desenvolvimento de civilizações, à medida
que avançavam no aspecto socioespacial para urbanização e nos aspectos políticos
e econômicos, contraditoriamente, por outro lado, desencadeavam o surgimento, ou
pelo menos, a acentuação de uma classe pauperizada, excluída desse cenário de
desenvolvimento. Essa classe social, quando não submetida aos ditames
estabelecidos pela ordem econômica, passava a vivenciar condições extremas de
pobreza, evidenciando assim uma refração da questão social, que se agrava cada
vez mais nesse circuito de relação antagônica entre capital e trabalho (ARRUDA;
PILETTI, 1996).
Nesse contexto, pessoas em situação de rua podem ser identificadas
como o resultado de situações extremas decorridas das transformações que
beneficiavam a valorização do capital. E isso foi agravado alarmantemente com o
avanço do capitalismo para seu estágio industrial, em meados dos séculos XVIII e
XIX, em que valorizava as maquinarias, como instrumentos primordiais, substituindo
a mão-de-obra da classe trabalhadora.
No entanto, vale ressaltar que foi com a emergência do processo
industrial e o avanço do capitalismo que se desencadeou a expansão do movimento
de migração.8 E isso decorreu da esperança da população em melhorar suas
condições de vida e ascender socialmente naquele cenário, quando passou a
perceber a possibilidade aparente e atrativa da oferta de trabalho e assim, a
possibilidade de mobilização de recursos para alcançar objetivos almejados
(PASTORE, 1969 apud RAQUEL, 2012).
Observamos então que o processo de migração foi um movimento
relacionado ao fator estrutural, como falta de emprego, falta de perspectiva do local
de origem, ou seja, ausência de condições de reprodução de vida.
Contudo, diante do intuito da intensificação da produtividade, a lógica
industrial caracterizou-se pela adesão aos equipamentos mecânicos, de energia a
8
Migração é um processo social, deve-se supor que ele tenha causas estruturais que impelem
determinados grupos a se pôr em movimento. Estas causas são quase sempre de fundo econômico
- deslocamento de atividades no espaço crescimento diferencial da atividade em lugares distintos e
assim por diante – e atingem os grupos que compõem a estrutura social do lugar de origem de um
modo diferenciado (SINGER, 1998 apud SCMITZ, 2009).
30
vapor e da eletricidade, o que gerou a substituição gradativa da força do trabalho
humano por esses itens de produção (Oliveira, 2013).
Dessa forma, Galvêas refere em seu artigo9 que nesse período
econômico não havia trabalho para todos e, mesmo os que trabalhavam, possuíam
uma condição salarial mínima, até insuficiente para a sua subsistência. Junto a essa
classe trabalhadora, presenciavam-se mendigos, resultado do desemprego, pela
não absorção da excessiva mão de obra disponível.
Assim as produções materiais progrediram para o plano privado, e os que
não eram absorvidos pelo trabalho industrial, tornavam-se excedentes, identificando
ai um verdadeiro processo excludente pelo novo sistema de produção, àqueles que
só possuíam a sua força de trabalho para oferecer.
Relativo a esse contexto, Netto e Braz (2006, p. 88) esclarecem que:
O capitalismo é definido como a organização da sociedade
as fábricas, os instrumentos de produção, etc. pertencem
número de proprietários fundiários e capitalista, enquanto a
não possui nenhuma ou quase nenhuma propriedade e,
vender a sua força de trabalho.
na qual a terra,
à um pequeno
massa do povo
por isso, deve
Essa parcela da população passou a ser responsável pelas suas próprias
formas de sobrevivência, e muitos sem condições de reprodução de vida, passaram
a somar o segmento que utilizaram as ruas como espaço de estar, morar ou/e
buscar estratégias de sobrevivência.
Assim, o excedente populacional relativo à oferta de trabalho dessa nova
ordem econômica passou a constituir uma espécie de reserva de mão-de-obra
disponível aos pressupostos e exploração do novo sistema do capital.
Nesse sentido, Alves (2006, p.22) explana que:
Na corrente marxista a origem dos fluxos é interpretada como o resultado
de processos estruturais que se desenrolaram nas áreas de origem e
resultam em fatores de expulsão populacional, colocando um determinado
grupo social em movimento.
Contudo, ressaltamos que o processo de migração não foi resultado
apenas do movimento voluntário da população pela busca de melhores condições
9
Artigo produzido por Elias Celso Galvêas: “Revolução industrial” e suas consequências: da
corporação de artesãos e manufaturas locais à produção em escala internacional, Disponível em:
<http://www.miniweb.com.br/historia/Artigos/i_contemporanea/rev_indu_consequencias.html>.
Acesso em: 22 maio 2014.
31
de vida. Outros processos históricos ocorridos no período industrial indicaram que o
movimento migratório também foi decorrente da expulsão das pessoas das terras.
A exemplo disso, A lei de Cercamento de Terras foi um episódio que se
desembocou no período emergente industrial, e sinalizou como fator contribuinte ao
processo de migração. Tratou-se de uma investida estratégica para a saída de quem
vivia no campo.
Cotrim (2002) esclarece que a Política do Cercamento consistia na
transformação das áreas comuns aos servos e senhores (ambos vinculados na
relação feudo-vassálica) em áreas de pastagem para as ovelhas. Como os vassalos
dependiam dessas áreas para tirar seu sustento, com a implementação dessa Lei
estes se viram obrigados a abandonar os campos e procurar trabalho assalariado
nos centros urbanos, constituindo assim a classe do proletariado.
Silva (2009) refere que muitas pessoas que foram expulsas de suas terras
não foram absorvidas pela indústria no mesmo tempo que se tornaram tão
disponíveis. Isso se dava pela incapacidade da indústria, ou pela dificuldade de
adaptação repentina ao novo modelo disciplinar de trabalho.
Assim, esse novo episódio apresentou que junto com as transformações
da produção econômica, a condição de moradia de milhares de camponeses foi
outra questão alterada, tendo em vista que estes foram expulsos de suas terras,
para a produção dos grandes proprietários. Com isso, muitos camponeses expulsos
de suas terras foram parar nas cidades, onde muitos encontravam empregos na
indústria, mas a maioria perambulava. Diante disso, o processo de migração
também foi decorrente da expulsão de pessoas das terras.
É relevante citar também aqui a Revolução Verde10, processo que
implicou no deslocamento de muitos moradores, principalmente da área do campo.
Esse processo foi reflexo da lógica de produção intensificada, revelada pela
10
A Revolução Verde foi um processo que realizado para o interesse de dominação políticoeconômica do grupo capitalista liderado pelos Estados Unidos, empreendeu práticas de
intensificação da produção agrícola, aderiu ao modelo baseado no uso intensivo de agrotóxicos e
fertilizantes sintéticos na agricultura, ocorrido principalmente no campo e presente na vida de
muitos produtores em diversas áreas do mundo. Contudo, para a sustentação da Revolução Verde,
o referido grupo usou de estratégia ideológica, o objetivo de acabar com a fome, considerado como
problema a ser enfrentado na época. Porém, o que ocorreu na realidade foi o aumento da
produtividade, tendo em vista que a agricultura foi concebida como um meio para reproduzir o
capital, ao invés de interferir na questão da fome (GEORGE, 1978 apud ANDRADES & GANIMI,
2007, p.47).
32
transformação da produção da agricultura, com base na mecanização em detrimento
da mão de obra.
Sobre essa investida, Martine (1990, p.3 apud SOUZA, 2013) explana
que:
Com a mecanização promoveu-se uma verdadeira expulsão do homem do
campo, entre 1970 e 1980, foram 30 milhões de pequenos produtores
expulsos de suas terras. Sem terra e sem emprego suficiente para todo o
contingente que perdia suas terras, vender a força de trabalho nas áreas
metropolitanas era a única saída, aumentando consideravelmente o êxodo
rural.
Tal processo se iniciou nos anos de 1940, mas foi em meados dos anos
de 1960 e 1970 que indicou resultados expressivos, com o aumento da produção
agrícola. Porém, diferente do discurso ideológico sobre o motivo da Revolução
Verde - aumentar a produção para erradicar a fome no mundo – indicou mais
agravos socioambientais, conforme a afirmação de José Maria Gusman Ferraz
(Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa)11.
O pesquisador acrescenta que a investida revolucionária se fez
reconhecida como causa do aumento da concentração fundiária, o que causou o
“inchaço” das cidades, e assim a incidência da favelização antes não vista; bem
como a dependência daqueles que ainda com suas terras, não tinham mais a
liberdade de sua cultura de plantio.
Diante disso, percebemos que a Revolução Verde foi mais uma estratégia
de reprodução do capital, herdada do capitalismo desde seu estágio inicial, do que
de caráter positivo às adversidades que historicamente a população subalterna
vivencia como a disparidade social que há entre a classe detentora de bens
materiais e a classe trabalhadora.
Com o processo de expropriações de terras, significativa parcela de
trabalhadores que possuía alguma dimensão de terras, e que sofreram com esse
processo teve que se sujeitar a adversas condições de trabalhos nas fazendas,
ainda sujeitos a ser dispensados, devido a mecanização que se expandia nos
territórios, contribuindo assim, para o acúmulo do exército de reserva. (OLIVEIRA
1996 apud ANDRADES & GANIMI, 2006, p.53).
11
Muito além da tecnologia: os impactos da Revolução Verde – Com Ciência (Revista eletrônica de
jornalismo científico). Disponível em:<http://www.comciencia.br/comciencia/?sec tion=8&edicao=
58&id=730>. Acesso em: 20 de maio de 2014.
33
Essa população está à mercê das condições de trabalho estabelecidas
pelo capitalismo, quando ainda permanecem em condições precárias, sofridas pelo
desemprego gerado desde o início do sistema capitalista. Assim, esse segmento
social embora não permaneça em situação estagnada, muitos passam a viver em
uma verdadeira “acrobacia”, ou seja, por vulnerabilidades e estratégias de
sobrevivência, o que pode decorrer ainda na ida para as ruas.
Assim, os processos inerentes ao capitalismo revelam que as
adversidades sociais são originadas dessas transformações vinculadas mais aos
interesses de uma minoria, indicando assim expressão radical da questão social na
contemporaneidade, materializada e evidenciada pela violência do capitalismo sobre
o ser humano. Tal violência se dá pela desapropriação dos meios de produção de
riqueza para uso próprio, fundamentada na estratégia de submissão da classe
trabalhadora que se constitui as condições capitalistas e assim a situações extremas
de degradação de vida, como mesmo a situação de rua (Silva, 2006).
Tiene (2004 apud SILVA, 2006) coloca que embora a rua seja uma esfera
pública, ainda não é percebida como espaço de todos, tendo em vista que é
marcado pela apropriação, que pressupõe o rito de iniciação para fazer parte dela e
da ordem social que indica a manutenção na mesma.
Dessa forma, a apropriação contribui mais ainda para a posição do sujeito
à margem do cenário e da dinâmica socioeconômica em que a sociedade é movida.
E a dicotomia entre público e privado torna-se mais presente na discussão sobre a
vivência dos que vivem nas ruas, considerando que estes estão inseridos em um
contexto que a apropriação faz distinguir seres humanos.
Nesse sentido, Escorel (1999), esclarece que a propriedade se relaciona
com a condição de cidadania, igualdade, proteção das leis e segurança e diante
disso, embora seja um sujeito político, a ausência de um lugar próprio e privado,
caracteriza a falta de ser humano.
No entanto, é necessário nos remetermos ao período que se expande até
os dias atuais, o qual evidencia uma nova configuração sociopolítica e econômica
que incide na sociedade, a partir da crise do capital dos anos de 197012, quando
agravou os interesses do capital.
12
A crise dos anos de 1970, na verdade, foi uma crise clássica de superprodução que orientada pela
lei do valor, do padrão de acumulação capitalista, culminou no alto índice de inflação, expandindo o
endividamento de processos públicos e provados. A referida crise passou a não responder a
34
Frente a essa crise, de forte instabilidade econômica, surgiram novos
preceitos, a luz do sistema neoliberal que incidiam sobre a estrutura do trabalho e do
mercado, para reconstituir o mercado.
Behring e Boschetti (2011) afirmam que o novo sistema neoliberal tratou
de uma reação a decadência capitalista, quanto a recessão e baixo crescimento
econômico, fundamentado na reestruturação dos setores político, econômico e
produtivo do âmbito de trabalho.
Na época, com a parceria principal do Estado, os governos13 que
idealizaram e apoiaram a referida proposta influenciaram mudanças em diversos
setores da sociedade: a expansão das organizações privadas nos serviços sociais,
diante das orientações internacionais para a proteção social e principalmente as
condições do trabalho, que passaram a ser flexibilizadas em prol dos interesses de
acumulação do capital (ibidem. p. 156).
Com as novas formas de contratos, as relações trabalhistas foram
desregulamentadas, baseadas em mecanismos flexíveis e vínculos de trabalhos
temporários, sem formalização e garantia de direitos no âmbito de trabalho (SILVA,
2006).
Mõntano (s/d) acrescenta que com o projeto neoliberal, no fim do século
XX, a sociedade assistiu diversas transformações que ultrapassaram o âmbito
econômico. Tais mudanças se deram no cenário societário, como o aspecto
sociocultural, tendo em vista a tentativa neoliberal de por fim a condição de direito
das políticas sociais e assistenciais, em substituição aos serviços comercializáveis e
de atividade filantrópico-voluntária.
Dessa forma, as condições sociais da população que possuía apenas sua
força
de
trabalho
como
forma
de
sobrevivência
foram
interferidas
pela
reconfiguração das relações trabalhistas, que incidiu na desvinculação dos direitos
sociais à classe trabalhadora.
retração do consumo que se estendia diante do desemprego estrutural iniciado nesse período,
ocasionada pela introdução de técnicas capital-intensivas e poupadoras de mão-de-obra; além da
crise social e política dos países imperialistas, devido a ascensão das lutas de trabalhadores contra
s propostas de austeridade; bem como resultado da crise de credibilidade do capitalismo, que não
respondia mais a garantia do pleno emprego, das liberdades democráticas e da qualidade de vida
(BEHRING; BOSCHETTI, 2011).
13
Os primeiros expoentes da política neoliberal foram os governos Thatcher (Inglaterra, 1979),
Reagan (EUA, 1980), Khol (Alemanha, 1982) e Schlutter (Dinamarca, 1983).
35
O discurso da necessidade da redução dos gastos excessivos pelo
Estado nas políticas sociais não exclui sua ação em outras dimensões, justificada
pelo mesmo diálogo.
Nesse sentido, Neto e Braz (2006) esclarecem que na realidade, o
objetivo do capital monopolista não é a exatamente a “diminuição” do Estado, mas
sim a redução das ações estatais coesivas, no tocante a satisfação das
necessidades, dos direitos sociais das classes subalternas.
Em contrapartida, a ideologia neoliberal impulsiona o Estado a intervir no
financiamento da esfera capitalista, justificada pela necessidade real desta de se
restabelecer como desenvolvimento à sociedade. Assim, surge uma nova direção
estatal: “Estado mínimo para o trabalho e máximo para o capital” (Neto & Braz,
2006, p. 227).
Outro fenômeno que se expandiu na época foi o número elevado da
pauperização da classe trabalhadora, ocasionado pela redução das taxas de
desemprego, falta de garantia derivada da flexibilização do trabalho e do
desemprego. Este último resultou de uma drástica diminuição de ocupações nas
áreas industriais, fator que também contribuiu para a expansão do exército de
reserva14.
Nessa direção, Castel (1998) explica que a partir dessa realidade de
regressão no âmbito das políticas sociais e do trabalho, a ideia de sujeitos
assegurados numa dada relação de trabalho, de caráter fixo e integrante passa a ser
desconsiderado, explicando a existência de populações em condições desfavoráveis
de vida, como os que passam a perambular, mantendo-se de um lugar para outro.
A partir dos anos de 1980, segundo Giddens (1999), a inserção dos
processos de modernização15 e globalização16 das estratégias de gestões
14
É um grande contingente de trabalhadores desempregados, que não encontra compradores para a
sua força de trabalho (ENGELS, 1972 apud NETO & BRAZ, 2006).
15
A modernização substituiu as formas de sociedades tradicionais que eram baseadas na agricultura.
O processo de modernização influiu em quatro grandes grupos de “complexos institucionais da
modernidade”. O Poder administrativo foi um destes, que se refere ao desenvolvimento de um
Estado-nação com formas burocráticas e racionais de governar as dimensões da população, como
por exemplo, o capitalismo e a industrialização, que foi outro grupo interferido por esse processo,
com a introdução da forma de produção fabril-industrial, como aspecto moderno dominante na
economia mundial em detrimento das formas tradicionais de produção. Esse processo “distanciou”
os indivíduos e as comunidades das sociedades tradicionais destas noções estreitas de tempo,
espaço e status. O autor exemplifica que a modernização “desencaixou” o indivíduo feudal de sua
identidade fixa no tempo e no espaço.
36
governamentais ocasionou um consenso da dissolução do Welfare State, o que
contribuiu para o aumento vertiginoso da população de rua, bem como para as
circunstâncias irreversíveis a essa população.
2.2 A repercussão sócio-histórica da população em situação de rua no
contexto brasileiro
Salientamos que o Brasil também foi cenário das transformações
societárias discutidas no tópico anterior. Tais transformações apresentaram diversas
repercussões na vida social, como a segregação socioespacial do país.
A questão que envolve a situação de rua, assunto que faz parte de nosso
tema de estudo, pode ser percebida como fato desencadeado por outros processos
que se desenrolaram no decorrer da história do Brasil. Mas ao nos reportamos sobre
o contexto brasileiro, não devemos dispensar a totalidade da estrutura social em
escala mundial.
Assim, como a Europa, o Brasil gradativamente aderiu ao processo de
transformações que atendiam à proposta de modernização das cidades, baseada na
lógica do urbanismo e, principalmente da industrialização, que se iniciava no final do
Século XIX e no começo do Século XX.
A introdução do processo industrial no Brasil é um dos principais
episódios que marca essas transformações no país, evidenciado pelos impactos
sociais, políticos e econômicos, com a produção industrial. Porém somado a isto, o
16
As metamorfoses do mundo do trabalho são acompanhadas pelo o que alguns caracterizam como
processo de globalização da economia, mas que, incorporando a contribuição de Chesnais (1997
apud PELLOSO &CAMPOS, 2011) pode ser apontado como processo de mundialização da
economia, ou de constituição de um regime de acumulação mundial predominantemente financeiro.
Trata-se, conforme Husson (1994), da formação de um mercado unificado com companhias
mundializadas, bem como da configuração de uma base planetária de concepção, produção e
distribuição de produtos e serviços, inclusive com uma redefinição das especialidades no mercado
mundial. A mundialização vem se revelando um processo contraditório, desigual e assimétrico,
intensificado pela revolução tecnológica, sobretudo com a horizontalização das empresas e sua
ligação pela rede de informática; e pelo neoliberalismo, cuja essência é o afastamento dos
obstáculos à circulação do fluxo de mercadorias e dinheiro. No entanto, ela está longe de promover
uma homogeneização do espaço econômico, reafirmando a idéia de um desenvolvimento desigual e
combinado do capitalismo, cuja maior expressão são as tendências recorrentes de crise do mercado
financeiro, que atingem de forma diferenciada os países, segundo as características de sua
inserção no mercado mundial (BEHRING, 2001, p.112).
37
deslocamento populacional foi questão pertinente, que incidiu na vida da grande
classe trabalhadora.
A partir dos anos de 1930, no governo de Getúlio Vargas o processo de
industrialização teve um salto significativo quanto ao seu desenvolvimento, atraindo
assim significativa parcela da população rural à modernidade das cidades, em busca
de perspectivas de vida contrárias as que vivenciavam.
Como resultado desse processo, Alves (1998) ressalta que houve um
intenso desordenamento no crescimento urbano, o que decorreu no surgimento das
chamadas favelas e acampamentos, com a falta de condições de moradia e de
outras necessidades à vida dos migrantes.
Apesar do cenário de desenvolvimento que as cidades industriais
sinalizaram, Santos (1994, p.81 apud RAQUEL, 2012, p.20) afirma que:
As pessoas que não encontram mais trabalho no campo dirigem-se para as
cidades, engrossando a fileira dos trabalhadores ou candidatos a um
trabalho urbano-industrial. No entanto não haverá trabalho para todos,
advindo daí boa parte dos problemas, como os que conhecemos
atualmente.
Assim sendo, observamos que, apesar do crescimento das cidades e do
desenvolvimento industrial ter sinalizado progresso na paisagem dos espaços
sociais e na dimensão econômica, significativa parcela da população, tanto do
espaço urbano e os chamados migrantes ainda se mantiveram em situações
desfavoráveis à sua sobrevivência, evidenciando a não contemplação de todos aos
rendimentos e prosperidade desse novo cenário social.
Diante disso, e da colocação de Santos (1994) que explana sobre a não
absorção de todos no âmbito do trabalho, podemos perceber que isso pode incidir
nas condições de vida da população, como trabalho, moradia, saúde, habitação,
entre outras condições básicas de vida.
Porém, é na conjuntura neoliberal – proposta aderida também pelo Brasil
à acumulação flexível, que o empobrecimento de parcela da população, bem como a
incidência situação de rua se apresentam com maior expressão na sociedade
(RAQUEL, 2012).
Silva (2006) afirma que sobre a população em situação de rua não há
registros concretos de sua origem exata, o que faz nos ater ao período a partir dos
anos de 1990, ano que indicou os primeiros estudos sobre esse segmento social e
38
que coincide com as mudanças impulsionadas pelo capitalismo na década de 1970,
e especificamente, na segunda metade dos anos de 1990 no contexto brasileiro.
Nesse período, a sociedade brasileira passou a ser orientada pela nova
proposta referida – neoliberal – atrelada a classe detentora do capital, a qual
apresentou elementos adaptadores, como a desestruturação das condições de
trabalho, exemplificado com a informalização e flexibilização.
