EM BUSCA DOS CLÁSSICOS DA REVISTA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - RAP Paulo Emílio Matos Martins* Que é um Clássico? Não é simples a tarefa de definição do que é uma obra clássica em qualquer forma de expressão da criatividade humana. O dicionário do Aurélio assim conceitua esse verbete: Clássico: [Do lat. classicu]. Adj. 1. Relativo à arte, à literatura ou à cultura dos antigos gregos e romanos. 2. Que segue, em matéria de artes, letras, cultura, o padrão desses povos. 3. Da mais alta qualidade; modelar, exemplar: ... 4. Cujo valor foi posto à prova do tempo; tradicional; antigo: ... 5. Que segue os cânones preestabelecidos; acorde com eles. 6. Sem excessos de ornamentação; simples, sóbrio: ... 7. Famoso por se repetir ao longo do tempo; tradicional: ... 8. Usado nas aulas ou classes: ... 9. Costumeiro, costumado, habitual: ... 10. Diz-se da obra ou autor que, pela originalidade, pureza de língua e forma perfeita, se tornou modelo digno de imitação: ... 11. Autorizado ou abonado pelos autores clássicos: ... 12. Bras. Desus. Diz-se do curso de nível médio em três anos, no qual predomina o ensino de línguas, de filosofia, etc... S. m. 13. Escritor da Antiguidade (grega ou latina). 14. Escritor, artista ou obra consagrada, de alta categoria. 15. Acontecimento famoso por sua repetição em épocas consecutivas: ... 16. Fut. Partida disputada entre dois times famosos. 17. Turfe. Grande prêmio ou páreo especial. 18. Bras. Desus. Curso clássico...1 Excluídas as definições que não se aplicam a obras literárias, ficamos com as idéias de números: 3, 4, 7, 10, 14 e 15, acima, que evocam os sentidos de: a) obra da mais alta qualidade; b) trabalho cujo valor foi posto à prova do tempo e que adquire o caráter de atemporal; c) obra original, modelo digno de imitação; d) trabalho consagrado, de alta categoria; e) repetida em épocas consecutivas. Ora, qualquer uma dessas idéias sugere o respeito que a obra adquiriu ao longo de sua vida e sua freqüente lembrança e citação. Foram precisamente estes os critérios adotados na investigação à procura dos clássicos da Revista de Administração Pública - RAP. Sobre a Metodologia da Pesquisa A busca dos Clássicos da RAP foi realizada entre seus artigos mais citados nos trabalhos publicados em periódicos acadêmicos brasileiros, com linha editorial centrada em Administração Pública e Teoria Administrativa – a mesma temática da revista em análise -, avaliados com os conceitos A ou B na Classificação de Periódicos Qualis–CAPES, Área: Administração / Turismo, edição de 2002. A opção pela não inclusão de revistas de circulação internacional editadas em outras línguas que não a vernácula, não se deve a qualquer forma de xenofobia ou preconceito mas, tão somente, à baixa probabilidade de ocorrência de citações nessas revistas de trabalhos escritos na língua que Bilac cantou como sendo a última flor do Lácio, / inculta e bela, / [...] a um tempo, esplendor e sepultura [...]2 À relação de publicações do universo acima definido, foram incluídas as: Revista de Administração Municipal – RAM, editada pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM, Rio de Janeiro; Política e Administração, publicada pela Fundação Escola de Serviço Público - FESP, também do Rio de Janeiro; e a recém-lançada Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão, editada conjuntamente pelo Instituto para o Desenvolvimento da Gestão Empresarial - INDEG de Portugal e a Fundação Getulio Vargas - FGV do Brasil, todas três ainda não classificadas pela Qualis–CAPES, mas reconhecidas como de excelência e com linha editorial semelhante a do periódico em análise. Por outro lado a decisão de inclusão desses três importante periódicos parece se justificar, ainda, considerando que a classificação da CAPES se encontra em fase de construção e, principalmente, como já referido, pela estreita afinidade temática que as mesmas mantém com a RAP. De fato, enquanto a primeira revista é reconhecida como sendo a mais importante publicação latino-americana sobre Administração Local, a segunda volta-se para temas da Administração Pública na esfera estadual de governo e a terceira, ainda no seu número inaugural quando da conclusão desta investigação, representa importante esforço de difusão de pesquisas e ensaios sobre Administração formulados nos países de cultura lusitana sendo, assim, a única publicação da amostra editada binacionalmente