DEMANDA POR MOEDA: UMA DESCRIÇÃO DA TEORIA CLÁSSICA, KEYNESIANA E MONETARISTA Área Temática: Ciências Econômicas Modalidade: Artigo Científico Leicimar Villa (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) [email protected] m Rosangela Maria Pontili (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) [email protected] Erasto Castilhos de Mellos (Faculdade de Ensino Superior do Paraná) [email protected] Resumo As teorias de demanda por moeda surgiram no intuito de tentar explicar a relação dos agentes econômicos com a moeda considerando tanto fatores internos quanto externos. O presente trabalho propõe-se em descrever as três principais teorias de demanda por moeda, sendo estas: a teoria clássica na abordagem de Irving Fisher e de Cambridge, a teoria elaborada por Keynes e a teoria apresentada por Friedman. Através de pesquisa bibliográfica viu-se que o argumento defendido pelos clássicos foi de que a quantidade de moeda em circulação determinará o nível de preços da economia. Keynes demonstrou que a taxa de juros influência na decisão dos agentes entre investir em ativos ou manter moeda em mãos. Para Friedman, a taxa de juros não é significativamente relevante e o nível de renda é que deve se elevar para a demanda atingir o patamar da oferta de moeda. Conclui-se que essas teorias expressam uma tentativa de responder aos problemas econômicos enfrentados por seus autores em diferentes períodos, sendo uma importante referência na discussão atual sobre os fatores que interferem na demanda por moeda. Palavras chave: Demanda, Moeda, Taxa de juros, Renda agregada 1 Introdução A moeda é um instrumento tão difundido na sociedade que é até difícil imaginar uma situação de troca em que ela esteja ausente. Se o dinheiro deixasse de existir, as trocas, muito provavelmente, teriam de ser realizadas diretamente, ou seja, de mercadoria por mercadoria, em situações que dependeriam da coincidência de desejos de seus trocadores. Nesse aspecto, a moeda é além de um meio de troca, uma reserva e uma medida de valor, em que se apoia a confiança de seu possuidor na aceitação geral dela como um meio de pagamento (LOPES; ROSSETTI, 1996). Como descrito por Lopes e Rossetti (1996), as primeiras modalidades de moeda possuíam um valor de uso e um valor de troca. Para que uma mercadoria fosse utilizada como moeda era necessária a sua aceitação geral, que é um fenômeno social e espontâneo, fundamentada no uso que se encontrava na mercadoria-moeda para a satisfação de determinadas necessidades. Assim, o valor de uso era tido como pré-requisito para o valor de troca. Porém, com o passar do tempo, os instrumentos monetários foram submetidos a um processo de desmaterialização, em que não mais representam uma utilidade direta para quem os detém. Eles apenas prestam os serviços referentes a sua liquidez. Nesse contexto, as transações de mercadorias nas economias contemporâneas não seriam possíveis sem um meio de troca em comum. A moeda pode ser usada sob diversos pretextos, pois além de ser um ativo, um meio de pagamento de bens e serviços, pode assumir também a forma de renda (fluxo de rendimentos) assim como de riqueza em um conceito mais amplo, conforme destacado por Mishkin (2000). Tendo as transações como finalidade, a moeda deve possuir algumas características que a permitam ser utilizada como tal. É nesse sentido que Lopes e Rossetti (1996) destacam que ela deve ser durável; homogênea; divisível com múltiplos e submúltiplos; de fácil transferência e manuseio e com um baixo custo de transporte. Além disso, a moeda desempenha a função de: intermediária de trocas; medida de valor ou unidade de conta; e reserva de valor. Assim sendo, a moeda é demandada pelos agentes tendo em vista as funções e características básicas descritas acima, como também levando em consideração a situação em que cada agente se encontra. Isto é, os gostos e preferências de cada agente econômico, assim como fatores externos a essas preferêcias, os quais influenciam o âmbiente econômico, podendo-se citar: a taxa de juros e o nível de renda agregada. Assim sendo, para Blanchard (2007), a demanda por moeda de uma economia é a soma de todas as demandas individuais, a qual depende da taxa de juros e do nível total de transações, que pode ser medido por meio da renda nominal. Isto posto, o objetivo do presente trabalho é apresentar as principais teorias já consagradas acerca da demanda por moeda. Serão discutidas, assim: a versão defendida pelos economistas clássicos, passando pela abordagem de Fisher e pela teoria de Cambridge, a versão keynesiana e a abordagem dos monetaristas. Busca-se, com isso, obter um breve entendimento dos principais argumentos dessas teorias. 