Texto completo: tradução para o português/Paper - PUC-SP

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COGNITIO: Revista de Filosofia
Indexação: The Philosophers Index; Citas Latinoamericanos de Ciencias Y Humanidades (CLASE)
Banco de Traduções
COGNITIO: Revista de Filosofia
ISSN 1518-7187
Indexação: The Philosopher`s Index; Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades
(CLASE)
Banco de Traduções
Tradução de artigo publicado no Volume 4, Número 1, Janeiro – Junho de 2003
1
Reconstruindo as Ciências Normativas
Kelly A. Parker
Department of Philosophy
Grand Valley State University
Allendale, MI 49401 USA
[email protected]
Original em inglês.
[Tradução para o português de Sofia Isabel Lucas Machado]
Resumo: De 1902 em diante, Peirce considerou a estética, a ética e a
lógica como as "ciências normativas", entrelaçando as esferas da
investigação filosófica, que constituem seu principal trabalho na teoria do
valor. As ciências normativas fornecem a base para a investigação
teórica das questões de valor independente dos interesses práticos. Por
manterem a bem-conhecida persistência de Peirce no realismo, as
ciências normativas colocam seu pragmaticismo à parte do pragmatismo
mais "nominalístico" de James e Dewey. O artigo pretende clarificar a
idéia de Peirce sobre as ciências normativas, mostrar como o seu
realismo se aplica à esfera do valor, e explicar seus pontos de vista
quanto à relação adequada entre teoria e prática. A conclusão sugere
exemplos de como nós poderíamos compreender o conceito rico e
inovador da estética normativa.
Reconstruindo as Ciências Normativas
Ao concluir o capítulo intitulado "Pragmatismos", Louis Menand aponta um
problema significativo em relação ao "pragmatismo do fim do século" que ele
descreve muito bem em The Metaphysical Club:
[O Pragmatismo] pressupõe interesses; ele não fornece um meio de julgar
se vale a pena persegui-los independentemente das conseqüências que
agem sobre eles. Nós formamos crenças para chegar àquilo de que
necessitamos, mas onde obtemos as nossas necessidades? Essa é uma
questão de escritores como Veblen, Weber e Freud, mas não é uma
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questão que apareça centralmente no pensamento de James e Dewey. ...
Há um consenso em que a história é iluminada pelas ações de homens e
mulheres para os quais as idéias eram algo mais do que instrumentos de
adaptação. O Pragmatismo explica tudo sobre as idéias exceto por que
uma pessoa estaria disposta a morrer por uma delas. (Menand 375)
Estou inclinado a concordar que esse é um problema que tem a versão de James
em relação ao pragmatismo. Não estou tão certo que a crítica de Menand se
aplique ao pensamento de Dewey. 1 Penso ser significativo que Peirce não seja
apontado nessa crítica em particular. Suspeito que dois fatores podem estar
envolvidos na omissão de Menand com relação a Peirce. Em primeiro lugar,
Peirce se esforçou muito para separar o seu pragmatismo da filosofia de James e
Dewey. Mesmo que alguém não compreenda inteiramente as razões técnicas que
estão por trás dessa separação, está claro que "Peirce é um caso especial", como
Menand diz em outro contexto (xii). Em segundo lugar, Menand está buscando os
grandes nomes em seu sumário de fim de capítulo. Em termos de influência
histórica, Peirce não foi um grande nome à sua época. Quaisquer que sejam as
razões, eu considero notável que Menand não aponte explicitamente Peirce como
alvo da sua crítica.
No contexto do desenvolvimento de sua filosofia sistemática madura (de
1902 em diante), Peirce propôs uma divisão da filosofia que denominou "as
ciências normativas."2 Elas são compostas de estética, ética (ou prática), e lógica
(amplamente concebida como semiótica). Juntas, elas constituem uma ampla
teoria da significação. No cerne das ciências normativas está a delineação de um
realismo ético não-fundacional, baseado na estética e modelado com base na
filosofia pragmática da pesquisa científica de Peirce. Tal realismo é precisamente
o que Menand e uma miríade de outros críticos acham que falta em versões mais
"nominalísticas" do pragmatismo e do neo-pragmatismo.
Entretanto, isso não é o mesmo que dizer que uma teoria desenvolvida das
ciências normativas não se prepararia precisamente para o que um crítico
esforçado e atento pode almejar. As ciências normativas não oferecem relatos de
quais seriam as crenças pelas quais alguém desejaria morrer  na visão de
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Peirce, a filosofia não é projetada nem apropriada para estabelecer crenças de
qualquer tipo (RLT 112). Com a finalidade de evitar o relativismo que uma teoria
da significação não-fundacional poderia parecer acarretar, e também de acordo
com sua insistência quanto ao princípio do falibilismo em qualquer pesquisa
científica, Peirce precisamente distingue a ciência normativa da ética filosófica,
dirigida pela razão, da importância prática da conduta moral, guiada pelo instinto e
sentimento. Peirce realmente aborda a questão da crença, entretanto, sugerindo o
meio apropriado pelo qual a teoria da significação influencia a conduta. Neste
artigo espero esclarecer a idéia de Peirce quanto às ciências normativas, mostrar
como seu realismo se aplica na esfera da significação, e explorar seus pontos de
vista na própria relação entre teoria e prática.
I. A Teoria da Significação: As Ciências Normativas
As três ciências normativas aparecem no centro da classificação mais
madura que Peirce faz das ciências, as quais delineiam seu sistema de
pensamento (Tabela1).3 Nessa classificação arquitetônica, a matemática e a
lógica matemática aparecem como a primeira grande divisão. Peirce concebe a
matemática como a investigação puramente hipotética de que conclusões
seguem-se de postulados adotados arbitrariamente. A próxima grande divisão é a
fenomenologia, a observação quase passiva das estruturas da experiência.
Depois da fenomenologia vem a estética, a primeira ciência normativa. A Estética
é a ciência dos ideais; seu propósito é formular um conceito do summum bonum,
aquilo que é admirável por si mesmo. A segunda ciência normativa é a prática, a
investigação na natureza da ação certa e errada. A última das ciências normativas
é a lógica, ou semiótica, que investiga os princípios da representação da verdade.
Os estudos que precedem as ciências normativas no sistema não fazem
virtualmente nada para afetar a realidade, enquanto as seguintes  começando
com metafísica e incluindo as ciências especiais e as artes práticas  são
progressivamente direcionadas no sentido de entendimento e da alteração da
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realidade em vários sentidos. As ciências normativas dão a esta últimas atividades
sua direção: é na ciência normativa que nós examinamos criticamente os fins que
guiam nossas interações com o mundo, inclusive a ação de conhecer o mundo.
Assim, para Peirce, questões de significação precedem não apenas ação, mas
também a maior parte das questões de fato (exceto, apenas, as questões mais
gerais em relação ao fato formal que diz respeito às relações matemáticas, e
aquelas que dizem respeito à estrutura da experiência que são levantadas na
fenomenologia). O sistema de Peirce, assim, abrange a idéia pós-iluminista,
segundo a qual "todos os fatos são carregados de significação."
