a relação entre estado e sociedade civil

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A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E
SOCIEDADE CIVIL
Porto Alegre
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
2
Comissão Organizadora da Cartilha:
Ana Lúcia Suárez Maciel
Jéferson Weber dos Santos
Capa: Miriam Buchert
Revisão: Claudia Coutinho
Membros do GT3S:
Associação Cristã de Moços - ACM
Associação Riograndense de Fundações (Vice-Coordenação do GT)
Canta Brasil
Conferência dos Religiosos do Brasil
Conselho de Cidadania da Federação das Indústrias do RS
Conselho Regional de Contabilidade
Fundação de Assistência Social e Cidadania
Fundação Gerações
Fundação Irmão José Otão (Coordenação do GT)
Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho
Fundação Projeto Pescar
FUNCRIANÇA
Instituto Gerdau
Instituto Pobres Servos da Divina Providência - Calábria
Instituto VONPAR
PUCRS/Coordenadoria de Desenvolvimento Social
Secretariado de Ação Social da Arquidiocese de Porto Alegre - Cáritas
Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos
Secretaria do Trabalho e do Desenvolvimento Social – Área de Responsabilidade
Social
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
3
SUMÁRIO
Apresentação …………………………………………………………………..…….. 04
O paralelismo da Rede Parceria Social do Rio Grande do Sul com a Política
Nacional de Assistência Social
Erika Scheeren Soares .................................................................................... 06
A construção da parceria com a Rede Socioassistencial em Porto Alegre: a
experiência do GT Vínculo SUAS
Marta Borba Silva ............................................................................................... 31
O acesso aos recursos públicos através dos incentivos fiscais
Maurício Vian .................................................................................................. 38
O exercício do controle social da Política de Assistência Social pela
sociedade civil: desafios e perspectivas
Loiva Mara de Oliveira Machado .....................................................................51
Conselho Municipal de Assistência Social de Santa Cruz do Sul: uma
construção democrática
Miriam Teresa Etges .........................................................................................64
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
4
APRESENTAÇÃO
É com satisfação que apresentamos a terceira edição da Cartilha de
Sustentabilidade
das
Organizações
do
Terceiro
Setor,
decorrente
da
sistematização das apresentações feitas durante a realização do IX Seminário
Estadual do Terceiro Setor no Rio Grande do Sul, bem como das contribuições de
especialistas no tema eleito para compor a presente edição.
O referido Seminário aconteceu em Porto Alegre, no mês de setembro de
2011, e foi organizado pelo Grupo de Trabalho para o Terceiro Setor (GT3S) que,
atualmente, é composto por 19 organizações que representam o Estado e a
sociedade civil gaúcha. O GT3S é um grupo autônomo que se reúne há mais de
10 anos com a missão de fortalecimento do Terceiro Setor e de sua
sustentabilidade.
Uma das iniciativas estratégicas do grupo é contribuir com a formação no
âmbito do Terceiro Setor que se materializa, dentre as ações constantes no seu
planejamento estratégico, com a realização de seminários com periodicidade
anual. Pelo terceiro ano consecutivo, produzimos a presente Cartilha, que traduz o
esforço em registrar o evento, bem como propiciar a disseminação do
conhecimento, que é compartilhado com o público que participa do evento,
ampliando as possibilidades desse conhecimento ser replicado no território
estadual.
É importante esclarecer ao leitor que o trabalho dos membros do GT3S,
bem como dos palestrantes e dos autores dos artigos desta Cartilha decorre do
empreendimento voluntário, razão pela qual gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento pela identificação dos mesmos com a missão do grupo, bem como
com o desenvolvimento e a qualificação das organizações que compõem o
Terceiro Setor no nosso Estado.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
5
A temática desta Cartilha mantém a lógica das duas anteriores, ou seja, tem
como escopo principal à questão da Sustentabilidade, que foi abordada nas
Cartilhas anteriores sob os seguintes enfoques: captação de recursos e gestão de
pessoas. A presente Cartilha aborda o polêmico tema da relação entre Estado e a
sociedade civil, em um contexto onde emergem novas e complexas relações entre
ambos, demandando uma reflexão acerca das mesmas.
Nesse sentido, nesta Cartilha, o leitor poderá empreender essa reflexão, a
partir de cinco artigos que abordam os seguintes temas: Rede Parceria Social, de
autoria de Erika Scheeren Soares; A experiência do GT Vínculo SUAS de Porto
Alegre, de autoria de Marta Borba Silva; Incentivos Fiscais, de autoria de Maurício
Vian; O exercício do controle social pela sociedade civil, de autoria de Loiva Mara
de Oliveira Machado; e o relato da experiência do Conselho Municipal de
Assistência Social de Santa Cruz do Sul, de autoria de Miriam Teresa Etges.
Desejamos aos leitores uma excelente leitura, com o desejo de que as
reflexões constantes nesta Cartilha possam contribuir com as organizações do
Terceiro Setor e, com isso, incidir na apreensão qualificada das relações que se
estabelecem entre elas e o Estado.
Ana Lúcia Suárez Maciel
Coordenadora do GT3S
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
6
O PARALELISMO DA REDE PARCERIA SOCIAL DO RS COM A POLÍTICA
NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL1
Erika Scheeren Soares2
Introdução
O presente artigo vem a promover o debate sobre a sobreposição de ações
da Lei de Solidariedade/Rede Parceria Social do Rio Grande do Sul com a Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS)/Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) brasileira. Uma primeira reflexão acerca da Rede Parceria Social é trazida
quando confrontada com a Política Nacional de Assistência Social. O debate se
amplia a partir de seu processo de implantação, gestão e seleção das entidades,
como também foi analisado seu processo de controle social, monitoramento e
avaliação pelos órgãos competentes da Esfera Pública.
A refilantropização da assistência social e a gestão social são trabalhadas
por meio de Mestriner (2008) e Carvalho (1999), como perspectivas para ampliar o
debate acerca da política de assistência social brasileira. Essa política delimita
como papel fundamental das instâncias de gestão e controle social também a
promoção dos direitos socioassistenciais – afiançados à assistência social
qualificada pela PNAS em 2004.
Pretendeu-se também identificar as contradições inerentes à sociedade
capitalista, que preconiza a lucratividade econômica em detrimento das
populações que apresentam maiores necessidades sociais, pois, por vezes,
organizações parceiras executam projetos sociais ineficientes, sobrepostos e/ou
sem continuidade com recursos públicos. Esses recursos poderiam estar,
1
Este estudo é parte resultante da tese de doutoramento aferida em fevereiro de 2012 pelo
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS), com apoio do CNPq.