2 Metodologia Para a realização deste trabalho, optou-se por uma pesquisa bibliográfica por se tratar de um assunto teórico. Segundo Gil (2002), a pesquisa bibliográfica é feita com base em materiais bibliográficos já elaborados e publicados nas diversas fontes de informações disponíveis à comunidade científica. Nesse sentido, as informações foram coletadas de manuais de economia, livros e artigos científicos. 3 Análise dos resultados 3.1 Os antecedentes da Teoria Quantitativa da Moeda Nas economias mercantilistas, o objetivo dos países era a acumulação de metais preciosos (ouro e prata). Nessa época, diversos pensadores tentaram explicar o papel da moeda no funcionamento da economia das nações, denominadas como teorias pré-clássicas. De acordo com Lopes e Rossetti (1996), o filósofo e político francês Jean Bodin (1530-96), que viveu em uma economia inflacionária, procurou demonstrar que a alta nos preços na França era causada pela abundância de metais preciosos. A sua principal argumentação era de que a elevação da quantidade de moeda na economia causava elevação nos preços. A explicação de Bodin foi reformulada por outros pensadores nos séculos seguintes, até chegar ao que ficou conhecida como Teoria Quantitativa da Moeda. Para Almeida (2009), foi Willian Petty (1632-87) quem notou a necessidade de certa proporção de moeda para a manutenção da atividade econômica de uma nação. A partir dessa afirmação surgiu a discussão em torno do papel da moeda no crescimento do produto, em particular nas atividades do comércio, o que conduziu à concepção de que a moeda é utilizada somente como meio de pagamento. Ademais, Lopes e Rossetti (1996) destacam que semelhantemente à Petty, John Law (1671-1729) também procurou demonstrar que a expansão da oferta monetária acarretaria em um incremento do comércio e, consequentemente, do nível das atividades econômicas. John Locke (1632-1704) percebeu que o valor da moeda com relação às outras mercadorias não dependia somente da abundância ou escassez desta em relação às demais mercadorias, mas também de sua velocidade de circulação. Porém, Richard Cantillon (1680 1734) foi mais ousado, pois além de apresentar o mesmo pensamento de Petty e Law, defendeu que era mais vantajoso ter uma riqueza mais líquida, pois isto proporcionava uma conversão com relação a outros bens de forma mais rápida (LOPES; ROSSETTI, 1996). Assim as teorias sobre a demanda por moeda foram se reformulando até chegarem àquelas desenvolvidas pelos economistas clássicos, os quais defendiam um conjunto de ideias e de princípios liberais, cujas raízes se encontram nas reações contrárias às políticas mercantilistas. Dentre os economistas que mais se destacaram tem-se Adam Smith (17231790), David Ricardo (1772-1823), John Stuart-Mill (1806-1873) e Arthur Cecil Pigou (18771959) na Inglaterra, juntamente com Jean Baptiste Say (1767-1832) e Frédéric Bastiat (18011850) na França (LOPES; ROSSETTI, 1996). 3.2 A Teoria Quantitativa da Moeda A Teoria Quantitativa da Moeda (TQM) começou a ser desenvolvida pelos economistas clássicos ainda no século XVIII, porém a sua versão mais popular veio a público somente em 1911, por meio do economista americano Irving Fisher (1867-1947), em seu livro “The Purchasing Power of Money” (CARVALHO et al., 2015). Conforme Lopes e Rossetti (1996), os economistas clássicos que desenvolveram a TQM almejavam descobrir as razões que levavam as pessoas a reterem moeda. Para tanto, inferiram duas razões para explicar tal comportamento: a primeira, pelo fato dos fluxos de pagamentos e recebimentos não coincidirem, os agentes econômicos (indivíduos e empresas) retêm moeda durante esse intervalo de tempo a fim de saldar seus compromissos financeiros. A segunda razão refere-se às despesas que não são facilmente previsíveis ou programáveis, exigindo dos agentes econômicos a necessidade de reter saldos monetários. Nesse sentido, a falta de sincronização entre recebimentos e pagamentos, em conjunto com a imprevisibilidade de certas despesas eram, segundo os clássicos, os motivos principais para que os indivíduos demandassem moeda. Na TQM, uma das proposições básicas dizia respeito à equiproporcionalidade entre a quantidade de moeda na economia e os preços. Assim, para Carvalho et al. (2015, p. 31-32), a TQM “estabelece que os preços variam diretamente com a quantidade de moeda em circulação, considerando que a velocidade de circulação da moeda e o volume de transações com bens e serviços não se alteram”. Ou seja, uma mudança na oferta de moeda não tem efeito sobre as variáveis reais, mas causa uma mudança proporcional nos preços. Com