A. Matemática
I. Ciências Heuréticas
B. Filosofia ou
Cenoscopia
1. Fenomenologia
2. Ciências Normativas
3. Metafísica
C. Ciências Especiais ou 1. Ciências Físicas
Idioscopia
2. Ciências Psíquicas
II. Ciências de Revisão
III. Ciências Práticas
Tabela 1. Esboço da Classificação das Ciências de Peirce
Cada uma das ciências normativas aborda um modo particular de interação
com o mundo (Tabela 2): "Pois, sendo a Ciência Normativa, em geral, a ciência
das leis da conformidade das coisas com os fins, a estética considera aquelas
coisas cujos fins devem incorporar qualidades de sentimento, a ética, aquelas
cujos fins situam-se na ação, e a lógica, aquelas cujo fim é representar algo" (CP
5.129, EP 2:200, grifos meus). Há, principalmente, uma interdependência clara
entre as três ciências normativas. Cada ciência subseqüente considera uma
espécie de fim que é um aspecto mais minucioso do foco de sua predecessora.
"Bondade e maldade lógicas, que nós verificaremos ser simplesmente a distinção
entre Verdade e Falsidade em geral, eqüivale, em última análise, a nada mais do
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que uma aplicação particular da distinção mais geral de Bondade e Maldade
Moral, ou Virtude e Perversidade" (CP 5.108, EP 2:188). Por sua vez, "se a
distinção [entre] a Boa Lógica e a Má Lógica é um caso especial [da distinção
entre] a Boa e a Má Moral, justamente por isso a distinção entre a Boa e a Má
Moral é um caso especial de distinção [entre] a Bondade e a Maldade estéticas"
(CP 5.110, EP 2:189). Em geral, as três ciências normativas "podem ser
observadas como sendo as ciências das condições de verdade e falsidade, da
conduta sensata e insensata, das idéias atrativas e repulsivas" (CP 5.551, EP
2:378). Peirce afirma, em resumo, que a Verdade é uma espécie de Justiça que,
por sua vez, é uma espécie do Admirável em geral (CP 5.130, EP 2:201).
Ciência Heurética
Objeto de Investigação
Objeto de Conhecimento
Estética
Qualidade de sentimento
O inerentemente admirável
Prática
Qualidade de Ação
Lógica
Qualidade de representação
O certo e o errado na conduta
Verdade e Falsidade no
pensamento
Tabela 2. As Ciências Normativas
Pensamento ou representação devem estar de acordo com seu próprio
ideal, que eqüivale a dizer que nós nos esforçamos para que nossos pensamentos
sejam verdadeiros. A lógica é, num amplo sentido, o estudo das condições sob as
quais o pensamento pode, de modo fidedigno, ser considerado de acordo com a
Verdade. Da mesma forma, a ação tem seu próprio ideal. Qualquer ação que é
Justa de acordo com seu ideal (tudo quanto o ideal possa ter encontrado para
envolver). É o assunto da Prática articular as condições sob as quais a ação pode,
de modo fidedigno, ser considerada de acordo com o que é Justo. Até agora,
Peirce estava trabalhando em território familiar. Quando nós voltamos à estética,
entretanto, nós o encontramos divergindo das concepções tradicionais de estética
como o estudo da Beleza, ou do Agradável.
Estética
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A estética de Peirce é explicada em termos exatamente análogos à lógica e
à prática: o interesse da estética é articular as condições sob as quais nossos
sentimentos podem, de maneira fidedigna, ser considerados de acordo com o
Admirável.4 Na estética nós entramos num campo obscuro de gradações de
sentimento: "aquele dualismo que é tão marcado no Verdadeiro e Falso, objeto de
estudo da lógica, e no Útil e Danoso do confessional da Prática, é quase
esgarçado até o esquecimento na estética" (CP 5.551, EP 2:379). A estética
procura distinguir a "nobreza" de sentimentos, que é uma questão de saber até
onde eles estão de acordo com o modelo do summum bonum. 5 Enquanto ciência
normativa, sua função é descrever as bases do sentimento admirável. No sistema
de Peirce, o sentimento admirável é o fundamento sobre o qual a ação decisiva e
o pensamento crítico assentam seus próprios ideais mais específicos:
Se se quiser ter uma conduta amplamente deliberada, o ideal [que a guia]
precisa ser um hábito de sentimento que cresceu sob a influência de um
curso de autocrítica e heterocrítica; e a teoria da formação deliberada de
tais hábitos de sentimento é o que deve ser entendido por estética. É
verdade que os alemães, que inventaram essa palavra e têm dado o
máximo em direção ao desenvolvimento da ciência, limitam-na a bom
gosto, isto é, à ação do Spieltrieb do qual a emoção profunda e extrema
pareceriam estar excluídas. Mas, na opinião do escritor, a teoria é a
mesma, quer seja ela uma questão quanto a lançar uma moda de chapéus
ou da preferência entre eletrocutação ou decapitação, ou entre sustentar a
própria família sendo agricultor ou assaltante de estradas. (CP 1.574, EP
2:377-78)
O gosto é justamente o que ele é, por ter sido moldado em qualquer caso
particular pelas inúmeras experiências e associações acidentais. Enquanto ciência
normativa, a estética proporciona um meio de discriminação entre gostos. 6 Ela
atua a partir do princípio de que os hábitos de sentimento podem ser tão
deliberados quanto os hábitos de ação ou de pensamento. Eles podem ser
cultivados deliberadamente para melhor se conformar ao Admirável, assim como
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uma ação pode ser cultivada deliberadamente para se conformar à Justiça e o
pensamento à Verdade. Uma vez estabelecidos os hábitos de sentimento que
favorecem o Admirável, a base é assentada para ações e pensamentos bons
desenvolverem-se mais naturalmente.
Tudo isso presume que haja um modelo único ou ideal que possa ser
identificado entre o vasto panorama de coisas que as pessoas realmente acham
atraentes. Tal ideal deve, na visão de Peirce, propor-se de acordo com uma base
pré-experiencial. Isto é, ele deve ser de tal forma que se apresente como o único
apropriado como objeto de sentimento. A questão da estética, consequentemente,
é: "Qual é a única qualidade que é, em sua presença imediata, [kalos]?" (CP
2.199). Que estado de coisas é admirável em si mesmo? Por tentativa, Peirce
responde: "um objeto, para ser esteticamente bom, deve ter uma multitude de
partes tão relacionadas umas às outras de forma a conferir uma simples qualidade
positiva à sua totalidade," qualquer que possa ser essa qualidade (CP 5.132, EP
2:201). Quando aplicado à totalidade de tudo que existe, o universo em evolução,
o summum bonum, consiste "naquele processo de evolução pelo qual os
existentes passam cada vez mais a incorporar aqueles gerais [reais] a respeito
dos quais se dizia até agora serem destinados, que é o que nós nos esforçamos
para expressar chamando-os de racionais" (CP 5.433, EP 2:343; ver também
Potter 64-65). O ideal mais alto, experimentalmente descrito pela estética de
Peirce, então, é a qualidade de sentimento evocada pelo processo que
desenvolve maior racionalidade e harmonia pela pluralidade das coisas no
universo. Na visão de Peirce, para nós o ideal mais alto que se possa conceber
não é um estado de absoluta harmonia ou ausência de conflitos  o não-nirvana
 mas, antes, o sentimento que acompanha a ordem cada vez maior e a
harmonia no mundo da nossa experiência.
Prática
A conexão entre estética e ética é quase imediata.7 Dificilmente poder-se-á
abraçar uma idéia do bem supremo sem tentar dirigir as próprias ações para
realizá-lo, mas a estreita conexão entre estética e prática é mais do que
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psicológica. De acordo com Peirce, ela está acima de toda a conexão lógica: "no
instante em que um ideal estético é proposto como um objetivo final de ação,
naquele instante um imperativo categórico se pronuncia contra ou a favor" (CP
5.133, EP 2:202). Este imperativo categórico peirceano não é exatamente o
mesmo descrito na famosa formulação de Kant. Na visão de Peirce, o imperativo
categórico kantiano é derivado da concepção particular de Kant do summum
bonum. Enquanto o Reino dos Fins é uma concepção poderosa e importante do
imperativo categórico, o princípio do falibilismo indica que nem ele nem qualquer
outro deve ser aceito como a última palavra sobre o assunto.