para os países que se expressam no sexto idioma mais falado no planeta. A seguir são apresentados, em ordem alfabética, os 13 periódicos integrantes da amostra assim constituída: • Cadernos de Administração. Editado anualmente pela Faculdade de Economia e Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo desde 1997 não tendo sido publicado nos anos de 1999 e 2002 (até a presente data), contribuindo para esta investigação com 4 números, 35 artigos e 6 citações à RAP. • Estudos Avançados em Administração. Editada pelo PPGA do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal da Paraíba desde 1993; recente publicação que, junto com sua similar baiana, representa o Nordeste brasileiro no universo pesquisado, editou 20 números até a presente data contendo cerca de 140 artigos com 5 citações à RAP nos exemplares pesquisados. Infelizmente, e apesar dos esforços encetados, não foi possível localizar 8 números deste periódico: (Nos 1 e 2; Vols 1; 2; 5 e 6), somando 84 textos o total de artigos analisados. • Organização e Sociedade. Publicada pela Universidade Federal da Bahia a partir de 1993, inicialmente com periodicidade semestral e, a partir de 1996 quadrimestral, a revista baiana contribuiu para esta investigação com 23 números e cerca de 160 artigos com 46 citações de textos da RAP. • Organizações Rurais e Agroindustriais. Periódico do Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras cuja divulgação iniciou-se em 1999. Esta jovem revista, que se anuncia de periodicidade anual, divulgou apenas 3 números, 17 artigos e 6 citações a trabalhos da RAP. • Política e Administração. Publicação da Fundação Escola de Serviço Público do Estado do Rio de Janeiro, em circulação desde abril/junho de 1985, este periódico divulgou até hoje 12 números, com periodicidade variável e descontinuada participando desta pesquisa com cerca de 90 textos e 10 citações a artigos da RAP. • Revista de Administração. Órgão de divulgação científica da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, decana das revistas brasileiras de Administração, este periódico iniciou sua edição em março de 1947. Com periodicidade irregular até 1977 e, a partir de então, trimestral. É destacável que essa revista, na luta pela sobrevivência - tão característica dos projetos culturais/educacionais pátrios - teve sua edição descontinuada por um período de dez anos (1967–1977), retornando sem interrupção a partir daí. Tendo publicado 133 números, a revista contribuiu para esta pesquisa com 971 artigos nos últimos 35 anos (tempo de existência da RAP), e 50 citações a trabalhos da Revista de Administração Pública. • Revista de Administração Contemporânea. Com seu aparecimento em 1997, a revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração – ANPAD, tem logrado manter sua periodicidade quadrimestral, já tendo publicado 19 números e 108 artigos onde são feitas 20 citações à RAP. • Revista de Administração de Empresas – RAE. Nos seus 41 anos de existência a RAE, editada pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, divulgou 157 números e 1 256 trabalhos contendo 93 citações a textos publicados pela RAP. Inicialmente com periodicidade quadrimestral (1961-62), este periódico passou para trimestral (1963-73), tornando-se bimestral (1974-77), retornando à periodicidade trimestral (1978-92); de novo, bimestral no período 1992-95 e, atualmente, mais uma vez sendo publicada trimestralmente desde janeiro de 1996. É interessante ressaltar que essa dinâmica na periodicidade - verificada em quase todos os periódicos científicos brasileiros - revela a constante luta que os editores têm que enfrentar para manter vivas suas publicações no quadro inconstante da economia do país e no eterno desafio para financiar projetos culturais/ educacionais em nossa sociedade. • Revista de Administração Mackenzie. Editada conjuntamente pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Editora Mackenzie, segunda mais nova revista de Administração da amostra analisada, iniciou sua publicação no ano 2000, com periodicidade anual, havendo divulgado até a data do fechamento desta investigação apenas dois números e 14 artigos, sem qualquer citação aos trabalhos divulgados pela RAP. • Revista de Administração Municipal - RAM. Com sua publicação iniciada em junho de 1954 é a segunda mais antiga revista de Administração da amostra desta pesquisa. Editada pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM. Em