isso, se em um determinado período a quantidade de moeda for duplicada, os preços serão igualmente duplicados. Segundo Froyen (2002), a equação de trocas desenvolvida pelos clássicos relaciona uma identidade entre o montante de moeda em circulação multiplicado pela sua velocidade, com o volume de transações de bens e serviços multiplicado pelo nível de preços. A velocidade da moeda, por sua vez, é descrita pelo autor como o número médio de vezes que cada unidade monetária é utilizada nas transações econômicas, durante certo período. A forma matemática da equação de trocas é representada por: MV = PT (1) Em que: M = quantidade de moeda em circulação; V = velocidade de circulação da moeda; P = preços dos bens e serviços; T = volume de transações dos bens e serviços. Na equação (1) o lado esquerdo representa o lado monetário, enquanto o lado direito representa o lado real da economia. Froyen (2002) destaca que Fisher e os outros teóricos quantitativistas postularam que todos os valores de equilíbrio da equação de trocas, com exceção do nível de preços, são determinados por fatores externos à equação. Portanto, para os teóricos, a equação de trocas servia para determinar o nível de preços. Nesse aspecto, é preciso mencionar os fatores que determinam as variáveis exógenas. Então, de acordo com o autor, a quantidade de moeda em circulação (M) é definida pela autoridade monetária; o volume de transações (T) é medido pela atividade econômica; e a velocidade de circulação da moeda (V) é determinada pelos hábitos e tecnologias de pagamentos da sociedade. Para Costa (1999), a velocidade média ponderada de cada unidade monetária depende do tempo de retenção da moeda recebida, relacionado com as formas da moeda e os meios em que circula. O postulado da proporcionalidade da teoria quantitativa exige que a velocidade de circulação da moeda seja virtualmente estável em curto prazo, determinada: pelos hábitos comunitários de posse da moeda referentes a recebimentos e desembolsos (frequência, durabilidade e sincronização de pagamentos); e pelos fatores institucionais e tecnológicos. Assim, se a velocidade (V) é baixa, a retenção de moeda é alta. Posteriormente, conforme Carvalho et al. (2015), a equação da TQM foi modificada para solucionar problemas relacionados a conceitos envolvendo a determinação de preços. Então, substituiu-se a variável T por y que representa o Produto Interno Bruto (PIB), pois este considera o produto e o nível de preços final. Logo: MV=Py (2) Em que: M = oferta de moeda; V = velocidade renda da moeda; y = PIB real; P = nível de preços; Os quantitativistas que formularam a TQM também afirmavam que a teoria se fundamenta na ideia de que a moeda tem apenas a função de trocas e é tratada como um estoque, não como um fluxo. Ademais, também não levaram em consideração os efeitos da taxa de juros (CARVALHO et al., 2015). Em suma, a TQM elaborada pelos clássicos considerava que a moeda era apenas um meio de troca, sendo que sua equação estabelecia um equilíbrio entre o lado monetário e o lado real da economia. Embora seja uma teoria simples, ela foi o início para outras abordagens, que serão demonstradas a seguir. 3.2.1 A Abordagem de Cambridge A versão da TQM abordada pelos economistas de Cambridge difere da equação de trocas de Fisher, pois, dentre outros aspectos, não é descartado o efeito das taxas de juros (MINSKIN, 2000). Conforme Costa (1999), na abordagem de Cambridge, a moeda não é um estoque, tal como mostra a versão de Fisher, mas é uma residência temporária para o poder de compra. Em outras palavras, a moeda é um veículo aceito por todos os agentes econômicos que transporta o valor das mercadorias ao longo do tempo. O principal questionamento que Cambridge buscava responder era: Qual a quantidade de moeda que os indivíduos gostariam de manter como reserva de valor? De acordo com Froyen (2002), Alfred Marshall (1842–1924) dedicou-se a analisar a decisão sobre a escolha dos montantes de moeda a serem mantidos pelos indivíduos. Para Marshall, certa quantidade de moeda seria mantida, em função da conveniência que ela proporciona nas transações, pois fornece segurança e liquidez imediata no cumprimento de obrigações inesperadas. Além disso, como bem observou Pigou: “a moeda mantida nas mãos não gera renda” (FROYEN, 2002, p. 68). Ela só deixará de ser gasta pelos indivíduos se o retorno, em termos de segurança, exceder a renda perdida por deixar de investir em atividades mais rentáveis. Desse modo, os economistas de Cambridge afirmavam que a moeda possui duas propriedades: a de meio de troca e a de reserva de valor. Por considerarem esse último aspecto, observou-se