Embora Peirce admirasse a ética de Kant,8 ele faz uma séria objeção à sua
teoria: o imperativo categórico ali descrito não é apresentado como sendo sujeito à
crítica. "Kant, como se sabe, se propôs a admitir que o imperativo categórico
permanecesse incontestado  um pronunciamento eterno. Sua posição encontrase agora em extremo desprezo, e não sem razão" (CP 5.133, EP2:202). A ciência
normativa da prática, de Peirce, é uma investigação constante voltada a
determinar os fins aos quais a vontade de alguém deve ser dirigida. Ela abrange
"os estudos puramente teoréticos do estudante de ética que procura afirmar, por
curiosidade, no que consiste a adequação de um ideal e deduzir de tal definição
de adequação qual conduta deve ser seguida" (CP 1.600). A estética pergunta o
que é o bem; a prática, que aspecto do bem é o fim adequado para a ação
humana.
Embora tenhamos de Peirce uma explicação provisória do summum
bonum, nenhum ser finito pode realisticamente direcionar sua vontade para o
acréscimo universal da racionalidade. "De acordo com isso", escreve Peirce, "o
problema da ética [prática] é determinar qual fim é possível" (CP 5.134, EP 2:202).
O que eu entendo por essa afirmação é qual fim é possível, aos indivíduos finitos,
buscar. Peirce enfatiza as limitações de nossa situação: "Aqui estamos nesse
mundo de rotina, pequenas criaturas, meras células num organismo social, ele
próprio uma pobre coisa pequena, e devemos nos esforçar para ver que pequena
e definitiva tarefa as circunstâncias colocaram diante de nossa pouca força para
que a executemos" (RLT 121). A prática reconhece a finitude humana: o indivíduo
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é um agente ineficiente se considerado isoladamente.9 Esse fato indica a Peirce
que a ação correta necessariamente envolve exercer o esforço individual
conjuntamente com os esforços da comunidade ampliada: "o progresso vem de
todo indivíduo que funda a sua individualidade na sintonia com os seus próximos"
(CP 6.294, EP 1:357). Nossa parte do summum bonum
é expressa na
interpretação de Peirce da Lei de Ouro: "Sacrifique sua própria perfeição pelo
aperfeiçoamento de seu próximo" (CP 6.288, EP 1:353).
À parte sua insistência no falibilismo, a concepção de imperativo categórico
de Peirce assemelha-se bastante com a de Kant. Peirce enfatiza uma certa
universabilidade ou sustentabilidade como o marco central da ação correta:
parece-me que qualquer objetivo possível de ser consistentemente
buscado, assim que ele é persistentemente adotado lança-se para além de
toda a crítica possível, exceto da crítica totalmente impertinente dos leigos.
Um propósito que não possa ser adotado e buscado consistentemente é um
mau propósito. Ele não pode ser chamado propriamente de um fim último,
de qualquer forma. O único mal moral não deve ter um fim último. (CP
5.133, EP 2:202)
O imperativo categórico peirceano pode ser assim formulado: Os propósitos
que alguém busca devem, sobretudo, contribuir, a longo prazo, para a
intensificação da ordem, harmonia e encadeamento lógico dentro da sua própria
comunidade e mundo de experiência. Qualquer ação que negligencie esse
imperativo é, em última instância, perniciosa.10
Podemos ver agora onde Peirce se afasta da ética de Kant. Poderia parecer
que, por definição, as ações que concordam com o dever kantiano concordariam
com o imperativo categórico peirceano. A abordagem de Peirce admite,
entretanto, que algumas ações que não satisfazem o imperativo categórico
kantiano podem, no entanto, ser justas. Sua noção de que o fim último,
preferencialmente à máxima definidora de uma ação, seja o definidor de sua
justiça, indica essa diferença. A prática de Peirce parece capaz de tolerar aquelas
divergências individuais em relação ao estrito dever kantiano que sentimos ser o
certo em alguns casos. Peirce poderia recomendar-me ir em frente e mentir à Tia
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Betty sobre seu chapéu horroroso quando ela perguntasse minha opinião, por
exemplo. Fazer o contrário muito provavelmente violaria os fins últimos de
harmonia e ligação como se manifestam no amor familiar. Embora a máxima
kantiana expresse via de regra um fim último, identificar a consistência de uma
máxima pessoal com o fim último é uma concepção de bondade ética
extremamente estreita.
Lógica
O trabalho de Peirce sobre a lógica é muito mais conhecido e muito mais
extenso do que o devotado à estética e à ética. Aqui precisamos apenas nos
concentrar em dois aspectos da lógica de Peirce. Primeiro, devemos articular sua
natureza e posição como uma das ciências normativas. Segundo, devemos trazer
à tona o realismo não-fundacional que Peirce associou à lógica. Sugiro que o
mesmo realismo que Peirce reconhece na lógica deva também aplicar-se à sua
estética e prática.
Como foi visto acima, a lógica é o estudo das condições sob as quais podese considerar racionalmente que o pensamento esteja de acordo com o ideal ou
padrão de verdade. A verdade é uma derivação do Justo, que é, por sua vez, uma
derivação do Admirável. Abraçar uma concepção do summum bonum leva ao
dever de se empenhar persistentemente em sentir atração por aquele ideal, a
desenvolver nobreza de sentimento. Além disso, leva ao dever de se empenhar
persistentemente em agir com correção, de maneira a promover o summum
bonum. A investigação dos fins adequados de tais ações é a prática. A lógica é o
terceiro componente no programa de Peirce para a compreensão e realização do
summum bonum. Se bondade prática consiste em ações que contribuam para a
realização do bem maior, então, bondade lógica da mesma forma consiste em
pensamentos que contribuam para este fim de sua própria maneira: " a bondade
lógica é, simplesmente, a excelência da argumentação  sua negativa e mais
fundamental sendo a bondade o seu peso e solidez, a posse real da força que
alega ter, sendo grande essa força, enquanto a bondade quantitativa consiste no
grau em que ela desenvolve o nosso conhecimento" (CP 5.143, EP 2:205). A
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lógica visa articular as condições para a veracidade sob as quais pode-se
racionalmente considerar que o pensamento aumente a ordem, harmonia e
encadeamento lógico no mundo do pensamento.
O pensamento, de acordo com Peirce, sempre ocorre em meio a signos
triádicos. A função adequada de um signo é representar corretamente um objeto a
um interpretante  três termos estão sempre envolvidos numa representação
bem sucedida. O mundo da nossa experiência é um mundo representado no
pensamento. O mundo que nós habitamos pode ser visto, então, como uma rede
inacreditavelmente complexa de signos em constante e dinâmica transação
interpretativa. Essa atividade, de acordo com Peirce, tende em direção a um
estado ideal de representação completa e acurada  numa relação de signo que
tudo inclui (NEM 4:239-40). Uma tal signo-relação não pode de fato jamais ser
consumada, porque tal signo precisaria gerar um interpretante ele próprio. Assim,
o processo ou deve parar sem completar-se ou então continuar para sempre em
direção à perfeição. Essa unidade última e ideal é, entretanto, o telos do
pensamento. Tal ideal, diz-se, é como as estrelas pelas quais nos guiamos mas
nunca realmente alcançamos. A lógica descreve os modelos de associação e
interpretação dos signos que tendem para a verdade, sendo a verdade a
representação correta e completa da Realidade. A lógica normativa, a terceira
ciência normativa, é a semiótica, a teoria dos signos e ação-signo (CP 1.444,
SS80). Ela é muito mais abrangente do que a lógica formal, a qual Peirce
identificou como a Matemática da Lógica, um ramo da matemática.