As reformas empreendidas tiveram como base a modernização
conservadora ou de revolução passiva, e não de cunho social-democrata (Coutinho,
2010). E tais mudanças incidiram em alterações nas condições de vida e de trabalho
dos de “baixo” – evidenciado pelo desenvolvimento de um Estado social, porém
vinculado à classe capitalista, que detinham controle sob as classes subalternas,
para não correr o risco de dividir os índices de progresso socioeconômico com estas
(BEHRING; BOSCHETTI, 2011).
No entanto, salientamos que além das mudanças no processo econômico
e da disparidade pela desigualdade de quem possui capital e os que possuem
apenas a força de trabalho para sobreviver, a reestruturação produtiva – eixo do
neoliberalismo – apresentam outras configurações e consequências que a exemplo,
incidem no âmbito do trabalho e assim, na vida da classe trabalhadora.
As repercussões foram: o trabalho precário, relações trabalhistas sem
garantia de direitos, a redução dos postos de trabalho, bem como o desemprego,
que acentuou a superpopulação relativa no mundo e no Brasil e o pauperismo,
contribuindo para a expansão da população desapropriada de condições mínimas de
vida, como a população em situação de rua (SILVA, 2006).
Outra evidência que ainda aponta a relação entre trabalho e situação de
rua foi identificada na afirmação de Neves (1983 apud VARANDA; ADORNO, 2004),
que indica que nos primeiros estudos sobre a população em situação de rua no
Brasil, revelaram a existência de ex-trabalhadores vinculados a mendicância,
caracterizada por uma série de degradações das condições de trabalho a partir dos
anos de 1950 e 196017.
Contudo, embora a mendicância era percebida como adversidade
também relacionada a situação de rua, até 2009, era considerada alvo de ação
penal no Brasil.
17
Artigo: Descartáveis urbanos: discutindo a complexidade da população de rua e o desafio para
políticas de saúde.
39
Relativo a isso, Siqueira (1932) explica que os chamados mendigos
podem ser reconhecidos por duas dimensões: os inválidos, que são os que inspiram
piedade, demandando real assistência às suas adversidades, e os que são válidos.
Esta última categoria se enquadra na concepção penal, tendo em vista que o autor
refere sobre os válidos como exemplo causador de perigo à ordem social. Explica
que não havendo condições mínimas de sobrevivência, e de busca ao trabalho
honesto, os chamados válidos servem-se do crime para subsistirem18.
Contudo, ao longo do tempo, a concepção jurídica sobre a mendicância
como contravenção penal foi alterada, tendo em vista que essa relação remetia ao
preconceito social, mais precisamente, a “criminalização da pobreza”. E ainda por
levar a limitação da liberdade dos sujeitos, sem que houvesse comprovações de
lesões ou ameaças de lesões.
Assim, a revogação do artigo da Lei de Contravenções Penais pela Lei
11.983, o que sinalizou uma concepção progressiva o Estado quanto essa
questão19.
Percebemos que a mendicância é um aspecto relacionado à população
em situação de rua, que reflete a desigualdade social, agravado pela falta da
integração entre proteção social do Estado e condições dignas de trabalho à
reprodução da vida (BURSZTYN, 2000 apud LIMA, 2008).
Contudo, parcela da população em situação de rua ainda aponta
atividades de dimensão ocupacional que realizam para obter rendimentos,
vinculados a serviços informais, como engraxates, coleta de materiais recicláveis,
cuidadores de carros.
De acordo com a “Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de
Rua, esse segmento social é composto, em grande parte, por trabalhadores. Isso se
evidencia por alguma atividade que, embora esteja na situação de rua, exercem
alguma atividade remunerada.
A referida pesquisa aponta que são 70,9% exercem alguma atividade
remunerada, destacando-se: catador de materiais recicláveis (27,5%), flanelinha
(14,1%), construção civil (6,3%), limpeza (4,2%) e carregador/estivador (3,1%).
18
Diante da situação concreta de perigo, a exemplo do período de meados anos de 1930 os
mencionados mendigos ainda poderiam ser internados em instituto de reeducação, pelo prazo
mínimo de um ano; e se chegasse a situação prisional, na possuía direito de fiança
19
Disponível em: <:http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1591145/o-fim-da-contravencao-de-mendican
cia>. Acesso em 10 de maio de 2014.
40
Pedem dinheiro como principal meio para a sobrevivência apenas 15,7% das
pessoas. E quanto a experiência em trabalho formal, 47,7% dos entrevistados
declararam nunca ter trabalhado com vínculo empregatício, através de carteira
assinada.
Consequentemente, percebemos que a população em situação de rua
embora possa estar desvinculada do mercado de trabalho, muitos ainda passam a
realizar alguma atividade, contrariando o imaginário desse segmento como restrito a
vadiagem e marginalização. E quanto as condições de trabalho, notamos que há um
número significativo de pessoas que nunca usufruíram de direitos trabalhistas
garantidos, evidenciado pela realidade da flexibilização do trabalho e de direitos
sociais vinculados também a realidade dessas pessoas.
Pochmann (2002, p.66 apud SILVA, 2006, p.32) contextualiza as razões
para a “escolha” das ocupações referidas pelos que vivem em situação de rua:
Deve-se destacar que as ocupações não organizadas encontram-se
incluídas de forma dependentes e subordinadas à dinâmica capitalista.
Contudo, embora opere conjuntamente com as ocupações organizadas, o
segmento não organizado revela um espaço econômico limitado e
intersticial na absorção da força de trabalho excedente ao modo de
produção capitalista. Além disso, são o comportamento do segmento
capitalista e a dimensão da população excedente que modulam os espaços
de manutenção e reprodução das ocupações não organizadas.
Em uma matéria intitulada “Moradores de uma terra sem dono” (2010),
Robson Rodrigues refere que a crescente população em situação de rua no Brasil
evidencia a cruel miséria social aprofundada em diversos ramos da esfera pública; é
reflexo visível do agravamento social no Brasil, e a falta de políticas públicas à
garantia de condições mínimas de sobrevivência ao cidadão.
Em contrapartida, o que ainda se percebe são os estigmas do fracasso,
da impotência, da vagabundagem e da menos-valia, que decorrem no afastamento
das estruturas sociais, e nas ações de estratégias de sobrevivência no anonimato
(VARANDA, 2009).
Percebemos então um cenário social mais amplo em que o “problema das
ruas” está inserido, não o direcionado a uma conduta ou fragilidade restritamente
individual, mas a outros elementos que relacionam a falta de condições mínimas de
vida.
41
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, de
2007, apontam que as condições dignas de moradia ainda se apresentam como alvo
de conquista a ser alcançado por brasileiros, os quais 54 milhões de pessoas foram
observados com ausência de condições favoráveis de moradia. Alguns morando em
locais precários, que oferecem risco à saúde ou à segurança da população, outros
em loteamentos irregulares, em cortiços, pensões, aluguéis.
Ainda sobre esse contexto, Rosa (2005) reforça sobre a ida para as ruas
como decorrente também da ausência de trabalho, o que torna os espaços públicos
como áreas de aglomeração, inclusive os locais abandonados.
Nesse sentido, pensar sobre a relação que há entre pobreza, situação de
rua, e o trabalho, nos faz remeter sobre o cenário atual, que além da precarização
do trabalho já submetido a uma parcela da população absorvida pelo mercado,
ainda há cada vez mais a ausência do trabalho, porém, este ainda percebido como
“solução” para essas adversidades sociais, bem como ponto relevante para o
resgate da dignidade outrora perdida aos que vivem em situação de rua (LIMA,
2008).
No entanto, apesar do trabalho ser tema de questionamento quanto a
“saída” das ruas, Silva (2006) explica que as atividades laborais ainda se constituem
como fator principal e relevante na vida dos sujeitos que passaram a ir para as ruas.
Isso se dá pela forma como se elabora esse fenômeno na nossa
sociedade consubstancia uma carga de valores fundada na tese do trabalho que
dignifica o homem, associado à ideia do homem trabalhador, honesto que se opõe à
marginalidade (VIEIRA, 2004).
Nas pesquisas realizadas nos estados de São Paulo, Belo Horizonte e
Porto Alegre, as quais apontaram que as ocupações desenvolvidas pelos que
viveram em situação de rua eram aquelas que perderam postos de trabalho,
justificada pela falta de qualificação para seu exercício. São elas: eletricista,
carpinteiro, sapateiro, pintor, manobrista e motorista.
Como alternativas a condição do desemprego direcionaram-se para
outras atividades, como formas de manter sua sobrevivência: catadores de materiais
recicláveis, guardadores de carros, flanelinhas e engraxates.
42
Outro processo que se desenvolveu historicamente e se vincula com a
trajetória da ida para as ruas é o urbanismo20. Processo este que repercutiu
mundialmente em prol do embelezamento das cidades, e do processo industrial.
Vale ressaltar que esse processo foi impulsionado pelos interesses de
grupos empresariais que, movidos por interesses lucrativos, adequou a forma
urbana as reais necessidades de concentração e acumulação do capital (ABREU,
1987 apud AMADO, 2011).
Dessa forma, observamos que além das mudanças político-econômicas
empreendidas, implicou-se ainda na dimensão estrutural da sociedade que, por sua
vez, pode incidir nas condições de vida e de moradia da população.
Nesse contexto, a segregação foi aspecto característico do espaço
urbano, evidenciando mais ainda a desigualdade social através da divisão
organizacional das cidades. A divisão da localização de moradia e referência
colocavam alguns grupos sociais em locais desenvolvidos e outros à margem desse
cenário de desenvolvimento econômico e urbano social que eram impelidos a viver
em regiões menos desfavorecidas em termos de oferta de trabalho e do atrativo do
capital. Dentre estes, os que vivem em situação de rua também passaram e ainda
passam a ser excluídos deste cenário, agravado pela impressão de marginalidade e
perigo, implicando ainda mais ao isolamento social e físico desse segmento social
(NOGUEIRA, 2009).
A Pesquisa Nacional sobre a População de Rua: “Rua, aprendendo a
contar” (2009), aponta que o Movimento dos Sem Terra (MST) é outro processo
relativo a problemática dos que vivem em situação de rua, e isso inclui não somente
o movimento dos sem teto ocorridos nos espaços urbanos, mas claro, no espaço
rural que aponta para a uma parcela da população que não “possui chão”.
Embora o meio rural não disponha de ruas, existem as estradas, as quais
as pessoas se aglomeram às suas margens, constituindo também o segmento que
20
A urbanização consiste em um processo de crescimento das cidades na era industrial, comum
deslocamento do centro da vida social do campo para as cidades e penetração das reformas nas
áreas rurais. No Brasil, o processo de urbanização se deu de forma acelerada e decorreu em
mudanças ao cenário urbano: o traçado das velhas cidades já não corresponde às exigências da
nova indústria nem ao seu grande movimento. As ruas, sem uma infraestrutura necessária, são
alagadas, abrem-se novas vias de acesso e novas formas de transporte como os trens e os bondes.
Isto é a cidade passa a refletir não só as transformações que se realizam no âmbito do capitalismo
mundial, mas também se preparam para oferecer as condições necessárias para o desenvolvimento
industrial. Nesse contexto, destaca-se a precariedade das habitações, sobretudo das classes
subalternas (GOMES, 2005 apud AMADO, 2011).
43
utilizam os espaços públicos como espaço de “abrigamento” ou de meios de
obtenção de renda, de sobrevivência.
2.3 Características as pessoas em situação de rua: vivências e fatores
implicados na trajetória para as ruas
A realidade da situação de rua evidencia a multidimensionalidade dessa
situação, frente às diversas circunstâncias e adversidades coexistentes que
explicam as causas e podem desenvolver na ida para as ruas.
Essa situação é representada por peculiaridades nas diversas regiões
brasileiras e na infinidade de histórias de vida desses indivíduos em uma mesma
região (MATTOS, 2006).
Castel (1998) reforça sobre o surgimento das populações que
perambulam “permanecendo em todo lugar”, pelo fato de se encontrarem excluídas
da condição de ocupação, de integração ao âmbito de trabalho que desenvolva
atividades que possibilitem prover o indivíduo.
Nesse sentido, a descartabilidade do ser humano no mundo globalizado
equivale a das mercadorias e por isso, nessa sociabilidade, se vê habitualmente
seres humanos “vivendo na rua e da rua, do lixo dos ricos”. (BURSZTYN, 2000 apud
NOGUEIRA, 2009).
A trajetória e a permanência em determinados locais públicos sejam como
moradia ou como forma de sobrevivência – são influenciados por recursos e
condições que implicam na dinâmica socioespacial em que esse segmento se situa.
E ao longo do tempo, esse segmento populacional passa a apreender determinados
locais, estratégicos a sua permanência e para suas diferentes funções da vida diária:
acesso a materiais descartados, como forma de sobrevivência, acesso à água,
locais para higiene, alimentação e pernoite.21
Outro fator relevante para essa dinâmica socioespacial, ou topografia
própria inerente à população de rua, são os locais estratégicos para obtenção de
renda, e isso refere aos “bicos” ou acesso a doações de esmolas, situados
principalmente em espaços que desenham um cenário que circulam pessoas em
volta da circulação de dinheiro (LIMA, 2008).
21
Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua – Rua: Aprendendo a contar (2009).
44
Em vista aos locais estratégicos de sobrevivência, evidencia-se que,
embora a população nas ruas possa significar pessoas sempre em movimento,
passam a identificar certos locais como seguros e possíveis a permanência da
obtenção de meios de sobrevivência.
Nessa direção, Pimentel (2005) refere que as relações se modificam com
certa fluidez e variam de acordo com as circunstâncias, como os fenômenos
naturais, alterações de espaços urbanos, ações policiais, dentre outros que
desencadeiam na mudança de espaço desse segmento social. Assim, isso se dá
quando há “saturação” do território, pela desqualificação da sua função imediata,
esgotado os atrativos à garantia de benefícios aos que ali ocupavam.
Além disso, as relações que se desenvolvem nos espaços públicos entre
os que vivenciam as ruas fazem com que formem vínculos entre eles, construindo
uma organização político-social, incorporando assim uma espécie de segunda vida,
uma forma política de viver. Muitos que moram nas ruas, por exemplo, passam a
compartilhar os espaços que indicam segurança e abrigo, assim como momentos de
atividades e locomoção para sua sobrevivência, como nos serviços que oferecem
alimentação, banho, pernoite (ESCOREL, 1999).
Pimentel (2005) refere que essa vivência compartilhada se configura
numa teia de relações, e trocas e de dependência mútua na mobilização e recursos
para a sobrevivência e a outros fins. Essa teia se estabelece numa rede de
solidariedade entre os que vivenciam em comum a experiência das ruas, por
exemplo.
No entanto, embora haja tal relação de solidariedade, o vínculo ainda
pode ter risco de ser rompido, haja vista a mobilidade que passam a ter pela busca e
“posse” de espaços, configurando locais de disputas para abrigo e segurança,
evidenciando a ausência de relações constantes de muitos que vivem em situação
de rua.
Por conseguinte, revela-se que a situação de rua ocasiona a vivência com
uma série de carência que passam a ser enfrentadas cotidianamente, exigindo
assim a adaptação a outras referências da vida social distintas daquelas
anteriormente vividas (VIEIRA, 2004).
Prates e Machado (2011 apud ABREU, 2013) explanam as expressões
como deambulantes ou andarilhos, vinculados ao movimento de deslocamento não
45
tão comum as pessoas em situação de rua. A pessoa considerada andarilho advém
muitas vezes de processos de expulsão de locais, nos quais foi aceito por um
período, mas logo depois rejeitado, devido a apreensão a ele como característico do
“meio da rua”, ainda relacionado ao acúmulo de objetos no espaço da rua, pelo uso
frequente de drogas, pela apresentação de delírios ou pelo incômodo causado por
sua presença e forma de ser, estar no mundo aos moradores do bairro ou pessoas
que por ali circulam.
Além disso, Brognoli (1996 apud ABREU, 2013, p.32) refere que a partir
de sua pesquisa, identificou os chamados “trecheiros” como pessoas que não tem
lugar fixo para se manter, passando a andar de um lugar para outro, como um
viajante, mas sem trecho.
Contudo, embora os termos mencionados possam indicar a situação
semelhante aos que vivem em situação de rua que por sua vez, possam apresentar
experiências e características comuns, os termos referidos não contemplam e assim
não solidificam com segurança a identificação e conceituação desse segmento
social de diversas singularidades em suas histórias de vida.
Porém, ressalta-se que os termos “morador de rua” e “pessoa em
situação de rua” são os mais comuns para definir as pessoas que utilizam a rua
como espaço de moradia e que usam estratégias de sobrevivência e aqueles que
somente tiram o seu sustento, mas não fazem da rua seu espaço de moradia.
Nesse sentido, Escorel (1999) afirma que a distinção entre “pessoas em
situação de rua” e “moradores de rua”, são os que usam a rua como moradia de
forma permanente, ou seja, pessoas que tem a rua como seu habitat. Relativo as
pessoas em situação de rua, são consideradas as que as utilizam por um período
restrito, assim a trajetória nas ruas é temporária, como um tempo de “passagem”.
Vieira (1994) ainda explica que as pessoas que ficam na rua são
identificadas por situações circunstanciais ocasionadas pela questão estrutural,
como a falta de condições dignas de vida, o desemprego, e assim a busca de
emprego em outros locais que ultrapassam seu lugar de origem, bem como pela
busca de outras condições inerentes à sua vida, como o tratamento em saúde e
aproximação com familiares.
Diante dessas ocasiões ocorridas em diversos eixos de tempo e espaço,
há várias configurações da presença nas ruas referidas por Vieira (1994), como: As
46
pessoas que estão na rua – são aquelas que já não possuem a percepção de perigo
e ameaça das ruas, passando assim a estabelecer contato e até vínculo com outras
pessoas que vivem na rua, seja como local de moradia ou de meio de sobrevivência.
Exemplos dessa experiência os guardadores de carro, descarregadores de carga,
catadores de papéis ou latinhas.
As pessoas que são da rua – são sujeitos que possui um tempo
significativo de vivência nas ruas, revelado por um processo de debilitação física e
mental, ocasionado pelo uso do álcool e das drogas, pela alimentação deficitária,
pelas atividades diversas que se dispõem a realizar para obtenção de renda, pela
exposição e pela vulnerabilidade à violência (VIEIRA, BEZERRA E ROSA, 1994, p.
93-95).
Quanto ao último levantamento realizado pela Pesquisa Nacional sobre a
População em Situação de Rua, foram contabilizadas 31.922 pessoas vivendo em
situação de rua, em 71 municípios pesquisados22.
Essas pessoas informaram viver em locais públicos (calçadas, praças,
rodovias, parques, viadutos, praias, túneis, prédios abandonados, becos e lixões),
privados (postos de gasolina, barcos, depósitos ou ferro-velho) ou pernoitando em
instituições (albergues, abrigos, igrejas, casas de passagem e de apoio).
A Pesquisa verificou que esse segmento é predominantemente
masculino (82%), e mais da metade (53,0%) são adultos, com faixa etária entre 25 e
44 anos de idade.
A Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua:
“Aprendendo a contar” (2009) aponta que a realidade das ruas ainda torna-se um
pouco distante do perfil das mulheres, levando-a a buscar outras formas de
sobrevivência, muitas vezes, submetendo-se a outros infortúnios até mais
agravantes à sua condição de vida.
Ainda segundo a pesquisa, o pequeno número de mulheres (18%),
comparando com a quantidade de homens (82%) de um levantamento equivalente a
22.669 pessoas nas ruas, pode indicar que muitas ainda optam permanecer em
22
Ressalta-se que a Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua não contemplou
todos os municípios brasileiros. Sendo assim, o número contabilizado não corresponde ao total de
pessoas em situação de rua no ano da pesquisa (2008). Entre as capitais que não foram
pesquisadas, destaca-se São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre, visto que os 03 primeiros
haviam empreendido pesquisa recentemente, e este último realizara pesquisa de iniciativa municipal.
A listagem dos municípios pesquisados localiza-se no Quadro 01, em anexo a referida pesquisa.
47
suas casas, suportando situações de violência e opressão, a ter que ir morar nas
ruas, enfrentando assim as dificuldades oriundas dessa vivência.
Contudo, ressaltamos que a pesquisa que aponta a vivência das ruas
como remota para o perfil feminino é relativamente real, tendo em vista que muitas
possuem essa experiência, indicando assim que é necessário ter um estudo
minucioso sobre a realidade da situação de rua para as mulheres.
Esse número pode ser explicado na dimensão histórica e culturalmente
percebida pela colocação da mulher como cuidadora do lar, submissa ao âmbito
doméstico e a desigual relação de trabalho, repercutindo também nos espaços
públicos, como as ruas (TIENE, 2004).
A referida pesquisa ainda revela que mais da metade da população em
situação de rua encontra-se na faixa etária da população economicamente ativa
(56,3% têm entre 25 e 44 de idade) o que nos faz questionar e compreender que as
repercussões das mudanças socioeconômicas, principalmente a partir dos anos de
1990 no Brasil incidiram sobre as condições de vida da classe trabalhadora que não
fora totalmente absorvida pelo sistema capitalista.
Pensar sobre a população em situação de rua nos faz questionar os
motivos que ocasionam essa trajetória, tendo em vista outras adversidades que
aparecem nessa vivência, como a insegurança de sobrevivência, a falta de
alimentação, moradia, saúde, renda fixa, ou seja, as mínimas condições de
sobrevivência.
O Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2012) indica
que a motivação da ida para as ruas, bem como para outras situações inerentes ao
universo das pessoas em situação de rua é caracterizada pela diversidade, tendo
como elementos principais a condição extrema de pobreza, a fragilidade ou
interrupção de vínculos familiares e a falta de moradia em situação regular. Em
decorrência disso, a situação se direciona para a formação de aglomerados em
ruas, praças, áreas
degradadas, como
locais abandonados
e ruínas, e
eventualmente em abrigos e albergues que são utilizados para pernoite.