que o nível de riqueza também afeta a demanda por moeda. Portanto, para Minskin (2000), à medida que a riqueza cresce, o indivíduo necessita guardá-la sob diferentes formas de ativos. Para ele, a demanda por moeda é proporcional à renda nominal. A equação elaborada por Cambridge é expressa pela seguinte função: Md = kPy (3) Em que: Md = quantidade desejada de moeda. k = razão do estoque de moeda em ralação à renda nominal; P = nível de preços; y = produção real. Na equação (3), a variável k é numericamente igual ao inverso da velocidade de circulação (V). Considerando k como fixo no curto prazo e a produção real (y) determinada pelas condições de oferta, a equação de Cambridge também se reduz a uma relação proporcional entre o nível de preços e os estoques de moeda. Nesta abordagem, assim como na anterior, a quantidade de moeda também determina o nível de preços (FROYEN, 2002). Segundo Carvalho et al. (2015), a teoria quantitativa mostra que a única razão para haver inflação ou deflação em uma economia, se dá em função de desvios na oferta da moeda de seu nível de equilíbrio de longo prazo, pois qualquer aumento maior no estoque de moeda do que aquele determinado pelo crescimento da renda real acarretaria um aumento correspondente no nível de preços. Portanto, a TQM, sob o ponto de vista dos teóricos de Cambridge, considera a moeda, além de um meio de troca, também uma reserva do valor das mercadorias, cabendo aos indivíduos decidirem o quanto desse valor será mantido sob a forma monetária. Além disso, por levar em consideração as taxas de juros, os indivíduos deveriam escolher a opção que lhe traria maior rentabilidade. 3.3 A Teoria da Preferência pela Liquidez de Keynes Na obra da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda publicada em 1936, John Maynard Keynes (1883–1946) refutou alguns dos pressupostos da demanda por moeda formulada pelos clássicos. Segundo Carvalho et al. (2015), Keynes considerava que a moeda era mais do que um meio de pagamento e uma reserva de valor, era também uma forma de riqueza, cujo retorno vinha na forma do que ele denominou de “prêmio de liquidez”. Portanto, Keynes percebeu que na economia monetária a moeda é o ativo que possui a mais alta liquidez e esta característica afeta as incertezas dos indivíduos acerca do futuro. Assim sendo, quanto maior a incerteza, maior será a tendência de retenção de moeda para enfrentar as imprevisibilidades de uma economia dependente de fatores externos aos agentes econômicos. No que se refere às taxas de juros, ao contrário dos clássicos , Keynes entendia a taxa de juros como a recompensa por abrir mão da liquidez, ou seja, da riqueza em forma de moeda. De outro modo, a taxa de juros é o retorno da aplicação da moeda em outros ativos com menor liquidez. Portanto, a taxa de juros é o preço que concilia o desejo de manter riqueza em forma líquida com a quantidade de moeda disponível e é determinada pela preferência pela liquidez dos agentes, assim como, pela política das autoridades monetárias (CARVALHO et al., 2015). Nesse sentido, conforme Marinho (2007), Keynes, quando formulou sua teoria, questionou-se porquê as pessoas demandavam dinheiro. O economista, então, afirmou que a demanda por moeda é dada não só pelas demandas para transação e precaução, que variam diretamente em relação à renda, já estudadas pelos clássicos, mas também pela demanda para especulação, que varia inversamente à taxa de juros. Cada um desses motivos será apresentado a seguir. O motivo transação refere-se à decisão de guardar moeda para transações em decorrência da defasagem de tempo que existe entre os recebimentos e pagamentos efetuados. Além disso, o montante destinado para transações é proporcional à renda, não sofrendo influência das variações das taxas de juros. Nesse aspecto, Keynes destacou alguns fatores que interferem no volume de transações, tais como variações salariais; renda pessoal disponível; variação nos gastos do governo; e modificações na expectativa de renda futura. Ademais, assumindo que a demanda por moeda para transações é destinada ao consumo rotineiro, quanto maior a renda individual, maior tenderá a ser a demanda por moeda para tal finalidade (MARINHO, 2007). O motivo precaucional refere-se à destinação de recursos líquidos para eventuais ocasiões de emergências inesperadas ou oportunidades de negócios vantajosas, pois a incerteza quanto ao futuro leva os indivíduos a reterem uma parcela da renda para tais gastos. Keynes (1996) salienta que esse motivo depende, em primeiro lugar, do nível de renda individual e dos custos de retenção de moeda, pois não há necessidade em guardar recursos líquidos se