sob o sol, sem renda fixa e com mais concorrentes

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O Globo, 10 de abril de 2016
Mercado de trabalho: sob o sol, sem renda fixa e
com mais concorrentes
No Rio, conta própria cresceu 13,2% em 2 anos, quase o dobro do país
Por: Daiane Costa / João Sorima Neto
“E aí, padrinho, vai uma quentinha?” A frase é usada como chamariz
para a venda de marmitas pelo ambulante Heberton Anastácio de Freitas, de
22 anos, que até o fim de 2014 era funcionário de uma prestadora de serviços
do ramo da construção civil. Sem conseguir novo emprego, descobriu em
Magé, cidade onde mora, na Baixada Fluminense, uma empresa que fornece
as quentinhas. Resolveu comprá-las para revender a R$ 10 ou R$ 12 com
suco, em uma área nobre do Rio. Mesmo com outros quatro concorrentes
num raio de 500 metros, em um ano e três meses de trabalho na rua
conquistou clientela fiel, que lhe rende cerca de R$ 1.200 todo mês:
— Você vai ao mercado com R$ 400 e sai com 12 sacolinhas. Está
tudo muito caro. E ainda tenho de pagar aluguel e sustentar meus vícios: o
cigarro, o chopinho com os amigos e comprar roupas para estar bem
apresentável. Eu tive de arrumar um jeito de sobreviver.
MAIS 200 MIL CONTA PRÓPRIA
Heberton é um dos novos trabalhadores por conta própria que
engrossou este grupo no Estado do Rio. Nos últimos dois anos até dezembro,
o acréscimo foi de 13,2% ou mais 202 mil pessoas trabalhando, em sua
maioria como ambulantes. A alta é maior do que a registrada na média
nacional, cujo salto foi de 7,6% ou mais 1,6 milhão de trabalhadores. No fim
do ano passado, o grupo dos conta própria somava 1,73 milhão de pessoas
no estado, o correspondente a 7,5% do total do país ( 22,9 milhões). Em São
Paulo, a alta foi ainda maior, de 10%, pulando para 4 milhões de pessoas. Na
capital federal, Brasília, o grupo ficou 3,7% maior, atingindo 251 mil
trabalhadores.
Para o estatístico da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio) Kaizô
Beltrão, esse crescimento acima da média registrado no estado reflete a crise
da Petrobras e se dá em razão de peculiaridades da capital:
— A recessão no Rio foi maior porque fomos atingidos duramente
pela crise do petróleo, que desempregou todo o pessoal terceirizado da
Petrobras. Além disso, o clima de balneário da capital favorece o trabalho na
rua. Se na cidade chovesse muito ou fizesse muito frio, talvez esse grupo não
tivesse crescido tanto.
Na avaliação do professor do Instituto de Economia da UFRJ João Saboia,
pesa também o apelo turístico.
— O fato de a cidade ser turística permite desenvolver atividades
específicas para esse público — explica o professor.
Saboia acredita que o aumento da informalidade não seja permanente:
— Essas pessoas não estão condenadas a viver na informalidade.
Assim que as oportunidades voltarem, elas vão migrar para o emprego com
carteira, que dá mais estabilidade, benefícios e as deixa menos expostas à
violência da rua e à ação da fiscalização.
Essa insegurança das ruas incomoda Heberton.
— Nós, ambulantes, não vendemos drogas, mas é como se
vendêssemos. Se a guarda municipal chegar, vai pegar todo mundo. Eu já
perdi R$ 700 em mercadoria num dia de apreensão. Na rua, há o risco de ser
assaltado porque se anda com muito dinheiro das vendas. Carteira assinada
é muito melhor, tem os benefícios e, se for demitido, tem o que receber. Na
rua, a gente perde o trabalho sem qualquer renda para se manter por um
tempo — afirma o ambulante.
Pesa também a preocupação do trabalhador com a aposentadoria, observa
Beltrão:
— Elas querem voltar à formalidade porque se preocupam em
contribuir para o INSS porque querem poder se aposentar um dia.
Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, é
pessimista. Ele afirma que a recessão, que caminha para ser a maior da
história do país, está pondo em risco parte da formalização do mercado de
trabalho conquistado em dez anos.
— A maior parte desse aumento de informalidade não é cíclico, mas
estrutural. Quando a economia reagir será a partir de uma estrutura
institucional pior do governo, com inflação mais alta, com condição fiscal
pior, sem as boas condições do passado — alerta Pessôa.
TRABALHADOR FICA VULNERÁVEL
Perde o trabalhador, que na informalidade está mais vulnerável às
oscilações do mercado, sem um colchão de proteção que a formalização
oferece, complementa Pessôa:
— O trabalho com carteira reduz os riscos sobre o trabalhador. O conta
própria é empresário de si mesmo. Não tem uma renda fixa, e qualquer
oscilação do mercado vai afetar o seu bolso e o orçamento da família. Sente
o impacto direto.
Com o aumento do desemprego, a competição nas ruas vem crescendo.
— O setor informal ainda é grande, mas há cada vez mais pessoas
disputando espaço em um mercado com a renda em queda. A pessoa vai à
luta, quer que os consumidores comprem seu produto, mas elas têm cada vez
menos dinheiro disponível — afirma Saboia.
A banda Os Fluídos, que passou a se apresentar nas ruas desde que a crise
começou a minguar os cachês dos bares, tem viajado pelas regiões Sul e
Sudeste mostrando sua música nas ruas. Os músicos preferem os espaços
públicos, onde a contribuição financeira dos motoristas ou pedestres acaba
sendo mais atraente que o cachê de um bar.
— Com a alta dos preços, se a gente tomava uma cerveja ou jantava
no local do show, sobrava muito pouco do cachê. Na rua, em dias muito
bons, já conseguimos arrecadar R$ 500 num show. Mas a média fica em R$
200 — diz o guitarrista, Douglas Cassenott.
Todos os quatro integrantes trabalharam no “mercado formal”, mas ou
deixaram o emprego ou foram demitidos, e decidiram pôr o pé na estrada
com os shows nas ruas.
Douglas diz que o contato com as ruas acaba rendendo novas oportunidades
de trabalho, como tocar em exposições, ou mesmo em bares. Em São Paulo,
estão hospedados numa ocupação artística no Centro da cidade.
— Nosso palco é público. E sempre convidamos alguém que esteja
começando para tocar conosco — afirma Douglas.
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