2
Assistente Social, Mestre e Doutora em Serviço Social pela PUCRS. Pesquisadora colaboradora
do Núcleo de Pesquisas em Demandas e Políticas Sociais. E-mail: [email protected].
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
7
alocados diretamente à política estatal, qualificando a implantação do Sistema
Único3 de gestão legalmente aprovado em 2005, de modo a ampliar
significativamente os repasses de recursos para a área.
A (Re) Inserção da Assistência Social na Política Social Brasileira
As políticas sociais no Estado brasileiro constituíram-se mediante um amplo
processo histórico de edificação das ideias de direitos sociais, de lutas e
contradições de interesses e confrontos de projetos políticos distintos de
sociedade. A partir da democratização e da Constituição Cidadã de 1988, várias
foram as conquistas e as consolidações legais dessas políticas. Apesar dos
muitos avanços na área social nesses últimos 20 anos, uma dessas políticas
sociais conquistada legalmente é ainda pouco conhecida e valorizada como tal no
conjunto da sociedade brasileira. Trata-se da Política de Assistência Social, hoje
constituinte do tripé da Seguridade Social do país, juntamente com a Saúde e
Previdência Social a partir da Lei 8.742, de 1993, a Lei Orgânica de Assistência
Social (LOAS)4.
3
O SUAS trouxe avanços de modo a organizar as ações de assistência social no país: 1) Definiu
como funções de assistência social: a proteção social, a vigilância social e a defesa dos direitos
socioassistenciais; 2) O papel de cada esfera de governo é definido pelo tipo de habilitação em que
ele está de acordo com os critérios da NOB/SUAS; 3) Reorganizou as ações de proteção social em
básica, especial de média e alta complexidade. Assim, todos os programas que antes eram
organizados por segmento (idoso, criança, morador de rua, deficiente físico, etc.) passam a ser
reorganizados pelos chamados tipos de proteção social correspondente. 4) Criou a Rede SUAS e
seus aplicativos. Essa é uma nova forma de enviar e trocar informações (via internet) que pretende
agilizar a transferência regular e automática de recursos financeiros do Fundo Nacional de
Assistência Social (FNAS) para os Fundos Estaduais, do Distrito Federal e de Municipais (MDS e
CNAS, 2006).
4
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) determina que a assistência social seja organizada
em um sistema descentralizado e participativo, composto pelo poder público e pela sociedade civil.
Foi alterada pela Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011, que dispõe sobre a organização da
Assistência de modo a incluir a gestão do SUAS nessa legislação. A organização da Assistência
Social efetivada hoje com a implantação do SUAS tem as seguintes diretrizes, como aponta o
artigo 5° da LOAS: I – Descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito federal e
os municípios, e o comando único das ações em cada esfera de governo; II – Participação da
população, por meio das organizações representativas, na formulação das políticas e no controle
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
8
Após diversas dificuldades governamentais seu “redesenho” enquanto
política pública foi aprovado somente em 2004: a Política Nacional de Assistência
Social (PNAS), e foi considerada um importante salto com vistas à efetiva
execução das ações da área por meio das Normativas Operacionais Básicas. A
política pública de assistência social realiza-se de forma integrada às políticas
setoriais, considerando as desigualdades socioterritoriais, visando a seu
enfrentamento, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para
atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais (BRASIL,
MDS, 2004). Sob essa perspectiva, objetiva prover serviços, programas, projetos e
benefícios de proteção social básica e/ou especial para famílias, indivíduos e
grupos que deles necessitarem; contribuir com a inclusão e a equidade dos
usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços
socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural; e “assegurar que
as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família, e que
garantam a convivência familiar e comunitária” (BRASIL/MDS, 2005, p. 33).
Aprovou-se no Congresso Nacional Brasileiro, na sequência, a Norma Operacional
Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS) em 2005,
considerado de suma relevância histórica, pois vem a materializar o conteúdo da
LOAS em todo o território nacional e organizar sua gestão de forma
descentralizada e participativa.
A NOB/SUAS é fundada em pacto entre os entes federativos – o que
assegura a unidade de concepção e de âmbito da política de assistência social em
todo território nacional, sob o paradigma dos direitos à proteção social pública de
seguridade social e à defesa da cidadania do usuário. Assegura, ainda, a primazia
e a precedência da regulação estatal sobre essa atividade pública, cuja dinâmica
democrática sob controle social prevê a participação da população e da sociedade
das ações em todos os níveis; III – Primazia da responsabilidade do estado na condução da
política de assistência social em cada esfera de governo.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
9
na formulação e controle das ações e o comando único das ações em cada esfera
de governo (BRASIL/MDS, 2005, p. 15).
O Sistema Único de Assistência Social (2005) estabelece a organização
das ações da política de acordo com a complexidade dos serviços (proteção
básica e proteção social especial), isto significa um enorme e admirável avanço
conceitual para toda a área de trabalhadores sociais, em virtude da normatização
e padrões de atendimentos e dos serviços de proteção social. E o SUAS é,
principalmente, primordial aos usuários devido à estruturação de atendimento por
meio dos Centros Especializados e de Referência de Assistência Social,
caracterizada pela atuação em rede a partir do território e pela valorização do
diagnóstico com base territorial das vulnerabilidades a serem atendidas.
No entanto, o SUAS ainda deve percorrer um longo caminho para ser
notório pela sociedade brasileira, diferentemente do Sistema Único de Saúde,
implementado após a promulgação da Lei Orgânica da Saúde (LOS) (BRASIL,
1990) e já consolidado, embora também com suas dificuldades políticas e de
gestão. A construção e consolidação do SUAS foi realizada com o exaustivo apoio
e assessoramento constante de profissionais assistentes sociais, historicamente
presentes nos debates para a implantação da política, bem como de ampla
parcela da sociedade civil organizada. A sociedade civil foi mobilizada, contudo,
por meio dos conselhos, conferências e fóruns da área.
A assistência social, no entanto, configura-se historicamente como uma
política que habita um terreno movediço e perigoso, pois ainda convive com
clientelismos, paternalismos ou benesses, “assistencialismo, caridade ou ações
pontuais, que nada tem a ver com políticas públicas e com o compromisso do
Estado com a sociedade” (BRASIL/MDS, 2004, p. 7). Essas ações formam a
gênese de sua constituição legal e, portanto, torna-se imprescindível legitimá-la
perante a sociedade brasileira enquanto direito do cidadão que dela necessitar,
sendo dever do Estado em provê-lo. Entretanto, ainda se faz presente na
sociedade brasileira a lógica neoliberal de minimização do Estado, que cria
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
10
estratégias para caracterizá-la como solidariedade cidadã, muitas vezes
deslocada do patamar de direito e de política social de primazia estatal. E, mesmo
que na atual conjuntura do Brasil existam alguns “sinais que indicam a passagem
do modelo neoliberal de regulação da sociedade brasileira para o social
desenvolvimentismo, que combina avanço econômico com melhoras sociais”
(POCHMANN, 2010, p. 16), diversas ações contrárias ao direito social ainda são
realizadas nesta área.