O aspecto mais importante da lógica é que ela diz respeito às regularidades
e às leis do pensamento e da experiência. A estética diz respeito aos sentimentos
imediatos, enquanto a prática, aos sentimentos imediatos e às ações particulares.
A lógica relaciona-se ao imediato e ao particular, bem como ao geral  e as
regularidades e as leis que ela distingue podem ser similarmente encontradas nos
mundos do sentimento, da ação e do pensamento. A determinação de tais gerais
na experiência fluida e caótica é a chave para estabelecer a ordem, a harmonia e
o encadeamento lógico no mundo. A bondade lógica ou "excelência de
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argumento" é uma função do grau no qual o pensamento avança em direção à
verdade, concebida como uma representação unificadora da realidade.
Essa atividade generalizadora e sintetizadora do pensamento, quando
exercitada com controle deliberado, é o sentido pelo qual mais efetivamente
promovemos o summum bonum. Por um lado, a lógica descreve o método de
investigação deliberada dos fins de sentimento (estética) e ação (prática). Por
outro, a bondade lógica é por si mesma um desenvolvimento ulterior da bondade
estética e prática. O processo de inferência válido não apenas nos empurra para a
apreensão de uma verdade, mas também ele é ao mesmo tempo uma ação justa
(por ser um ato de síntese de acordo com o imperativo categórico peirceano) e
uma instância do summum bonum (porque um sentimento de crescente sensatez,
um "sentimento de racionalidade", comumente acompanha o processo). 11 Em seu
estilo típico, Peirce apresenta três áreas de investigação, distintas mas
interdependentes, que juntas descrevem o escopo da teoria da significação.
II. Realismo não-fundacional
Talvez o traço mais importante da teoria da significação de Peirce, e de sua
filosofia em geral, seja sua insistência na epistemologia realista não-fundacional.
Essa posição está melhor explicada no contexto de sua lógica e filosofia da
ciência, mas deve-se aplicar a todas as áreas de pesquisa. O "realismo
escolástico" de Peirce afirma que há um universo de realidade, e que o propósito
do pensamento e investigação é desenvolver representações adequadas e
corretas dessa realidade. Se a pesquisa segue um método sólido de investigação,
suas conclusões errôneas podem eventualmente ficar expostas e ser corrigidas.
No cerne de um método sólido de pesquisa está, é claro, o raciocínio válido sobre
o assunto em questão. A lógica é a investigação que tem o bom raciocínio como
seu objeto, e não meramente como seu método.
Peirce escreve que "O real ... é aquilo em que, cedo ou tarde, a informação
e o raciocínio finalmente resultariam e que é, portanto, independente dos meus e
dos seus caprichos" (W 2:239, EP 1:52). O relato de um único fenômeno  tal
como uma pedra caindo para cima numa determinada ocasião  é um relato de
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um fenômeno irreal, ou então é uma notícia incompleta e inadequada da operação
de uma lei geral, até agora indefinida, da realidade física. Se há alguma exceção
peculiar da lei da gravidade em estudo em alguma ocasião, esse também é um
traço real do universo que seria "cedo ou tarde" desvendado para nós através de
uma pesquisa ulterior. Dizer que nunca, em princípio, poderia ser descoberto por
que um tal fenômeno notificadamente ocorreu é dizer precisamente que o
fenômeno é irreal. "E assim aquelas duas séries de cognição  o real e o irreal 
consistem daquilo que, num tempo suficientemente futuro, a comunidade
continuará sempre a reafirmar; e daquilo que, sob as mesmas condições, será
sempre negado" (W 2:239, EP 1:52).
O componente "escolástico" do realismo de Peirce é sua insistência quanto
às leis gerais que governam o universo serem os objetos de conhecimento
genuíno. Essas leis podem ser representadas nos sistemas signo-cognoscíveis, e
as leis assim representadas nada mais são do que os universais cuja realidade foi
mantida, contra os nominalistas, por Duns Scotus. Essa concepção do real, e da
pesquisa científica como o projeto de construção de representações da realidade
adequadas e corretas (isto é, Verdadeiras), aplica-se a toda a ciência  incluindo
as três ciências normativas.
Peirce teve grande oportunidade e motivo para elaborar as implicações da
aplicação do seu realismo escolástico à lógica. Um exemplo inicial aparece na
revisão de 1879 que Peirce faz da Teoria da Lógica de Carveth Read, onde ele
rapidamente examina as três posições possíveis reconhecidas por Read, em
relação aos níveis das leis lógicas: "Alguns escritores consideram-na um estudo
das operações do entendimento, colocando-a assim em relação próxima com a
psicologia. Outros observam-na como uma análise das condições que devem ser
seguidas nas transformações das expressões verbais no sentido de impedir a
introdução de alguma falsidade. Enquanto ainda outros novamente  entre os
quais o nosso autor  pensam que as proposições da lógica são fatos
concernentes às coisas sobre as quais raciocinamos" (W 4:1). O realismo
escolástico de Peirce leva-o a preferir o realismo lógico ao psicologismo ou ao
formalismo lógico. Assim como a validade da lei da gravidade é uma questão
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sobre o que acontecerá quando dois ou mais corpos maciços se aproximam um
do outro, "a questão da validade do raciocínio é a questão de quão
freqüentemente uma conclusão de um certo tipo será verdadeira quando as
premissas de um certo tipo são verdadeiras; e isso é uma questão de fato, de
como as coisas são, não de como nós pensamos" (W 4:1, grifos meus).
O outro traço notável da epistemologia de Peirce é que ela é nãofundacional. Isso não quer dizer que o conhecimento é construído sobre uma base
dúbia, mas que as "fundações indubitáveis" de qualquer investigação são apenas
contingencialmente indubitáveis (W 2:247-48, EP 1:61). O investigador começa
com uma dúvida, que é o motivo da investigação. Mas a dúvida é sempre
emaranhada numa matriz de crença admitida, praticamente incontestável  em
termos da qual a dúvida é concebida. Essa matriz inclui um conhecimento de
senso comum estabelecido, um conhecimento mais esotérico estabelecido por
uma investigação prévia, e uns tantos itens necessários "se o raciocínio deve
mesmo ser levado adiante: por exemplo, tudo o que é implicado na existência da
dúvida e crença, e da passagem de uma para a outra, da verdade e falsidade, da
realidade, etc."(W 4:2). Entretanto, nenhuma crença está imune à crítica, nem
mesmo à total rejeição. De fato, Peirce insiste que o pragmatismo que concorda
em acreditar na matriz das verdades como ela é compreendida pelo investigador,
a um dado momento deve ser balanceado pelo princípio do falibilismo  a
percepção de que embora possamos, e realmente tenhamos, muito conhecimento
da realidade, "nunca podemos estar absolutamente certos de tê-lo em qualquer
caso especial" (CP 5.311). Construtores de telhados, cientistas que projetam
foguetes, e todos mais, estão certos em assumir a veracidade da lei da gravidade
 contanto que compreendamos que realizamos a necessidade de colocá-la de
lado quando se manifestar o caso que mostre claramente que ela não funciona.
Até isso acontecer, entretanto, temos toda a razão em aceitá-la e empregá-la
como uma componente na nossa matriz "fundacional" de crença.
