A potência transformadora da economia solidária Vanderson Carneiro* Apesar de ter ainda uma pequena participação no PIB, a economia solidária vem crescendo de forma acelerada, nacionalizou-se e já emprega 1,25 milhões de pessoas em atividades sustentáveis, auto-gestionárias e participativas. Através do Mapeamento da Economia Solidária no Brasil – fase I, realizado em 2005 pela Secretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES em parceria com o Fórum Brasileiro de Economia Solidária-FBES, é possível configurar uma boa imagem da dinâmica atual da economia solidária no Brasil. O mapeamento em sua primeira fase de exploração demonstra toda a vitalidade e organicidade da chamada economia solidária. Esta economia solidária é representada e praticada por empreendimentos econômicos solidários e entidades de apoio espalhados por todo o Brasil. De acordo com o mapeamento, foram identificados 14.954 empreendimento solidários em 2.274 municípios brasileiros (41% do total dos municípios brasileiros), com a participação de mais de 1 milhão e 250 mil pessoas, o que representa aproximadamente 1,25% da população brasileira em idade para o trabalho, entre 16 e 64 anos de idade, ou aproximadamente 1,92% da população economicamente ativa – PEA, ou ainda aproximadamente 2,08 % da PEA quando subtraímos da PEA aqueles em situação de desemprego. Esta participação já chama a atenção de início para a relação que as iniciativas de economia solidária têm e podem ter com atividades do sistema econômico como um todo. Isto deve ser destacado, principalmente, pelo alto índice de fundação desses empreendimentos nos últimos anos. Os dados apresentados no mapeamento demonstram que do total de empreendimentos mapeados, 11% tiveram sua fundação até a década de 1980. Este número de fundações aumenta significativamente na década de 1990, passando para 42% e alcançando nos primeiros seis anos deste milênio, 47% dos empreendimentos mapeados. Este alto índice de fundações nos indica, em parte, que há um movimento desta economia que não pode ser menosprezado, muito menos qualificado apenas como atividades econômicas de cunho assistencialistas. Quanto à localização dos empreendimentos, ganha destaque a região nordeste com 44%, totalizando 6.549 empreendimentos e, a região sul com 169 participantes por empreendimento solidário, enquanto a média nacional é de 84 participantes. Os produtos e serviços realizados pelos empreendimentos possuem uma extensa variedade e expressiva quantidade, tendo algumas atividades maiores concentrações regionais, como o crédito e finanças e outras mais dispersas como a agropecuária, extrativismo e pesca. As contribuições mensais dos produtos e serviços desses empreendimentos totalizam mais de R$ 491 milhões de reais, o que representa 0,39% do PIB. A atuação desses empreendimentos se dá fortemente na área rural. De acordo com o mapeamento, 50% dos empreendimentos atuam na área rural, enquanto 33% atuam na área urbana. Isto explica em parte, a forte participação da atividade de produção agropecuária, extrativismo e pesca na contribuição mensal dos empreendimentos com 46,2% e da produção e serviços de alimentos e bebidas com 20%. Não obstante, vale destacar atividades ligadas a áreas urbanas que contribuem nos valores mensais dos empreendimentos, como é o caso dos serviços relativos a crédito e finanças com 16,7% e a produção industrial e prestação de serviços com 6% e 4% respectivamente. Isto demonstra que este movimento da economia solidária deve ser observado no campo e na cidade. Outro dado interessante levantado pelo mapeamento é referente aos resultados financeiros desses empreendimentos. Dos empreendimentos mapeados 38% dos empreendimentos conseguem obter sobras em suas atividades econômicas e 33%, embora não obtendo sobras, conseguiram efetuar seus pagamentos das despesas realizadas. Este dado coloca em evidência a sustentabilidade econômica desses empreendimentos. Diante dessas informações, é importante ressaltar como os empreendimentos solidários estão presentes em todas as regiões do país e como isso nos leva a dizer que a economia solidária não se apresenta apenas como uma resposta regional para uma determinada situação de desemprego ou como uma forma especifica de trabalho de uma determinada comunidade. A presença da economia solidária no atual cenário vem nos mostrar que a privação econômico-material atinge todas as regiões do país e que alternativas de renda são experimentadas em todas elas. Por outro lado, a expressividade de participantes e de empreendimentos solidários indica que mais que a superação do quadro de exclusão que todos estão submetidos, os trabalhadores e trabalhadoras buscam solidariamente fazer acontecer uma outra economia que seja sustentável ambientalmente e que coloque a dignidade da pessoa humana em primeiro plano. Gestão coletiva São interessantes os dados sobre a gestão coletiva da produção e o compromisso social dos empreendimentos. De acordo com o mapeamento, em 79% dos empreendimentos são realizadas assembléias e reuniões em um período de até três meses, sendo que em 49,5%, esta periodicidade é quinzenal. Já 66% dos empreendimentos afirmam que existem mecanismos de participação nas decisões cotidianas, inclusive na eleição da diretoria (62%), na prestação de contas (62%) e, no acesso a registros e informações dos empreendimentos (60%). Outro dado interessante neste sentido refere-se à cooperação entre eles e a inter-relação desses com a sociedade. No que tange à cooperação, 37% adquirem insumos dos próprios associados ou de outros empreendimentos, bem como comercializam ou trocam produtos e serviços entre eles. Quanto ao compromisso e participação social, 67% afirmam se preocupar com a qualidade de vida dos consumidores de seus produtos e serviços, 28% oferecem produtos orgânicos e 31,8% realizam reaproveitamento dos resíduos. 58% afirmam participar de ações sociais e comunitárias, enquanto 59,4% dos empreendimentos participam em movimentos sociais e 42,2% em redes e fóruns de economia solidária. Este movimento de uma outra economia enfrenta desafios como aponta o mapeamento. Para os trabalhadores os principais desafios estão na comercialização (61%), no acesso ao crédito (49%) e no acompanhamento, apoio ou assistência (27%). Mas é justamente neste sentido que se coloca a importância no termo “em desenvolvimento” e, neste sentido o planejamento desta economia apresenta-se como primordial. Se pelo lado das entidades sociais podemos notar este movimento, pelo lado das iniciativas governamentais podemos apontar políticas que procuram desenvolver a economia solidária como uma alternativa real para a inclusão dos trabalhadores e trabalhadoras e, potencial para uma transformação do modo de produzir e distribuir os bens e produtos de nossa sociedade. Podemos citar como iniciativas governamentais a própria criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária e a realização do mapeamento da economia solidária no Brasil. Outras iniciativas, ainda no âmbito do governo federal, chamam atenção pelas suas características institucionais, como são os Centros Públicos de Economia Solidária, as Feiras Estaduais e o Conselho Nacional de Economia Solidária. Em todos esses espaços são privilegiadas a discussão, a interação e promoção da economia solidária, em uma perspectiva que ultrapassa a dimensão econômica e inclui uma dimensão política que procura discutir justamente onde a produção e distribuição são decididas. * Vanderson Carneiro é doutorando em Ciência Política na UFMG Fonte: Fundação Perseu Abramo (http://www2.fpa.org.br/portal/)