No entanto, Varanda (2009) afirma que a degradação econômica e a
desqualificação não são os únicos determinantes para a situação de rua, assim
sendo, não são únicos elementos que desenham o perfil desse segmento
populacional. Essa situação se deve também a situações vivenciadas por pessoas
48
que passam por rupturas cumulativas, no âmbito familiar e social quando nas
relações de trabalho, distanciando-as das estruturas socialmente aceitas, o que
pode ocasionar em vulnerabilidades e estigmas aos que passam a vivenciar as ruas
como moradia e sobrevivência.
Silva (2009) aponta que:
Os fatores mais enfatizados pela literatura contemporânea são a ruptura
dos vínculos familiares e comunitários, a inexistência de trabalho regular e a
ausência ou insuficiência de renda, além do uso frequente de álcool e
outras drogas e problemas atinentes às situações de desabrigo (SILVA,
2009, p.105)
Nessa direção, a autora sistematiza os fatores que implicam na ida para
as ruas, que vai além do viés estrutural, o qual já foi explanado - ausência de
moradia, inexistência de trabalho e renda, mudanças econômicas e institucionais de
significativo impacto social, etc. São os fatores biográficos, vinculados à vida de
cada pessoa que passa a ir para as ruas (vínculos rompidos ou fragilizados, os
transtornos mentais, mortes familiares, roubo de todos os bens e outros infortúnios);
bem como os fatores naturais, reconhecidos como desastres - terremotos,
inundações.
Dentre esses motivos referidos a situação de rua, autores apontam como
razões fluentes para essa realidade a fragilização dos vínculos familiares,
considerando como problema associado em quase a totalidade, como problema de
ordem econômica, além do desemprego e da falta de condições para alimentação e
moradia (PRATES, REIS e ABREU, 2000 apud SILVA, 2006).
Salientamos que essa problemática ainda deve-se a outros fatores que
podem aparecer como singulares e de dimensão sociocultural que desencadeiam na
fragilização ou o rompimento dos vínculos familiares e, consequentemente, na saída
para as ruas.
Dentre esses outros fatores coexistentes, Varanda (2009) exemplifica a
tolerância à diversidade sexual. Para o autor, a liberdade de expressão sexual
aparece como um possível destino para as ruas, tendo em vista a dificuldade de
quem opta por uma sexualidade contrária aos padrões de sexualidade aceitos pelos
âmbitos domiciliares. Fazendo assim, a buscarem locais e relações que possam se
livrar de julgamentos externos. Quando ainda convivem com julgamentos
culpabilizantes, percebidos como contrários ou fora dos padrões, passam a ser
49
dificultosa a aceitação em ambientes que decorrem no nomadismo e posteriormente
ao anonimato da rua.
Nesse sentido, as noções de valores que atribuem a si e ao meio em que
vive devem ser consideradas, evidenciando que a subjetividade é pertinente nas
vivências e situações as quais pessoas passam, estão e permanecem.
Dessa forma, a organização social é uma questão que se apresenta como
ponto inerente as dimensões da vida, implicando também nas vivências e conflitos
sociais que desencadeiam o processo para fora de seu âmbito domiciliar. Essa
organização, por sua vez, se vincula a estrutura da sociedade, que emerge na vida
material e nas percepções da sociedade, atrelada aos padrões impostos pela
mesma. E isso remete a uma reação contrária e preconceituosa a posições e
opções distintas, desassociadas do modelo social.
Desse modo, as pessoas que vivenciam essa realidade de oposição
tende a perder suas referências familiares, de trabalho formal, com a escola bem
como com outras instituições (ibidem. p.37). Dimensões sociais, as quais os sujeitos
são identificados e reconhecidos ou não.
Além de escolhas e valores distintos, a divisão sexual dos papéis sociais
é outro aspecto sociocultural que envolve o fenômeno das ruas.
Varanda (2009) refere sobre o motivo da predominância do sexo
masculino nas ruas, uma vez que histórica e culturalmente, percebe-se no Brasil e
em muitas nações o homem como representante da família e de seu sustento.
O autor acrescenta que ainda considerando o contexto estrutural em que
vivemos, onde o desemprego é uma realidade presente, torna-se difícil a colocação
no mercado de trabalho ou no âmbito formal, levando a se ausentarem de casa,
muitos destes, passam a seguir o caminho para as ruas.
Além disso, a vivência nas ruas ainda representa cenário de violência e
de preconceito, tendo em vista que a realidade das ruas é masculinizada,
contribuindo para a percepção de fragilidade e de “vítimas fáceis” às mulheres.
Levando estas últimas a se adaptarem ao convívio e comportamentos machistas nas
falas e nos padrões de vivência dos homens – bebedeiras e o uso de droga (Ibidem.
p.19).
A Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua:
“Aprendendo a contar” (2009) afirma também que o fator principal da ida para as
50
ruas pelas mulheres é a perda de moradia (22,56%), seguido pelos problemas
familiares (21,92%) e pelo alcoolismo e drogadição (11,68%). Esses dados revelam
que outras adversidades e problemáticas ainda são suportadas por elas, e não pela
busca de liberdade de conflitos que possa vivenciar.
No entanto, visualizamos que tanto as experiências vivenciadas por
mulheres, como por homens, os fatores ou outras experiências que passam a
vivenciar é a perda de moradia, conflitos familiares e uso de álcool e outras drogas.
Este último, Silva (2006) aponta como um dos fatores biográficos mais presentes
nas pesquisas realizadas com pessoas em situação de rua.
2.4 A interlocução entre a situação de rua e o uso de drogas
Considerando que em meio as adversidades causadas e vivenciadas na
situação de rua, consideramos que o uso de drogas apresenta expressiva
coexistência nessa vivência. Contudo, apesar do número expressivo que apresenta
na Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua (2008) – 35,5%, nos
faz questionar a configuração que se apresenta tal uso e os reais motivos que as
experiências de situação de rua e drogadição se entrecruzam, para podemos
ultrapassar uma compreensão que pode ir além ou ser distinta do senso comum.
No entanto, vale ressaltar que a discussão que iremos explanar a seguir
não pretende referir o uso de drogas como realidade genérica na realidade de quem
vive em situação de rua, tendo em vista que o consumo de substâncias psicoativas
não é experiência de todos.
Porém Varanda (2009), a vida da maioria daqueles em que percorrem a
trajetória para a situação de rua, é identificada como uma experiência complexa,
esta tal situação, comumente, envolve o uso de bebidas alcóolicas, seja durante ou
depois do movimento para ruas.
Assim, revela a existência problemática que é a relação entre a situação
de rua e o uso de drogas, objeto de estudo que já explanamos e iremos discutir
continuamente.
A respeito das razões que levaram estas pessoas a estar em situação de
rua, a Pesquisa Nacional para a População em Situação de Rua apontou que
grande parte dos entrevistados referiu a situação de rua em decorrência do uso
51
abusivo de álcool e outras drogas (35,5%), o que se torna mais expressivo do que o
motivo desemprego (29,8%) e desavenças entre familiares (29,1%).
Como exemplo sobre dessa dupla realidade – situação de rua e
drogadição, Varanda (2009) em sua tese refere que em uma intervenção
psicoterapêutica, revelou que a infância de um jovem foi permeada por julgamentos
culpabilizantes, decorrendo em sua saída do âmbito familiar e outras experiências
da liminaridade, conduzindo-o a situação de rua e as drogas.
Ao pesquisar sobre essa relação – situação de rua e o uso de drogas - o
referido autor afirma que a hostilização familiar pode ser explicitada quando o sujeito
não contribui financeiramente com as despesas domiciliares, por conta do uso de
bebida ou de drogas, significando um dos fatores contrários as regras de
convivência em um ambiente familiar.
Essa realidade também foi percebida no campo em que estagiava –
Promotoria de Defesa da Saúde Pública. Nesse âmbito, através das falas de alguns
usuários, compreendemos que, embora estes tenham referências e âmbito familiar,
passavam a estar nas ruas, percebendo como um espaço de liberdade frente as
normas e conflitos familiares.
Nessa direção, passavam a se ausentar de casa, e estarem
frequentemente nas ruas. Somado a isto, através da relação construída com
“companheiros” de grupos vivenciados nas ruas esses usuários passavam a ter
acesso as drogas e a consumi-las como hábito recreativo de novidade.
Outros sujeitos ainda passam a fazer uso de drogas como forma de
potencializar sua “adaptação” com a situação de estar, de ficar, ou seja, nas ruas.
Situações que os sujeitos vivenciam como a morte de um familiar,
referência significativa à sua vida, decorrem em uma desestabilização emocional,
levando a perceber a bebida alcóolica como forma de minimizar seu sofrimento
(ibidem. p. 64).
Silva (2006) ainda reforça sobre a questão do uso de drogas, quando
refere que dentre as drogas mais consumidas o álcool é traço marcante nas histórias
de vidas antes e durante a estada nas ruas, sendo ainda fator decorrente da ida
para a rua. Esses dados reportam-se a Pesquisa Nacional sobre população em
52
situação de rua que aponta para trajetórias de fragilidades e processos de exclusão
social na vida desses sujeitos.
O consumo de bebida alcoólica passa a ser percebido por uma parcela da
população que vivem nas ruas como meio de “saída” ou de alívio as situações de
sofrimento, de rompimentos materiais, de laços familiares, emocionais, passando a
substituir o álcool ou potencializá-lo.
No entanto, a aparente reequilibração emocional, satisfação do desejo e
auto superação através do uso de álcool só encoberta o sofrimento e a precarização
da pobreza em que a população em situação de rua vivencia, revelando como um
processo reativo a exclusão social (ibidem. p.39).
O uso das drogas quanto uma ação ocorrida nas ruas ainda pode ser uma
forma de liberdade e alternativa à moralidade e ao controle social que limitam o
consumo dos usuários.
Isso leva em consideração os mecanismos sociais que operam no sentido
de limitar a disponibilidade da droga, limitando também seu uso (BECKER, apud,
VARANDA, 2009), e decorrendo na ida para as ruas, que passa a oferecer o uso
ilimitado dessa substância, afrouxando a legalidade e a moralidade presente nos
âmbitos sociais.
Nos últimos anos, dentre as drogas mais utilizadas pelas pessoas que
vivenciam a situação de rua, o crack, ou seja, a “pedra” (como é chamado o crack
pelos que vivenciam as ruas) também é uma das consumidas, haja vista por ser
produto de valor relativamente baixo e de fácil acesso (LIMA, 2008).
Para Rosa (2005), a população em situação de rua
Vivem no limite da possibilidade de uso de bebida ou da droga ilícita pela
falta de perspectiva e de saídas, como também ficam à mercê de traficantes,
que fazem deles usuários ou passadores e para acertos de contas entre eles
próprios (ROSA, 2005, p.163)
Essa afirmação nos faz perceber que a situação de rua apresenta uma
complexa realidade, tendo em vista além de apresentar-se como uma adversidade,
ainda se vincula e pode acarretar outras situações que colocam em risco a vida de
quem está em situação de rua, como o uso abusivo de substâncias psicoativas.
Esse uso pode ser percebido apenas como um hábito, uma adversidade a mais, a
frente dos infortúnios que os sujeitos que vivem nas ruas passam não percebendo
alternativas de vida para ir contra os seus hábitos na rua.
53
Lima (2008) exemplifica algumas adversidades coexistentes à situação de
rua, como os momentos de lazer, comemorativos ou pelo vício compartilhado por
grupos que fazem uso de álcool e outras drogas os quais acabam originando
diferenças de percepções, ou até no ato de partilhar a compra de bebidas,
ocasionando divergências ou até morte, o que evidencia uma séria relação entre
violência, sociabilidade e bebida alcóolica.
A referida autora ainda coloca que o comprometimento na saúde física e
mental dos que passam a viver nas ruas é outra situação bastante presente, diante
do uso abusivo de substâncias psicoativas.
Assim, o uso abusivo dessas substâncias que causam dependência
podem agravar outras situações que os sujeitos antes de irem para as ruas
vivenciaram, bem como no cotidiano da vida nas ruas.
O uso de drogas apresenta uma série de fatores vinculados não somente
ao uso recreativo e de aspecto de privilégio dos que as consomem, mas também por
outros fatores (estruturais, psicológicos, emocionais, etc.) que também implicam na
ida para as ruas (VARANDA, 2009).
O álcool por não ser ilegal, pode distorcer a visão de quem consome essa
substância, denotando menos risco de seus efeitos para os que fazem uso/abuso
desta. Isso decorre da maior propagação aos jovens sobre os problemas
ocasionados pelas drogas ilícitas, o que faz com que esses sujeitos desconheçam
os riscos envolvidos no consumo das substâncias permitidas (SEIBEL &TOSCANO,
2001).
É certo saber, que por ainda haver certa discriminação quanto as drogas
ilegais, os usuários de drogas que desenvolvem problemas devido o abuso dessas,
que ainda se encontram em situação de rua não se sentem à vontade para procurar
orientação, ajuda para tratamento ou mesmo alimentação e pernoite em instituições,
permanecendo na mesma situação sem perspectivas de vida, em condição de
saúde debilitada, chegando até agravá-la.
Isso remete a cultura de estigmatização dos usuários de drogas,
intensificada ainda mais quando estes se encontram situação de rua que até, visto
que ainda não o reconhecimento distinção entre os que sofrem com o abuso de
drogas e os que se beneficiam com o tráfico dessas substâncias.
54
No entanto, tratar sobre o uso de álcool e outras drogas como doença,
ainda remete a uma concepção vinculada a ações biomédicas, baseadas na noção
higienista e discriminatória a esse uso, decorrendo em outras adversidades como os
desafios da vivência nas ruas23.
Em outros casos, situações diversas - desestruturação familiar, ausência
da efetivação da rede de proteção social, falta de oferta/alternativas de trabalho,
situação de rua - esta pode ser ainda resultado destes fatores referidos - podem
influir na experimentação e ao uso continuo de drogas, passando a ser situação
coexistente com as situações de risco social, como da situação de rua.
Contudo, Neves (2004) afirma que cada sociedade possui seus padrões
institucionalizados quanto ao uso de bebidas alcoólicas, a sua produção e a
variedade de motivos e de oportunidades construídas para o ato social de beber.
Neste caso, a patologização e concepção moral atrelada ao uso de álcool e outras
drogas vem sendo discutida, relacionada a um fenômeno socialmente construído.
Em contrapartida, Freire (1999 apud VARANDA, 2009) afirma que a
solução de questões complexas como alternativas de trabalho, uso abusivo de
drogas e outras questões de saúde requerem investigações de aspectos específicos
que possam orientar os gastos públicos e otimizá-los.
Nessa mesma linha de pensamento, o fenômeno do uso de drogas e da
situação de rua, quando considerado como fenômeno coletivo, na perspectiva social,
ainda evidencia injustiças sociais, como as veiculadas pela mídia (Rosa, 2005).
Outra realidade que fora veiculada pela mídia e pauta de discussão do
CFESS Manifesta, foi à violência contra à população em situação de rua,
evidenciada pelas ações de barbaridade, levando até a morte de muitos que viviam
nas ruas. Diversos foram os casos de violência e extermínio que a imprensa
divulgou nos últimos anos, como os assassinatos de mais de 30 pessoas em
situação de rua de Maceió (AL) durante o ano de 2010; a expulsão violenta de
pessoas que ocupavam a chamada “crackolândia”, em São Paulo (SP), em 2012,
em nome de uma pretensa política de combate ao crack, que gerou cenas
23
No período de estágio, observei que após o usuário/dependente de substâncias psicoativas sair do
regime de internação, ou mesmo por evasão, alta médica ou pedido familiar, alguns acabavam
voltando à mesma situação anterior e até em nível pior. E muitos desses usuários, passam a se
inserirem em outras situações, como a situação de rua, fragilizando os vínculos familiares,
chegando até o rompimento totalmente destes. Vale ressaltar, que em alguns discursos familiares, a
situação de rua foi e pode também ser motivada pelo receio do usuário ou dependente tem em ser
submetido novamente a internações psiquiátricas, como tratamento.
55
chocantes de multidões perambulando pelas ruas sob escolta policial; bem como o
registro de 87 casos de assassinatos de pessoas em situação de rua, entre 2011 a
2012, de acordo com o Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos das
Pessoas em Situação de Rua, localizado em Belo Horizonte24.
Diante da histórica concepção de marginalização e vadiagem a qual a
população de rua fora considerada, ainda se percebe tal concepção presente nos
dias atuais, reveladas pelas ações violentas, contra a esse segmento populacional.
Por consequência, foram se desenvolvendo organizações e movimentos
sociais em prol da população em situação de rua, como o 1º Encontro Nacional do
Movimento de População de Rua, em 2012, apoiado por organizações, como o
Conselho Federal de Serviço Social, que ressaltou os casos de violência a esses
segmentos sociais.
No entanto, vale ressaltar que os movimentos ao reconhecimento e direito
à população em situação de rua estão acompanhados de preconceito, diante de
uma cultura construída socialmente amedrontada pelas multidões, levantes
populares que, mesmo em busca de conquistas populares, são marginalizados pelo
próprio aparelho estatal, incluindo estereótipos de marginalização e vandalismo. E
mesmo os que realmente buscam lutar pela reversão das condições em que a
população de rua se encontra, por exemplo, esta é vista como risco a segurança da
sociedade, e não como grupo que está em risco, diante dos inúmeros fatores e da
conjuntura a qual esse segmento está inserido.
Nesse contexto, ressaltamos que além do imaginário social de recusa a
população de rua, percebida como inoportuna e, principalmente, ameaçadora
(ESCOREL, 1999), o uso de drogas associada a essa situação reforça mais ainda
percepção de periculosidade e marginalidade aos que vivem nas ruas.
Na realidade, ainda resta a população em situação de rua o
reconhecimento como sujeitos de direitos e de suas necessidades ainda é um
desafio a ser superado, tendo em vista as percepções estigmatizadas ainda
pertinentes quanto esse segmento populacional, muitas vezes, considerado como
agente de sua própria condição que vivencia, diante das escolhas individuais que
destinam os sujeitos.
24
Disponível em: <http://www.cfess.org.br/arquivos/cfessmanifesta2012_poprua_SITE.pdf>. Acesso
em: 22 de abril de 2014.
56
Nas palavras de Oliveira (2013), essa visão estigmatizante era e ainda é,
oriunda não apenas da sociedade civil, mas também do Estado, que tem sobre
esses sujeitos a quem, historicamente ficou relegado, o espaço das ações de cunho
meramente assistencialista, paternalista, autoritário e de “higienização social”.
Nogueira (2009) entende que devido a aparência suja e mal vestida que
essa parcela populacional apresentava, sinalizava uma concepção de marginalidade
e criminalidade, frente sua real condição de mendicância que agiam para sua
sobrevivência.
Devido a isso, as ações estatais voltaram também para o sentido de
reprimir mediante ação policial, e com uso de álcool, essas ações eram reforçadas
com violência e preconceito, direcionando os sujeitos para locais de recuperação ou
penitenciárias, e quando considerados loucos, dirigidos aos sanatórios.
Foi em meados do fim dos anos de 1980 e começo de 1990, a população
em situação de rua gradativamente passou a ser reconhecida como sujeito de
direito, o que favoreceu a legitimação de suas necessidades e a relevância de ações
como direito humano e à vida a esse segmento social. Esse processo foi favorecido
pelos movimentos populares, a exemplo do episódio ocorrido em 07 de setembro de
1985, que somou forças de organizações e levantes sociais com o objetivo de dar
visibilidade as necessidades e direitos da população que utilizava as ruas com
espaço de sobrevivência e/ou de moradia25.
Dentre as conquistas alcançadas através destes movimentos, o Fórum
Nacional de Estudos sobre População em Situação de Rua contribuiu ao acesso a
moradia, saúde e assistência social; bem como o 1º Congresso Nacional dos
Catadores de Materiais Recicláveis e a 1ª Marcha do Povo da Rua que contribuíram
para o reconhecimento da população em situação de rua na agenda pública.
Para Varanda (2009), o morador de rua enquanto sujeito de direito foi
reconhecido ao longo dos anos de 1990, que resultou na regulamentação da política
de atenção a população em situação de rua em São Paulo, e contribuiu para a
construção da política nacional direcionada a este segmento.
25
Disponível em Cartilha Suas e população em situação de rua: orientações Técnicas: Centro de
Referência Especializado para População em Situação de Rua – Centro Pop SUAS e População
em Situação de Rua Volume 03.
57
O Ministério de Desenvolvimento Social afirma ainda que já existem
políticas específicas para a população em situação de rua e desde 2006, o Ministério
envia recursos para equipamentos de acolhimentos de famílias em situação de
riscos nos municípios.
Porém, o 1º Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua,
realizado pelo Governo Federal através do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, ocorrido em 2005, representou o marco inicial à elaboração da
Política Nacional para População em Situação de Rua, através de debates e
propostas para a construção de políticas públicas para esses segmentos.
Ainda contou com a participação de representantes de governos
municipais, de organizações não governamentais e de fóruns ou entidades de
população em situação de rua, das cidades selecionadas a partir de critérios préestabelecidos (São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Niterói,
Londrina, São Luis, Vitória, Fortaleza, Porto Alegre e Brasília); bem como identificar
a População em Situação de Rua e de sua inserção nas discussões no âmbito das
Políticas Públicas.
Assim foi instituída a Política Nacional Para a População em Situação de
Rua, instituída no Brasil em 23 de dezembro de 2009 propõe-se a minorar “[...] de
forma descentralizada e articulada entre a União e os demais entes federativos que
a ela aderirem por meio de instrumento próprio”, a realidade em que se encontram
as pessoas em situação de rua.
Seus princípios e diretrizes referem sobre a garantia de proteção social as
que encontrem em situação de rua, através da efetivação das políticas públicas, de
forma intersetorial e transversal.