sua quase cinqüentenária história este periódico divulgou 234 números, com periodicidade variada: mensal (1954), bimestral (1955-77), trimestral (1979-95), semestral (1996-97), tendo interrompido sua publicação no ano de 1998, retornando com um único número no ano seguinte (1999) e, a partir de então, sendo divulgada bimestralmente. A contribuição da RAM para esta investigação totaliza 951 artigos publicados no mesmo período de existência da RAP (desde 1967) e 35 citações aos trabalhos divulgados por esta última. • Revista de Administração Pública – RAP. Inaugurada no primeiro semestre de 1967 a revista da Escola Brasileira de Administração Pública - EBAP, hoje Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas – EBAPE, da Fundação Getulio Vargas, tema desta pesquisa, começou sua divulgação semestralmente (1967-71), passando a trimestral (197295) e, finalmente bimestral (1996 em diante). Além do mérito de manter, sem interrupção, sua publicação e do crescente números de suas edições anuais, a RAP divulgou 144 números e cerca de 1 440 artigos contendo 608 citações aos seus próprios textos. Nos seus 35 anos de existência este periódico, publicou alguns dos mais importantes trabalhos acadêmicos sobre Administração Pública e Teoria das Organizações produzidos em nosso país, realizando, deste modo, o vaticínio do apresentador de seu número inaugural, presidente da FGV à época, Luiz Simões Lopes: Uma revista de administração pública de cunho verdadeiramente acadêmico, no melhor sentido da palavra, é conseqüência lógica do nível a que atingiram o ensino e o estudo sistemático da administração pública em nosso país. Pelo papel pioneiro que desempenha e continua a desempenhar, pelo que pode, ainda, realizar nesse campo e, sobretudo, por acreditar que os métodos e as técnicas administrativas podem constituir poderoso instrumento de mudança no processo de desenvolvimento nacional, a Fundação Getulio Vargas como que sente uma responsabilidade natural pelo lançamento desta revista.3 • Revista de Ciências da Administração. Também integrante do vigoroso grupo das jovens revistas brasileiras de Administração, essa publicação do Departamento de Ciências da Administração da Universidade Federal de Santa Catarina, iniciou sua circulação no segundo semestre de 1998 tendo mantido sua periodicidade semestral desde então e publicado 8 números com 66 artigos e 9 citações aos textos da RAP. • Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão. Mais recente publicação da série analisada, esta revista, editada conjuntamente pela Fundação Getulio Vargas do Brasil e o Instituto Para o Desenvolvimento da Gestão Empresarial de Portugal, havia apenas lançado seu primeiro número quando do encerramento desta pesquisa. Contendo 7 artigos internacionais esta publicação, de promissora vida, que iniciou sua circulação em abril/junho de 2002, com edição conjunta nas cidades do Rio de Janeiro e Lisboa, não apresentou qualquer referência aos trabalhos da RAP. O Quadro 1 - página seguinte - resume o universo bibliográfico desta pesquisa. Como já referido, considerando que a Revista de Administração Pública iniciou sua vida no primeiro semestre de 1967, só teria sentido analisar os periódicos publicados nos últimos trinta e cinco anos, o que nos levou à procura dos Clássicos da RAP em cerca de 4500 artigos, divulgados pelas treze revistas citadas daquela data até o encerramento desta investigação. Da análise do conjunto de textos assim definido foram encontrados 887 citações a trabalhos publicados pela RAP. Entre essas citações selecionamos os dez artigos que, pelo critério definido a seguir, merecem a classificação de clássicos da revista. Estes trabalhos atendem simultaneamente às seguintes regras: 1a) Têm mais de seis citações na literatura analisada sendo 70% destas feitas por terceiros que não o(s) seu(s) autor(es); admitindo-se assim, a auto-citação em, no máximo, 30% dos casos. Tal critério tem sentido se considerarmos que o conjunto da obra de um pesquisador apresenta elos que ligam entre si suas unidades componentes, fato este que sugere a fatalidade de qualquer autor sentir necessidade de citação de seus próprios trabalhos na seqüência de sua criação. Este argumento é corroborado pela Teoria Literária em importante corrente de críticos; 2a) As citações acima mencionadas se estendem por um período maior do que seis anos. Assim