O próprio Peirce testemunhou e contribuiu para o abandono de crenças
praticamente indubitáveis tanto na lógica quanto na matemática. Ele também
estava no centro de um círculo intelectual em Cambridge, liderado por Chauncey
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Wright, que havia assimilado a teoria evolucionária de Darwin na década de 1850.
Essas experiências com a estrutura de revoluções científicas convenceram Peirce
de que as fundações são sempre necessárias para a pesquisa, mas que mesmo a
mais firme delas pode ocultar uma raiz de podre. O realismo de Peirce, assim,
mantém-se como "não-fundacional" no sentido estrito de que não há componentes
absolutamente certos ou essencialmente necessários em nosso corpo de
conhecimento.
O sentido do realismo escolástico não-fundacional de Peirce para a lógica é
claro: a lógica se esforça para descrever os princípios que governam o raciocínio
quando este chega com sucesso a conclusões verdadeiras, mas nunca
poderemos ter certeza de que a nossa atual compreensão dos princípios lógicos
esteja completa ou correta mesmo quando usamos esses princípios para conduzir
as nossas pesquisas. O significado do realismo não-fundacional de Peirce para a
estética e a ética aparece menos claramente indicado em seus escritos. É aqui,
entretanto, que ele oferece algumas de suas mais interessantes sugestões para a
teoria do valor.
Tomando-se primeiramente a ética peirciana, somos levados a perguntar ao
que levaria um realismo moral não-fundacional. Da mesma forma, devemos
perguntar o que estaria envolvido, na prática, a pesquisa teorética da moralidade.
Assim como o realismo lógico supõe que os princípios que conduzem à inferência
a partir de premissas verdadeiras em direção a uma conclusão verdadeira são
fatos que dizem respeito às relações entre proposições, da mesma forma o
realismo moral supõe que os princípios que levam a ação a estar de acordo com o
que é Justo são fatos que dizem respeito às relações entre ações e objetivos. Em
outras palavras, o que as torna certas ou erradas é algo objetivo: o valor de uma
ação diz respeito ao quanto ela realmente se harmoniza com uma ordem moral
que se estende para além do conhecimento finito que o grupo tem de moralidade.
Ainda assim, nosso conhecimento de moralidade deve ser não-fundacional,
segundo a visão de Peirce. Quando indagamos a respeito da ética, é porque há
alguma dúvida quanto à nossa maneira de avaliar ações. Algum princípio de
moralidade convencional parece problemático, ou chegamos a suspeitar que a
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nossa compreensão aceita do que é certo pode ser inadequada. A prática oferece
os meios de um exame crítico das concepções relevantes para a área em
questão. Uma vez que se comece este exame crítico, a lógica da indagação
coloca tudo em perigo. Embora apenas aquelas concepções que realmente
aparecem como problemáticas durante a indagação devam ser questionadas, não
há concepção alguma que possa estar intrinsecamente imune a uma possível
crítica. A prática é umas ciência inerentemente radical.12 Na indagação genuína,
qualquer hipótese pode ser sugerida enquanto solução possível para a presente
dúvida. A indagação teórica na ética pode sugerir que alguns dos nossos mais
acalentados princípios são, de fato, perniciosos, embora possam ser necessárias
notáveis experiências para nos levar mesmo a considerar tal sugestão. Mais
freqüentemente, a indagação irá sugerir que precisamos de uma reinterpretação e
desenvolvimento: a noção dos direitos, por exemplo, pode precisar ser restrita ou
estendida, ou nossas concepções quanto a que efeitos de fato resultam de alguma
ação (como, por exemplo, contar certos tipos de piada durante o intervalo de café
no escritório) podem precisar ser reconsiderados. A prática pergunta o que é
necessário para fazer nossas ações estarem em sintonia com um ideal. Por ser o
ideal uma concepção geral (como todas as realidades, segundo a visão de
Peirce), ele é suscetível de determinação posterior através de indagação. As
respostas às questões que a prática coloca podem, então, em qualquer caso
proposto, envolver mudanças em nossos princípios para avaliar ações ou em
nossa concepção aceita do próprio ideal. O objetivo, como em toda ciência
heurística, é desenvolver uma melhor representação e compreensão de como são
as coisas no mundo.
O mesmo deve ser aplicado à estética de Peirce. Que a estética seja nãofundacional não é difícil imaginar. Depois das irrupções da arte moderna, parece
razoável considerar o pensamento estético como o esforço deliberado de
experimentar e contestar as concepções recebidas do Bem e do Belo. A noção de
que o realismo de Peirce pode ser aplicado nessa área, entretanto, requer alguma
elaboração. O que significa falar de realismo na teoria estética? Talvez apenas o
seguinte: o processo de encontrar e desenvolver a ordem na matéria bruta (física
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e cultural) do nosso universo de experiência, e o sentimento que acompanha esse
processo, é realmente o mais alto ideal da vida humana. A visão de Peirce é que,
dada uma situação particular no tempo e espaço, com seus recursos e problemas
particulares, o bem absoluto de nossa existência resume-se em elaborar um
equilíbrio harmonioso entre a rica potencialidade da ordem e do já-ordenado. As
belas artes exemplificam esse processo bem diretamente, mas o mesmo ideal 
o summum bonum  motiva todas as nossas atividades, do raciocínio matemático
mais abstrato aos esforços mais concretos da agricultura e subsistência.
A ciência heurística da estética faz apenas uma pergunta: "Qual é o bem
mais elevado?" A função da investigação lógica dessa questão é levar cada
indivíduo e cada geração a uma compreensão da melhor resposta que pode ser
dada a essa questão central. A estética, então, é uma ciência perpétua de uma
única questão. Fica a cargo da prática e da lógica determinar qual significado sua
resposta tem para nossa conduta e pensamento.
III. Razão, Sentimento e Nobreza de Experiência
Retornemos à crítica familiar do pragmatismo feita por Menand tão
sucintamente: "O pragmatismo explica tudo sobre as idéias, exceto por que uma
pessoa desejaria morrer por uma delas." Devo agora confessar ter distorcido um
pouco a posição de Menand. Eu omiti um comentário chave que, no contexto,
parece-me sugerir um sentido que a filosofia acima de tudo deve prover idéias
pelas quais valha a pena morrer.
Menand escreve: "Necessidades e crenças
podem levar as pessoas a agirem de maneiras distintamente não-pragmáticas. Às
vezes os resultados são destrutivos, mas às vezes não." O trecho continua com
sua observação de que "Há um sentido no qual a história é iluminada pelos feitos
de homens e mulheres para os quais as idéias eram algo mais do que
instrumentos de adequação." (Menand 375). O Clube Metafísico mostra que o
pragmatismo se desenvolveu numa sociedade enfraquecida e devastada pela
Guerra Civil, uma guerra que foi ostensivamente travada para manter crenças e
ideais amados. Mas a experiência da Guerra Civil Norte-americana, como Menand
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aponta, ensinou aos fundadores do pragmatismo que "A certeza leva à violência"
(Menand 61).
Não há dúvida que os humanos anseiam por certezas e absolutos. A
questão filosófica é se convicção e absolutismo são justificáveis. Em tempos
seguros nós sentimos uma distância confortável de seus resultados mais violentos
e destrutíveis, e podemos ansiar pela influência energizante do "moralismo
confiante" (Guelzo 36). Em tais tempos  e Menand escreveu seu livro numa
ocasião dessas  o pragmatismo pode se apresentar como fraco. O pragmatismo
apresenta a filosofia como um método crítico que por si mesmo não oferece
absolutos, nem "idéias pelas quais vale a pena morrer." Agora os Estados Unidos
foram novamente devastados e enfraquecidos pelos efeitos de ações violentas
oriundas de uma certeza moral extrema, uma experiência que muitos, no resto do
mundo, têm presenciado.