No Rio Grande do Sul, desde 2007, existe a Rede Parceria Social. Essa é
uma rede social interinstitucional de articulação entre Estado, empresas e
instituições sociais parceiras e executoras para a o desenvolvimento de projetos
sociais cofinanciados, paralelamente ao SUAS. O presente estudo, portanto, visou
analisar os processos de controle social das Carteiras de Projetos da Rede
Parceria Social pelos órgãos competentes no intuito de contribuir para o
aprimoramento da gestão pública da Política de Assistência Social no Estado.
Essa rede denominada de “inclusão social” é apresentada como uma “ação
inovadora” à sociedade por articular diversos segmentos sociais e “setores” da
sociedade, com recursos públicos indiretos, contudo de modo paralelo ao SUAS.
A Rede Parceria Social (RPS) é formada por ações inovadoras e
interdependentes, realizadas por atores governamentais, não governamentais e
empresariais,
com
o
objetivo
de
promover
o
desenvolvimento
social.
Fundamentada na Lei da Solidariedade (Lei nº 11.853/2002), uma lei de incentivo
fiscal para empresas que desejam investir em projetos sociais, a RPS é composta
por três eixos: Carteira de Projetos Sociais, Fundação Gerações e Observatório do
Terceiro Setor e do Desenvolvimento Social (RS/SJDS, 2009, p. 4).
A RPS foi amplamente divulgada nos meios de comunicação pelo órgão
estatal de gestão da política de assistencial, no período denominado de
“Secretaria da Justiça e do Desenvolvimento Social do Estado do Rio Grande do
Sul (SJDS/RS)”, na perspectiva de ressaltar essa “nova modalidade de
atendimento da área social”, em detrimento da qualificação e reestruturação da
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
11
PNAS por meio do SUAS. Em dezembro de 2011, aprovou-se a continuidade
dessa articulação com a abertura da Quarta Edição pelo atual Governo do Estado
com o lançamento de Edital às entidades executoras, em contraponto à alteração
da LOAS pela Lei n° 12.435, de 6 de julho de 2011, que dispõe sobre a
organização da assistência social nos moldes do SUAS. O material de divulgação
da RPS não a relacionava com a política em implementação de nível nacional
quando da abertura da Segunda5 Carteira de Projetos da Rede Parceria Social
(2009).
A Carteira de Projetos da REDE PARCERIA SOCIAL é uma iniciativa
conjunta da Secretaria da Justiça e do Desenvolvimento Social, organizações
sociais e empresas, com objetivo de realizar projetos sociais em todo o Rio
Grande do Sul, abrangendo diversas áreas da assistência social e beneficiando
centenas de pessoas (RS/SJDS, 2009).
Nessa ocasião, como evidenciado, apenas mencionou-se o público e a área
de atendimento das ações previstas, não correlacionados às ações inovadoras de
proteção social da política de assistência social brasileira, mesmo após anos de
árdua implantação do Sistema Único em todo o território nacional pela disputa de
interesses políticos. A origem da Rede Parceria Social fundamenta-se na “Lei da
Solidariedade”, Lei Estadual nº 11.853 (RS, 2002), que instituiu o Programa de
Apoio à Inclusão Social (PAIPS). O Programa PAIPS prescrito no artigo 1°. da Lei
de Solidariedade é:
[...] integrado por entidades e organizações de assistência
social da sociedade civil, por empresas e pela Administração
Pública Estadual, visando ao desenvolvimento de ações de
inclusão e promoção social e ao incentivo e à articulação das
referidas ações, mediante adoção de mecanismos de
parceria e colaboração (RS/SJDS, 2002).
5
O Lançamento do Primeiro Edital da Rede Parceria Social realizou-se em 2007 e, por ocasião da
pesquisa de mestrado (2006-2007, que contemplava o controle social das deliberações do
CEAS/RS) foi acompanhado o processo de aprovação e controle social da Primeira Edição da
RPS.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
12
Conforme justificativa de seus idealizadores em ampliar a atuação e a
disseminação de projetos sociais pelo Estado, foi proposta uma variação desse
programa que exigia sua aprovação pelo Conselho Estadual de Assistência Social
(CEAS/RS)6: a modalidade em Rede, por meio da Cartilha de Projetos – a Rede
Parceria Social. Justificaram essa inclusão de modalidade, ainda, por dificuldades
de ampliação do antigo Programa e de distribuição dos recursos a entidades
sociais.
O Controle Social sobre as Ações da RPS
Em contrapartida, apesar de vários – e ainda persistentes – entraves a
Assistência Social considerada no patamar de política a partir dos preceitos da
Constituição Federal (BRASIL, 1988) instituiu por meio da LOAS, em seus artigos
192 e 193 (BRASIL, 1993), a promoção de esferas descentralizadas participativas
de gestão7. Houve assim, um grande “salto democrático” no período: a criação dos
Conselhos de Assistência Social, os órgãos institucionalizados de fiscalização, nas
três esferas de governo – municipal, estadual e federal. O principal objetivo
desses órgãos institucionalizados é o de promover o controle social da política em
espaços deliberativos, que implica o amplo debate das temáticas e tensões que
permeiam a assistência social com a partilha do poder decisório da sociedade civil
organizada com os representantes estatais, por meio de representações eleitas e
designadas, respectivamente.
6
O CEAS/RS é um órgão colegiado e permanente, com caráter deliberativo, que possui
composição paritária entre Governo e sociedade civil. Seu funcionamento é regulado por
Regimento Interno e suas atribuições são estabelecidas pela Lei de 1996. Vincula-se, atualmente,
à Secretaria do Trabalho e do Desenvolvimento Social do Estado do Rio Grande do Sul –
STDS/RS.
7
A Constituição Federal, como marco legal inicial, refere-se, no artigo 204, à participação da
população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle
das ações em todos os níveis. No artigo 194 do capítulo da seguridade social, são definidos seus
objetivos, destacando-se o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a
participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados (BRASIL,
1988).