Em 2009, no II Encontro Nacional sobre População de Rua, de posse dos
resultados da Pesquisa Nacional concluída em 2008, e das aprendizagens e
experiências advindas do Encontro Nacional e seus desdobramentos, foi
estabelecida e validada a proposta intersetorial da Política Nacional para a
População em Situação de Rua, consolidada por meio do Decreto nº 7.053, de 23 de
Dezembro de 2009.
A partir disso, a Política Nacional para População em Situação de Rua
(2009) passou a enfocar a intersetorialidade como uma estratégia de negociação
permanente para o desenvolvimento de serviços, programas, projetos e benefícios
58
ao acesso e efetivação dos direitos humanos das pessoas em situação de rua nas
diversas políticas públicas, de modo a formar uma rede que assegure a efetividade e
a qualidade da atenção ofertada.
Essa mudança aponta o progresso da atuação a população em situação
de rua, haja vista que essa apresenta diversos fatores e adversidades presentes em
sua vida, como o uso de drogas, que pode agravar sua condição de saúde, quando
consumidas abusivamente demandando compreensão dessa realidade.
Ressaltamos ainda que a Política do Ministério da Saúde para a Atenção
integral aos usuários de álcool e outras drogas em 2003, iniciou também uma fase
na política de saúde, norteados pelos princípios de atenção integral, ou seja,
considerando as diversas questões, demandas coexistentes com a questão das
drogas; a lógica da redução de danos, acreditando que a “solução” não é somente a
abstinência, e sim a melhoria na qualidade de vida; cima intersetorialidade se
apresentou como um aspecto relevante que contribuiu para ações além da
dimensão da saúde, no que se refere a outros serviços de políticas e direitos sociais.
Atentando-nos a intervenção da problemática decorrente do uso de
drogas, podemos identificar que a atenção a essa realidade se deu a partir de 2001
na III Conferência Nacional de Saúde Mental, a qual foi ressaltada acerca da
inclusão social e da convivência com a diferença. A saúde pública passou a ampliar
sua atenção, incluindo ações relativas de tratamento, prevenção e reinserção social
voltadas para os que tinham problemas decorrentes do uso abusivo de álcool e
outras drogas, passando a ser alvo de intervenções no âmbito das políticas de
saúde do Brasil.
Posteriormente, em 2002, ancorada pela proposta da III Conferência
Nacional em Saúde Mental, as ações foram se voltando para a diminuição de leitos
de hospitais psiquiátricos e da implantação de serviços ambulatoriais, considerando
a territorialidade dos usuários desses serviços de saúde mental. Iniciou-se um
espaço preciso de discussões sobre a necessidade de novas formas de atenção aos
portadores de transtorno mental, incluindo os usuários de álcool e outras drogas,
mas agora, a luz dos princípios da Reforma Psiquiátrica.
Assim, foi criado por meio da lei 8.080, de 1990, o Sistema Único de
Saúde, que assegura o acesso a saúde a todos, sob dever do Estado.
59
Desde então, o Ministério da Saúde passou a publicar diversas portarias
dando início a um novo modelo de tratamento às pessoas portadoras de transtorno
mental, incluindo demandas decorrentes do uso de álcool e outras drogas.
Nesse contexto, o Brasil iniciou o desenvolvimento de uma nova
configuração de atenção à saúde aos usuários de álcool e outras drogas se fez
quando legitimada a Constituição de 1988, que assegurava atendimento voltado
para essa demanda em saúde.
Foram criados os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), incluindo os
CAPS AD, direcionados especificamente às demandas de álcool e outras drogas e
que hoje se apresentam referência ao atendimento da população usuária de álcool e
outras drogas.
Os referidos centros representam o novo modelo de atenção à saúde
mental, com o funcionamento sob as condições de ser referências de saúde,
localizadas territorialmente, no sentido de acessar aos usuários das comunidades,
configurando modelo de tratamento ambulatorial.
Outro serviço que se configurou como alternativa a assistência à saúde a
essa demanda foi o “Consultório de Rua”.
O Consultório de Rua foi criado em 2009, pelo Ministério da Saúde, que
adotou a vinculação dos Consultórios de ruas as secretarias municipais brasileiras,
visando realizar intervenções junto aos usuários de drogas em situação de rua.
Foram selecionados 14 municípios para executarem abordagem de rua com
usuários
de
substâncias
psicoativas
por
meio
das
intervenções
clínicas,
psicossociais e educativas26.
Essa alternativa aparece como proposta de ampliação de acesso a
assistência aos usuários em situação de rua.
Segundo a Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua
realizada pelo Governo Federal por meio do Ministério do Desenvolvimento Social
(MDS), em abril de 2008, o ministério identificou 31.922 pessoas –acima de 18 anos
– vivendo nessa condição. A pesquisa envolveu 71 municípios, sendo 23 capitais e
48 cidades com mais de 300 mil habitantes.
26
Dentre as cidades destacam-se: Maceió/AL, Manaus/AM, Salvador/BA, Fortaleza/CE, Brasília/DF,
Uberlândia/MG, Belém/PA, João Pessoa/PB, Curitiba/PR, Recife/PE, Niterói/RJ, Rio de Janeiro/RJ,
São Bernardo do Campo/SP, Guarulhos/SP.
60
A referida pesquisa ainda aponta que os problemas de alcoolismo e/ou
outras drogas são um dos principais motivos pelos quais pessoas passaram a viver
e morar na rua (35,5%), seguido do desemprego (29,8%) e conflitos familiares
(29,1%). Dos entrevistados, 71,3% mencionaram pelo menos um desses três
motivos para a situação de rua (sendo que estes podem estar correlacionados entre
si ou um ser consequência do outro, tendo em vista que a situação de rua é, muitas
vezes, decorrente de todo um contexto social de ausência de oportunidades e
vivência de situações inacessíveis ou violadoras de direitos).
Ainda sobre o uso de drogas pelas pessoas em situação de rua, Lima
(2008) afirma que em casos de problemas de saúde, decorrentes do uso de drogas,
essa população também é submetida à internação em instituições de grupos
religiosos, apresentando mais recaída, do que redução dos agravos do uso abusivo
de drogas.
Sendo assim, gera-se um campo de discussão e reflexão quanto as
concepções e atuações relativas às demandas de álcool e outras drogas. Salientase que os problemas decorrentes do uso de drogas perpassam a questão da saúde,
tendo em vista outros fatores (sociais, culturais, biográficos, etc.) na problemática
desse uso, e ainda em diversas outras situações, como a vivência nas ruas.
Vale salientar que em 2010, o Governo Federal divulgou sobre o Plano
Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, que disponibilizou R$100
milhões para o confinamento dos serviços do Sistema único de Assistência Social
(SUAS). Com isso, o MDS apresentou-se como agente de apoio a oferta de serviço
socioassistencial no Centro de Referência Especializado de Assistência Social para
a População de Rua (CREAS POP) nos municípios.
No ano seguinte, em 2011, como constituinte do Plano Integrado de
Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, o governo federal, sob a presidência de
Dilma Rousseff criou o Programa “Crack, é possível vencer”. Através desse
programa, foram fortalecidas as ações intersetoriais, e a política de Assistência
Social passou a ter um papel relevante na intervenção às demandas do uso e
dependência de crack e outras drogas, principalmente no que diz respeito às ações
de prevenção e reinserção social.
Diante dessas colocações acima referidas e da Pesquisa Nacional sobre
a População em Situação de Rua, percebemos que a relação da situação de rua e
do uso de drogas é uma realidade evidente que se apresenta em grande número.
61
Nesse sentido, a análise ampla da realidade da população em situação de
rua se faz necessário, o que exige levar em consideração os diversos fatores,
aspectos e interfaces intrínsecas a esse fenômeno.
Então, tendo em vista a relevância da atenção intersetorial as demandas
da realidade de quem vivencia as ruas e contemplação pela Política de Assistência
Social das políticas sociais a essa realidade, torna-se relevante apreender a atuação
dessa política pública no fenômeno que apresenta a relação entre a situação de rua
e o uso de drogas, que prevalece já há tanto tempo em nossa sociedade; bem como
compreender as concepções e ações que são realmente empreendidas as
demandas que coexistem decorrentes da situação de rua e do uso de drogas.
Portanto, no próximo capítulo nos deteremos a discutir e compreender
com maior elucidação a atuação da Política de Assistência Social, considerando sua
referência e sua inclusão na agenda de intervenções à população em situação de
rua, inclusive relacionado ainda aos que faz uso de algum tipo de drogas.
62
3 A PNAS: POSSIBILIDADES E DESAFIOS NA INTERVENÇÃO À DUPLA
DEMANDA - POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E DROGADIÇÃO.
A abordagem apresentada sobre o histórico e a realidade da população
em situação de rua nos sinaliza percorrer e analisar a historia da sociedade que em
suas várias dimensões social, econômica, política e cultural implicaram no objeto de
estudo em questão.
Isto é, compreender a assistência social também requer apreender sua
trajetória, ou seja, o sentido de sua elaboração, os motivos que implicaram em seu
desenvolvimento e os processos político, econômico e sociocultural que estão
implicados em sua repercussão, que se apresenta como mediadora entre o Estado e
as demandas da população, evidenciada pelo início do acesso a direitos sociais, por
meio da proteção social.
Nesse contexto, a criação da política de assistência social evidencia certo
avanço para o reconhecimento de grupos populares e assim de suas demandas,
como a população em situação de rua, que até então as ações voltadas a essa
população eram marcadas pela filantropia de grupos religiosos e de práticas
individuais de cunho privado e sentido caritativo27, ou senão invisível frente ao
próprio Estado.
No entanto, sem desconsiderar o contínuo processo socio-histórico
capitalista, mais especificamente, a ofensiva neoliberal que, por sua vez, passa a
interferir nas dimensões da vida em sociedade, inclusive no Estado interventor e,
consequentemente, no caminho de avanço e retrocesso das políticas sociais que se
revelam ainda nesse contexto.
27
As intervenções com moradores de rua são marcadas pela atuação filantrópica e religiosa que
configuram a transferência do papel do Estado para a sociedade civil. São exemplos dessas
entidades, segundo Sousa (1998 apud NOGUEIRA, 2009), a Organização de Auxílio Fraterno –
OAF, na década de 1950, com atuação em São Paulo – que em 1980 passa a rever sua
metodologia de intervenção passando a trabalhar com o estímulo à reflexão sobre a condição de
morar na rua e à organização política e solidária que culminou no surgimento da primeira
Cooperativa de Catadores de Papel (COOPEMARE); e a Fundação Leão XIII, no Rio de Janeiro.
63
3.1 A Assistência Social como política no Brasil
O reconhecimento da assistência como política pública é compreendido
como resultado de um processo social de mobilização popular em um cenário de
tensões sociopolíticas que o Brasil vivenciava em meados da década de 1980,
quando grande parcela da população se encontrava excluída do crescimento dos
planos econômicos28 do país, o qual proporcionava benefícios somente aos grupos
capitalistas.
Contudo, o processo de expansão dos movimentos sociais, conhecidos
como processo de redemocratização se evidenciou quando a situação políticoeconômica do país se agravou com a crise de superprodução do capital de 197029 e
mais expressivamente na década de 1980, com dívida externa e assim, a
precariedade cada vez mais das condições de vida da população que se encontrava
desassistida de políticas e direitos sociais, diante da ausência de investimentos
sociais. O que restou foi as práticas clientelistas antes realizadas para atender as
demandas sociais por meio da troca de favor para favoritismo político (NOGUEIRA,
2009).
Como reação a esse cenário, o processo de redemocratização tomou
força e desencadeou investidas de reivindicações populares, como explicam Behring
e Boschetti (2011) a explanar que em decorrência do momento de tensão política, os
movimentos sociais lutaram pela democracia ante as adversidades que grande
parcela da população vivenciou com a concentração de riqueza econômica,
repressão e falta de participação política na ditadura militar.
Acrescentamos que além da democracia e dos direitos sociais e políticos,
a população gritava por um novo cenário societário, fundamentado na igualdade
28
De 1964 a 1966 - Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG); de 1967 a 1976 - Plano
Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social; 1968 a 1970 - Programa Estratégico de
Desenvolvimento (PED); 1970 a 1971 – Metas e Bases para Ação de Governo (MB); 1972 a 1974
- I Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (PND); 1974 a 1979 – II Plano Nacional de
Desenvolvimento Econômico. (DEMO, 1981).
29
A crise da dívida no Brasil tratou-se de um episódio econômico experimentado pelo país durante as
décadas de 70 e 80 do século XX de má gestão de dinheiro captado no exterior, bem como pela
redução da exportação do café aos Estados Unidos motivada pela crise do petróleo de 1970, por
exemplo, não havendo assim arrecadação com seus produtos para quitação da dívida que
aparecera posteriormente, o fomentou a paralisação do crescimento econômico brasileiro por uma
década inteira (SANTIAGO, 2013). Disponível em:<http://www.infoescola.com/historia/crise-dadivida-no-brasil/>. Acesso em: 05 jun. 2014.
64
social, o que ia de desencontro da ordem conservadora e corrupta dos grupos
detentores do capital – a burguesia (NOGUEIRA, 2009).
Desta forma, esse momento contribuiu para a retomada do processo de
redemocratização mediante a aprovação da Constituição Federal do Brasil, de 1988.
E a partir deste episódio a assistência social passou a ser reconhecida como
instrumento de direito, desvinculando-se assim da lógica de caridade e clientelista.
Desse modo, a assistência teve seu reconhecimento como direito social,
integrada para o campo da Seguridade Social30e da Proteção Social31pública, se
constituindo como política universal, não contributiva e de responsabilidade estatal
(SOUZA, 2009).
Portanto, foi com a aprovação da Lei Orgânica de Assistência Social –
LOAS (Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993) que a assistência social foi
normatizada e explicitada sobre seu papel como direito não contributivo e
constitutivo da seguridade social:
A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado; é Política de
Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada
através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da
sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (LOAS,
1993).
Assim, esse processo revelou a contemplação de outros segmentos
sociais no âmbito de direitos sociais, não condicionando o acesso a direitos sociais
mediante a inserção no âmbito do trabalho e na condição de extrema pobreza, como
era considerada antes do reconhecimento da assistência como política no Brasil.
30
De acordo com o artigo 194 da Constituição Federal de 1988, a Seguridade Social é “um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. A noção de seguridade indica o
acesso conjunto de direitos e seguranças à manutenção da vida social. Contudo, a seguridade
social no contexto brasileiro vem apresentando restrições no acesso as políticas que constituem
seu tripé: saúde, previdência social e assistência social. Tais restrições são decorrentes da
característica híbrida da seguridade social, em que sinaliza a divisão no fornecimento dos
benefícios e serviços sociais sob dois pressupostos: da universalidade e não contribuição – política
de saúde e da assistência social, pois os recursos a estas políticas são provenientes dos impostos
fiscais arrecadados; e dialógica contributiva pelo prévio pagamento dos empregados e
empregadores ao acesso dos direitos da previdência social (BOSCHETTI, 2009).
31
A proteção social pode ser definida como um conjunto de iniciativas públicas ou estatalmente
reguladas para a provisão de serviços e benefícios sociais visando a enfrentar situações de risco
social ou de privações sociais” (JACCOUD, 2009, P.58 apud COUTO; YASBEK e RAICHELIS,
2010).
65
3.2 A Política Nacional de Assistência Social do Brasil.
Ressaltamos que embora a política de assistência tenha realmente
apresentando legalmente um reconhecimento legítimo, contribuindo para romper
com a concepção de ajuda e favor das práticas sociais, esse instrumento de direito
ainda revela relativo avanço quanto sua efetivação enquanto política, inclusive no
tocante ao acesso e a dimensão da intervenção pelos serviços e benefícios
concedidos a população usuária.
Essa compreensão é evidenciada na lentidão que a trajetória da
assistência se apresenta, a exemplo do processo de mais de dois anos para o
reconhecimento e contemplação das demandas de segmentos sociais, como os
idosos e portadores de deficiência. Esse episódio é decorrente de uma conjuntura
adversa e paradoxal relativo à implantação desses direitos, tendo em vista que estes
se apresentaram incompatíveis entre os ajustamentos econômicos e as investidas
do Estado ao campo social (COUTO; YASBEK; RAICHELIS, 2010).
As autoras salientam que:
A incompatibilidade entre o campo social e econômico é legitimada pelo
próprio discurso e pela sociabilidade embutidos no âmbito do ideário
neoliberal, que reconhece o dever no sentido moral do socorro aos pobres
não reconhece seus direitos (ibidem. p.34).
A sociabilidade referida no discurso do ideário neoliberal e atrelada ao
reconhecimento do socorro aos pobres não se configura como legitimação do direito
a esses sujeitos. O que prevalece é o direito atrelado a quem “serve” as rédeas do
trabalho nessa nova conjuntura neoliberal, mediante a contribuição para a
concessão como se realiza na previdência social. E não como um direito
reconhecido e incondicional à cidadania de todos (RAICHEIS, 2005).
Assim, com a emergência mais expressiva do ideário neoliberal em
meados dos anos de 1990, as ações do Estado frente às demandas sociais são
merecedoras de atenção, visto que os preceitos dessa nova proposta colocam como
prioridade a redução de custos sociais e arrecadação de impostos ao pagamento da
divina externa, em detrimento de investimos para os serviços sociais e à proteção
social a qual parte dos impostos deveria ser destinada.
O que ocorreu em meio desse cenário da crise social brasileira e a
interferência do neoliberalismo foi o que Mota (1995) aponta:
66
A tendência é de privatizar os programas de previdência e saúde e ampliar
os programas assistenciais, em sincronia com as mudanças no mundo do
trabalho e com as propostas de redirecionamento da intervenção social do
Estado (MOTA, 1995, p.122 apud RAICHELIS, 2005, p.129)
Dessa forma, observa-se que as políticas sociais adotadas no Brasil pelo
Estado objetivaram intervir nos problemas de diversos segmentos sociais de forma
fragmentada, além do fornecimento de serviços sociais de forma distorcida que mais
se vinculava a interesses a integração ao aparelho estatal e minimização dos
conflitos e problemáticas sociais, do que uma efetivação real da reversão das
condições que a classe trabalhadora vivenciava, ausentes de estabilidade quanto à
preservação vida.
Em meio a esse cenário de movimento relutante a legitimação e garantia
da assistência social no âmbito do direito social, foi criada a Política Nacional de
Assistência Social – PNAS, constituindo-se assim como uma perspectiva de
reafirmação aprovada pela Resolução n.115, em 15 de outubro de 2004, do
Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, apresentando-se como projeto de
resistência e ruptura frente a regressão dos direitos sociais decorrentes do ideário
neoliberal, e como reafirmação dos direitos dos usuários dessa política (COUTO;
YASBEK; RAICHELIS, 2010).
Além desta política situar a assistência social como proteção social não
contributiva, direcionada para o empreendimento de ações de proteção aos sujeitos
sociais contra riscos sociais inerentes aos ciclos da vida e para o atendimento de
necessidades individuais ou sociais (ibidem. p.41).
Nesse sentido, o Sistema único de Assistência Social - SUAS, aprovado
em 2005, pelo CNAS32 que objetiva materializar a referida política, se institui como
instrumento de estabelecimento de promoção e proteção social. Nesse sentido,
organiza os serviços socioassistenciais de forma descentralizada e hierarquizada,
coforme a matriz de padronizada de serviços, definidos pela Tipificação Nacional de
Serviços Socioassistenciais33 do Brasil.
32
O Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS foi instituído em 04 de fevereiro de 1994, como
resultado da implementação contida na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). A instalação do
Conselho foi uma conquista de profissionais e entidades sociais atuantes, tendo como função
estabelecida pela LOAS, a aprovação, o acompanhamento, a fiscalização e a avaliação da Política
Nacional de Assistência Social – PNAS e dos recursos para a sua implementação por meio do Fundo
Nacional de Assistência Social (FNAS) (RAICHELIS, 2005).
33
Resolução CNAS N o 109, de 11 de novembro de 2009, publicada no Diário Oficial da União em 25
de novembro de 2009.
67
Nesse mesmo contexto, o processo de afirmação e conquistas pelos
direitos da população em situação de rua foi ainda à esfera da institucionalidade,
como instrumento legislativo reforçador do direito a esse segmento, tendo em vista a
aprovação da alteração na LOAS e da Lei do SUAS, sob a Lei nº 11.258 /2005 que
alterou o art. 23 da Lei nº 8742/93,e na LOAS (Lei nº 12.345, de 06 de julho de
2011) a previsão que expressa instituição de programas para população em situação
de rua na política de Assistência Social.
Diante disso, a população em situação de rua passou a ser contemplada
também na Proteção Social a qual se organiza em dois níveis, observados na PNAS
(2004): a Proteção Social Básica (PSB) que se direciona ao segmento pobre, o qual
se encontra em situação de pobreza, privação, pela ausência ou precário acesso a
renda e serviços sociais públicos, tendo como linha de intervenção a proteção contra
situações de risco, em situações prestes a ser violados seus direitos, como sujeito
humano e social, e ao fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Esses
serviços são prestados pelos Centros de Referência de Assistência Social, ou de
forma indireta por entidades ou por organizações que abrangem a área do CRAS,
sob coordenação do gestor da política de assistência social; e a Proteção Social
Especial (PSE), que subdivide-se em média complexidade e alta complexidade.
Nessa área de proteção social, ressaltamos a inserção das pessoas em
situação de rua como sujeitos de direitos, que assim como outros segmentos sociais
demandam direitos e condições humanas de vida, como assistência social, saúde,
trabalho, habitação, educação etc.