Talvez nesse contexto possamos atentar à idéia de Peirce quanto às
ciências normativas como o exame crítico e sistemático de valores. Eu concordo
com Menand que o pragmatismo de James não oferece um relato adequado de
onde satisfazermos nossas necessidades. Acredito firmemente que Dewey
oferece essa explicação  mas concordo com Peirce na visão da contribuição de
Dewey como uma explicação psicologística da estética, ética e lógica, mais do que
como uma contribuição às próprias ciências normativas.13
Peirce viu a importância de se distinguir as duas espécies de questão
colocadas aqui. A primeira diz respeito a o que são os nossos desejos mais
básicos, onde os satisfazemos, e como eles nos motivam a agir. Essas são
questões de aspecto prático que admitem respostas psicológicas ou mesmo
biológicas. A segunda espécie de questão diz respeito a que desejos devemos
cultivar, como devemos adquiri-los, e o papel que nossos vários princípios e
crenças devem desempenhar na motivação de nossas ações. Essas questões
especulativas ou teóricas dirigem-se às ciências normativas. A teoria do valor
elaborada por Peirce é especialmente interessante porque ele propôs respostas a
ambos os tipos de questão, e arriscou sugerir como se inter-relacionam os dois
campos distintos, o prático e o teórico.14
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Os
desejos
que
realmente
motivam
nossas
ações
são
hábitos
profundamente enraizados, tão profundamente que Peirce os considera totalmente
"instintivos" quer sejam adquiridos ou inatos.15 "São os instintos, os sentimentos,
que forjam a substância da alma. A cognição é apenas sua superfície" (RLT 110).
Agimos motivados por desejos instintivos e sentimentais porque eles são guias
imediatos para a ação. O que esses desejos são não é um problema
completamente aleatório, porque eles são determinados pela experiência prévia
da raça e do indivíduo. Vistos a partir da perspectiva individual, aqueles
antecedentes podem parecer amplamente acidentais. Da perspectiva racial,
todavia, percebemos que os comportamentos mais instintivos são admiráveis e
benéficos: pense na disponibilidade dos pais para cuidar de suas crianças, na
solidariedade do próximo ao socorrer num momento de necessidade, ou na boa
vontade do cidadão pegando em armas na defesa contra um ataque direto. Tais
situações admitem a espécie de certeza moral pela qual ansiamos. Com base
nessa confiabilidade geral do comportamento instintivo, Peirce defende
"um
sentimentalismo filosófico" quando se trata de ação prática comum (RLT 111).
Ninguém questiona o instinto maternal, é claro. É quando o instinto e o
sentimento motivam ações inapropriadas e destrutivas que nós nos voltamos para
a razão filosófica para criticar e reformular. John Michael Krois observa que "A
'moralidade' cega de todos os crentes convictos é mais facilmente compreensível
em termos de 'sentimento' do que de argumentação. Pode-se objetar que estes
sejam apenas casos excepcionais e extremos, em que adeptos dessas causas se
identificam com elas a tal ponto que atingem algo atípico da consciência ética
costumeira. Mas, e esse é o ponto de vista de Peirce, isto não é exceção. Elas
são exemplos típicos  não obstante divergentes  de atitudes éticas." (Krois 34)
A filosofia ocidental tende a sugerir que tão logo a razão reflexiva e crítica tenha
identificado um caminho melhor, nossas ações deveriam mudar imediatamente.
Daí há apenas um pequeno passo para o sonho de Iluminação, de um mundo no
qual toda a nossa conduta, todas as nossas atitudes morais, surjam de uma
decisão deliberada, raciocinada: assim nasceu a ficção econômica do "consumidor
racional" que traz ampla informação e raciocínio a toda opção, por exemplo.
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Peirce foi suficientemente astuto para compreender três problemas com
esse sonho. Primeiro, não é necessário raciocinar sobre todas as nossas ações.
Se o bebê está com fome às 3h da manhã, nós simplesmente levantamos e o
alimentamos. Segundo, não é possível raciocinar sobre todas as ações: o tempo
nem sempre permite isso, e em vários casos a razão é inconclusiva mesmo que
uma decisão deva ser tomada. Finalmente, Peirce observa que freqüentemente
não é nem desejável que o façamos: um raciocínio individual é altamente falível
em assuntos de "vital importância."16 O século XX sofreu muitíssimo efeitos
terríveis de uma confiança mal conduzida por autoridades que reformariam o
mundo com base na sua habilidade teórica. Kenneth Laine Ketner propôs as
seguintes ilustrações desse fenômeno, embora haja inúmeras outras: "Considere
a destruição, generalizada, dos recursos ambientais de nosso planeta, ou o uso de
sistemas de vida racionalizada (tais como os refletidos nas burocracias políticas, a
falência do stalinismo sendo um exemplo onipresente) no lugar de sistemas de
vida tradicionais" (Ketner 9). A certeza moral cega pode ser destrutiva, mas como
Camus observou no O Rebelde, há uma dimensão extra de horror envolvida
quando a certeza é "justificada" pela filosofia, quando a razão é usada para
transformar "assassinos em juizes." Filosofia e razão tornam-se, elas próprias,
impotentes quando "justificam" o espectro de "campos de concentração sob a
bandeira da liberdade" (Camus, 3-4). Peirce chega a dizer que, comparados aos
erros da razão limitada, os instintos e sentimentos são guias "praticamente
infalíveis" para a ação nos assuntos comuns (RLT 111).
Como, então, poderia a razão, sob forma de ciência teórica, influenciar a
ação?
Peirce sugere que o canal de influência, neste caso, seja tão lento e
seguro quanto o próprio método científico:
O instinto é capaz de crescer e desenvolver-se,  embora por um
movimento mais vagaroso na medida em que é vital; .... [Ele] se manifesta
sobretudo através da instrumentalidade da cognição. Só se pode tocar as
profundezas da alma através de sua superfície. Desse modo, as formas
eternas, com as quais a matemática, a filosofia e as outras ciências nos
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familiarizam, atingirão gradualmente, por um escoamento lento, o próprio
âmago do nosso ser, e virão a influenciar as nossas vidas ... (RLT 121)
Sugiro que reconheçamos duas espécies de ciências normativas: ao lado
das Ciências Normativas Heuréticas (teoricamente orientadas), descritas na
Tabela 2 (p. 5), há também as Ciências Normativas Práticas, como está indicado
na Tabela 3 (abaixo). Estas relacionam-se exatamente do mesmo modo que as
ciências heuréticas da física (teórica) ou da matemática relacionam-se com a
ciência prática da engenharia. As ciências práticas usam os resultados das
ciências heuréticas para alcançar algum fim específico que não seja o aumento do
conhecimento do mundo. Esses fins podem ser considerados como hábitos no
sentido peirceano (considere os padrões de fluxo de tráfego, previsivelmente fluido
ou a estabilidade de uma ponte, que são as instalações concretas de leis gerais
em sistemas designados).
Artes de
Ciência Normativa Prática
Hábito a Ser Cultivado
Estética prática
Nobreza de sentimento
Prática prática
Adequação de ação
Lógica Prática
Veracidade de crença
Deleite,
Ação, e
Raciocínio nos
Assuntos de Rotina
Tabela 3. Influência da Razão sobre o Hábito
Da mesma maneira, as ciências normativas práticas usam o conhecimento teórico
quanto a estética, ética e lógica para alcançar fins particulares  cultivar hábitos
de sentimento, ação e pensamento. Poderíamos tomar como exemplo o uso do
sistema de grafos existenciais de Peirce para ensinar habilidades de pensamento
crítico básico aos estudantes, que então exibem o hábito de não cometer falácias
comuns em seus próprios pensamentos (veja Forbes).