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
13
Considera-se a deliberação não como imposição ou somente consulta
opinativa, mas como processo de negociação com o órgão gestor e sociedade,
pois o conselho tem o poder de decisão sobre os rumos da política, em cada
esfera de governo. Cabe a esse órgão institucionalizado, em resumo: “definir quais
os programas que devem ser priorizados, não só vigiando o que existe, mas
analisar se o que existe é aquilo que realmente deveria existir” (RS/DAS/STACAS,
2005), de acordo, contudo, às mais recentes normativas, objetivos, diretrizes e
preceitos vigentes à Política de Assistência Social. De modo que não é incomum
ver a referida política ser gerida com cunho clientelista ou atendendo a interesses
particulares ou de grupos historicamente instituídos, essencialmente por
ausências ou incompreensões desse papel fiscalizador das ações pelos
conselheiros e sociedade política como um todo, como referendados em estudos
anteriores (SOARES, 2008).
Principalmente, é relevante ser elucidado nesses espaços deliberativos a
essência de suas funções fiscalizadoras de ações “amadoras” de assistência
social, sem consistência teórica ou política, pois as instituições gestoras atuantes
e/ou conveniadas à política, que no passado se legitimaram como caritativas,
compõem esses órgãos, e, hoje, estão articulando a Rede Parceria Social e, ao
mesmo tempo, realizando seu controle social. Compreendendo o caráter decisório
– deliberativo – do CEAS/RS à política de assistência social e sobre a implantação
da Rede Parceria Social, o processo de gestão do Controle Social é frágil e
consensualista, ressaltando-se as ausências e as possibilidades de controle social
verdadeiramente democrático (SOARES, 2008; CORREIA, 2002). Essas análises
foram originadas a partir de prévias participações em pesquisas que versaram
sobre a sua origem (desde o movimento de articulação à formação do Comitê
Interinstitucional de Assistência Social – CIAS/RS e de suas Representatividades
Estatais pelos conselheiros em gestões anteriores a 2005).
Embora o teor da Lei de Solidariedade na modalidade em Rede (2007)
compreenda projetos de inclusão social, não centrados ou descritos nas ações
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
14
previstas à Política de Assistência Social, identificou-se que diversas ações
caracterizam-se como de assistência social, conquanto ora reconhecidas, ora não,
de acordo com os interesses dos gestores. A modalidade em Rede utiliza-se,
ainda, dos mecanismos de fiscalização, monitoramento e controle da referida
política, além dos seus mecanismos exclusivos criados paralelamente para tal
função. Tem-se como exemplo de projetos desenvolvidos: o atendimento e a
promoção econômica e social a adultos e jovens das periferias que atuam como
catadores de materiais recicláveis; a promoção de bem-estar, autoestima,
sociabilidade e saúde da população idosa em vulnerabilidade social; e o
atendimento a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social em
turno inverso ao escolar.
No entanto, é de responsabilização do Estado o monitoramento e a
avaliação, bem como a qualificação do controle social democrático da política de
assistência social para a condução das ações da Rede Parceria Social ao efetivo
desenvolvimento social do Rio Grande do Sul, contudo, no caso de sua revisão
legal articulada ao SUAS, de modo a seguir seus princípios, normas e diretrizes de
gestão das referidas ações, pois a origem do recurso é público. Desse modo, fazse pertinente também um maior acompanhamento das ações assistenciais,
projetos e iniciativas legais permeados de intencionalidades diversas, ou dos
equívocos das ações baseadas nas diversas concepções e mitos recriados e
referendados à assistência social ao longo das décadas no país.
A discussão sobre contradições e entraves existentes na política é
relevante, também porque o SUAS foi aprovado, legalmente, numa fase em que
Pochmann (2010) afirma ser o “período social-desenvolvimentista brasileiro”. O
Estado brasileiro sempre reconheceu, apoiou e incentivou com repasse de
recursos públicos, diretos e indiretos, às associações e fundações voltadas para a
prestação de serviços nas áreas de saúde, educação e assistência social. As
organizações que formam esse universo (que poderíamos chamar “assistencial
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
15
filantrópico”, com uma presença religiosa muito forte, até os dias de hoje) sempre
tiveram uma relação privilegiada com o poder público (DURÃO; LANDIM, 2004).
O modo de regulação do setor privado ao longo dos anos, de acordo com
os autores (MESTRINER, 2008; ARAÚJO, 2008; CICONELLO, 2004) vai
caracterizando as preferências do Estado na ótica filantrópica das ações
assistenciais. Esses processos históricos da filantropia brasileira foram adjetivados
por Mestriner (2008) em seu estudo que compreendeu o período de 1930 a 1990.
O período dos anos 30 foi denominado de filantropia disciplinadora e trouxe a
marca do enquadramento físico, moral e social do pobre (adulto ou crianças e
adolescente, homem ou mulher), visando a eliminar sua “vadiagem”, tornando-o,
para tanto, em um “trabalhador produtivo e disciplinado, harmonizado com os
interesses patronais” (MESTRINER, 2008, p. 35), ampliando, assim, o exército de
mão de obra adequado às possibilidades de trabalho que se abria. Essa
característica disciplinadora evolui naturalmente para a filantropia pedagógica
profissionalizante (partilhada sob o âmbito educacional), quando se efetivou uma
sociedade urbano-industrial e o surgimento de exigências de capacitação
profissional dos trabalhadores empobrecidos e, principalmente, de jovens e
adolescentes para a formação de um contingente preparado para as necessidades
industriais (MESTRINER, 2008).
Todavia, esse movimento renovador profissionalizante nem sempre alterou
a tradicional relação de subalternidade e favor aos mais vulneráveis. Formou-se,
assim, um conjunto complexo e heterogêneo, denominado “Terceiro Setor”, que
incorpora um sem número de segmentos distintos, agindo e interagindo
simultaneamente sem um patamar político claro de avanço da cidadania, de modo
que:
É um conjunto que engloba as formas tradicionais de ajuda
mútua e ao mesmo tempo as novas associações civis e
organizações não governamentais; que agrega desde
instituições as mais tradicionais, de caráter confessional ou
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
16
religioso, voltadas para atividades assistenciais e
beneficentes, sem qualquer compromisso político, até
segmentos “politizados” que lutam por determinada causa,
assumindo caráter reivindicatório ou contestatório junto à
sociedade ou ao Estado (MESTRINER, 2008, p. 35).