Diante da diversidade de interfaces de demandas que esse grupo
apresenta população em situação de rua, percebemos que esse público se insere
em ambas subdivisões: média complexidade, quando os vínculos familiares e
comunitários são mantidos, mesmo não residindo em domicílio, e evidenciamos
algumas demandas mediantes os serviços que caracterizam a intervenção de média
complexidade, os quais são: Serviço de orientação e apoio sócio-familiar, Plantão
Social, Abordagem de Rua, Cuidado no Domicílio; Serviço de Habilitação e
Reabilitação na comunidade das pessoas com deficiência; Medidas sócio-educativas
em meio-aberto (Prestação de Serviços à Comunidade – PSC e Liberdade Assistida
– LA); além da alta complexidade que objetiva proteger integralmente, mediante
acesso aos direitos de moradia, alimentação, higienização e trabalho as famílias e
68
indivíduos que possuem seus direitos violados, se encontram sem referências e/ou
em situação de ameaça, como observamos também nas vivências da população em
situação de rua, visto que muitos não possuem mais vínculo sociofamiliar e
encontram em situações precárias de vida, e ainda vivenciam ou passaram por
situações de violações de direitos, entre outras adversidades.
Podemos evidenciar também alguns serviços que contemplam demandas
da população em questão nessa subdivisão de proteção, os quais são: Atendimento
Integral Institucional; Casa Lar; República; Casa de Passagem; Albergue; Família
Substituta; Família Acolhedora; Medidas sócio-educativas restritivas e privativas de
liberdade
(Semiliberdade,
Internação
provisória
e
sentenciada);
Trabalho
protegido34. Couto, Yasbek e Raichelis (2010, p. 41, grifo das autoras) explicam que
“[...] a desigualdade social e a pobreza, inerentes à sociedade capitalista
contemporânea, engendram diferentes modalidades de desproteção social que
exigem atenção estatal diferenciada para o seu enfrentamento”.
.
Assim, podemos compreender que a política de assistência social ampliou
a dimensão de intervenção à população que demanda seus serviços, diante do
cenário contemporâneo que como já discutimos, tende a excluir cada vez mais a
classe trabalhadora do acesso às condições de reprodução de sua vida, porém que
vai além do trabalho, ou seja, dos serviços sociais públicos aos direitos sociais
inerentes à sua vida.
Nesse sentido, Sposati (2010) defende que a assistência social deve
estruturar-se em um sistema descentralizado e territorializado, com a participação
dos municípios na execução da política de assistência social, inclusive na atenção
direcionada à população em situação de rua.
Assim, percebemos possível avanço no sentido de proporcionar a
ampliação do acesso aos cidadãos, o que revela a importância de considerar as
características territoriais, e os valores sociais, culturais, econômicos, políticos, etc.
Porém, relativo a última colocação da autora, intervir e identificar o indivíduo através
de uma determinada demanda pode restringir sua representação levando a
identificar os usuários por determinados “problemas”.
Couto, Yasbek e Raichelis (2010) afirmam sobre a relevância de situar os
riscos e vulnerabilidades sociais como indicadores que ocultam/revelam o lugar
34
Sistema único e Assistência Social – MS. Disponível em: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial
/suas. Acesso em 28 de junho e 2014.
69
social que ocupam na teia constitutiva das relações sociais que caracterizam a
sociedade capitalista contemporânea.
Nesse sentido, a compreensão da população em situação de rua como
sujeito excluído num contexto em que se situa e até implica para essa realidade, não
desconsiderando outros fatores, torna-se relevante a ser considerado e assim
compreender como segmento desprovido de mínimas condições de vida que
demanda direitos sociais como outros sujeitos que se encontram em outras
situações.
Acrescentamos que além da Política Nacional de Assistência Social
(2004) ter estabelecido a necessidade de atenção a população em situação de rua,
a Política Nacional para a População em Situação de Rua, instituída pelo Decreto
7.053, de 23 de dezembro de 2009, passou a considerar o público em questão e
suas demandas, tendo como objetivo a implantação de “centros de referência
especializados para atendimento da população em situação de rua, no âmbito da
proteção social especial do Sistema Único de Assistência Social” (BRASIL, 2009).
A referido Governo ressalta que é de responsabilidade da Política de
Assistência Social a implantação dos CENTRO POP‟s, que foi prevista no art. 7º do
referido Decreto o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua, que
tem como lócus de sua oferta o Centro de Referência Especializado para População
em Situação de Rua (CP), como unidade de proteção social especial de média
complexidade segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais,
mediante Resolução nº 109/2009.35
Contudo, a Política Nacional sobre a População em Situação de Rua
coloca a responsabilidade de outras políticas públicas participarem da atenção à
população em situação de rua, dada a proposta da intersetorialidade e
interdisciplinaridade referida no segundo eixo da Política Nacional para Inclusão
Social da População em Situação de Rua. “São imprescindíveis os trabalhos
conjuntos das diversas pastas governamentais, além de instituições ou de
movimentos da sociedade civil organizada” (PNISPSR, 2009).
35
SUAS e População em Situação de Rua: Reunião Técnica para o Fortalecimento da Inclusão da
População em Situação de Rua no Cadastro Único para Programas Sociais e Vinculação a
Serviços Socioassistenciais. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/populacaoem-situa
cao-de-ruacadastro/arquivos/SUAS%20e%20Populacao%20em%20Situacao%20de%20Rua.pdf>. Acesso em:
08 de junho de 2014.
70
Isto, revela a necessidade de implementar um trabalho articulado entre a
Política de Assistência Social e outras políticas sociais frente a população em
situação de rua que apresenta diversas determinações e interfaces em sua
constituição e vivências.
3.3 A intervenção da PNAS nas demandas coexistentes entre situação de rua e
uso problemático de álcool e outras drogas
Embora
a
Política
de
Assistência
Social
–
PAS,
tenha
suas
particularidades de atuação, assim como outras políticas sociais, a população em
situação de rua, como exemplo dos usuários da referida política apresenta diversas
questões e demandas em sua realidade, como a questão das drogas, quando o
consumo destas apresenta problemas na saúde, entre outras dimensões da vida.
Assim, a política de assistência social vem apresentando um papel
expressivo nas demandas da situação de rua, como possibilidade para o acesso a
outras. Isso pode ser percebido na contemplação da realidade das drogas pela
referida política como veremos a seguir, pela ação do governo Federal. No entanto,
analisar essa contemplação, requer analisar que perspectiva pretende atuar frente a
drogadição. A questão das drogas é uma vivência que ainda a população em
situação de rua passa, evidenciada pelo índice de 35,5%, segundo a Pesquisa
Nacional sobre a População em Situação de Rua. Esse índice apresentou-se como
primeiro número, seguido do desemprego (29,8%) e de conflitos familiares (29,1%),
demonstrando assim expressiva relação existente entre a situação de rua e o uso de
drogas.
Salientamos que além de indicar como um dos motivos para a vivência
nas ruas, o uso de álcool e outras drogas ainda está presente na vida da população
em situação de rua, visto que é um aspecto atribuído genericamente à fuga da
realidade ou válvula de escape por onde circula as frustrações, sensação de perda,
solidão, tendo mesmo a necessidade de “anestesiar os sofrimentos” (ROSA, 2005).
Diante do que já explanamos no capítulo anterior, trazendo a
compreensão do uso de drogas como forma de superação e sobrevivência das
adversidades nas ruas, bem como um dos motivos que decorre na trajetória das
ruas, é que se desenvolveu uma atenção nessa realidade.
71
Nesse sentido, em 2011 a Política de Assistência Social passou a
representar relevante intervenção nos casos do uso de drogas, mediante o aspecto
intersetorial ampliado e fortalecido pelo programa “Crack é possível vencer”, lançado
pelo Governo Federal. O referido programa está integrado no Plano Integrado de
Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, que objetiva uma ação de enfrentamento
do uso e dependência de drogas, através da prevenção reinserção social.
No âmbito da assistência social básica destacam-se as ações de caráter
preventivo voltadas ao território, que visam o desenvolvimento da mobilização
comunitária por meio de atividades como: campanhas e palestras, filmes, debates,
projetos de conscientização etc. Acrescenta-se que é preciso reconhecer, também, o
tripé biopsicossocial das dependências químicas, fruto da interação dinâmica de três
fatores distintos: o tipo de substância consumida, o indivíduo e o seu contexto social
e familiar.
Dessa forma, apreender os diversos arranjos familiares pode contribuir
para compreender as situações que implicam no uso ou não de substâncias
psicoativas. E assim, levar em consideração que o uso de drogas não apenas pode
agravar outras adversidades no âmbito sociofamiliar, na qualidade de vida das
famílias, como afirmam Almeida et al. (s/d), mas como decorrente de situações
adversas como a questão estrutural insuficiente para a reprodução da vida, a falta
de acesso às políticas sociais e de questões biográficas, como divergências de
posicionamentos individuais, perdas materiais, etc.
No âmbito da proteção social especial, Barros et al. (s/d) explica que a
intervenção se direciona para o acesso aos outros equipamentos e benefícios
socioassistenciais e vinculação à rede de serviços socioassistenciais e das demais
políticas públicas, na perspectiva da construção do processo de saída das ruas.
A iniciativa se dá pelo Serviço Especializado em Abordagem, que se dá
pelo trabalho em espaços públicos, pelo qual se identifica risco pessoal e social,
associados ao uso ou dependência de drogas.
Em Fortaleza, município em que o presente trabalho se empreende,
mediante a proposta intersetorial, diversos serviços foram inseridos no trabalho
articulado: o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), os Serviços de
Atendimento de Urgências e Emergências (SAMU), O Consultório de Rua e os
72
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), inclusive os de atenção aos usuários de
álcool e outras drogas (CAPS AD).
Nesse sentido, Gomes, Fasolo e Lima (2012) referem sobre a criação do
Plano Municipal de Prevenção e Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, que tem
como público prioritário a população que vive em situação de rua.
Atualmente, o órgão que atua junto com a Política de Assistência Social é
Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome (SETRA), pela
nova gestão municipal de Fortaleza. Uma das questões a ser considerada e existente
na vida de grande parcela desse segmento, é o uso de drogas, principalmente o crack.
Segundo o titular da Secretaria Municipal do Trabalho, Desenvolvimento e Combate
à Fome (SETRA), Cláudio Ricardo, o município desenvolve um termo de referência
de cadastramento de pessoas em situação de rua, no intuito de agir com políticas
públicas, em uma atenção focalizada e “cirúrgica para resolver os problemas”36.
No entanto, essa referência faz-nos indagar sobre a dimensão em que o
governo municipal visa atuar quanto a essa demanda, haja vista que os termos
atenção focalizada e cirúrgica nos remetem a uma natureza patológica e a uma ação
pontual que se objetiva sanar o “problema”.
Para o arte-educador do Centro de Inclusão de Pessoa em Situação de
Rua, Orlando Coelho Barbosa, “não existe por parte do governo municipal uma
política clara em relação à população de rua, que seja intersetorial, mas sim, ações
pontuais37.
Diante
dessa
explanação,
nos
faz
questionar
e
assim
buscar
compreender a realidade que a Política de Assistência Social se configura e se
realiza frente a realidade da população em situação de rua, inclusive relacionada ao
uso de álcool e outras drogas. Ressaltamos que o presente trabalho direciona-se a
pesquisar essa realidade precisamente no âmbito municipal de Fortaleza.
Fortaleza não sabe quantos moradores de rua tem: A última pesquisa com moradores de rua na
Capital foi divulgada em 2008. Desde então, voluntários e militantes apontam crescimento do
problema e percebem mudanças no perfil de quem busca refúgio nos espaços públicos. Disponível
em:<http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2014/02/03/noticiasjornalcotidiano,3200632/fortal
eza-nao-sabe-quantos-moradores-de-rua-tem.shtml>. Acesso em: 10 de junho de 2014.
37
Moradores de uma terra sem dono: O retrato da realidade dos moradores em situação de rua,
indivíduos invisíveis aos olhos da sociedade, que perderam a cidadania e na medida em que nada
têm, a principal coisa que lhes falta é dignidade - Robson Rodrigues. Disponível em:
<http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/32/artigo194186-2.asp>. Acesso em: 26 de
março de 2014.
36
73
4 A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E DROGADIÇÃO E A PNAS NO
MUNICÍPIO DE FORTALEZA.
A população em situação de rua, bem como parcela que faz ainda uso de
algum tipo de droga pode ser visto em diversos espaços e diversidade em sua
expressão. Considerando ainda o nível de incidência que pode variar de local para
local, e os fatores que implicam nessa realidade, que podem ser influenciados por
repercussão macroestrutural, indicando assim peculiaridades em sua realidade.
Deste modo, ressaltamos que neste capítulo o objetivo é explanar essa
realidade no âmbito municipal de Fortaleza, onde se evidenciou nos últimos anos a
participação da Política de Assistência Social no campo dos usuários que vivem em
situação de rua, inclusive relacionada com a demanda do uso de álcool e outras
drogas.
Com isso, explanaremos discussões que possibilitam identificar a
população em situação de rua em Fortaleza através do perfil, dos aspectos e
vivências, bem como pela sobre inserção deste público na área de intervenção da
Política de Assistência Social, através de sua abordagem e trabalho realizado nos
serviços e profissionais atuantes nessa demanda.
4.1 A situação de rua e drogadição: a realidade em Fortaleza
A cidade de Fortaleza, assim como outras cidades do Brasil apresenta o
reflexo desse cenário de mudanças que se desembocaram no decorrer dos séculos,
como os processos de urbanização e industrialização.
Fortaleza também foi palco de mudanças socioeconômicas, evidenciadas
em meados dos anos de 1950 e 1980, quando a cidade marcava as diferenças de
classes sociais, aparecendo os ricos e pobres, identificados ainda pelos locais que
estes habitavam da cidade.
Esse contexto é repercutido nos dias contemporâneos, como evidencia
nos dados do IBGE (2007), em que aponta a população cearense como detentora
dos piores rendimentos do país. A taxa de indigentes chega a 13,04%, e estes
sobrevivem mensalmente com um média de R$ 38,93.
74
Em Fortaleza especificamente, podemos observar ainda a condição de
moradia, com uma das adversidades entre tantas outras: o quadro déficit
habitacional é considerado hoje o quarto maior do país em termos absolutos,
chegando a 160.000 moradias, o que equivaleria dizer 800.000 pessoas vivem em
áreas de risco (HABITAFOR, 2006).
Contudo, Lima (2008) salienta que vivenciamos o cenário mais alarmante
da sociedade capitalista, e assim a acentuação das diferenças de classes sociais
vistas pelas condições de vida, estas agravadas pelas novas configurações do
trabalho, como as fragilidades nas relações trabalhistas, bem como pelo
desemprego.
Nesse contexto, a profissional Rita Lee (Assistente social) que trabalhou
com a população em situação de rua explica que: “[...] Não há trabalhos para todos,
tem pessoas que preferem trabalhar em outras formas de ocupações e não viver
sobre as regras do trabalho de 08 h por dia. Preferem o trabalho informal, e gastar
seu dinheiro como quiser, na hora que quiser”.
Dessa forma, a referida profissional esclarece que embora possa existir
pessoas são pedintes, visto que há muitas que ainda sobrevivem através de
atividades laborativas que apresentam-se como trabalho para obtenção de renda.
Frente a isso, Lima (2008) afirma que há um imaginário social que
considera a população que vivencia as ruas como pessoas que não seguem a
organização comumente do cotidiano de muitos, por estarem relacionado ao aspecto
da temporalidade, visto que o tempo de algumas pessoas de certa forma não é igual
ao tempo e perspectiva da emergência capitalista que rege a vida dos demais
cidadãos.
Contudo, além da questão estrutural, das fragilidades das relações
trabalhistas e até do desemprego de perdas materiais que implica na realidade da
população em situação de rua, observamos na fala as interlocutoras que há uma
multiplicidade de razões que decorrem na ida para as ruas, evidenciando assim
também como significados para os que passam a vivenciar as ruas, seja como
moradia, formas de sobrevivência e/ou por outras ações que aparecem como
valores à população em situação de rua.
Estar na rua para muitos é ter liberdade, embora tivesse casa, trabalhava e
vivenciava a rua porque tinha vivenciado várias situações na família, conflito
familiar e preferia viver naquele espaço [...] Outro tinha família, mas não
75
queria se enquadrar nesse sistema que a gente tanto fala, mas se insere e
vive no que ele rege. (Rita Lee – Educadora social).
Diante dessas colocações, percebe-se que a liberdade vivenciada pelos
sujeitos nos espaços das ruas pode aparecer como valor na vivência das ruas, mas
também relacionado a outras questões que se configuraram como motivos da ida
para as ruas, como conflitos familiares, e assim rompimentos de vínculos destes,
alternativas de reprodução de vida frente ás estruturas e normas no âmbito social,
bem como do trabalho, considerando ainda o desemprego.
No entanto, Da Mata (Assistente social) ressalta que embora alguns
escolham estar, permanecer no espaço das ruas, criando formas de sociabilidade e
de formas de sobrevivência, a rua é contraditória visto que ao mesmo tempo em que
possibilita a liberdade, como evidenciamos na fala de um usuário, explanada pela
referida profissional: „Posso acordar hora que quiser, fazer algo, comer, caminhar‟
também apresenta riscos de vida, bem como a busca, o “corre-corre” para se
alimentar, entre outras ações.
Dentre os aspectos relativos à questão estrutural da vida, as profissionais
perceberam que a moradia aparece também como causa da situação de rua, porém
em expressão raríssima como causa para situação de rua “As pessoas que estavam
nas ruas por falta de moradia eram bem poucas, seria porque já nasceram na rua,
mas maioria tinha família” (Da Mata, Assistente social).
Quanto ao uso de drogas, as profissionais afirmaram que, embora nem
todos que vivenciam as ruas fazem uso de drogas, parcela significativa desse
público revela ter relação com o uso de algum tipo de drogas.
“Muitas pessoas antes de irem pra rua já faziam uso de alguma droga, e
estar na rua por ter fugido do local que morava por conta de dívida de drogas, a
família não aguentar mais, diz: Rita Lee (Educadora social).
Da Mata (Assistente social) acrescenta que ainda no âmbito familiar, o
uso de drogas pela adolescência, relacionado com a família, por ver o pai, a mãe
usarem, principalmente o álcool, bem como por violência de gênero sofrida em casa,
motivada mesmo pelo uso de bebida alcoólica.
Assim, a relação que apresenta com a situação de rua se dá também por
diversas razões e interfaces com a população de rua, apresentado como motivos da
ida para as ruas.
76
Contudo, a consumo de substâncias psicoativas ainda podem se
apresentar como experiência depois da ida para as ruas, “pois percebi, por exemplo
„Oh Maria, nunca usei drogas na minha vida, vim usar depois que fui pra rua‟, porque
em meio tantas situações que vivenciam” (Maria Rita, Assistente social), explanando
assim como forma também de lidar com as adversidades vivenciadas. “Por se tornar
mais branda a rua, como subterfúgio também daquela realidade que é tão
massacrante, tão severa” (Maria Rita, Assistente social).
Nesse sentido Silva (2006) acredita que o uso de álcool e outras drogas
se impõe expressivamente como estratégia de subsistência.
A interlocutora Maria Rita (Assistente social) relata que transtornos
mentais severos implicam também na saída para as ruas, os quais dentre essa
realidade, o uso de drogas pode ter acometido essa questão de saúde.
“Mas dizer quais são os motivos, são muitos e até bem mais do que falei
aqui”. Diante dessas exposições sobre motivos e significados que decorrem na ida
para a rua, percebe-se que a situação de rua, é uma vivência subjetiva, que
Gonzalez (2002 apud QUINDERÉ, 2013) compreende como construção de sentidos
e significados pelos sujeitos, mas que a construção destes se relacionam ao
contexto social que se vivencia. Assim, como exemplo apontamos a ida pra as ruas
e a construção das formas de uso e sentidos para quem vivenciam essas realidades.
4.2 A política de Assistência Social e a experiência na intervenção em torno da
questão situação de rua e drogadição
A atenção a população em situação de rua no município de Fortaleza foi
iniciada em 2006, com o desenvolvimento de um trabalho específico para esse
público, quando a Coordenadoria de Políticas Públicas de Assistência Social
(CASSI) ainda era vinculada à Secretaria Municipal de Educação e Assistência
Social (SEDAS).
Para a realização do trabalho municipal, foi preciso apreender sobre a
população em situação de rua, que se deu mediante o mapeamento no referido
município para saber os locais onde esse público utilizava como abrigamento ou de
77
vivência. Também foi criado o Grupo de Trabalho População de Rua38 no intuito de
articular-se com os usuários e os serviços (Toca de Assis masculino e feminino,
Albergue Shalom, Grupo Espírita Casa da Sopa e Pastoral do Povo da Rua) que se
ofereciam algum atendimento a essa população. (LIMA, 2008).
O contato com a população em situação de rua que usufruía dos
benefícios (doação de alimento, abrigamento, etc.) desses serviços objetivou
conhecer suas necessidades, e para isto foram empreendidos grupos focais
propostos por uma consultoria participante dessa investida.
Sobre esse processo, a profissional Maria Rita (Assistente Social) explica:
Foram realizadas visitas nas instituições que já atendiam a população de
rua, principalmente as religiosas que já tem um trabalho bem renomado,
que a gente tem que respeitar. Lá conversamos com os usuários para saber
se a prefeitura abrisse um equipamento, os que eles gostariam que
tivessem, se era banho, lavagem de roupa, alimentação, encaminhamento
sociojurídico, oficinas [...] pra saber o que eles pensavam, achavam. E ai no
final de 2006 foi montado o primeiro projeto de equipamento para a
população de rua.
Diante da explanação da entrevistada, percebemos que embora a
população em situação de rua tenha se inserido no âmbito do direito, ainda assim
houve a consideração de serviços filantrópicos, religiosos os quais se apresentaram
como instituições que podem estar carregadas de significados a vida daqueles que
ainda eram desassistidos pelo poder público.