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Conclusão: Estética Normativa Prática
Concluo apresentando algumas ilustrações da "lenta infiltração de formas"
que poderia estar envolvida na Estética Prática. Considero ser essa uma das
implicações mais interessantes da idéia de Ciências Normativas.
A primeira vem do próprio Peirce. De 1898 a 1899, Peirce trabalhou como
consultor de engenharia para George S. Morison na elaboração de um projeto de
uma ponte. Num esboço conclusivo de seu relatório final Peirce experimentou
(talvez pela primeira vez) uma conexão direta entre ética e estética.
Quando, depois de concordar em calcular os efeitos de cargas vivas sobre
a ponte sobre o Rio Hudson que você projetou, estudei o seu plano, fiquei
cada vez mais tocado com a honra de me envolver, mesmo de um modo
inteiramente obscuro, com tal instrumento para a elevação do homem. Pois,
qualquer pessoa, ao levantar seus olhos pela manhã para descansar num
momento de tranqüilidade sobre aquela cena esplêndida, captará a visão
daquela ponte e refletirá sobre quão calma e simplesmente ela exerce uma
tarefa grandiosa que estará de acordo, em todo detalhe, com os princípios
do bom senso e da razão correta, recebendo, certamente, uma lição moral
que teria seu efeito sobre sua conduta por todo o dia. (MS 1357, p.9)
Peirce continuou com reflexões sobre o efeito benéfico de tais trabalhos do belo
na mente inconsciente, sendo todos os efeitos realizados por resposta instintiva
(ou irrefletida) à própria visão. Há, diz Peirce, uma dimensão moral na engenharia
e no design: "Épocas distantes aflorarão e exaltarão os idealizadores e executores
de tal monumento, da mesma forma que teriam razão em amaldiçoar sempre,
cada vez mais profundamente, aqueles que deformassem a paisagem com uma
estrutura
horrível,
decadente,
que
nem
sabe
o
que
pretende,
agindo
perpetuamente no sentido de degradar as almas das gerações cujos olhos ela
acaba cansando e torturando" (MS 1357, p.10).
A ponte de Marison nunca foi construída. De 1927 a 1931, a ponte George
Washington, de Othmar Ammann's, foi construída
no lugar proposto. Sobre
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aquela estrutura, que se assemelha à ponte de Morison na forma e proporção, o
arquiteto Le Corbusier escreveu:
A ponte de George Washington sobre o Hudson é a ponte mais bela
do mundo. ... É abençoada. É o único local de graça na cidade
desordenada. ... Quando o seu carro sobe a rampa, as duas torres erguemse tão altas que o deixam feliz; sua estrutura é tão pura, tão firme, tão exata
que aqui, finalmente, a arquitetura de aço parece sorrir. (George
Washington Bridge)
Em seu trabalho no projeto da ponte, Peirce parece ter acabado por concordar
com uma visão que os arquitetos e designers têm há muito tempo: o meio
construído nos ensina e influencia de maneiras profundas. Há um aspecto ético e
não apenas estético a ser designado.
No que diz respeito ao ambiente natural, considere o pensamento de Aldo
Leopold (talvez o primeiro e talvez o mais filosoficamente influente ambientalista
"profissional"). Sua familiaridade teórica em biologia deu-lhe autoridade para
desafiar as estratégias dominantes de manejo da vida selvagem, num ensaio
denominado "Pensando Como uma Montanha"; sua sensibilidade para questões
de ordem e harmonia tanto na comunidade humana quanto na natural, levou-o a
desafiar as estratégias de conservação do solo, em outro ensaio intitulado "A
Estética da Conservação". É contra esse pano de fundo que ele veio a articular
seu famoso princípio central da "Ética da Terra": "Examine cada questão em
termos do que é ética e esteticamente correto, bem como o que é
economicamente conveniente. Uma coisa é correta quando ela tende a preservar
a integridade, estabilidade, e beleza da comunidade biológica. Uma coisa é errada
quando caminha em sentido contrário." (Leopold, 224-25) Pode-se argumentar
que todo um campo da filosofia, ética ambiental, fundava-se sob a luz da estética
normativa.17
Finalmente, uma história de minha própria experiência que sugere como os
discernimentos estabelecidos inicialmente na ética teórica podem, lenta mas
claramente, infiltrar-se numa cultura e afetar sua percepção estética. Por muitos
anos, os meus alunos de introdução à filosofia, leram a "Carta da prisão de
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Birmingham"
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de Martin Luther king Jr. Com a intenção de ajudá-los a ver a
natureza dialética do argumento filosófico, pedi-lhes que escrevessem um
pequeno artigo no qual eles reconstruíssem as críticas específicas às quais Luther
King respondia, baseados apenas na leitura da "Carta". Alguns anos atrás, os
estudantes relataram uma dificuldade com a tarefa que eu não encontrara antes.
Eles não tiveram problemas em compreender as críticas que Luther King recebera
quanto às ações diretas de não-violência. O problema era que eles se sentiam mal
ao perpetuarem aquelas idéias retrógradas e racistas, ao escrevê-las com suas
próprias palavras no artigo proposto. Eu gosto de pensar que por volta de 1998
meus calouros do colégio Northern U. S. haviam atravessado um limiar no
movimento dos direitos civis. O movimento havia progredido de um estágio de
formulação de argumentos teóricos (meados do século 19) para a formulação de
uma política social, leis e normas éticas (meados do século 20) e, finalmente,
espero, no sentido de estabelecer a percepção estética de que idéias racistas e
discriminatórias sejam por si mesmas repulsivas. Diz-se freqüentemente que não
podemos legislar a moralidade. Talvez isso ofereça um exemplo de como a
moralidade, uma vez sujeita à crítica filosófica e então decretada em leis, possa,
lenta mas seguramente, chegar além da cognição, afetando a própria substância
da alma.
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27
Notas
1
Dewey propõe um padrão pelo qual podemos avaliar os nossos interesses: se eles conduzem a experiências (ou
atos) que abrem, ao invés de fecharem, as oportunidades para futuras experiências significativas. Dewey afirma que
se a perspectiva for a negativa, então qualquer um poderá aplicar a "inteligência" para reformular essas
necessidades. Isso ajuda, mas pode-se argumentar que tal "inteligência" é, no fundo, uma faculdade um tanto
misteriosa e milagrosa e de origem incerta. Um crítico inspirado em Menand pode muito bem perguntar o que
faremos daqueles que aparentemente não querem empregar a inteligência em seus desejos, ou indagar por que, se
todos possuímos inteligência de maneira inata, ela parece nos abandonar com tanta freqüência.
