Artigo Original/Original Article/Artículo Original DEFORMIDADES PÓS-LAMINECTOMIA POST-LAMINECTOMY DEFORMITIES DEFORMIDADES POST-LAMINECTOMÍA Fabiano Stumpf Lutz1, Luis Eduardo Munhoz da Rocha1 RESUMO Objetivos: Apresentar as deformidades e avaliar os resultados de seu tratamento. Métodos: Estudo retrospectivo de pacientes portadores de deformidade após cirurgia de acesso ao canal vertebral. Incluíram-se quinze pacientes que satisfaziam os critérios de inclusão. Foram excluídos os pacientes que não apresentavam dados completos no prontuário. Resultados: Quatorze pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico e um paciente ao tratamento conservador com colete do tipo OTLS. A correção angular média da cifose foi de 87° no pré-operatório para 38° após a cirurgia, enquanto a correção da escoliose associada foi de 69° no pré-operatório para 23° no pós-operatório. Conclusões: A prevenção da deformidade deve ser enfatizada evitando-se a laminectomia isolada, enquanto a laminoplastia deve ser o procedimento de escolha para acesso ao canal nas cirurgias em que não há necessidade de ressecção dos elementos posteriores. Descritores: Cifose; Laminectomia; Paraplegia; Criança; Anormalidades congênitas; Artrodese. ABSTRACT Objective: To present the deformities and evaluate the results of their treatment. Methods: Retrospective study of patients with deformity following surgical access to the spinal canal. Fifteen patients who met the inclusion criteria were included. Patients without complete data in medical records were excluded. Results: Fourteen patients underwent surgical treatment and one patient received conservative treatment with vest type TLSO. The average angle of kyphosis correction was 87° preoperatively to 38° postoperatively, while the associated scoliosis correction was 69° preoperatively to 23° postoperatively. Conclusions: The prevention of deformity should be emphasized to avoid laminectomy alone, while laminoplasty should be the procedure of choice for canal access in surgeries where there is no need for resection of the posterior elements. Keywords: Kyphosis; Laminectomy; Paraplegia; Child, Congenital abnormalities; Arthrodesis. RESUMEN Objetivo: Presentar las deformidades y evaluar los resultados de su tratamiento. Métodos: Estudio retrospectivo de los pacientes con deformidad después del acceso quirúrgico al canal espinal. Quince pacientes que cumplían los criterios de inclusión fueron incluidos. Se excluyeron los pacientes que no tenían dados completos en la historia clínica. Resultados: Catorce pacientes fueron sometidos a tratamiento quirúrgico y un paciente recibió tratamiento conservador con ortesis OTLS. La corrección de la cifosis angular promedio fue de 87° antes de la operación a 38o después de la cirugía, mientras que la escoliosis asociada fue de 69° antes de la operación a 23° después de la operación. Conclusiones: La prevención de la deformidad debe ser destacada para evitar laminectomía solo, mientras que laminoplastia debe ser el procedimiento de elección para el acceso al canal durante la cirugía donde no hay necesidad de resección de los elementos posteriores. Descriptores: Cifosis; Laminectomía; Paraplejía; Niño; Anomalías congénitas; Artrodesis. INTRODUÇÃO Deformidades da coluna vertebral após procedimentos cirúrgicos para acesso ao canal medular, tais como laminectomia ou laminoplastia ocorrem em crianças que se submetem a esta cirurgia. Tachdjian e Matson1 relataram o surgimento de deformidade na coluna vertebral em 26% dos recém-nascidos e crianças que foram submetidas à laminectomia. Outros autores relataram uma incidência de 90-100%.2 As laminectomias, na maioria das vezes, são realizadas para o tratamento de tumores da medula espinhal, neurofibromatose