Em meio ao processo de construção do equipamento destinado a
população em situação de rua, a política de assistência social se estruturou em uma
nova secretaria (SEMAS) a qual contribuiu para o amadurecimento do projeto de
trabalho e com isso a constituição do Centro de Atendimento a População de Rua
(CAPR), no final de 2007 no município de Fortaleza (GOMES et al. 2012). Assim:
[...] a prefeitura começou a ter corpo, a tomar para si o que era algo só da
Secretaria de Assistência Social e com os primeiros seminários para a
população de rua, em que chamaram representantes da população de rua,
começou a dar voz e vez. Tanto que os primeiros seminários eram esses:
38
O Grupo de Trabalho População de Rua foi criado com o intuito de somar os esforços dos diversos
órgãos da esfera governamental e da sociedade civil com o objetivo de traçar estratégias para um
atendimento de qualidade e intersetorial à população em situação de rua no município de Fortaleza.
Coordenado pela SEDAS através da CPDDEAS foi um dos instrumentos de elaboração das ações
que, mais tarde, comporiam a política de atendimento público à população em situação de rua em
Fortaleza.
78
Dar voz e vez à população que ainda é muito invisível. (Da Mata, Assistente
Social).
Dessa forma, esse equipamento indicou o início de um reconhecimento a
essa população que passou a ter voz e vez no cenário sociopolítico,
especificamente, no âmbito da política de assistência social.
Em 2009, o CAPR incluiu uma equipe multiprofissional a essa demanda,
por meio do Serviço Especializado de Abordagem de Rua (SEAR), que objetivava
realizar uma ação diuturna às pessoas e familiares que se encontrassem em
situação de rua pela cidade de Fortaleza (GOMES, FASOLO, LIMA, 2012).
Em 2009, também foi criado o Espaço de Acolhimento Noturno para a
População de Rua (EAN), no intuito de propiciar o acolhimento e ressignificação das
vivências nas ruas, bem como para a reorganização de sua vida, através do apoio a
construção de estratégias para a reorganização de vida e da autonomia desses
usuários.
Também tinha a Casa de Passagem que embora fosse mais pra pessoas
em situação de risco, violação de direitos, por ter sofrido violência física,
mas em alguns casos, quando a gente se comunicava, ainda o pessoal da
Casa recebiam alguns em situação de rua (Rita Lee, Educadora Social).
Em 2011, com a reformulação do CAPR, o serviço passou a ser
identificado como Centro de Referência Especializado a população em situação de
rua, como estabelecido no Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Contudo, Maria Rita (Assistente social) ressaltou que:
O CAPR era uma coisa, algo da gestão passada, e o CP foram nova
nomenclatura do MDS (Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à
fome), quando começou a ter uma política para população de rua, mas não
mudou quase nada, visto que já vinha tendo um trabalho com a população
de rua desde então.
Para o trabalho do Centro de Referência a população em situação de rua,
o equipamento dispõe de uma equipe de assistentes sociais, psicólogos, advogados,
educadores sociais e coordenador (a). Contudo, destacaremos a atuação do
profissional assistente social e do educador social, os quais foram possíveis
estabelecer contato para apreensão das experiências profissionais. Ressalta-se que
as experiências de uma das assistentes sociais, se deram no CAPR e atual Centro
Pop, e a outra somente no CP. Relativo à educadora social, suas vivências foram no
atual Centro Pop.
79
4.2.1 As vivências dos profissionais na atuação de trabalho junto à população
em situação de rua no município de Fortaleza
De acordo com os relatos das profissionais entrevistadas, pudemos
perceber que muitos aspectos e características da população em situação de rua e
do próprio trabalho se assemelham, mas também apresentam percepções que
indicam traços singulares quanto algumas questões e demandas, como a questão
das drogas.
Através dos relatos das profissionais, observamos que a situação de rua
tem relação direta com o processo de pauperização, e assim reflexo contínuo da
conjuntura capitalista a qual vivenciamos em que ao mesmo tempo em que produz
riqueza, implica no aumento da pobreza, fator este contribuinte a situação de rua,
mas também adversidade vivenciada por outros grupos sociais que se encontram
em outras situações de vida.
Relativo a isso, a entrevistada Rita Lee (Educadora social) relata que:
Trabalhar e conviver com a população de rua é dar uma cutucada no seu
ego. Essa população também existe porque eu, você também é responsável
por isso, não no sentido de culpabilizar [...] é todo sistema que constrói isso,
está arraigado na nossa cultura, nossa sociedade. Hoje tenho um olhar
totalmente diferente depois de ir trabalhar com a população em situação de
rua.
Assim, esta colocação ainda aponta a reflexão não somente enquanto
profissional, mas como ser humano da sua própria condição enquanto sujeito que se
insere num contexto socioeconômico onde não são garantidas as condições de
reprodução de vida, influenciada por exemplo, pela fragilidade das condições de
trabalho. Acrescentamos que a referida profissional objetivou explanar seus
rompimentos de pré-noções e juízos de valor sobre a população em situação de rua,
população esta que se torna ainda tão distante e desconhecida dos demais sujeitos
da sociedade.
Acerca disso, Silva explica (2006, p.95):
Pode-se dizer que o fenômeno população em situação de rua vincula- se à
estrutura da sociedade capitalista e possui uma multiplicidade de fatores de
natureza imediata que o determinam. Na contemporaneidade, constitui uma
expressão radical da questão social, localiza-se nos grandes centros
urbanos, sendo que as pessoas por ele atingidas são estigmatizadas e
enfrentam o preconceito como marca do grau de dignidade e valor moral
80
atribuído pela sociedade. É um fenômeno que tem características gerais,
porém possui particularidades vinculadas ao território em que se manifesta.
No entanto, a situação de rua é percebida por muitos olhares, como
percebida na fala da interlocutora Maria Rita (Assistente social):
Infelizmente, a sociedade não tem esse olhar que pode passar por essa
situação. Não entende que é algo que pode acontecer com todo mundo. [...]
eu já atendi pessoas que tinham família, nível superior, especialização, que
tinham negócio próprio, e que por certas eventualidades, pelo desemprego
[...], passaram a ir pra rua.
Quanto à complexidade e diversidade de interfaces e aspectos que a
população em situação de rua apresenta, Da Mata (Assistente social) compreende a
necessidade de atenção à singularidade desse público, porém percebe um
distanciamento de algumas políticas sociais e de profissionais da realidade desses
usuários.
É uma atuação bem desafiadora, pois trabalhar na assistência social é lidar
com um público que já teve uma série de direitos violados, negados, e com
a população em situação de rua é pior ainda. E por saber que essa
população já tinha vindo de outros serviços, onde o profissional já tinha visto
com olhar impregnado de preconceitos, de medo de juízo de valor mesmo,
então tentava ser muito acolhedora.
Sobre o trabalho do Serviço Social, a entrevistada Maria Rita (Assistente
social) relata que:
o trabalho do assistente social à população em situação de rua se dava por
meio da realização de oficinas com temáticas acordadas conjuntamente
com pedagogo, e esclarecia aos próprios usuários sobre os
encaminhamentos possíveis, que eram para o Cadastro único 39, para
serviços, como da saúde, para regularização de documentos, e para este
último ainda se realizava contato com instituições, para sensibilizar e isentar
do pagamento para acesso a documentação, para o programa “Minha casa,
minha vida”, para o acesso ao programa “Bolsa Família”, entre outros. Ainda
havia a questão do aluguel social40, oferecido através de um processo
seletivo com a gestão do serviço, mediante observação dos relatórios das
condições dos usuários demandatários.
39
O Cadastro único é um instrumento que permite conhecer a realidade socioeconômica das famílias,
do núcleo familiar, de suas características e do domicílio e assim, como forma de acessar
programas sociais do Governo Federal. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/cada
strounico. Acesso em 08 de julho de 2014.
40
Aluguel Social é um recurso de caráter assistencial destinado a atender em medida de urgência
famílias que se encontram sem moradia, oferecido por um tempo determinado, mediante
pagamento concedido por benefício à família correspondente ao valor do aluguel social, popular.
Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1551.
Acesso em 08 de julho de 2014.
81
Outra questão envolvida no trabalho era o chamado projeto de vida 41
que implicou num embate e discussões, tendo em vista as palavras semelhantes
das entrevistadas que refletiam que ao considerarmos as expectativas da vida de
qualquer pessoa, independente de estar ou não na rua, um determinado projeto
seria algo relativo, visto que não se há garantia de condições para a prosperidade de
vida continuamente.
Contudo, o termo “projeto de vida” era utilizado para sinalizar as
escolhas e objetivos que os usuários compreendiam como adequados a sua vida.
Nesse sentido, Maria Rita (Assistente Social) exemplifica:
A gente respeitava o projeto de vida. „Se era permanecer na rua, massa,
então vamos ver o que de melhor a gente pode resolver pra você ter
qualidade de vida, estando nas ruas: é tirar seus documentos para tirar
carteira de trabalho pra conseguir um emprego e permanecer na rua,
porque é sua escolha‟. Era muito respeitado isso.
Dessa forma, percebemos que o chamado projeto de vida era indicado
como algo inerente a participação do usuário do serviço, possibilitada pela
perspectiva da autonomia - princípio reforçado pelas profissionais tanto do Serviço
Social, como da Educadora Social, utilizado nas vivências profissionais.
Segundo relatos, somado ao princípio da autonomia, que apontava a
valorização das escolhas dos usuários, a liberdade, a igualdade independente da
condição enquanto ser humano, a defesa pela dignidade e o respeito da vivência
dos usuários do equipamento – CAPR e CP eram incluídos na atuação à população
em situação de rua.
Além dos princípios utilizados, a interlocutora Da Mata (Assistente social)
acrescenta que
O trabalho do Serviço Social, pelo menos na época que atuou entre os anos
de 2012 e 2013, representava relevância devido o fato de a referida
profissão atuar na perspectiva do direito e assim contribuir para que tanto
outros profissionais do serviço e a própria população em situação de rua,
reconhecesse esta no âmbito do direito.
41
De acordo com a PNAS (2004), o projeto de vida é uma forma de visar e criar condições de vida e
referências na sociedade, na condição de sujeito de direitos. Disponível em:
http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/centro-pop-centro-de-referen
cia-especializado-para-populacao-em-situacao-de-rua/centro-pop-institucional. Acesso em: 08 de
julho de 2014.
82
Relativo a isso, Da Mata (Assistente social) lembra: “às vezes o usuário
chegava dizendo: „Dona Rita, eu vim pedir aqui uma ajuda‟ [...] se veio pedir ajuda
pode ir, não estou aqui pra ajudar, não estou aqui porque sou boa, não é benesse,
esse trabalho é pra acessar direitos”.
Observamos nas falas que embora tenha havido um reconhecimento do
direito a população em situação de rua, a concepção de benesse, ajuda ainda era e
é vivenciada por alguns sujeitos, inclusive usuários do CAPR e atualmente do CP,
visto que estavam acostumados a receber benefícios de instituições religiosas
filantrópicas, como alimentação, vestimenta etc.
Quando o poder público começou a assumir, queriam muito a caridade, e a
gente começou a colocar que era direito. Só que inicialmente esqueceu-se
de colocar que cada direito vem com dever, com autonomia, e ai
trabalhamos com as escolhas e autonomia, dentro de direitos e deveres
(Maria Rita, Assistente social).
Sobre a atuação da Rita Lee (Educadora social), esta disse que seu
trabalho tem um caráter mais informal, e mais próximo dos usuários que vivenciam
as ruas.
[...] era mais de diálogo, de ouvir a vivência do outro, de provocar
minimamente algumas reflexões sobre a própria condição deles nessa
realidade, e não discriminar [...] não desmerecendo a atuação de outros
profissionais, claro, mas nossa relação com os usuários não era no espaço
informal, era tranquilo, e muita coisa que, por exemplo, a assistente social
não sabia, eles acabavam contando a gente, o que podia contribuir para
algum trabalho com eles (Educadora social).
Com isso, pode-se perceber que o trabalho interdisciplinar, incluindo o
profissional de educador social, como outras, dentro de suas especificidades,
poderiam e podem complementar e contribuir no trabalho com a população em
situação de rua.
4.2.2 A relação situação de rua e drogadição: percepções a experiências na
atuação profissional a essas realidades.
De acordo com os relatos das profissionais entrevistadas, o uso de
drogas era uma das expressivas experiências que acompanham a vida de muitos
que estavam em situação de rua, seja antes ou depois da ida para as ruas.
83
Contudo a intervenção relativa ao uso de drogas por esse público era
relativo, ou seja, de acordo com a diversidade de interfaces, grau de uso, e de
impactos na vida dos usuários. Com isso, apresentaram-se variadas percepções e
de atuação nessa questão.
Salientamos ainda que, embora o uso de substâncias psicoativas seja
expressivo nessa população, como já explanado no primeiro capítulo, não podemos
considerar como experiência de todos que estejam na rua. Essas substâncias ainda
podem apresentar diferentes consequências na vida do ser humano, o que implica
em variadas percepções e assim, na atuação profissional.
A profissional Da Mata (Assistente social) ainda ressalta que essas
situações de formas de conviver ou não com certos tipos de drogas acontecem em
todos os espaços e diversidades da sociedade, não somente com a população em
situação de rua. Essa percepção retrata o sentido que se direciona contra o
imaginário de muitos sujeitos que assim como outras diversidades, associa
genericamente a população em situação de rua ao uso de drogas, como
observamos na fala a seguir:
Depois que entrei pra trabalhar com o povo da rua, as formas de ver as
próprias drogas mudou muito. Porque tinham pessoas que conseguiam
conviver muito bem com certa droga, até mesmo maconha e crack, e
conseguir dar conta da vida, de conseguir algum trabalho, e tinha
acompanhado pessoas que não conseguiam que se acabaram por conta de
drogas, principalmente do álcool. Outras pessoas não usavam e diziam:
„não me serve pra nada‟ (Da Mata, Assistente social).
No entanto, diante das falas, observamos que a percepção quanto a
população em situação de rua se apresenta em diversas faces, tanto de alguns
profissionais, como outros sujeitos sociais, como Maria Rita (Assistente social)
explana: “Tinha gente que ligava pra nós do CP, dizendo: „Olhe tem três aqui perto
da minha porta, tudo drogado e malaca42, venham já tirar, remover‟”. O que
sinalizava posição distante a outros sujeitos por conta de sua própria condição, bem
como a generalização com o uso de drogas, com o sentido de discriminação,
repúdio.
Uma outra forma de interpretação conservadora e até de discriminação
relativa ao uso de drogas pela população em situação de rua era reproduzida por
algumas pessoas que estavam nessa mesma condição (situação de rua):
42
Regionalismo cearense: o mesmo que malandro; espertalhão.
84
[...] mesmo estando na rua, numa condição também diferente de estar
dentro de casa, a pessoa que está na rua também produz esse discurso
conservador, do tipo: „Ah fulano usa droga todo dia, como pode ser desse
jeito?‟ Esse discurso moralizador que a sociedade reproduz que está ai,
independente se está ou não na rua (Rita Lee, Educadora social).
Quanto as intervenções na questão do uso de substâncias psicoativas,
observamos nas falas das entrevistadas que as ações eram empreendidas
processualmente. Quando se tomava conhecimento desse uso no atendimento com
o usuário do serviço, era explanado sobre outros serviços que podiam ser possíveis
de acordo com suas escolhas e demandas, a exemplo do Centro de Atenção
Psicossocial álcool e Drogas (CAPS AD), que se incluía na área da saúde. Porém, o
encaminhamento era direcionado primeiramente ao algum posto de saúde mais
próximo do local que o usuário se encontrava, posteriormente ao CAPS AD.
Dessa forma, percebemos que o primeiro acesso ou que devia ser era a
atenção primária, que supostamente deve haver apreensão sobre as questões
diversas de saúde. Tendo em vista ainda a consideração da Atenção Primária à
Saúde43 para atenção integral à saúde proposta pela Reforma Psiquiátrica na
política de saúde mental do Brasil.
De acordo com os relatos das entrevistadas, embora a questão das
drogas também uma das vivências presentes em parcela da população em situação
de rua, a intervenção era de acordo com a concordância voluntária dos usuários em
seguir algum acompanhamento.
[...] íamos trabalhando, colocava uma sementinha sobre o serviço de saúde,
ai quando vinham, a gente explicava que o CAPS trabalha muito essa rede
de fortalecer as pessoas através de grupos, não só remédios e que ia ficar
esse acompanhamento entre o CAPS AD e o CP (Maria Rita, Assistente
social).
A profissional relata que também encaminhava para a Coordenadoria de
Políticas sobre Drogas44, caso fosse demanda de internação, vinculado a
43
Atenção Primária à Saúde (APS) se inclui na estratégia de organização da saúde da população,
apresentando ações de caráter preventivo e curativo de atenção a indivíduos e comunidades,
denominada pelo Sistema único de Saúde (SUS) de Atenção Básica à Saúde (ABS), integrado no
sistema universal e integrado de saúde. Disponível em: <http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/
verbetes/ateprisau.html>. Acesso em 08 de julho de 2014.
44
A Coordenadoria de Políticas sobre Drogas trata-se de um equipamento vinculado ao gabinete do
Prefeito, com status de Secretaria Municipal, composta por equipe interdisciplinar, que objetiva
garantir os direitos humanos e promover uma política intersetorial sobre drogas, por meio do
planejamento, assessoramento e ação das políticas públicas sobre drogas junto com outras
secretárias e regionais de Fortaleza. Disponível em:<http://www.fortaleza.ce.gov.br/cpdrogas
/coordenadoria>. Acesso em: 08 de julho de 2014.
85
compreensão e vontade do usuário. “A gente do CP passava a ter contato entre
Coordenadoria e a comunidade terapêutica, onde era encaminhado o usuário,
acompanhava até sua saída para família, ou outra direção, da escolha dele” (Maria
Rita, Assistente social). Observamos assim o trabalho articulado da política de
assistência social junto com a política de saúde, o que se evidenciava como
necessidade de atuação conjunta, visto suas demandas que ultrapassavam a
demanda em saúde.
Isso leva a remeter a proposta da Reforma Psiquiátrica45 na Política de
Saúde Mental no Brasil, que investe na superação da “violência asilar”, do
tratamento em saúde de forma coercitiva, e sim pelo respeito aos direitos humanos,
à liberdade e autonomia do sujeito.
No entanto, frente ao acompanhamento em saúde, onde ainda se inclui o
uso de medicações a demanda do uso abusivo de álcool e outras drogas, Maria Rita
(Assistente Social) referiu que uma das intervenções, um usuário havia mencionado
que já teria ido ao CAPS AD, e não havia gostado pelo fato de ter que tomar
remédio e para ele isso seria uma troca de droga por outra. Frente a isso, a
profissional ressaltara sobre o trabalho dos grupos psicoterápicos que contribui para
o fortalecimento do sujeito para que possa seguir esse acompanhamento no âmbito
da comunidade.
A colocação acima referida do usuário pela fala da profissional nos
impulsiona a refletir sobre a referida colocação do usuário, levando a questionar até
que nível de contribuição realmente há no uso de remédio, que com uso abusivo
também pode ocasionar danos à saúde de quem consome.
A respeito disso, Quinderé (2013) explica que alguns serviços de saúde
por perceberem o consumo de drogas como doença, os profissionais passam a
utilizar como meio de intervenção a medicação, e determinadas terapêuticas
psicossociais, o que contribui para provocar uma percepção patológica, que acredita
45
A Reforma Psiquiátrica no Brasil foi um processo político e social que se desembocou no período
contemporâneo ao “movimento sanitário”, nos anos 70, que objetivou reestruturar as formas de
intervenção frente às demandas em saúde, que se configurava pelo caráter asilar, para um novo
modelo que contemplasse a defesa da saúde coletiva, equidade na oferta dos serviços, e
participação dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos processos de gestão e
produção de tecnologias de cuidado. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes
/Relatorio15_anos_Caracas.pdf>. Acesso em 28 de junho de 2014.
86
que indivíduo necessita de tratamento no viés da cura, e assim na utilização de
estratégias de proibição para o livramento da substância.
O acompanhamento em saúde para uso abusivo de drogas no âmbito
sociocomunitário referido pela entrevistada ainda diz respeito ao artigo 6º da portaria
3.088 (23 de dezembro de 2011) que aponta que os serviços dos CAPS AD‟s devem
ser abertos e de caráter comunitário.
Através dos relatos das entrevistadas, observamos como princípio
norteador de seus trabalhos a autonomia, inclusive no que se refere a questão do
uso de drogas, como coloca a profissional Da Mata (Assistente social):
A gente não atuava como tutela, e sim da autonomia. Como teve uma vê
que o usuário havia solicitado acesso ao programa Bolsa Família e me
disse: „Olha, eu to aqui pedindo o Bolsa Família, mas confesso que
qualquer momento posso acabar gastando com o uso de alguma droga‟, e
eu falava: „é uma escolha sua né?‟
Assim, a posição da profissional se direciona na perspectiva de liberdade,
da autonomia que potencializa a capacidade desse público de fazer suas escolhas,
e que a ação profissional contribui para a problematização do cotidiano dos usuários
na tentativa de que eles façam a melhor escolha possível. Nesse sentido, não
trabalhava a perspectiva da tutela, ou seja, de apenas interferir e impor. Mas em
meio a danos que com o uso abusivo e até por longa data possa ocasionar aos que
fazem uso de drogas, a atuação com base na problematização citada pode
favorecer assim para sensibilizar os usuários no sentido não da proibição, mas da
reflexão do uso e da forma desse consumo, bem como o significado atribuído ao
consumo de drogas.
Outro princípio vivenciado na atuação junto a população em situação de
rua, bem como, as que faziam uso de drogas era o respeito à diversidade, tendo em
vista que diante de sua vivência profissional se deparou com pessoas que
vivenciavam as ruas e faziam uso de drogas, havendo a existência tanto de quem
realmente sofria com uso abusivo de drogas e outras pessoas “que convivia bem
com suas drogas” (Da Mata, Assistente social).