estes podem ser adquiridos no momento desejado por meio de crédito. Portanto, segundo Marinho (2007), assim como ocorre com a demanda transacional, a demanda precaucional depende da renda (Y), sendo que também não é influenciada pela taxa de juros. No gráfico 1, os dois painéis representam, simultaneamente, a demanda transacional e precaucional (Dt), em que o painel (A) mostra que as demandas estão em função da renda (Y), enquanto o painel (B) as representa em função da taxa de juros (r). No painel (A), qualquer aumento no nível de renda provoca movimento ascendente ao longo da curva linear, ou seja, quanto maior a renda, maior será a demanda transacional e/ou precaucional. Já em relação à taxa de juros, as demandas são inelásticas. Dt (A) r (B) Dt = f(r) Dt = f(Y) Y Dt Gráfico 1 – Demanda por moeda transacional e precaucional em função da renda (A); demanda transacional e precaucional em função da taxa de juros (B). Fonte: Marinho (2007, p. 80). O motivo especulação é o diferencial da teoria de Keynes, pois para ele, a demanda especulativa é resultado da expectativa dos indivíduos de que os preços dos títulos baixem e a taxa de juros se eleve. Segundo Marinho (2007), se os preços dos títulos estão baixos e as taxas de juros altas, os agentes preferem aplicar os seus ativos no mercado com a expectativa de que os preços se elevem a fim de vendê-los na alta, o que permitiria auferir ganhos no mercado. Caso ocorra o inverso, os agentes optarão por manter seus ativos na forma de moeda, ou seja, eles irão preferir a liquidez monetária. Assim sendo, quando a taxa de juros chega a seu mínimo, a demanda especulativa da moeda se torna perfeitamente elástica, pois é impossível que ela caia ainda mais, portanto, Keynes caracteriza esse fenômeno como preferência pela liquidez. Entretanto, pelo fato de os agentes preferirem manter seus ativos em moeda, ocasionará uma situação denominada pelo autor como “armadilha de liquidez”, pois se a autoridade monetária baixar ainda mais a taxa de juros, na execução de alguma política monetária, não irá obter êxito, porque os agentes não irão se interessar em colocar seus ativos em títulos com um retorno tão baixo. Assim, eles irão especular até que a taxa de juros suba e volte a dar algum retorno compensatório (MARINHO, 2007). O gráfico 2, representa a demanda por moeda para especulação (De), em função da taxa de juros (r). Se a taxa de juros estiver alta, a retenção de moeda diminui, pois os agentes optam pela rentabilidade dos títulos. Caso contrário, na baixa, os agentes preferem reter moeda em mãos, já que os títulos não trazem os retornos desejados. Em outras palavras, se o retorno em manter saldos monetários for maior do que o retorno dos títulos, os agentes optam pela moeda. No gráfico 2 é possível observar que abaixo do ponto r’ ocorre o fenômeno denominado por Keynes como “armadilha de liquidez”, no qual a demanda por moeda é elástica em relação à taxa de juros. Neste caso, se a autoridade monetária decidir reduzir a taxa abaixo desse ponto, ela não auferirá resultados em suas políticas. r D e = f(r) r’ De Gráfico 2 – Demanda especulativa em função da taxa de juros. Fonte: Marinho (2007, p. 81). A respeito das expectativas com relação às variações dos preços dos títulos e das taxas de juros, Lopes e Rossetti (1996) explicam o fato de Keynes ter assumido a hipótese de que os agentes econômicos deveriam ter em mente algo semelhante a uma taxa média ponderada de juro resultante de experiências passadas. Assim, se a taxa de juros esperada for maior do que a taxa de juros corrente, o retorno do título será negativo, portanto, o agente prefere reter moeda. Do contrário, ou seja, se a taxa de juros esperada for menor do que a taxa de juros de mercado, o retorno será positivo e o agente optará por títulos. Há ainda a possibilidade de a taxa de juros esperada ser igual à taxa de juros de mercado, então, neste caso, o agente é indiferente entre uma opção ou outra. A partir desses três motivos, Keynes formulou a sua função de demanda por moeda, que é dada por: L = Lt (Y) + Ls (i) (4) Em que L é a demanda total de moeda, Lt é a demanda para fins transacionais e precaucionais que está em função da renda (Y), enquanto, Ls é a demanda para especulação, que está em função da taxa de juros (i) (LOPES; ROSSETTI, 1996). De acordo com Carvalho et al. (2015), posteriormente à ideia inicialmente apresentada, Keynes introduziu o motivo financeiro após uma crítica de Bertil Ohlin à Teoria Geral. Este motivo consiste em demandar moeda antecipadamente destinada a alguma despesa planejada, sendo que é um gasto mais volumoso e menos rotineiro, ou seja, são investimentos