2
O uso da palavra "norma" e suas variantes em inglês, é uma inovação do século 19. O Oxford English Dictionary
(OED) nota que "norma", um substantivo que indica "padrão, modelo, exemplo ou tipo", é uso comum apenas a
partir de 1855. O termo norma, do latim, era um esquadro de carpinteiro ou pedreiro, o instrumento indispensável
de desenho, usado para estabelecer e conferir os ângulos retos. A partir daí, o adjetivo "normative" é definido no
OED como "aquilo que estabelece ou erige uma norma ou padrão, que se origina de, expressa ou implica um
padrão, norma ou ideal geral." A primeira citação desse uso no OED encontra-se em Epicureanism de W. Wallace,
1880. Interessante notar que o próprio Peirce usou essa palavra in "Lectures on the Logic of Science", Harvard,
1865, onde afirmava que a própria idéia de as leis da lógica serem leis normativas é falsa." (W 1:66). Com isso,
Peirce parece querer dizer que as leis da lógica formal, como as leis da física, não recomendam, mas, sim, explicam
os fenômenos. Os empregos especializados de "normative", registrados no OED, incluem "normative science"
(priemira citação da tradução feita por Frank Thilly, em 1895, da Introduction to Philosophy, de F. Paulsen) e
"normative grammar" (primeira citação de Lectures on the Study of Language, de H. Oertel, 1901).
3
Para uma discussão detalhada sobre a classificação de Peirce, ver, de Beverley Kent, Charles S. Peirce: Logic and
the Classification of the Sciences (Lógica e a classificação das Ciências) (Montreal: McGill-Queen's University
Press, 1987) ou, de Kelly Parker, The Continuity of Peirce's Thought (A Continuidade do Pensamento de Peirce)
(Nashville: Vanderbilt University Press, 1998), capítulo 2.
4
Jeffrey Barnouw atribui sua concepção de estética a Friedrich Schiller, cuja obra de 1885, On the Aesthetic
Education of Mankind ("The Aesthetic Letters"), Peirce leu atentamente quando ainda era jovem. Barnouw
escreve: "Com sua concepção de estética de 1906, Peirce, com efeito, voltou à idéia-chave que ele tinha observado
em Aesthetic Letters ... de Schiller, uma idéia da 'determinabilidade estética' que poucos, antes ou depois,
conseguiram apreender" (Barnouw, 161).
5
Aqui eu uso a palavra nobreza para exprimir o caráter adequado dos sentimentos. Em sua representação do que é
verdadeiro, o bom pensamento demonstra a "veracidade". Em sua conformação ao que é correto, a boa ação
demonstra a "propriedade". Em sua apreensão do que é admirável, o bom sentimento demonstra a "nobreza".
6
Peirce nunca ficou completamente satisfeito com o termo convencional estética. Até 1906, ele ainda procurava
uma alternativa: "Se uma nova palavra precisa ser criada para designar o primeiro grupo [das ciências normativas],
eu vou sugerir que axiagástica seja o nome da ciência daquilo que é digno de adoração" (MS 1334, p. 38).
7
A conexão é tão próxima que Peirce demorou a distinguir as duas: "Só depois de 1898 [nas conferências de
Cambridge] eu obtive a prova de que a lógica deve fundar-se na ética, da qual ela é um estágio superior. Mesmo
assim, durante algum tempo fiquei tão cego que não percebia que, da mesma maneira, a ética se apoia num dos
pilares da estética  com isso, é desnecessário dizer que não estou propondo uma visão insípida" (CP 8.255: Carta
a William James, 25 de novembro de 1902). De fato, Peirce não distingue, de maneira clara e completa, a prática da
estética, até escrever "A Base do Pragmatismo" em 1906.
8
Peirce escreve brilhantemente "sobre a doutrina dos direitos e deveres" em "A Lógica Menor", por exemplo (CP
1.577).
9
Essa mesma percepção forma o centro da filosofia ética e religiosa de Josiah Royce. Em trabalhos como The
Philosophy of Loyalty (A Filosofia da Lealdade) e The Sources of Religious Insight (As Fontes do Insight
Religioso), Royce enfatiza a necessidade de formar comunidades autênticas incentivadas por um espírito
compartilhado de lealdade a um bem comum e transcendental. Em seu maior trabalho, The Problem of Christianity
(O Problema da Cristandade), Royce desenvolve suas visões em termos explicitamente peirceanos. Seu conceito de
COGNITIO: Revista de Filosofia
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exercer a "lealdade à lealdade" deve mesmo ser considerado como uma declaração aperfeiçoada do imperativo
categórico de Peirce.
10
Observe a condenação virulenta de Peirce ao Gospel of Wealth (Evangelho da Opulência) de Andrew Carnegie
em "O Amor Evolucionário", onde ele se refere ao "Evangelho da Avareza" (CP 6.294, EP 1:357). Enquanto os
princípios de Peirce certamente endossariam os propósitos de filantropia, ele não poderia endossar a base das ações
de interesses pessoais sobre a qual a filantropia monopolística-capitalista de Carnegie se erigia. Peirce
aparentemente viu o dano à harmonia e relacionamento em tal comunidade do filantropista durante a construção do
império como um custo muito alto, por mais admirável que seus resultados finais pudessem parecer.
11
Vão aqui meus agradecimentos a Karen Carlson que explorou a estética da inferência lógica num curso de
leituras independentes sobre "Peirce e a Estétca" na Grand Valley State University, no Verão e Outono de 1994.
12
"A Ética, então, mesmo não sendo considerada um estudo decididamente perigoso, como às vezes parece, é a
ciência mais inútil que se possa imaginar" (CP 1.667).
13
Veja a revisão dos Studies in Logical Theory (Estudos na Teoria Lógica), de Dewey, em Nation, 1903 (CP 8.188
- 190). Peirce expressou seus pontos de vista sobre o trabalho lógico de Dewey mais diretamente numa carta
confidencial, em 9 de junho de 1904: "Você propõe substituir a Ciência Normativa, que na minha opinião é a maior
necessidade de nossa época, por uma 'História Natural' do pensamento ou da experiência" (CP 8.239). O momentochave no desenvolvimento das ciências normativas, de Peirce, aconteceu no início de 1990, quando ele fez uma
crítica similar da Introduction to Ethics (Introdução à Ética), de Frank Thilly (publicada em The Bookman e em The
Nation) e da Grammar of Science (Gramática da Ciência), de Karl Pearson (publicada em The Nation e Popular
Science Monthly). Encontrando, em Thilly e Pearson, explicações psicológicas inadequadas para a ética, ele
começou a trabalhar seriamente para desenvolver sua própria alternativa.
14
A discussão mais direta de Peirce sobre a relação entre razão e instinto, entre teoria e prática, aparece em "A
Filosofia e a Conduta de Vida", a primeira de suas "Conferências de Cambridge", em 1898 (publicadas como
RLT). Peirce escreveu essa conferência depois que sugeriram que ele falasse sobre algum tópico "de importância
vital". Considerando-se que Peirce via a filosofia como uma ciência teórica que não se dirigiria necessariamente a
tais áreas da vida, ele expôs sua visão de que é de "vital importância" que os cientistas distingam seu trabalho dos
interesses práticos. A conferência de Peirce é, infelizmente, repleta de sarcasmo, ironia e exagero; de qualquer
forma, ela revela como ele realmente se sentia quanto à relação entre teoria e prática. John K. Sheriff proporcionou
uma discussão muito útil sobre o sentimentalismo filosófico de Peirce no Charles S. Peirce's Guess at the Riddle
(Adivinhação para o Enigma de Charles S. Peirce), pp. 83-89.
15
O relato que Peirce faz do papel da experiência em moldar crenças e hábitos sugere que há vários instintos inatos.
16
Esse último ponto é especialmente importante em resposta às críticas de Dewey em relação à separação que
Peirce faz entre teoria e prática, tal como aquela apresentada por John Stuhr em "Rendering the World More
Reasonable" (Tornando o Mundo Mais Razoável).
17
Leopold não deve ter entrado em contato com a obra de Peirce sobre as ciências normativas, embora Bryan
Norton tenha dado um exemplo persuasivo da influência indireta do pragmatismo em seu pensamento.
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