e siringomielia, dentre outras patologias intracanais. Segundo Lonstein,3 postula-se que após a laminectomia, a pressão é aumentada nas placas cartilaginosas terminais dos corpos vertebrais anteriormente, e com o tempo, o crescimento da cartilagem é diminuída e ocorre acunhamento vertebral, levando principalmente a cifose, porém com potencial de evolução para outras deformidades da coluna. Se uma deformidade pós-laminectomia se desenvolve, pode evoluir para uma deformidade grave e incapacitante, ameaçando à função da medula espinhal. A relação entre déficit neurológico e deformidades da coluna vertebral é complexa. Se um déficit surgir ou deteriora-se, pode ser resultado de compressão da medula espinhal ao nível da deformidade ou da recorrência de um tumor.4 O tratamento da deformidade pós-laminectomia é essencialmente cirúrgico, desde que se tenham valores acima da normalidade e a mesma se mostre progressiva. O tipo de tratamento cirúrgico empregado está intimamente relacionado às características biomecânicas e morfopatológicas da deformidade, e também presença de compressão das estruturas nervosas. 1. Hospital Pequeno Príncipe e do Hospital de Clínicas do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba, PR, Brasil. Correspondência: Av. Governador Irineu Bornhausen 3440/902. Agronômica. Florianópolis, SC, Brasil. 88025-200. [email protected] http://dx.doi.org/10.1590/S1808-18512014130400362 Coluna/Columna. 2014;13(4):279-81 Recebido em 31/03/2013, aceito em 14/08/2013. 280 O objetivo deste trabalho é apresentar a nossa estratégia e os resultados do tratamento cirúrgico e conservador das deformidades após cirurgia de acesso ao canal vertebral em crianças. MATERIAIS E MÉTODOS Estudo retrospectivo baseado na revisão dos prontuários de pacientes tratados pelo Serviço de Ortopedia do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, Paraná, Brasil, por deformidade após cirurgia de acesso ao canal vertebral, entre 2000 e 2012. O trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa do referido hospital. Nesse período foram encontrados quinze pacientes tratados. Utilizou-se como critério de inclusão o período acima descrito e o diagnóstico de deformidade pós-cirurgia de acesso ao canal vertebral. Foi utilizado como critério de exclusão o prontuário com dados incompletos. Foram incluídos todos os quinze pacientes. Desses, quatorze pacientes foram tratados cirurgicamente e um tratado conservadoramente com o uso de colete do tipo OTLS. Dez pacientes foram submetidos à laminectomia e quatro outros pacientes à laminoplastia. (Tabela 1) Treze pacientes sofreram cirurgia de acesso ao canal em virtude de tumores malignos. Em relação doença de base, cinco pacientes possuíam diagnóstico de neuroblastoma, quatro pacientes de astrocitoma, um teratoma, um PNET, uma correção de diastematomelia e três diagnósticos de glioma. A idade média da laminectomia/laminoplastia foi de três anos e um mês. Cinco pacientes apresentavam déficit neurológico antes do tratamento da deformidade adquirida, os quais variavam desde clonus até paraplegia. (Tabela 2) A média de idade no momento da cirurgia para correção da deformidade foi de onze anos e sete meses. Três pacientes foram tratados com duplo acesso, com fusão anterior e posterior combinadas. Onze pacientes foram submetidos apenas a cirurgia pela via posterior. Em nenhum caso foi utilizado Tabela 1. Diagnóstico. Diagnóstico Pacientes Neuroblastoma 5 Astrocitoma 4 Glioma 3 PNET 1 Teratoma 1 Diastematomelia 1 Total 15 Tabela 2. Deformidade e déficit neurológico. Paciente Deformidade Neurológico 1 Cifose Força M4 L3 direita 2 Lordoescoliose Não 3 Escoliose Não 4 Cifose Força M4 MmIi 5 Cifose Paraplegia 6 Cifoescoliose Parestesia em ambos MmIi 7 