As formas assistencialistas, benesses são, todavia, ainda presentes no
contexto atual de avanços conceituais e de gestão da assistência social. Araújo
(2008) afirma como presente, também, a solidariedade social doadora. Essa
última é caracterizada como um modo de pensar e agir nas relações sociais de
assistência na perspectiva de apaziguar as crises sociais. A aplicação das
orientações dessa solidariedade social doadora, além de se manifestar nas
entidades sociais,
(...) pode ocorrer em uma organização social pública ou
privada, sendo consideradas como uma atividade de
humanização, face aos seus propósitos, sustentadas por
uma filosofia moral e/ou ética. Portanto, não basta, na
verdade, a boa vontade, a generosidade, a sensibilidade
para que se garanta o não utilitarismo de um pelo outro,
como também não garantem que haja dominação, alienação
ou manipulação (ARAÚJO, 2008, p. 35).
As manipulações e as formas de alienação e dominação são presentes,
portanto, também nas estruturas governamentais. Entretanto, os próprios teóricos
do Terceiro Setor buscam apaziguar as crises sociais e as ideias de conflito de
interesses da sociedade, como apontou a um estudo da Associação Brasileira de
Organizações Não Governamentais (ABONG). O debate sobre o Terceiro Setor
virou uma espécie de modismo nos últimos anos, como aponta Ciconello (2004), e
a utilização dessa expressão é feita de maneira incorreta no país, principalmente
pelas empresas. Essas parecem ser as maiores entusiastas da defesa desse
conceito, ao qual são atribuídos valores e visões de mundo específicos, os quais,
divulgados pelos meios de comunicação, tornam-se referência para o debate
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
17
público sobre a relação entre Estado e sociedade, a utilização de recursos
públicos, as políticas sociais, etc. No entanto, a utilização da expressão Terceiro
Setor, amplamente divulgada pelas empresas, encobre, na maioria das vezes, a
perspectiva neoliberal de defesa do Estado mínimo adotada pelas empresas.
Por detrás dessa escolha de conceituação, está a ideia de que o Estado é
ineficiente para resolver os problemas sociais, e a solução está na eficiência do
mercado, que aos poucos começa a atuar nas questões sociais por meio das
instituições do Terceiro Setor. Como consequência, a ação social passa a ser
associada a conceitos de mercado, como marketing e eficiência. Paralelamente a
isso, há uma tendência a desqualificar antigos campos de atuação social, como o
campo das filantrópicas, que passam a ser consideradas “pilantrópicas”,
atrasadas, ineficientes e não transparentes (CICONELLO, 2004, p. 53).
Embora a atuação de algumas empresas na área social possa ser
considerada na atualidade como positiva, a forma como esse processo vem se
dando no Brasil é preocupante. As grandes empresas buscam libertar-se do que
entendem por amarras (os direitos e as legislações sociais) para adentrar a
concorrência de um mundo cada vez mais globalizado e, ao mesmo tempo,
enfrentar a pobreza que é percebida como uma ameaça à ordem social na
tentativa de “governar” ou “regulá-la”. Reforçam-se nesse processo, muitas vezes,
a pobreza política dos “beneficiados”, quando utilizados como “massa de
manobra”, reiterando a concepção de benemerentes, na contramão dos direitos
sociais e da cidadania (CICONELLO, 2004).
O autor apresenta três formas de apropriação difusa do conceito de
Terceiro Setor, principalmente por setores empresariais, que geram várias
distorções. A primeira é a introdução de conceitos e valores de mercado estranhos
e nocivos à área social (ou seja, práticas comuns na área empresarial como
competição, ranking e prêmios, agora comuns no Terceiro Setor). A segunda
distorção é o estímulo à criação de uma nova geração de organizações sem fins
lucrativos, voltadas para o mercado, com base em uma lógica de prestação de
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
18
serviços, sem nenhum fundamento social e com baixa capacidade contestatória e
crítica. [...] Outra distorção refere-se à associação do conceito de Terceiro Setor a
entidades privadas sem fins lucrativos com finalidade pública, induzindo a uma
interpretação equivocada de que as entidades que compõem esse setor têm uma
natural vocação pública (CICONELLO, 2004 p. 54).
As distorções acerca da utilização de conceitos e valores de mercado
nocivos à área social e na naturalização da vocação pública das entidades que
compõem esse “novo setor” são identificadas no Rio Grande do Sul principalmente
com a implantação da Rede Parceria Social. Afirma o autor que a forma como o
debate do Terceiro Setor vem ocorrendo no Brasil, e maciçamente no RS, “traz em
si uma crítica indireta do papel do Estado na redução da pobreza e na promoção
do desenvolvimento, objetivos esses que seriam realizados de forma mais
eficiente pela iniciativa privada” (CIOCONELLO, 2004, p. 54). No entanto, a
realização pela iniciativa privada de ações sociais, em grande parte das vezes, é a
partir de seus princípios e interesses, descolados da concepção de direitos sociais
e de cidadania afiançados pelas legislações da política social. Nesse sentido, a
ideia de um “setor social” em contraposição ao Estado e ao mercado gera um
discurso homogeneizado, com forte tendência a eliminar os conflitos inerentes às
dinâmicas da sociedade civil brasileira. Principalmente quando segmentos desse
chamado “setor“ pronunciam-se como representantes desse vasto universo de
entidades que o compõem, “defendendo interesses e posições, como se esse
“setor” tivesse uma suposta identidade comum” (CICONELLO, 2004, p. 54).
Conclui-se, portanto, que o conceito de Terceiro Setor das organizações
sem fins lucrativos mais atrapalha do que contribui para a tentativa de identificar o
conceito legal de público entre as inúmeras, e de interesses diversos,
organizações brasileiras sem fins lucrativos. Estudos específicos revelam que
houve um maciço crescimento das organizações sem fins lucrativos no Brasil nos
anos de 1990 a 2010, e envolvem um significativo número de pessoas
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
19
empregadas e movimenta uma expressiva economia, chegando a mais de R$ 5
milhões em remunerações.
Destarte, em nome de uma responsabilidade social ou solidariedade social
doadora, entidades e organizações da sociedade civil (metamorfoseada em esfera
pública) por meio de parcerias e convênios com empresas realizam diversas
ações da área social. Essas parcerias muitas vezes são administradas numa
lógica caritativa ou repressora, escolhendo os públicos alvos e os destinando a
ingressarem nos projetos de acordo com condicionalidades pré-determinadas por
agentes não estatais. Essa forma de atuação retoma as velhas práticas
assistencialistas e clientelistas de trato com a questão social, como também não
desvela as forças conflitantes entre os distintos projetos políticos presentes na
sociedade.
Nesse contexto dual de execução pela Esfera Pública, os preceitos e as
intencionalidades destas ações da política de assistência social devem ser
fiscalizados, até mesmo por ainda serem recentes e muito passíveis de
incompreensão na sua concepção. Essa histórica e nebulosa área de abrangência
(por atender de forma assistencialista as necessidades da população) há pouco foi
especificada e normatizada suas verdadeiras incumbências (BRASIL/PNAS,
2004). Por este motivo também se tornam mais obscuros os interesses não
democráticos e/ou imediatistas aos processos sociais a serem desenvolvidos com
ações ditas de assistência social.