definido, buscou-se evitar que os artigos muito lembrados em um curto período fossem selecionados, com prejuízo para aqueles que, pela maior amplitude do tempo de lembrança e citação se destacam como autênticos clássicos. Por outro lado, a definição de um período relativamente curto de citação (seis anos) buscou a não exclusão do universo pesquisado de um número muito grande de artigos publicados mais recentemente (1996 em diante). Em reforço a essa última restrição, a velocidade das grandes transformações verificadas nos Estados nacionais e nas organizações contemporâneos e sua gestão, e a conseqüente caducidade em curto período dos estudos e teorias sobre estes fenômenos, do mesmo modo, recomenda que a amplitude mínima de citação dos artigos candidatos a clássico não contemple um período maior. O banco de dados constituído a partir desta investigação estará disponível ao público em geral, concomitantemente à publicação deste livro, na página da EBAPE na Internet, como estímulo para o desenvolvimento de outras pesquisas sobre a literatura periódica de Administração no Brasil. O projeto Clássicos da RAP consumiu cerca de 1 300 horas de trabalho na análise da série completa das 13 revistas integrantes da amostra.. Nesta tarefa combinaram esforços durante 8 meses 9 pesquisadores, sob a coordenação de um professor-doutor gerenciando um project team operando em rede no levantamento dos dados e na geração do banco de dados referido. A seguir resumimos, em linguagem matemática, o critério adotado para seleção dos Clássicos da RAP: S = { x | x é artigo publicado pela RAP} S1 ñ S; S2 ñ S; S3 ñ S C = S1 n S2 n S3 S1 = { x | ? x (ax ³ 6)} S2 = { x | ? x (bx ³ 0,3 ax )} S3 = { x | ? x (cx > 6)} Sendo: S = conjunto-universo (artigos publicados pela Revista de Administração Pública da FGV; ax = número de citações de x; bx = número de citações de x feitas pelo(s) próprio(s) autor(es) de x; cx = amplitude do intervalo das citações de x em anos; e C = conjunto dos artigos Clássicos da RAP. Uma Boa Pescaria Referência básica na investigação científica sobre o tema, diversos artigos divulgados pela RAP transformaram-se em textos obrigatórios no desenvolvimento de teses, dissertações e outros trabalhos acadêmicos, bem como na fundamentação teórica de projetos, relatórios e pareceres técnicos para os setores público e empresarial. O Quadro 2, anexo, relaciona, por ordem alfabética de seus autores, os dez artigos selecionados como Clássicos da RAP; as referências de suas citações e a distribuição temporal destas. A organização deste livro em quatro partes foi feita com base na temática desenvolvida nos textos selecionados, a saber: I – Teorias Administrativas: I.1 – A Nova Ignorância e o Futuro da Administração Pública na América Latina – Alberto Guerreiro Ramos. I.2 – Modelos de Homem e Teoria Administrativa - Alberto Guerreiro Ramos. II – Mudança / Reforma Administrativa II.1 – Reflexões Sobre Estratégia de Reforma Administrativa: A Experiência Federal Brasileira – Kleber Nascimento. II.2 – Modernização em Nova Perspectiva: Em Busca do Modelo da Possibilidade Alberto Guerreiro Ramos. II.3 – Reforma Administrativa Federal Brasileira: Passado e Presente – Beatriz M. de Souza Warlich. II.4 – Descentralização: Uma Alternativa de Mudança – Thereza Lobo. II.5 – A Gerência na Década de 90 – Bernardo Kliksberg. III – Participação Política III.1 – Accountability: Quando Poderemos Traduzi-la Para o Português? – Anna Maria Campos. IV – Administração Para o Desenvolvimento IV.1 - Administração Para o Desenvolvimento: A Disciplina em Busca da Relevância – Paulo Roberto Motta. IV.2 – Um Novo Modelo de Planejamento Para Uma Nova Estratégia de Desenvolvimento - Anna Maria Campos. Como referimos na abertura deste trabalho, uma das acepções aurelianas do verbete clássico, remete à idéia de uma obra cujo valor foi posto à prova do tempo. A pescaria empreendida nesta investigação parece confirmar esta característica dos textos selecionados. De fato, é patente a correspondência entre os grandes desafios administrativos que o cenário brasileiro cobra dos governos e da gestão das empresas e a temática que aqueles desenvolvem. Se não houvesse outro, este já seria um forte motivo para a republicação dessas preciosidades de nossa literatura periódica sobre Administração. O Quadro 2 a seguir revela os Clássicos da RAP, por ordem alfabética dos autores, e as referências de suas citações.