em bens de capital. Este motivo é similar à demanda transacional em termos de planejamento dos gastos, porém com uma natureza não rotineira de despesas. Segundo os autores, Keynes afirmou que a demanda financeira se encontra entre os saldos ativos da demanda transacional e os saldos inativos da demanda precaucional e especulativa. Além disso, ao contrário da demanda transacional que é proporcional ao aumento da renda, a demanda por moeda para o motivo financeiro cresce quando aumentam os gastos com bens de capital. Os autores ainda salientam que a introdução desse motivo não altera a proposição fundamental da teoria de Keynes de que a taxa de juros é um fenômeno monetário, determinado pela interação entre a demanda e oferta de moeda. 3.4 A versão monetarista da Teoria Quantitativa da Moeda A versão monetarista da Teoria Quantitativa da Moeda refere-se a uma retomada do modelo clássico em uma forma mais sofisticada. O principal expoente dos monetaristas foi o economista americano Milton Friedman (1912–2006) cuja afirmação acerca da TQM, é que esta deve ser vista como uma teoria da demanda por moeda, cuja demanda está relacionada a um conjunto limitado de variáveis de forma previsível e estável (CARVALHO et al., 2015). Ainda segundo os autores, o modelo de Friedman tomou como base teórica a versão quantitativa de Cambridge (M = kPy) e a remodelou considerando k como uma função estável de um número limitado de variáveis econômicas, no qual se permite postular o comportamento da velocidade-renda da moeda previsível, mas não constante. Assim sendo, uma vez que a demanda por moeda é estável para certo número de variáveis, uma alteração na oferta de moeda ocasionará um impacto significativo, porém previsto sobre o comportamento dos agentes. Além disso, o estoque de moeda é visto como estando sob o controle das autoridades monetárias sendo que a oferta é determinada exclusivamente por estas. Assim, para os monetaristas, a demanda por moeda mudará quando a oferta de moeda for alterada pelas autoridades. Do mesmo modo, para os monetaristas, o efeito de substituição entre moeda e outros ativos é tido por eles como pequeno, ou seja, a elasticidade da demanda por moeda à taxa de juros é baixa (contrariando a teoria de Keynes sobre a demanda por moeda especulativa), pois é o nível de renda que deve se alterar para colocar a demanda por moeda no nível de uma oferta ainda maior. Ademais, os monetaristas tratam a moeda como um ativo que rende um fluxo particular de serviços para o seu possuidor e depende de valores permanentes de riqueza, renda e taxa de juros. Para a teoria monetarista, a demanda por moeda depende do volume de transações, das frações de renda e da riqueza que o público deseja manter sob a forma de saldos monetários e dos custos de oportunidade de reter moeda em vez de outros ativos que produzem juros (CARVALHO et al., 2015). 3.4.1 O modelo de Demanda por Moeda de Friedman Conforme Carvalho et al. (2015), Milton Friedman entende a moeda como uma forma de riqueza a ser retida da mesma maneira que outras formas de riqueza. Entretanto, a proporção que o indivíduo desejará manter sob a forma monetária dependerá do valor do próprio estoque de capital a ser retido, assim como dos atributos da moeda diante dos atrativos das formas alternativas de riqueza. Os elementos determinantes da função de demanda por moeda na abordagem de Friedman são dados pela riqueza total, que inclui riqueza humana e riqueza não humana; o custo de oportunidade de retenção de ativos monetários; e outros fatores econômicos e não econômicos de natureza institucionais ou conjunturais, que interferem nas preferências dos agentes (LOPES; ROSSETTI, 1996). Tais elementos serão apresentados na sequência. A riqueza (W) para Friedman (1987) é um dos determinantes da demanda por moeda e de ativos não monetários. O economista considera que a riqueza total é o conjunto de todas as formas de riqueza, composta pela riqueza humana (capacidade produtiva dos seres humanos), e riqueza não humana (bens materiais). Então, conforme Lopes e Rossetti (1996), a riqueza total é o valor máximo de todas as riquezas materiais, somada do valor presente da renda futura proveniente da capacidade produtiva dos seres humanos. Entretanto, os valores para W são difíceis de obter devido à dificuldade de se avaliar os estoques de gerações diferentes. Para tanto, de acordo com Carvalho et al. (2015), ele utiliza a expressão: Y = r.W (5) Em que r é a taxa de juros e indica que a renda (Y) da sociedade é o retorno que se obtém da riqueza acumulada (W). Friedman substituiu W por Y/r, por serem mais facilmente observáveis, logo: W = Y/r. Entretanto, Friedman (1987) chama a atenção para o fato de que Y não é a renda que se observa a cada período (como o valor do PIB, por exemplo), mas é a renda permanente, ou seja, um conceito que mede a capacidade de usufruto da riqueza existente, desprezando-se, assim, as flutuações conjunturais. Portanto, a demanda por moeda deve ser orientada por fatores de longo prazo, sendo pouco afetada por fatores transitórios. A riqueza humana é o ativo mais importante de muitos agentes econômicos, pois é a sua própria capacidade de ganho pessoal. No entanto, na visão de Friedman (1987), a conversão da riqueza humana para a não humana não ocorre da mesma maneira que o observado para mercadorias físicas, o que faz com que a primeira seja menos líquida do que a segunda. Assim, quanto maior for o estoque de capital humano no portfólio de um indivíduo, mais moeda ele deverá demandar, de modo a compensar a sua iliquidez, e vice-versa. Desse modo, Carvalho et al. (2015) consideram que w = Rh/Rnh, em que Rh é a riqueza humana e Rnh a riqueza não humana, logo, à medida que a proporção w aumenta, maior é a demanda por moeda por parte das famílias. O custo de oportunidade de retenção de moeda, conforme Carvalho et al. (2015), é medido em relação às taxas de retorno dos ativos financeiros de renda variável e fixa. Pressupõe-se que ao manter saldos monetários, os agentes perdem um rendimento que poderiam obter com outro ativo que gere algum retorno. Portanto, o custo de oportunidade de se manter moeda no portfólio cresce quando a taxa de retorno dos ativos não monetários se eleva, já que o montante de rendimentos perdidos aumenta. Por isso, quando o retorno dos outros ativos sobe, a demanda por moeda tende a cair. Além disso, de acordo com Lopes e Rossetti (1996), se a taxa esperada de inflação for positiva, há uma expectativa de que o nível geral de preços irá aumentar, a retenção de moeda representará também como um custo, pois haverá uma perda no poder de compra dos agentes. Ainda há outros fatores econômicos e não econômicos, como descrito por Lopes e Rossetti (1996), que influenciam no comportamento da função de demanda por moeda, como por exemplo, estrutura de distribuição de renda; regimes de mercado; grau de incerteza quanto ao futuro; expectativas quanto à instabilidade econômica e social; grau de instabilidade político institucional; estrutura de valores sociais e éticos predominantes; entre outros. Esses fatores, que embora sejam de difícil quantificação e precisão quanto aos efeitos causados sobre a demanda por moeda, provocam instabilidade acerca do valor dado pelos agentes aos atributos vinculados à liquidez. Com base nos elementos caracterizados, a função de demanda pelas famílias pode ser apresentada da seguinte maneira: Lf = f (W,Ω, r, i, P*, µ) . P (6) Em que: Lf = demanda de moeda pelas famílias; P = nível de preços; W = riqueza total; Ω = proporção de riqueza humana sobre a não humana; r = taxa de retorno dos ativos de renda variável; i = taxa de juros dos ativos de renda fixa; P* = taxa esperada de variação dos preços dos bens (taxa de inflação); µ = outros fatores econômicos e não econômicos. Até aqui a explanação da demanda por moeda foi vista sob a ótica das famílias. Porém, é válido salientar que Friedman também considerou uma função de demanda para as empresas, a qual possui algumas diferenças e semelhanças com relação a primeira. Nesse sentido, Lopes e Rossetti (1996) destacam que enquanto as famílias veem a moeda como uma disponibilidade líquida, para as empresas a moeda é tida como um recurso básico de produção. Também não há variável que se apresente como equivalente a respeito da riqueza total das famílias e das firmas, assim como, não existe variável que indique a proporção entre a riqueza humana e material. Embora Friedman tenha destacado essas diferenças, elas não são significativas ao ponto de alterarem a função de demanda por moeda. Já a respeito das semelhanças, os autores destacam que a moeda serve como um reservatório temporal de poder de compra tanto para as famílias quanto para as firmas e ambos reagem às variações de preços e às variações nas taxas de retorno dos ativos financeiros de forma semelhante, embora este último exerça maior influência no caso das empresas, além dos fatores institucionais exercerem similar influência. Assim sendo, conforme Lopes e Rossetti (1996), dadas as diferenças e semelhanças, as duas funções, (6) e (7), resultam muito próximas uma da outra. As principais diferenças residem na ausência da variável que indica a proporção entre a riqueza humana e não humana, bem como no conceito de riqueza em que se admite a renda nacional a nível