A função social do dinheiro O dinheiro é parte importante de nossas preocupações e afazeres cotidianos. No dia-a-dia de cada um, porém, o vil metal é apenas mais um dado de realidade; sua natureza última e funções sociais não despertam nenhum interesse. As pessoas contentam-se em conseguir o din-din para pagar suas contas e está muito bom assim. O estudo da moeda em si, assunto mortalmente entendiante para quase todo mundo, é deixado para os especialistas. E é aí onde mora o perigo. Se os especialistas adotam teorias errôneas sobre o dinheiro, que servem posteriormente de esteio intelectual para a ação maliciosa do Estado nesse campo, todos nós somos gravemente afetados e lesados. Talvez não seja de todo inútil, pois, esboçar aqui – muito imperfeitamente - os rudimentos teóricos sobre a natureza e função da moeda, de maneira que os interessados possam municiar-se de conhecimento sobre um aspecto crucial de suas vidas e, com base nele, tentar defender sua propriedade do larápio-mor que, como sempre, é o governo. Troca direta e troca indireta Em toda sociedade cedo se percebe a vantagem da divisão e especialização do trabalho, pois o esforço especializado rende muito mais do quer sua dispersão em múltiplas tarefas concomitantes. Daí decorrem naturalmente as trocas entre produtores de mercadorias específicas. Desse intercâmbio surgem razões de troca entre os diversos produtos, preços de bens em termos de outros bens, conforme as valorações de compradores e vendedores. É a troca direta, ou escambo, que tem a desvantagem óbvia de exigir dupla coincidência de fins entre comprador e vendedor. Aquele que deseja vender bananas para adquirir sapatos, por exemplo, precisa achar alguém que possua sapatos e queira trocá-los por bananas. Com o passar do tempo e com a intensificação dos intercâmbios, aparecem espontaneamente certas mercadorias dotadas de grande aceitação geral, que terminam por adquirir a qualidade de meio comum de troca, ou seja, de moeda. Nasce assim a troca indireta, na qual o aludido produtor de bananas troca sua mercadoria por dinheiro e depois dinheiro por sapatos, o que facilita enormemente o comércio. A história registra os mais variados tipos de mercadoria-moeda, tais como gado – em latim, pecus, donde pecuniário –, sal – daí salário –, conchas, pedras, anzóis, tabaco etc. No curso do tempo o uso monetário do ouro e da prata prevaleceu, dada a raridade, divisibilidade, homogeneidade, durabilidade e facilidade de transporte e estocagem desses metais. Essa passagem da troca direta para a indireta, que ocorreu de forma independente em quase todas as civilizações conhecidas, representa um formidável progresso social por incrementar o comércio e a acumulação de capital, que por sua vez elevam o padrão de vida geral. Por outro lado, o caminho inverso, da troca indireta para a direta, significa um retrocesso gravíssimo. O Império Romano é um bom exemplo. Da florescente economia monetária do século II D.C. involuiu para a troca direta na medida em que o governo depreciou o dinheiro para financiar os déficits decorrentes do custo colossal de seu crescente aparato burocrático. Vastos e improdutivos gastos públicos, déficit orçamentário ascendente, tributação extorsiva, inflação e controle de preços. O resultado dessa combinação algo familiar foi a destruição da economia mercantil e monetária antiga. A invasão dos bárbaros e a economia feudal autárquica e estagnada foi um conseqüência natural dessa regressão econômica. A natureza do dinheiro 1 Dessa breve introdução pode-se deduzir que o dinheiro é toda mercadoria que adquire a propriedade de meio comum de troca, passando a intermediar os atos de compra e venda. Vale assinalar que esse atributo específico se desprende totalmente da utilidade original da mercadoria-moeda e se torna autônomo. O ouro, por exemplo, quando usado como meio de troca, além de sua qualidade original de insumo utilizado para diversas finalidades industriais – e a própria mística de metal precioso – adquire a qualidade autônoma e específica de moeda. Para visualizar melhor esse fenômeno basta comparar o ouro-moeda com o nosso atual papel-moeda. Este último praticamente não tem valor não-monetário algum, são só tiras de papel pintado. Como dinheiro, contudo, tem a mesma natureza e função que o ouro-moeda. Outra inferência fundamental é que a moeda é uma criação do mercado, ou, o que é a mesma coisa, da livre interação contratual, voluntária e mutuamente benéfica entre os indivíduos. O que equivale a dizer que o dinheiro não é uma invenção maligna de uma classe dominante exploradora ou que decorre de um contrato social político mediado pelo Estado. O controle estatal da moeda, todavia, pode resultar, e invariavelmente tem resultado, em efetiva exploração. Mas isso veremos mais à frente. O cálculo econômico A própria existência de moeda, o meio comum de troca, ao permitir que todos os preços sejam expressados em uma única unidade de conta, torna possível o cálculo econômico complexo indispensável ao funcionamento racional de uma economia desenvolvida. Numa comunidade primitiva é possível um cálculo não-monetário rudimentar e empírico por parte dos agentes econômicos. Uma economia complexa, porém, não pode subsistir sem preços em moeda. O trabalho, o capital, a terra, os bens e serviços são heterogêneos. Os diversos tipos de trabalho não são redutíveis a uma unidade de trabalho – como o fracasso da teoria do valor-trabalho o demonstra –, assim como é impossível somar siderúrgicas e ferrovias, ou ferro e petróleo. Os seus respectivos preços monetários, porém, podem legitimamente ser comparados, somados, multiplicados etc. Desse modo o cálculo aritmético ex-ante e ex-post de lucros e perdas, fundamental para uma economia desenvolvida, pode ser efetuado com eficácia. Não existiria desenvolvimento econômico sem moeda, preços monetários e a moderna contabilidade, conforme acentua Ludwig von Mises. Incidentalmente, vale recordar que sem propriedade privada não existem preços, nem cálculo econômico, nem progresso econômico. Fonte GARCIA, Alceu. A função social do dinheiro. Disponível em: <http://www.olavodecarvalho.org/convidados/0148.htm>. Acesso em: 04 jan. 2006. 2