Cifoescoliose Não 8 Lordoescoliose Não 9 Cifose Não 10 Cifoescoliose Não 11 Cifoescoliose Não 12 Cifoescoliose Clônus MmIi 13 Cifose Não 14 Cifoescoliose Não 15 Cifose Não instrumentação anterior. A instrumentação posterior foi utilizada nos quatorze casos tratados cirurgicamente. O período de acompanhamento médio foi de três anos e oito meses (variação de oito meses a onze anos e três meses) após a correção cirúrgica. As magnitudes das curvas foram medidas utilizando-se o método de Cobb e os valores médios são dados com desvio padrão. As análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o teste t de Student. A significância estatística foi estabelecida ao nível de P<0,05. RESULTADOS Em geral, as deformidades da coluna vertebral foram detectadas dentro de quatro anos e três meses após laminectomia/laminoplastia. Dez pacientes foram submetidos à laminectomia, quatro foram submetidos à laminoplastia totalizando quatorze pacientes tratados cirurgicamente. Dos doze pacientes tratados cirurgicamente com cifose, a magnitude diminui de 87° (DP 23,4°) para 38° (DP 21,1°) (P=0,00) após a cirurgia. Nas deformidades em que havia escoliose associada, a média pré-operatória era de 69° (DP 19,4°), que diminui para 23° (DP 20,2°) (P=0,00). O paciente tratado conservadoramente ainda encontra-se em acompanhamento e sua escoliose atualmente encontra-se com 18° de T3-T10 e 26° de T10-L4, já em maturidade esquelética. Dos quatorze pacientes tratados cirurgicamente, cinco apresentavam déficit neurológico pré-correção da deformidade. Após a cirurgia para correção, dois obtiveram resolução completa dos sintomas neurológicos e os demais não resultaram em piora. O único paciente tratado conservadoramente não apresentou nenhuma alteração de seu status neurológico durante todo o acompanhamento. (Tabela 2) DISCUSSÃO A deformidade pós-laminectomia é a expressão clínica e radiográfica da perda da resistência dos elementos posteriores aos esforços de tração associada ou não, à falha na capacidade de suporte da porção anterior da coluna vertebral, resultando em uma deformidade progressiva, acompanhada algumas vezes de déficit neurológico pela compressão dos tecidos nervosos no interior do canal vertebral. Segundo Robert e Bortolussi4 à medida que a cifose progride, o eixo de suporte do peso do corpo desloca-se anteriormente, aumentando a tendência de progressão da cifose, e formando um círculo vicioso, que pode ser somente interrompido com a restauração do equilíbrio sagital da coluna vertebral. A compreensão do conceito do equilíbrio sagital da coluna vertebral e dos aspectos biomecânicos presentes nesse tipo de deformidade são fundamentais na elaboração do seu tratamento. O mesmo deve levar em conta fatores como sua magnitude, velocidade de progressão e alterações neurológicas. As deformidades pós laminectomia aparecem relativamente cedo (nesta série quatro anos e três meses após laminectomia), porém os pacientes devem ser acompanhados até o final da adolescência, pois deformidades podem surgir e/ou deteriorar-se rapidamente no período da puberdade. A imobilização pós-operatória não impede o surgimento da deformidade, porém pode retarda-la. Segundo Dubousset et al.2 todas as crianças devem ser tratadas com imobilização pós laminectomia. Laminoplastia também pode ser uma solução, caso não exista a necessidade de ressecção completa dos elementos posteriores (por exemplo em um tumor que não os acometa), porém uma condição necessária para o sucesso é a imobilização pós-operatória, como cita Papagelopoulus et al.5 Na grande maioria dos casos o doente necessita tratamento cirúrgico. Segundo Stagnara6 existem indicações para confecção de gesso de distração pré-operatório, e ele ajudaria a corrigir a deformidade, aumentar a capacidade pulmonar e permitir melhor correção Coluna/Columna. 