Em consonância ao princípio da diversidade, percebemos na fala das
entrevistadas que, embora se realizasse um trabalho de articulação com a rede de
saúde, havia a consideração e respeito as várias percepções e posições de
usuários, não somente na questão de seguir ou não um acompanhamento em
87
saúde, mas na forma como seguia o trajeto para superação ou redução do
sofrimento causado pelo uso abusivo de drogas.
Umas das percepções consideradas era a espiritualidade:
Alguns diziam: „Eu vou parar porque Deus quer‟, e a gente respeitava, mas
lógico que nossa intervenção não podia ser através da religião, ai
falávamos: „Que bom que você acha que vai dar certo, mas como
acreditamos que a questão das drogas é de saúde pública, é necessário se
ter uma intervenção a nível de saúde também‟ (Maria Rita, Assistente
Social).
A entrevistada acrescenta que em outro caso que envolvia problemas
decorrentes do uso de drogas, o usuário havia explanado que o motivo daquele
tempo do rompimento do consumo de drogas (02 meses) teria sido suas próprias
filhas. Pois com o uso abusivo de drogas, e outras adversidades - as quais no
momento da entrevista, não foram lembradas pela profissional – conflitos familiares
se desenvolveram, bem como a sua saída de casa e o afastamento de suas filhas,
que fez com que empreendesse esforço próprio para voltar a ter contato com as
crianças. “Ele me disse: „a minha meta é parar de usar pra voltar bem e voltar a
frequentar o convívio com minhas filhas‟ [...]” (Maria Rita, Assistente Social).
Diante disso, percebemos que o uso abusivo de drogas ainda é uma
realidade que pode incidir ao sujeito que faz uso de drogas sinônimo de perigo,
ocasionando o estranhamento às pessoas ditas como normais, que reagem com
afastamento das pessoas que fazem uso de drogas, reforçando assim o estigma e a
exclusão dentro do próprio âmbito familiar.
Consoante a essa afirmação, Goffman (1988 apud FONSECA, 2009)
afirma que a sociedade cria uma ideologia do estigma, utilizando-se de afirmações
que apontam o estigmatizado como inferior e assim, o motivo do tratamento distinto
e exclusivo a este, implicado pela percepção do perigo.
No entanto, a questão do estigma e de ações a população em situação de
rua, bem como ao uso de drogas ainda era percebido nos próprios profissionais dos
serviços acionados pelo CAPR – CP. Podemos perceber no relato da entrevistada
(Rita Lee, Educadora social) ao afirmar:
No início tinha embate até com a política de saúde. Diziam é usuário de
droga! Um usuário havia me dito: „Cheguei às cindo da manhã no posto e
peguei fila como todo mundo, quando cheguei lá, a mulher disse que
acabou a ficha e quando viro as costas, vi ela entregando ficha pra uma
mulher atrás de mim, porquê?‟ Muitos que a gente encaminhava, passavam
pra gente do CP de novo, porque não entendiam que a população de rua
88
deveria receber atendimento como qualquer outra pessoa, tinha esse
mesmo direito.
Além da referida fala, a profissional Maria Rita (Assistente social) refere
que nas ocasiões de visitas realizadas aos hospitais pelo (a) profissional do serviço
social e da psicologia, e mesmo através de ligações recebidas no CAPR – CP,
alguns profissionais da saúde comunicavam sobre a existência de alguma pessoa
em situação de rua, no sentido da equipe dos referidos serviços irem remover
daquele hospital. Diante disso, um educador social juntamente com assistente social
ia ao serviço de saúde para intervir ao caso:
Alguns até recusavam receber, e uma senhora que já tava há 01 semana
pela calçada do hospital era recusada a ser recebida, e a profissional de
saúde disse: „O caso dela é só um banho!‟ E explicamos que não era assim,
„venha buscar‟, a gente não remove ninguém, e fomos procurar a história de
vida e família daquela mulher e descobrimos que fazia uso de álcool há
muitos anos, era catadora de lixo e já tinha transtorno mental (Rosa,
Assistente social).
Acrescenta-se que outros casos encontrados em hospitais, indicavam que
pessoas que embora tivessem uma estrutura de vida organizada e de acesso para
condições de vida, estariam perambulando pela cidade, devido ter saído de suas
casas pelo uso de álcool, agravado pela distância familiar, que havia desistindo de
acreditar e apoiar familiar com problema devido esse consumo.
Dessa forma, percebemos que ainda há falta de apreensão e
compreensão sobre as questões que se revelam em nossa sociedade, perpassando
não somente os grupos familiares, mas outros grupos sociais, como os próprios
profissionais que podem contribuir para reforçar o estigma e distanciamento da
população em situação de rua, bem como os que ainda fazem uso de algum tipo de
droga.
Nesse cenário de afastamento ou até recusa, na situação de rua, alguns
grupos que fazem uso de bebida alcoólica tomam para si o uso como forma de
substituir as relações familiares perdidas, preenchendo assim lacunas de sua vida,
ocasionadas também pela dificuldade de reintegração ou constituição de novos
laços familiares (VARANDA, 2009).
O posicionamento de alguns profissionais também evidenciava postura de
estranhamento para com a população em situação de rua. (Educadora social)
esclarece que tanto no próprio CP, e em outros equipamentos sociais, a percepção
89
conservadora de alguns trabalhadores se dava nos atendimentos, seja pelas
diferentes formações, pela falta de “preparo” e pela posição reacionária, ou caritativa
que não visualiza esse público como sujeitos de direitos.
Isso remete a necessidade de acesso a processos de capacitação dos
profissionais nos serviços públicos destinados à população em situação de rua, e
frente ao uso abusivo de drogas, Junior et al. (1998) ressalta a importância nos
serviços de saúde.
Em meio a ausência ou efetivação exitosa da participação de outras
políticas sociais para a população em situação de rua, as profissionais salientam que
no decorrer do trabalho e do equipamento CAPR – CP houve um avanço de
participação de outras políticas, mas principalmente com a participação da saúde.
Os serviços da saúde mais envolvidos eram alguns postos de saúde,
principalmente do centro e alguns CAPS/CAPS AD que a gente encontrava
pessoas que entendiam sobre o „povo da rua‟, até relacionada à questão
das drogas, que sabíamos que ia atender receber (Rita, Assistente social).
A partir da fala de Da Mata (Assistente social), observamos que, embora
o trabalho com o CAPS/CAPS AD passou a ser relevante, ainda havia lacuna quanto
à apreensão sobre a população em situação de rua, e que poucos conseguiram
fazer acompanhamento por um significativo tempo, e de fato superaram as drogas,
porém outros recaíam.
No que concerne as substâncias psicoativas mais consumida pelos
usuários, as profissionais relataram ter observado que o álcool é expressivo nessa
realidade, que produz problemas na saúde, inclusive mental.
O uso era principalmente do álcool e cigarro, e o álcool era um dos que a
gente mais via a pessoa ter dificuldade, antes mesmo de ir pra rua. Mas
existe uma ideologia que paira de algumas drogas, como boas, outras ruins,
principalmente do crack, com esse processo de crackolândia, associando o
crack como alvo maior de perigo e até com povo da rua, mas a gente sabe
que também tem uma série de problemas associados, ausência de
condições humanas de vida [...] (Rita, Assistente social).
Somado a isso, a questão dos impactos das drogas ao ser humano não
se inclina a um efeito danoso genericamente associado a uma determinada droga,
como se evidencia em alguns processos sociais e até programas do Estado que
taxam alguns tipos de drogas como mais perigosa e de maior enfrentamento,
associada muitas vezes pelo caráter ilícito que é atribuído, como o crack.
90
Assim, para Merhy et al. (2010) as políticas públicas voltadas para os
usuários se vinculam a taxação de algumas drogas, como legais, de menos efeito
danoso à saúde e frente a essas drogas lícitas, se realizam ações que limitam ao
caráter de orientação, e às drogas ilícitas, vistas como alvo de perigo e doença, a
repressão, o que influencia na percepção da sociedade.
Outras posições frente a questão do uso de drogas, é revelada na fala de
Maria Rita (Assistente social): “a gente via o que realmente o povo da rua quer, e
não impondo, não posso dizer:„olha você tem que fazer isso, porque é melhor pra
você‟, só porque é pobre vou obrigar, não”.
Assim, observamos que a referida profissional reforça o princípio da
autonomia, tendo em vista em sua fala a consideração do que os sujeitos acreditam,
do que precisam, mas com a intervenção de estar problematizando sua condição e
escolhas para sua vida.
Esse trabalho direcionado ao que “o povo quer” é possível realmente
quando se conhece e reconhece que os usuários podem apresentar demandas e
aspectos semelhantes, mas diante de suas vivências e percepções quanto sua vida,
as escolhas podem sinalizar objetivos distintos, não se enquadrando apenas nas
ações que podem sinalizar como devidas àqueles sujeitos.
Acrescentamos que uma das entrevistadas explanou outra forma de
intervenção frente às demandas de uso de drogas, identificado como Redução de
Danos46, utilizada como alternativa de estratégias de intervenção e atenção, como
Da Mata (Assistente social) explana: “E ai quando a pessoa fazia uso de crack,
perguntava logo: „Você sabe como é o crack: sei não! [...] como é que você fuma
uma coisa que sabe nem como é feito e nem de onde?”.
Dessa forma, a profissional trabalhava na perspectiva de ocasionar a
reflexão mediante a problematização sobre as drogas – “ninguém dizia: „Pare de
usar drogas‟, dependia de cada um deles”.
Ai falava sobre o processo e ia criando um vínculo, diálogo e tentando
reduzir. Acompanhei usuários que fumavam crack, que perdiam o controle,
muito mal e que conseguiam passar pra maconha e depois para o cigarro.
46
Redução de danos é “um conjunto de políticas e práticas cujo objetivo é reduzir os danos
associados ao uso de drogas psicoativas em pessoas que não podem ou não querem parar de
usar drogas. Por definição, redução de danos foca na prevenção aos danos, ao invés da
prevenção do uso de drogas; bem como foca em pessoas que seguem usando drogas”. Disponível
em: <http://www.ihra.net/files/2010/06/01/Briefing_what_is_HR_Portuguese.pdf>. Acesso em 08 de
julho de 2014.
91
Assim como usuários que só ficavam na maconha, já o álcool era mais
complicado, era horrível! (Da Mata, Assistente social).
Assim, frente as diversidades da população em situação de rua, em que o
uso de drogas também se insere nesse leque de interfaces, revela a necessidade de
contemplar a diversificação das estratégias de cuidado, como aponta na Portaria
3.088 (23 de dezembro de 2011).
Contudo, Quinderé (2013) alerta sobre a redução de danos como ação
que pode aparecer deturpada por alguns profissionais que por “não veem mais jeito”,
utilizam essa estratégia como forma de intervenção. Na verdade, a redução de
danos é coerente com ações construídas entre profissionais e usuários, através das
experiências dos próprios usuários para contribuir na redução de riscos e de danos
causados pelo uso de drogas. “Tinha pessoas que mesmo depois de encaminhadas
pra rede de saúde, voltavam pro Centro e num dia que tava ressaqueada, e no outro
dia a mesma pessoa voltava tomada de vergonha dizendo „Ai fraquejei de novo!‟”
(Rita Lee, Educadora social).
Nesse sentido, observamos que as profissionais acreditavam que além da
saúde, haviam outros valores que podiam contribuir frente uso problemático de
drogas, porém alguns que regrediam com seu intuito de parar ou reduzir o uso de
drogas eram pelo insucesso em proposta de emprego, o que revela que o uso e uso
abusivo de drogas decorre de uma série de fatores, que perpassa a simples
“vontade” de consumir drogas. E embora houvesse regressões, independente das
razões, a referida entrevistada ressalta que os profissionais e os serviços devem
estar sempre disponíveis, em acesso a essa população e “não desacreditar, que não
tem mais jeito, que tá destinado ao fim [...] explicava: „não é da noite pro dia que
consegue, com o nosso apoio, dos amigos, da família se sentirá mais forte‟ é um
processo mesmo”.
Nesse sentido, ao se perceber a vida social como um processo
contraditório e complexo em que a realidade tem que ser permanentemente
negociada por diferentes atores, a possibilidade do conflito e da disfunção perde o
seu caráter catastrófico e anormal para ser encarada como mais um fenômeno
complexo a ser estudado (VELHO, 1997 apud QUINDERÉ, 2010, p. 123). E assim, a
participação
de
saberes
profissionais
e
dos
sujeitos,
considerando
suas
singularidades que podem indicar os significados sobre os usos desses usuários e
assim ações inerentes suas necessidades.
92
4.3 A inclusão de outras políticas sociais na atuação junto à população em
situação de rua: desafios e possibilidades
Diante da complexidade e diversidade dessa população em situação de
rua, a inclusão de outras políticas sociais, além da assistência social se faz
necessário, visto que a própria PNPSR estabelece a integração das políticas sociais
na atenção a esse público.
Contudo, não é bem isso que vem acontecendo de acordo com as
profissionais que explanaram sobre o desafio que vivenciaram e ainda há – que é o
reconhecimento e a legitimação dos direitos da população em situação de rua pelas
outras políticas sociais, outros serviços públicos.
Essa realidade se revelou como desafio na atuação no campo da
assistência social que, embora tenha sido uma das primeiras políticas por iniciativa
do município de Fortaleza a trabalhar com esse público, ainda haviam outras
demandas que ultrapassavam o serviço – CAPR – CP. Sobre o atendimento iniciado
com a população em situação de rua em Fortaleza, Rita Lee (Educadora social)
explana:
O atendimento que a política de assistência em Fortaleza começou a ter
para a população de rua foi importante, mas não dar conta das demandas
da população de rua. Não falo em defesa da gestão, mas de profissionais
que se comprometeram com a causa da população de rua, mas o desafio
era o fluxo com outras políticas, pra acessar outras políticas, direitos.
Relativo a colocação acima, Maria Rita (Assistente social) reforça e
explica que “por mais que tenha uma política nacional para a população em situação
de rua, ainda se tem uma ausência da participação dessas outras políticas”.
A exemplo da ausência ainda verificada de outras políticas, Maria Rira
(Assistente social) citou a educação: “Você pensa que tem uma abertura, cultura, um
projeto específico para a população de rua” (Rosa, Assistente social).
Rita Lee (Educadora social) também reforça a dificuldade da participação
da política de educação no campo de atenção à população em questão, visto que os
cursos profissionalizantes, mediante parceria com o Serviço Social do Comércio
(SESC) eram distantes de longo tempo e distante da condição urgente de acessar
condições de vida.
93
Era como a gente que não vê sentido em certos conteúdos e só faz pra
passar! Teve grande evasão, muito tempo pra uma população que a vida é
uma correria todo dia. Aprender a montar uma peça e tal, „eu não tenho
nem dizer pra comer, tenho que fazer o corre-corre, vou comprar peça
quando?‟ No começo a prefeitura dava suporte, e depois como a pessoa vai
continuar pra começar um negócio próprio com os cursos que são
direcionados pra isso? É difícil pra qualquer um, ainda mais quem não tem o
básico. (Rita Lee, Educadora social).
A colocação da entrevista evidenciou assim que a educação não
contempla as reais vivências, necessidades e objetivos daquele público, visto que o
intuito de empreendedorismo, de negócio próprio de muitos cursos da educação
mais uma vez atende mais a lógica de mercado de formação da força de trabalho,
do que de questionamento, de participação e de orientação social.
Nesse sentido, Almeida (2012) explica que a dificuldade da população em
situação de rua em se inserir no processo de escolarização se dá pelo estigma
vivenciado no cotidiano pela situação de rua, pela falta de condições materiais
(roupas, material escolar), pela dependência química etc.
Diante das colocações da entrevista e do referido autor, gera a reflexão
sobre o impacto da educação e a formação de cunho profissional na vida da
população em situação de rua, visto que diante da falta de condições objetivas de
vida que se defronta, a complexidade de algumas configurações de educação tornase distante e assim, inacessível a esse público.
Relativo à questão das drogas, a prevenção, como ação socioeducativa
apontada pela própria política de assistência social47 torna-se ausente e inviável,
pelas dificuldades encontradas na aproximação do trabalho da educação com esse
público.
O que pode impossibilitar o acesso a ampliação de discussões e questões
da realidade, bem como próximas as suas vivências, como ressalta Varanda (2009)
sobre a questão das drogas, ao acreditar que visto que as ações sociopedagógicas
possibilitam o acesso ao sujeito de informações sobre a saúde e os danos das
drogas, o que pode gerar espaços de discussão e orientação sobre questões
coletivas e individuais. Contudo, as ações de explanação e discussão irão diferir
quando são realizadas no sentido de sujeição e submissão, como forma de provocar
47
Ações preventivas explanadas no documento Sistema Únicas de Assistência Social – SUAS:
perspectivas para o trabalho integrado com a questão do crack e outras drogas.
94
o medo e o rompimento do uso ou na perspectiva de autonomia para seguir
decisões diante da verdadeira realidade sobre tais substâncias.
Assim, as entrevistadas concordam e reforçam que o acesso à educação
a população em situação de rua poderia romper com as barreiras de uma escola
concretamente pronta e trabalhar com a educação informal, que contribua para o
diálogo, que revele a realidade dessa população, que possuem outra dinâmica.
A educação podia chegar junto, de entender que não é preciso está numa
escolinha pra fazer uma turma, romper mesmo barreiras do que é escola e
sim uma educação informal, que contribua com diálogo e mais perto da
realidade dessa população (Maria Rita, Assistente social).
Relativo a questão do trabalho, Da Mata (Assistente social) acredita que:
Diante da conjuntura que vivenciamos, que não há trabalho pra todos, das
fragilidades das relações trabalhistas e das condições postas, a população
em situação de rua deve ter seu espaço e ser respeitado suas formas de
sobrevivência, como a arte, ou outros serviços diversos autônomos que se
apresentam como trabalho à população em situação de rua.
Essas configurações de ocupações vão contra as condições de
fragilidades e as impostas pela esfera privada e até do Estado, como ainda
exemplifica Da Mata (Assistente social):
Tem gente que via alternativa da rua, pois não queria trabalhar 08 horas por
dia pra ter que ganhar 01 salário mínimo, preferem viver na rua, da sua arte
como, por exemplo, pessoa que atendi que tinha formação em artes
plásticas e viviam pelo país assim.
Assim, revela que embora há inúmeras adversidades e necessidades de
condições humanas, como saúde, alimentação, educação, habitação, esta última,
por exemplo, nem sempre evidenciava como demanda genérica, visto que as
vivências nas ruas para muitos, passam a ter outro modo de vida, diferente do que
não costuma mais vivenciar, controle do tempo e custo da rotina convencional de
trabalho e de outras organizações rotineiras.
No entanto, Maria Rita (Assistente social) explica que embora há os que
escolhem permanecer nas ruas, há os que querem ter outro espaço para moradia e
outras sociabilidades. Porém mesmo quando conseguem emprego, indaga-se qual a
suficiência que há na oportunidade de um trabalho, quando não outras condições de
vida e diante disso, revela e reforça a ausência de outras políticas sociais as
demandas da população em situação de rua.
95
Dessa forma, há dificuldade do acesso a outros direitos que são básicos e
essenciais para a toda condição humana, e ainda é o que as profissionais afirmaram
como desafio tendo em vista ainda que em meio a trajetória de violações de direitos
“a população em situação de rua, como compreensivo pelas adversidades que já
passam, quer que as demandas sejam pra ontem, e infelizmente as políticas
públicas não são assim” (Maria Rita, Assistente social).
Somado a essa ausência, Da Mata (Assistente social) acrescenta que o
desafio e sugestão para essa realidade é “se despir dos falsos julgamentos, deixar
de lado preconceitos e se permitir mergulhar no mundo do outro que é bem diferente
do seu [...]”.
Assim, os julgamentos vivenciados por alguns profissionais, seja do CP,
como de outros serviços sinalizavam distintas formas de vivência e de acesso a
informações sobre esse público o que indicava a falta de reconhecimento de outros
serviços, políticas e profissionais.
Isso agrava o acesso aos direitos da população em situação de rua, que
além da participação mais presente de outras políticas sociais, há concepções que
podem resumir em preconceitos, juízos de valor e ações limitadas.
Nesse sentido, como exemplo de caso que revelava concepções
conservadoras ou sem apreensão da realidade da população em questão, Maria
Rita (Assistente social) refere que alguns profissionais de hospitais recorriam ao CP
para atender pessoa sem qualquer referência “Ligavam, „venha buscar, remover
essa pessoa daqui‟ e dizia: „não é assim remover, não é lixo, pacote pra gente ir
buscar”. Na verdade, “o que primeiro de tudo as pessoas não queriam era ir pra
casa, era o cuidado, tratamento para o uso de álcool”.
Tal afirmação revela a necessária abertura para diferenças de vivências,
visão de mundo e escolhas da população em situação de rua, como o modo de vida
e a forma de habitar, ressaltada por Rita Lee (Educadora social): “Eu vivo num lugar
que não tem porta, mas pra mim é tranquilo ficar na rua, faço um serviço, um
mandado aqui [...], do que viver numa casa fechada”.
Relativo a isso, as falas das profissionais revelam que moradia não é
sempre o problemas pra alguns, visto que se consegue um emprego, mas não tem
realmente outras condições de vida, e se com a moradia, como ia sobreviver sem
renda, saúde e outras condições mínimas de vida.
96
Acompanhei 05 pessoas, uma
recebeu, mas não ganharam
comunidade que ficava longe
como iam manter sua renda?
Assistente social).
apenas ficou com unidade habitacional que
outras condições pra mantê-la, era numa
do centro, onde tiravam sua subsistência,
Então venderam mesmo a casa (Da Mata,
Nesse contexto, percebemos que embora no processo de urbanização
„excludente‟, o qual impele a pessoas buscarem moradias distantes dos centros
urbanos e com condições precárias observadas nas periferias (OLIVEIRA, 2013),
grande parcela da população vê como forma de obtenção de renda, seja pelo
trabalho formal ou informal os centros que concentram maiores atrativos de capital,
o que muitas vezes decorrem em sujeitos a passar a morar nesses espaços em
condições adversas, como no espaço das ruas.