Há em cena, nesse contexto de parcerias com as empresas para uma
possível “agilização das ações”, uma lógica atravessada de “empresário-cidadão”,
que se caracteriza por ser moderno, consciente, engajado na campanha pela
responsabilidade social, como explica Garcia (2004), e que seria capaz, portanto,
de “fomentar a gestão eficiente do social”. Apresenta-se, ainda, um conteúdo que
se pretende novo, fora do campo religioso da filantropia puramente, pois a:
(...) filantropia empresarial pretende trazer para a ação social
referências de eficácia e eficiência não reconhecidas pela
histórica atuação do Estado como articulador oficial dessa
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
20
esfera. Nessa crítica ao Estado mau empreendedor, o
discurso da cidadania empresarial acaba por ocultar a mais
notável acepção de cidadania no mundo moderno, garantida
pelo Estado através de leis e de institutos capazes de
assegurar seu cumprimento (GARCIA, 2004, p. 26).
A discussão de Estado mau empreendedor, contudo, muitas vezes se
confirma pelo volume de recursos despendidos e uma gestão e/ou execução não
correspondente, embora, nesta área, outras dificuldades, interesses e empecilhos
atrapalhem uma execução de qualidade das ações. Os recursos para tanto foram
repassados parcamente, de acordo com os interesses econômicos do período, em
virtude da política não ter garantido percentual legal a ser alocado no orçamento
da União, dos Estados e dos municípios e, portanto, legitimados para serem
cobrados. Por outro lado, as questões políticas-governamentais apresentam
limites e possibilidades às aprovações de leis e programas sociais, a exemplo dos
entraves na promulgação da LOAS. No entanto, faz-se necessário saber que, em
favor das empresas que aderiram a essa forma de auxílio ao social, conforme a
Lei de Solidariedade (2002), elas vêm a receber pelo Estado o selo de certificação
"Compromisso com a Inclusão Social", que poderá ser aplicado em todos os
materiais de divulgação das empresas, conforme prescreve a referida Lei em seu
artigo n° 7.
Percebe-se, a partir do exposto, que a tradição conceitual da assistência na
sociedade brasileira “prioriza a propensão de apreendê-la não pelo seu conteúdo
e substância, com base na dinâmica da realidade em que ela se constitui e se
processa, mas pelas suas manifestações gerais mais aparentes” (PEREIRA, 1996,
p. 34). Desse modo, a ampliação do atendimento aos diferentes grupos
socioeconômicos por meio da política de assistência social universalizada,
considerando as diferentes vulnerabilidades sociais que se apresentam a todos os
cidadãos, ainda não é reconhecida – mesmo com a perspectiva universalista da
PNAS. Como também se realiza, em grande parte, longos debates acerca de
debilidades de programas governamentais, descolados aos avanços da política
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
21
nacional como um todo, vindo a recriminar os sujeitos que dela podem acessar –
pela necessidade, por seus mais redutíveis critérios, em detrimento dos avanços e
de necessárias proposições políticas coletivas.
Um grande exemplo da perpetuação assistencialista constitui-se da
continuidade dessas práticas mesmo após a promulgação da Lei Orgânica da
Assistência Social, de 1993, no Governo Itamar Franco. Embora intensos embates
políticos, quando do indeferimento no Governo Fernando Collor, seguiu-se a
lógica assistencialista com o Programa Comunidade Solidária, implantado em
1995, pelo ex-presidente Fernando Henrique, desconsiderando-se o caráter de
política e a referida normatização legal da Política de Assistência Social
(RAICHELIS, 1998; COUTO, 2004).
Esses equívocos conceituais, por outro lado, podem incorrer na visão
essencialista de Estado: esse como único provedor e responsável pelas políticas,
em detrimento do reconhecimento da autonomia relativa da sociedade e do
reconhecimento dos conflitos de
classe
que engendram a
assistência,
desvinculando-se ações efetivas realizadas por históricas e qualificadas
instituições, seladas por meio de convênios ou outros contratos. A assistência
social inclui, portanto, ações de responsabilização à esfera estatal prescritas na
Lei Orgânica de Assistência Social (BRASIL, 1993). Essa lei inclui também ações
desenvolvidas a partir de convênios e parcerias com a sociedade civil e suas
modalidades de atenção foram modificadas e qualificadas na PNAS (BRASIL,
MDS, 2004), que organiza a gestão de forma descentralizada da anterior difusão
dos recursos remetidos à área.
A partir da implantação do Sistema Único de Assistência Social, aprovado
em 2005, esses recursos historicamente caracterizados e fragmentados, utilizados
como clientelismos, ou em projetos pontuais de governantes e benesses da
sociedade, foram redirecionados ao Fundo Nacional de Assistência Social, e
respectivamente, aos Fundos Estaduais e Municipais, para o financiamento da
gestão descentralizada em cada esfera de governo. A RPS foi legalmente
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
22
referendada, e a articulação com as entidades são firmadas por meio do Termo de
Parceria, no intuito de realização de ações denominadas “de inclusão social”.
Disciplinados pelo decreto n° 3.100/99, os Termos de Parceria tinham (até a
alteração do MDS em 2007), por sua vez, procedimentos mais simples do que os
vigentes para celebração, execução e prestação de contas de convênios. Dessa
forma, o Termo de Parceria é entendida por Barbosa (2004) – e por autores de
uma Cartilha editada pelo extinto Conselho do Comunidade Solidária – como uma
importante inovação de acordos de cooperação entre Oscips8 e órgãos das três
esferas de governo por seus procedimentos “mais simples” que os utilizados para
a celebração de um convênio. Em contrapartida, esse mesmo conselho
gerenciava ações que iam na contramão da políticas de assistência social, recém
regulamentada a partir de sua Lei Orgânica. Reedita-se, assim, por meio das
parcerias com o Terceiro Setor, a preferência estatal de repasse dessas
responsabilidades, o que culminou na elaboração da Lei de Solidariedade no Rio
Grande do Sul.
O fator propulsor da criação da Rede Parceria Social foi a existência de um
mecanismo de incentivo ao investimento social no Estado: a Lei nº 11.853/2002,
conhecida como Lei da Solidariedade. A lei baseia-se na renúncia fiscal do
Estado, possibilitando às empresas o repasse de valores relativos ao ICMS devido
a projetos sociais. Neste formato, uma empresa investe 25% do valor total de um
projeto, enquanto o governo, através da renúncia fiscal, investe os 75% restantes,
colocando à disposição recursos que irão reverter em benefícios sociais, ações de
inserção e cidadania, transformação pessoal, aprendizagem (RS/SJDS, 2009).