2014;13(4):279-81 DEFORMIDADES PÓS-LAMINECTOMIA cirúrgica, porém nessa série não foi utilizado em nenhum paciente. Dos pacientes que possuem dano neurológico antes da correção, caso a instalação seja aguda há melhor chance de recuperação quando se realiza a descompressão do canal. Todavia, naqueles em que o déficit neurológico é crônico, as chances de melhora reduzem drasticamente.7 Na série, dos cinco pacientes com déficit neurológico pré-correção, dois obtiveram resolução completa da lesão e os outros três não tiveram piora do status neurológico. Embora existam muitos dados na literatura que tratem de deformidades iatrogênicas da coluna vertebral, a maioria deles se resume à coluna cervical. No estudo de Otsuka et al.,8 12 pacientes foram tratados cirurgicamente e a média de cifose foi corrigida de 84° para 35°, semelhante à nossa série O desenvolvimento de novos sistemas de fixação tem possibilitado uma abordagem mais precoce e mais efetiva da deformidade, com melhora do potencial de correção. Preferencialmente tem sido utilizada a abordagem por via única posterior, porém como existe uma variabilidade extensa de apresentações clínicas não há uma padronização para o tratamento.9 Sabe-se que a via anterior aumenta o índice de consolidação além de diminuir a perda da correção, porém o percentual de compli- 281 cações diminui quando opta-se pela não realização da toracotomia. Depois de realizado laminectomia/laminoplastia as crianças devem ser cuidadosamente observadas, pois a probabilidade de desenvolver deformidades da coluna é alta. O tratamento ortopédico é indicado assim que a deformidade surge. O objetivo do tratamento não cirúrgico é retardar a progressão da deformidade e assim, adiar a artrodese até um desenvolvimento da coluna e pulmonar aceitável. Tanto a via posterior quanto a via combinada surgem como opção viável para o tratamento e sua escolha dependerá da “personalidade” da deformidade. CONCLUSÃO A prevenção da deformidade é de fundamental importância. Laminectomia isolada sempre que possível deve ser evitada, enquanto a laminoplastia deve ser o procedimento de escolha para explorar o canal medular. Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo. REFERÊNCIAS 1. Tachdjian MO, Matson DD. Orthopaedic aspects of intraspinal tumors in infants and children. J Bone Joint Surg Am. 1965;47:223-48. 2. Dubousset J, Guillaumat M, Mechin JF. Retentissement rachidien des laminectomies chez l’enfant. In: Rougerie J, editor. Compressions médullaires non traumatiques de l’enfant. Paris: Masson; 1973. p. 185–93. 3. Lonstein JE. Post-laminectomy kyphosis. Clin Orthop Relat Res. 1977;(128):93-100. 4. Robert H, Bortolussi C. In vitro evolution of the pressure and the geometry of the lumbar disc as a function of the stability of the spine. J Biophys Med Nucl. 1984;8:243–9. 5. Papagelopoulos PJ, Peterson HA, Ebersold MJ, Emmanuel PR, Choudhury SN, Quast LM. Spinal column deformity and instability after lumbar or thoracolumbar lamiColuna/Columna. 2014;13(4):279-81 6. 7. 8. 9. nectomy for intraspinal tumors in children and young adults. Spine (Phila Pa 1976). 1997;22(4):442-51. Stagnara P. Les déformations du rachis. In: Scolioses, cyphoses, lordoses. Paris: Masson; 1985. p. 199–252. Raimondi AJ, Gutierrez FA, Di Rocco C. Laminotomy and total reconstruction of the posterior spinal arch for spinal canal surgery in childhood. J Neurosurg. 1976;45(5):555-60. Otsuka NY, Hey L, Hall JE. Postlaminectomy and postirradiation kyphosis in children and adolescents. Clin Orthop Relat Res. 1998;(354):189-94. Herman JM, Sonntag VK. Cervical corpectomy and plate fixation for postlaminectomy kyphosis. J Neurosurg. 1994;80(6):963-70.