Em meio ao sistema que vivemos, insurgem-se algumas pessoas contra
aquela ordem (Rita Lee, Educadora social), dizendo:
„Não, não é assim, pra mim é tranquilo estar na rua, não quero viver numa
casa, fechada, quero poder ocupar esse espaço da rua quando quiser e que
não vou ser violentado pela polícia‟. Porque você quer institucionalizar
pessoas que tem um padrão diferente de normas que a sociedade coloca
como a correta, o que é padrão certo?
Porém, o sistema que a profissional citou refere-se ao atual contexto em
que as outras entrevistadas explanaram em que recentemente se apresentam ações
que deturpam a verdadeira lógica de abordagem e intervenção profissional nas
variadas demandas sociais, inclusive nos espaços das ruas.
Segundo as entrevistadas, no sistema citado – na atual conjuntura, o que
vem se evidenciando nesse tempo recente em que a sociedade assiste um dos
grandes processos de eventos no Brasil, são ações que deturpam a verdadeira
lógica de abordagem e intervenção profissional nas demandas sociais.
Tais ações se dão em favor da representação do cenário de
embelezamento brasileiro investido, “porque é uma população vista como „sujos‟,
que enfeiam a cidade” (Maria Rita, Assistente social) decorrendo na interferência
dos espaços públicos, inclusive nas vivências que daqueles espaços se situam.
Somado a isso, aos que fazem uso de drogas, que são direcionados para alguns
serviços, o que sinalizam ações de caráter higienista e até de reclusão, mediante
ações de equipamentos chamadas de plantões.
Assim, as profissionais ressaltaram a regressão quantas intervenções em
favor do acesso aos direitos da população em situação de rua, como outros
97
princípios explanados pela Reforma Psiquiátrica e pela Portaria 3.088 (23 de
dezembro de 2011) que revela a necessidade da perspectiva do respeito aos direitos
humanos, e da atenção humanizada aos usuários.
Em meio o sistema que a gente vive, insurge algumas pessoas contra
aquela ordem „Não, não é assim, pra mim é tranquilo estar na rua, não
quero viver numa casa, fechada, quero poder ocupar esse espaço da rua
quando quiser e que não vou ser violentado pela polícia‟. Porque você quer
institucionalizar pessoas que tem um padrão diferente de normas que a
sociedade coloca como a correta, o que é padrão certo? (Rita Lee,
Educadora social).
Dessa forma, as entrevistadas ressaltam que o respeito e a autonomia
foram valores que tentaram vivenciar na atuação e a política de assistência social,
embora com algumas lacunas para melhorias sinalizou ser a primeira política em
Fortaleza a “abrir as portas e dar visibilidade a população em situação de rua e dar
acesso. Tenho até saudosismo do trabalho que fazia lá. (Maria Rita; Da Mata,
Assistentes sociais). Porém, as entrevistadas verificam a precisão de outras políticas
frente as facetas desse público.
Tendo em vista que para a rua é percebida como espaço de vivência,
sociabilidade Rita Lee (Educadora social) relembra: “Colocávamos „Olha, nós
estamos aqui, mas vocês têm o direito a cidade, a cidade é de vocês também,
quanto é de outra pessoa‟”.
Assim, as profissionais acreditam que a população em situação de rua
rompe com alguns paradigmas sociais, o que veem como possibilidades de se
trabalharem diversas potencialidades, mas que os mesmos ainda não possuem
organização e protagonismo a fóruns e movimentos sociais, “o que poderiam
conseguir muito mais com isso” (Maria Rita, Assistente social).
Por fim, salientamos que foi explanado que o serviço CAPR, atualmente
Centro Pop foi algo já construído e que seria mais interessante a continuidade do
trabalho que já teve uma trajetória de construção à população em situação de rua,
bem como a articulação com outros serviços que se encontram distantes ainda ao
direito da população em situação de rua.
98
4.4 A população em situação de rua: perfil, aspectos e demandas
Para contribuir na compreensão sobre a população em situação de rua se
configura entendemos que, os dados dos usuários que sinalizam algumas
caracterizações podem complementar este estudo.
Na análise do perfil da população em situação de rua em Fortaleza
percebemos que alguns dados se aproximam dos que foram verificados na pesquisa
realizada pelo Instituto de Pesquisa de Opinião Meta, o qual foi solicitado pelo
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), no período de
agosto de 2007 a março de 2008.
De acordo com a pesquisa do Instituto Meta, no período pesquisado,
havia 31.922 pessoas adultas em situação de rua, dentre esse número, 1.701
representavam o número em Fortaleza, considerando quem se encontrava nas
praças, viadutos, parques e calçadas.
No entanto, de acordo com o noticiário “Fortaleza não sabe quantos
moradores de rua tem”, veiculado pelo jornal “O Povo”, Fernanda Gonçalves,
coordenadora da Pastoral do Povo da Rua (vinculada à Arquidiocese de Fortaleza),
refere que a percepção sobre a população em situação de rua é de um número
muito superior em relação a 2008.
Isso evidencia que além dos números terem possivelmente aumentado,
indica o aumento da precisão de atenção das políticas públicas a essa população,
considerando suas demandas de acordo com as características que apresentam,
como sinaliza na fala de Fernanda Gonçalves: “Os casos têm mais complexidade:
desemprego, vínculos familiares rompidos, drogadição”48.
De acordo com a análise dos dados levantados, observamos que dos 20
ficha de atendimentos há a predominância dos usuários do sexo masculino (75%),
como se evidencia na pesquisa do Instituto Meta, com população majoritariamente
masculina (84,5%).
48
Fortaleza não sabe quantos moradores de rua tem: A última pesquisa com moradores de rua na
Capital foi divulgada em 2008. Desde então, voluntários e militantes apontam crescimento do
problema e percebem mudanças no perfil de quem busca refúgio nos espaços públicos”. Disponível
em:<http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2014/02/03/noticiasjornalcotidiano,3200632/forta
leza- nao-sabe-quantos-moradores-de-rua-tem.shtml>. Acesso em 12 de junho de 2014.
99
Porém a idade que verificamos indica que a população em situação de
rua possui entre 21 a 60 anos de idade, o que observa ter idade ampliada nas ruas
em comparação ao da pesquisa do Instituto Meta que apresentou idade entre 25 e
44 anos.
Apreendemos também que dentre os 20 prontuários verificados (08 não
concluíram o primeiro grau, 03 analfabetos, 01 concluiu ensino médio, e outros 08
não informaram sobre), o que é similar com os dados do referido Instituto que
aponta 45,4% não concluíram primeiro grau. O que nos mostra que a questão da
educação é mais uma demanda que se apresenta nesse público, e assim a
relevância da educação dentre as demais políticas sociais inerentes aos sujeitos de
direitos.
Sobre o tempo de permanência na rua, os índices sinalizaram variados,
35% entre 6 a 25 anos vivendo nas ruas ou em albergues, e os outros números
variavam entre 01 ano, 01 mês ou semanas, evidenciando assim que a vivência nas
ruas apresenta-se ainda como realidade recorrente pelo tempo relativamente desses
últimos dados que coletamos. Esses dados indicam em parte a semelhança com o
dado de 43,3% que indicam o público em questão estar há mais de 05 anos nas
ruas ou nos albergues (Instituto Meta).
Verificamos que embora a cidade apresente em si aspectos que indicam
a incidência para a situação de rua, observamos que cerca de 60% sempre viveram
em Fortaleza e 40% indicam pessoas advindas de outros municípios, sendo que há
diversas situações que decorrem na vivência das ruas, que vai além da questão do
desemprego, como a procura de familiares ou por viver perambulando pelas ruas,
realizando alguma atividade que indique trabalho, muitas vezes de caráter
autônomo.
Dessa forma, sinaliza que o movimento migratório por busca de
oportunidades de trabalho não é uma realidade hoje tão recorrente, como reforça a
pesquisa do Instituto Meta (66,7% - sempre viveram em Fortaleza; 23,4% vieram de
outros municípios do Ceará, e 9,6% de outros estados).
Observamos que dentre os vinte atendimentos verificados, 3 usuários
(15%) já passaram ou se encontrariam em albergues, o que nos faz questionar os
motivos do número pequeno de pessoas utilizarem esses equipamentos, e outros
permanecerem possivelmente mais na vivência das ruas.
100
Relativo aos motivos que ocasionaram a situação de rua, verificamos que
35% sinalizaram ser devido problemas decorrentes do uso de álcool e outras
drogas, 30% devido o desemprego, 25% por conflitos familiares e 10% afirmaram
ser por vontade própria e outros pela demolição de loca de moradia e perda de
pais.Em comparação as pesquisas do Instituto Meta, verificamos que os índices
permanecem na mesma predominância, tendo em vista que 13% referiram ser em
decorrência do uso abusivo de drogas, 12,9% ser por problemas familiares e 12,1%
devido a questão do desemprego.
Contudo, uma das substâncias psicoativas mais consumidas foi o álcool
com 60% e que, por sua vez, pode gerar e assim coexistir com outras situações,
como conflitos familiares e até na questão estrutural (trabalho, moradia).
Dessa forma, mesmo sendo droga lícita e assim legal para o consumo,
indica apresentar problemas, dissociando assim a questão do perigo somente as
ilícitas.
Os dados da Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua,
bem como o referido noticiário também evidenciam a significativa relação que há
entre a situação de rua e o uso de álcool e outras drogas, que emerge em diversas
regiões indicando assim a relevância em contemplar as adversidades e demandas
coexistentes pelas políticas sociais intersetorialmente à população que vivencia as
ruas.
Quanto as ocupações e renda, observamos que dentre as 20 fichas de
atendimentos, percebemos que 35% realizam alguma atividade laborativa (lavador
de carro, trabalhar com venda, artesão, profissional do sexo, artista), sendo que 75%
em algum período de sua vida realizou trabalho em regime informal, sem vínculos
empregatícios formais.
Diante disso, verificamos que embora a situação de rua possa indicar
carência de condições de vida e assim, a mendicância como aspecto presente
nessa situação, reforçada até pela sociedade, verificamos que há uma prática de
atividades que podem indicar formas de sobrevivência frente às formas precárias e
até da ausência de trabalho a todos que desejam e têm a força de trabalho como
meio para adquirir renda, como verificamos nesse atual cenário de transformações
socioeconômicas, inclusive no âmbito do trabalho. Assim, verificamos que a questão
101
do trabalho e sua ausência ainda se configuram como fator considerável para a
situação de rua.
No entanto, em meio a tantos motivos e situações que coexistem na vida
das pessoas que acabam vivenciando as ruas, bem com a singularidade dos
sujeitos, percebemos que esses dados contribuíram para explicar algumas situações
coexistentes nessa realidade, mas não compreendemos como únicas razões para
essa situação, tendo em vista as diversidades que permeiam as histórias de vida da
população em situação de rua e dos demais que se inserem nessa sociedade e a
relativa veracidade de alguns dados diante da postura de alguns entrevistados em
sentirem-se confiantes ou não para a declaração de suas vivências.
102
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente, ressaltamos que o estudo realizado objetivou compreender a
experiência profissional na atuação com a população em situação de rua, e na
relação deste público com o uso de drogas. Acrescentamos que além das
experiências profissionais, proporcionou também conhecer, na medida do possível,
o universo desse segmento social que se apresenta como realidade diversa.
Diante desse processo de estudo, concluímos que compreender a
população em situação de rua nos remete ao contexto histórico em que essa
realidade de insere, permeada por construções humanas, principalmente da
conjuntura capitalista em que há apropriação de formas de produção de riquezas a
alguns sujeitos, e a desapropriação ou a inexistência de meios de produção da vida
de muitas pessoas. Nesse contexto, concluímos que as relações de trabalho são
também afetadas, evidenciadas pela reconfiguração de suas estruturas que acentua
cada vez mais o desemprego, a fragilidade dos vínculos trabalhistas e distanciam o
ser humano cada vez mais da condição digna de trabalho. Frente a isso, verificamos
que parcela da população que vivencia essas realidades contornam as adversidades
da vida por meio de estratégias de obtenção de renda e sobrevivência como
alternativas de trabalho que, por sua vez, apresentam ressignificação dessa ação
laboral através de valores atribuídos às suas vidas.
Contudo, por consideramos ainda que a população em situação de rua
seja marcada por um caráter heterogêneo, visualizamos que sua realidade também
pode ser oriunda de outras razões que vão além da questão estrutural como foi
destacado anteriormente. Mas, a priori, diante das pesquisas, concluímos e
ressaltamos que as razões e características aqui explanadas não demarcam todas
as justificativas da trajetória para as ruas.
Dentre os motivos que caracterizam a ida da trajetória para as ruas,
constatamos que a relação com uso de drogas ainda é significativa, tendo em vista
os dados apreendidos no município de Fortaleza sobre a População em Situação de
Rua (35%), que se apresenta ainda como índice acima do desemprego (30%) e de
conflitos familiares (25%).
Dessa forma, concluímos que a questão das drogas nessa população
vem sendo motivo para essa situação, observando ainda que pode ser coexistente a
103
outras problemáticas antes das ruas, ou como uso após a ida atribuído como meio
para resistir as adversidades vivenciadas nas ruas.
Em meio a apreensão sobre o uso de drogas nas ruas, constatamos que
ainda há reprodução do imaginário social, em que parte considera a população em
situação de rua pelos termos de vagabundos, perigosos, e mesmo associando-a ao
uso de drogas, na esfera da marginalização e dos desvalidos, inclusive por
profissionais de alguns serviços sociais.
Constatamos que embora a atenção a população em situação de rua
tenha sido tardia, evidenciada em período relativamente recente, ou seja, em 2005
quando a Política de Assistência Social passou a reconhecer as demandas da
população em situação de rua, bem como pela Política Nacional para a População
em Situação de Rua, criada não menos de 05 anos atrás (2009), a proposta é
necessária e relevante a esse público que já apresentava uma histórica desatenção,
quando não eram fornecidos benefícios de ações filantrópicas.
Quanto a questão da drogadição, concluímos que também podemos
perceber certo avanço na inclusão da Política de Assistência Social na intervenção
junto aos casos do uso de drogas, realizado em 2011, mediante o aspecto
intersetorial previsto pelo programa “Crack é possível vencer”, lançado pelo Governo
Federal. Contudo, compreendemos que o crack não é a única droga de maior dano
à saúde, visto que outras substâncias psicoativas foram observadas como agravos à
vida. Diante das pesquisas, observamos que em Fortaleza, as ações públicas
direcionadas ao universo da população em situação de rua se empreenderam
mediante a política de assistência social, antes mesmo do estabelecimento da
Política Nacional para a População em situação de rua, em 2009.
Dessa forma, e diante das colocações apreendidas concluímos então que
por meio dos equipamentos do CAPR, e atualmente o Centro Pop, a política de
assistência social do município possibilitou a “abrir as portas” para a população em
situação de rua, mediante acesso a condições básicas de vida que se dava através
da concessão de alguns benefícios, do trabalho do “projeto de vida” dos usuários e
da articulação com outras políticas sociais de Fortaleza. Porém, sem desconsiderar
que ainda havia posições profissionais diferentes que indicava teor conservador e
até de correção a esse público no próprio serviço CAPR – CP.
104
No entanto, considerando a relevante necessidade da participação de
outras políticas sociais e assim de outros profissionais ao acesso a outros direitos à
população em situação de rua, inclusive ressaltada pela Política Nacional para a
População em Situação de Rua, observamos que ainda há ausência da intervenção
por parte de outras políticas, e também do reconhecimento desse público,
evidenciada ainda pela não apropriação de outros trabalhadores sobre esses
usuários, visto que diante de referências no estudo, alguns reproduzem posição de
estranhamento e limitada à população em situação de rua, percepção da relação
direta - situação de rua e drogadição, considerando-a como pessoas sujas, coitadas
ou a dever ser removidas das ruas, como intervenção adequada.
Essa perspectiva de remoção retrata higienização das ruas, e que era
incoerente com o princípio do direito ao usufruto e permanência na cidade, verificada
na própria Política Nacional para a População em Situação de Rua.
Assim, acrescentamos que a população em situação de rua ainda pode
ser percebida como invisível, em meio à ausência de outras políticas que
percebemos ser essenciais à contemplação das reais necessidades dessa
população em questão.
Contudo, apreendemos também que a atuação pelo menos de alguns
profissionais se dava na perspectiva do diálogo, da sensibilização e da autonomia, o
que possibilita criar estratégias de intervenção contrárias às ações de coerção e de
única perspectiva, como a correção da situação de rua, bem como do uso de
drogas.
Dessa forma, concluímos que dentro de sua peculiaridade, a Política de
Assistência Social pode contribuir nas demandas de drogas, na identificação essa
realidade, na problematização da experiência com a situação de rua e do uso de
drogas, nas ações de prevenção e na divulgação dos serviços destinados às essas
demandas na perspectiva de contemplar a autonomia dos usuários – observado
como princípio - e não no sentido de executar o enfrentamento com base na
interdição do uso, visto as diversidades de uso e reações com relação às
substâncias psicoativas.
Frente a isso, concluímos que ainda há deficiência por parte do Estado na
sensibilização e ampliação sobre a população em situação de rua àqueles que
atuavam conjuntamente com esse público, seja pelas ações da política de
105
assistência social e de outras políticas sociais, o que pode fragmentar e correr o
risco
da
não
efetivação
das
condições
humanas
inerentes
à
vida,
independentemente de sua condição.
É relevante compreendermos também a precisão de ações que ampliem
a questão das drogas aos profissionais, considerando as especificidades dos
serviços sociais, para proporcionar atenção efetiva na perspectiva da autonomia,
porém não no sentido de responsabilizar o usuário pela escolha ou não ao acesso à
saúde, e sim na sensibilização e melhores formas de intervenção.
Concluímos que, a contemplação da singularidade dos sujeitos, ou seja, a
diversidade dos usuários, dos significados e formas de uso e assim, da
problematização do uso de drogas, articulado com a unidade de saúde, bem como
com outras políticas sociais possibilita apreender suas reais necessidades, seja
mantendo-se na rua ou não, tendo em vista ainda o direito à cidade, que é um direito
coletivo, e para muitos se torna parte da identidade de suas histórias de vida.
106
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Hucitec, 2004.
111
ANEXOS
112
ANEXO A
113
ANEXO B
114
ANEXO C - D E C L A R A Ç Ã O
Eu, PAULO HENRIQUE DE OLIVEIRA NUNES, CPF. 936.245.495-53, graduado em Letras
– Português/Inglês, declaro ter realizado a correção ortográfica da Monografia da Aluna:
FRANCISCA DEUZIRENE NOBRE DE LIMA, portadora do RG: 2004010339896, de
matrícula: 10002866 na instituição, tendo como título: “SITUAÇÃO DE RUA E
DROGADIÇÃO: SITUAÇÃO DE RUA E DROGADIÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A
EXPERIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DO CENTRO POP NO MUNICÍPIO DE
FORTALEZA (CE).”, do curso de Graduação em Serviço Social da Faculdade Cearense
(FAC).
Por ser verdade firmamos o presente.
Fortaleza, 25 de Julho de 2014.
115
ANEXO D – DIPLOMA DO REVISOR (Anverso)
116
ANEXO E – DIPLOMA DO REVISOR (Verso)
117
APÊNDICE A
ROTEIRO DE ENTREVISTA – PROFISSIONAIS DO CENTRO POP
PERFIL
NOME:______________________________________________________________
FUNÇÃO QUE EXERCIA NO CENTRO
POP:_________________________________PERÍODO__________
GRADUAÇÃO/FORMAÇÃO:____________________________________EM_____
PÓS-GRADUAÇÃO (LATO SENSU/STRICTO
SENSU):___________________________________________________EM_____
DATA DE NASCIMENTO:______/______/_______
SEXO: ( ) MASCULINO ( )FEMININO / NATURALIDADE: ____________________
1. EM QUE ÁREAS JÁ TRABALHOU? (Saúde, Assistência, Sociojurídico, etc.).
2. COMO VOCÊ COMPREENDE A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA?
(Já conhecia; experiências; e pela sociedade?).
3. FALE SOBRE SEU TRABALHO NO CENTRO POP?
(Importância de sua atuação profissional nesse campo e princípios que norteiam o
trabalho?).
4. EM SUA OPINIÃO, QUAIS RAZÕES E VALORES PARA QUEM VIVE NAS RUAS
E AINDA PARA QUEM FAZ USO DE DROGAS?(Percebeu o uso de drogas, antes
ou depois da ida às ruas? Fator econômico; biográfico? Outras adversidades?)
6. QUAL A POLÍTICA QUE O CENTRO POP TRABALHA PARA DEMANDA DAS
PESSOAS EMSITUAÇÃO DE RUA QUE FAZEM USO DE DROGAS?
(Que perspectiva essa população é analisada e atendida/abordada? Profissionais
envolvidos?).
7. QUAL A PARTICULARIDADE E RELEVÂNCIA DESSA POLÍTICA (ASSISTÊNCIA
SOCIAL) À POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA, INCLUSIVE AOS QUE FAZEM
USO DE DROGAS? (Sabes de onde são advindos os recursos destinados a essa
demanda?)
5. QUAIS AS POTENCIALIDADES E DESAFIOS DE SE TRABALHAR COM ESSSA
DEMANDA? (Como valores podem interferir no trabalho com estes?).
8. COMO VOCÊ COMPREENDE O DESENVOLVIMENTO DA POLÍTICA
MUNICIPAL INTERSETORIAL DE ATENÇÃO À POPULAÇÃO DE RUA?
(Há outras políticas públicas e serviços articulados na intervenção?).
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