8
O artigo n° 9 da Lei das Oscips (BRASIL/MDS, Lei n° 9.790/00) define que o Termo de Parceria é
considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as “entidades
qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de
vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse
o”
público previstas no art. 3 da referida Lei. Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os
respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos pela Lei n°
9.790/00.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
23
O recurso da RPS é, portanto, maciçamente oriundo na esfera estatal,
isentado das empresas para essas ações, contudo não deixa der ser recurso
público, pois embora a União, os Estados e os municípios tenham o poder
(conferido pela Constituição) de instituir impostos sobre determinados fatos
geradores, estes podem “por meio da lei, isentar determinadas pessoas, coisas ou
situações, do pagamento de certos tributos. Caracteriza-se como recurso público
indireto” (CICONNELO, 2004. p. 66). E, para a gestão das ações da Lei de
Solidariedade/Rede Parceria Social, divulgada como vinculada à política, os
recursos estatais não foram remetidos ao Fundo Estadual de Assistência Social –
FEAS/RS – como preconiza a NOB/SUAS (BRASIL, 2005), foi criado outro Fundo
por Lei Estadual própria para compor a isenção fiscal, ou os chamados “incentivos
fiscais” estatais realocados (SOARES, 2008).
A reforma administrativa da década de 1990 salta, portanto, da relação de
distribuição da tradicional ajuda pontual, mediada pelo arbítrio de organizações
sem fins lucrativos, para uma forma de parceria aparentemente nova por meio das
Oscips, mas que não se assenta no dever do Estado de provisão de direitos de
assistência social (MESTRINER, 2008). A modalidade de parceria com as
organizações da sociedade civil e empresariado instituída no Rio Grande do Sul
em 2002 por meio do PAIPS se reedita e se amplia com a Rede Parceria Social,
aprovada em 2007, que nos dizeres do governo do período se qualificou como o
“novo paradigma do desenvolvimento social”, pois se afirmou que “com a Rede
Parceria Social o Governo do Estado inova e qualifica atuação do Terceiro Setor”
(RS/SJDS, 2009). Desconsiderando-se, pois, a implantação do SUAS em amplo
movimento em todo o território nacional.
A Gestão Social da RPS e a Filantropia
A aprovação legal da RPS contempla a ideia de um Estado Mínimo de
primazia do mercado, na onda neoliberal dos anos 1980 e 1990 – e da regulação
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
24
das Oscips em 1999 – que se impunha como “receita mágica” para enfrentar a
crise no período. Naquele momento, implementou-se a descentralização das
ações governamentais, a privatização das atividades econômicas e também as
sociais exercidas pelo Estado e se tentou consolidar a substituição de um Welfare
State por um Welfare dualizado. A gestão social do Welfare Dualizado caracterizase por um sistema de bem-estar social no qual o mercado cuida daqueles com
poder de compra e repasse à responsabilidade dos grupos mais vulneráveis às
instituições locais (municipalidades ou solidariedade privada). O primeiro público
receberia um atendimento “mais generoso, regido pelos princípios de mercado, e,
local, predominantemente público, voltado para atender precariamente os
marginalizados” (CARVALHO, 1999, p. 22).
A gestão social no Welfare State – Estado de Bem-Estar – originou-se nos
países capitalistas desenvolvidos, resultante de um pacto entre as classes sociais
que expressavam o conflito capital-trabalho como alternativa à polarização das
duas novas utopias durante as duas Guerras Mundiais (CARVALHO, 1999, p. 20).
No entanto, em função dos interesses capitalistas e das mudanças da sociedade
complexa, houve o desmonte da política social de direito propostas pelo Estado de
Bem-Estar Social, mais precisamente na década de 90. Essa forma de gestão
social compreende o Estado-Nação, como o grande mediador entre o capitalismo
e a democracia, capaz de intervir como protagonista econômico e socializador por
concretizar a Teoria Keynesiana. A gestão social, nestes moldes, caracteriza-se,
portanto, em ser centralizada no Estado-Nação, ter políticas sociais universalistas,
processadoras de serviços padronizados, inspirados nos ideais igualitaristas de
atenção aos cidadãos, ter a gestão hierarquizada e a setorização da política social
e de consolidação da sociedade salarial, com a generalização e a mundialização
da figura do trabalhador assalariado, com a primazia do Estado regulador
(CARVALHO, 1999).
Esta modalidade de gestão social do Welfare State propôs o alargamento e
a revitalização da esfera pública pela emergência de novos atores sociais naquele
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
25
contexto. No entanto, a identidade de classe trabalhadora foi sendo substituída por
outras mais fragmentadas, ou até mais organizadas, e, posteriormente,
institucionalizadas (como as ONGs, expressão desse novo protagonismo),
chamadas de projetos microidentitários fora dos “roteiros de classe”, a exemplo de
feministas,
étnicos,
etc.
(CARVALHO,
1999).
Descaracteriza-se,
consequentemente, a compreensão do conflito coletivo de classes originário da
questão social, que se traduz em expressões cotidianas de resistências e
desigualdades sociais de caráter coletivo, prejudicando, assim, seu enfrentamento
eficaz. A gestão social emergente, terceira modalidade apresentada pela autora,
apresenta novas relações entre a “global governance” e a “local governance”, de
modo que os processos de globalização econômica e o acirramento da
competitividade no neoliberalismo fragilizaram o Estado-Nação, pois houve:
[...] no campo da política econômica e social, tornando quase
compulsório e consensual um movimento externo, em
direção à formação e à integração em blocos econômicos, e
um movimento interno, de descentralização, flexibilização e
fortalecimento da sociedade civil para compor um novo pacto
e condições de governabilidade (CARVALHO, 1999, p. 23).
Esse novo pacto no campo social evidencia a maior articulação e a
presença das agências multilaterais representadas pelas Organizações das
Nações Unidas (ONU), Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI),
pelas agências governamentais nas suas várias instâncias, pelo chamado Terceiro
Setor e pelo empresariado, por meio de parcerias. O campo da governabilidade
ficaria, assim, “tomado por um congestionamento e disputa na definição da
agenda política e social, sem que se verifiquem um efetivo protagonismo gestor e
projetos políticos claros e ambiciosos no campo da política social” (CARVALHO,
1999, p. 24).