agregado, sendo representado pela variável Y, pois é o indicador que mais se aproxima do conceito de riqueza das famílias. Portanto, a função de demanda por moeda pelas empresas indicado por Le é expressa por: Le = f (Y, r, i, P*, µ) . P (7) Assim, a demanda agregada por moeda para toda a economia é resultado da soma das funções de demanda (6) e (7). Então, a demanda agregada, expressa por L, é definida como: L = Lf + Le (8) Conseguintemente, Lopes e Rossetti (1996) narram que a função de demanda por moeda de Friedman pode ser simplificada apenas a uma variável. Nesse sentido, considerando que o conceito de riqueza (W) se aproxima do de renda permanente (Y), a substituição da primeira pela segunda na função não acarretará em alterações significativas. Além disso, dado que os valores da proporção entre riqueza humana e material (Ω) só aparece na função das famílias, adicionando-se o fato de que os outros fatores econômicos e não econômicos (µ) são de difícil quantificação, tais varáveis podem ser removidas da função. As taxas de juros (i) e de retorno (r) podem ser representadas por uma única variável (i), que indique a taxa real de retorno de todo o conjunto de ativos. Ademais, sob a hipótese da inexistência de períodos inflacionários, a variável P* se torna desnecessária. Por fim, estudos empíricos realizados por Milton Friedman e Anna Schwartz, para a economia estadunidense, revelaram que a elasticidade da demanda por moeda em relação à taxa de juros é muito próxima de zero. Portanto, sob essas condições, a função (7) limita-se a uma variável, o nível de renda. Logo: L = f (Y) (9) De acordo com Carvalho et al. (2015), a função (6) é a equação M = kPy em sua forma expandida. Assim, uma mudança na oferta de moeda pode resultar em uma alteração do equilíbrio preexistente e em mudanças compensatórias nas outras variáveis. Mas na prática, o impacto inicial normalmente ocorre sobre a riqueza total (Y) e sobre as taxas esperadas de retorno dos ativos, porém o impacto final se dará sobre o nível de preços (P) tal como estabelecido na TQM clássica. 4 Considerações finais As teorias de demanda por moeda apresentadas no presente trabalho foram elaboradas a partir de diferentes perspectivas. A teoria defendida pelos clássicos argumenta que um aumento na quantidade do estoque moeda gera uma elevação nos preços dos bens e serviços na mesma proporção, pois com mais moeda em circulação, maior é a demanda por produtos que, na maioria das vezes, não estarão disponíveis para venda, ocasionando assim uma maior disputa por estes que terão, por conseqüência, seus preços elevados. A teoria keynesiana diferenciou-se da discussão anterior pelo fato de Keynes levar em consideração a influência das taxas de juros na decisão dos agentes. Dessa maneira, existe uma relação inversa entre a taxa de juros e a demanda por moeda, pois quando a taxa de juros está alta, os agentes optam pela compra de ativos mais iliquidos afim de auferir maior rendimento, caso contrário, eles mantêm a moeda que possuem em mãos, ou seja, especulam até que a taxa de juros volte a subir. Contrariamente, a teoria monetarista afirma que o efeito de substituição entre moeda e outros ativos é pequeno, ou seja, a elasticidade da demanda por moeda à taxa de juros é baixa, pois é o nível de renda que deve se alterar para colocar a demanda por moeda no nível de uma oferta ainda maior. Além disso, a demanda por moeda é estável para certo número de variáveis e uma alteração na oferta de moeda ocasiona um impacto significativo, porém previsto sobre o comportamento dos agentes. As teorias de demanda por moeda apresentadas mostram a percepção dos seus autores com relação à realidade econômica que cada um deles presenciou em suas respectivas épocas. Apesar de algumas delas não responderem aos problemas de outros períodos e, muitas vezes, às discussões propostas no período atual, estas teorias ainda são pertinentes no sentido de entender a evolução da demanda por moeda e agregar-se a estas ideias, outros fatores que poderiam afetar a demanda por ativos monetários na atualidade. Referências ALMEIDA, José Roberto Novaes de. Economia monetária: uma abordagem brasileira. São Paulo: Atlas, 2009. BLANCHARD, Oliver. Macroeconomia. Tradução de Cláudia Martins e Mônica Rosemberg. Revisão técnica de Eliezer Martins Diniz. 4. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007. CARVALHO, Fernando José Cardim de, et al.Economia monetária e financeira: teoria e política. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. COSTA, Fernando Nogueira da. Economia monetária: uma abordagem pluralista. 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