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Reinventar a cidade
Rualdo Menegat1
A relação do homem com a natureza, na atualidade, deve ser pensada a partir da nova
condição que a humanidade alcançou neste início de século.
Somos hoje mais de 3 bilhões de seres humanos vivendo em uma gigantesca rede de
cidades que cobre os continentes, chamada pelo pesquisador Doxiadis de
Ecumenópolis. Essa condição muda substancialmente a relação que a humanidade
vinha tendo com a natureza. Outrora havia uma relação mais direta com as mudanças
que ela provocava, mas hoje, essa humanidade transforma a natureza numa taxa,
numa velocidade muito maior, sempre mediada pelas gigantescas cidades, nas quais
estamos imersos sem enxergar a totalidade dos eventos que produz.
Portanto, se nós queremos mudar as relações do homem com a natureza, nós
devemos mudar a maneira como nós vivemos em nossas cidades.
Precisaríamos, hoje, reinventar a cidade para que ela consiga respirar mais a natureza,
do contrário aumentaremos cada vez mais os impactos negativos do metabolismo
urbano sobre os grandes ecossistemas terrestres. Um dos principais elementos desse
impacto é a crise ambiental diagnosticada pelo aquecimento global. Essa gigantesca
cidade de 3 bilhões de pessoas já consegue impactar não só a biosfera circundante de
cada sítio urbano, mas muito mais do que isso, a atmosfera e a hidrosfera terrestres,
podendo levar a atual configuração climática a um colapso futuro.
Enfrentar a tendência do aquecimento global e a deterioração dos ecossistemas
circundantes às cidades é pensar na mudança de modo de vida urbano. Isso passa
pela diminuição do consumo, pela redução do gasto de energia de todos os tipos, pelo
modo como utilizamos a água e pela maneira como nos relacionamos com o outro. É
preciso desenvolver uma cidade que tenha taxas mais lentas, onde as pessoas possam
enxergar melhor o seu entorno e voltar a um sistema de percepção ambiental urbana
que considere o outro como parte fundamental da sociedade e do ecossistema em que
vivemos.
A reinvenção da cidade deve ocorrer em todos os lugares urbanos. É muito importante
que em cada local de trabalho, nos condomínios, nas escolas, nas universidades, nas
residências os cidadãos consigam pensar as novas relações que podemos estabelecer
para,por exemplo, diminuir o consumo de energia. Uma forma concreta é desenvolver
nos condomínios processos de compostagem doméstica para poder adubar jardins. Tal
método é bastante simples e muito eficaz, do qual até as crianças podem participar.
Assim diminuiremos a quantidade de uso de terra preta que muitas vezes é retirada
das matas.
Poderíamos também repensar a maneira como utilizamos a água, adotando cisternas
ou sistemas de coleta da água da chuva. Esses sistemas também são simples de
1
Rualdo Menegat é professor do Instituto de Geociências da UFRGS, Doutor em Ecologia de Paisagem,
Coordenador Geral do Atlas Ambiental de Porto Alegre. Texto-comentário exclusivo dado ao programa
Sintonia da Terra em 24/11/2006.
implantar e constituem-se numa técnica muito antiga na história humana. Isso diminui
a pressão sobre a água, em relação ao consumo, e racionaliza o uso desse importante
bem.
Infelizmente não é só o problema da escassez da água que teremos de enfrentar mais
adiante. Quanto mais gastamos água, mais consumimos energia. A energia sempre é o
denominador comum de nosso consumo, todos os bens que existem na cidade
precisam consumiram ou consomem energia para estar onde estão. O consumo de
papel, de materiais, de alimentos tem na equação final o consumo de energia. Essa
energia, no caso brasileiro, é obtida em sua maior parte por meio de hidrelétricas, ou
seja, do consumo da água. Repensar, no meio urbano, as relações do homem com a
natureza é repensar profundamente a maneira e o tipo de consumo que nós fazemos.
Isso nos leva não somente a mudar de hábitos, mas na necessidade de construirmos
uma nova cultura urbana, mais sadia e sustentável.
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