Torna-se importante identificar nos projetos e nas políticas sociais hoje
executadas no país e no Estado de maneira composta entre governo, sociedade
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
26
civil e empresas, caracterizada de gestão social “emergente”, qual o projeto
político e a quais interesses atendem, na direção ou contraponto à cidadania e à
emancipação das classes desfavorecidas. Nessa mesma perspectiva, a questão
que está presente é a respeito do “papel que a filantropia empresarial
desempenha, suas possibilidades e limites” (RIOS, 1998, p. 38), porquanto o
Estado, ainda enxuto, mesmo com amplos avanços atuais na área social,
necessita de parcerias com o mercado e com a sociedade civil para viabilizar
programas de enfrentamento à questão social. “Investir para obter resultados” é a
lógica atual de “Gerência Social” das entidades sociais e das empresas na busca
da responsabilidade social.
Contudo, a preocupação em saber mensurar, do ponto de vista qualitativo e
quantitativo, aquilo que se obteve por meio da implantação de um programa social
é de suma importância, pois “sem criar estratégias sobre as várias dimensões do
processo de avaliação, não é possível mensurar impactos de um programa social
e mesmo saber se os seus objetivos foram atendidos” (RIOS, 1998, p. 26). Esse
retorno social, denominado de resultados por muitas fundações, institutos e
empresas que atuam na área, se traduziria em desenvolvimento social. Entretanto,
este conceito de desenvolvimento social precisa ser mais aprofundado por essas
instituições. As ações realizadas – e sua análise profissional qualificada – são,
portanto, o que demonstra uma efetiva ação emancipatória na perspectiva do
direito social, condição para o desenvolvimento social, ou uma ação filantrópica
empresarial.
A relação filantrópica de identificação para com o outro e os interesses que
permeiam as relações solidárias podem ser acrescidas de “voluntarismo” e
“solidarismo” na sociedade contemporânea atual (ARAÚJO, 2008), devendo ser
analisados, caso a caso, os atores que a compõem. E, atualmente, o conceito de
filantropia tomou novas perspectivas, pois, além de ações individuais para com os
demais, passou a representar ações coletivas e de diversos grupos e frações da
sociedade para com outros. Assim, no âmbito da sociedade organizada de hoje, a
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
27
palavra filantropia ganhou significado mais amplo e estratégico: em uma primeira
abordagem pode representar um segmento da sociedade civil que, diante da
necessidade do ser humano e de sua (in)capacidade de acessar os recursos,
programas e serviços de responsabilidades dos governos, organiza sistemas
alternativos para prover esses mesmos bens e serviços através de recursos
privados colocados em benefício do público, por meio de parceria. Contudo:
A filantropia de parceria transcende a de responsabilidade
social empresarial, pois incorpora o Estado nessa ação
filantrópica por ter atribuições e por ser o financiador indireto
dessa. A filantropia e a assistência se identificam então,
perversamente, com a prática de corrupção e do
favorecimento patrimonial (MESTRINER, 2008, p. 293).
As práticas históricas de corrupção e favorecimento patrimonial em nome
das “causas sociais” podem, assim, deturpar as iniciativas qualificadas que, por
ora, realizam somente poucas empresas no Brasil. E, embora o investimento
social privado seja relevante à constituição de uma sociedade mais justa e
solidária, por envolver os segmentos que anteriormente não se interessavam
pelas causas sociais, essa visão alternativa não traz mudanças às relações
sociais. Pelo contrário: “assume caráter suplementar ao ineficiente papel do
Estado, podendo se aproximar de uma visão caritativa para com os excluídos dos
bens e serviços, assim como contribuir para que o Estado se exima de suas
responsabilidades” (KISIL, 2005, p. 13).
Além de suas tensões conceituais acerca do contraditório entendimento da
assistência enquanto política, coexistem ainda duas tensões nas atividades da
área social executadas por intermédio da esfera pública, trabalhadas por Carvalho
(1999). A primeira caracteriza-se pela “tensão entre a eficiência e a equidade”: a
publicização das atividades não exclusivas do Estado (entidades sem fins
lucrativos ou do Terceiro Setor), pois esse repasse de responsabilidade sugere
menor custo e maior qualidade, mas os riscos de “privatização” e a falta de
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
28
equidade foram latentes. A segunda tensão discutida ao longo da tese denominase “tensão entre a lógica da tutela ou compaixão e a lógica dos direitos”, que se
constitui na negação ou na desconsideração do direito como fundamento da
política social e que contempla o risco de (re)filantropização dos serviços de direito
dos cidadãos. Além disso, existe o risco “da manutenção do receituário neoliberal
impedindo o avanço na conquista da equidade social” (CARVALHO, 1999, p. 27).
Considerações finais
Este estudo pretendeu confrontar, portanto, a Política Nacional de
Assistência
Social
(gerida
atualmente
pela
Secretaria
de
Trabalho
e
Desenvolvimento Social – STDS) no Estado do Rio Grande do Sul, com a Lei de
Solidariedade (2002), mais especificamente as ações executadas por meio das
Carteiras de Projetos da Rede Parceria Social (2007 a 2010), com vistas a ampliar
o debate sobre a execução destas ações pelos diversos atores sociais que,
contraditoriamente, deveriam promover o controle social da política de assistência
social.
A tese em questão aponta para a desresponsabilização do Estado e a
ausência de controle social democrático desde a legalização dessas ações de
inclusão social referidas como política de assistência social. Essas ações não
seguem os princípios, normas e diretrizes SUAS, embora tenham utilizado
recursos públicos. E, por mais que a carteira de projetos da RPS/RS contribua
com alguns processos sociais relevantes, sua estrutura deslocada da Política
Nacional de Assistência Social reedita as velhas raízes conservadoras desta
política e, por consequência, vem a enfraquecê-la no Estado.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
29
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(Programa de Pós-Graduação em Serviço Social) Faculdade de Serviço Social,
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 2008.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
31
A CONSTRUÇÃO DA PARCERIA COM A REDE SOCIOASSISTENCIAL EM
PORTO ALEGRE: A EXPERIÊNCIA DO GT VÍNCULO SUAS
Marta Borba Silva9
Introdução
O debate sobre os serviços e as ações no campo da assistência social sob
a responsabilidade do poder público é recente na sociedade brasileira. Foi
afirmado em nível nacional, a partir da Constituição Federal de 1988, com a Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993, com a Política Nacional de
Assistência Social (PNAS) em 2004 e com o Sistema Único de Assistência Social
(SUAS). Mais recentemente é promulgada através da Lei de nº 12.435, de 6 de
julho de 2011.
Essa nova concepção de assistência como direito à proteção social tem
enormes desafios no enfrentamento da questão social e na afirmação de uma
política social pública que supõe a redução de fragilidades às vulnerabilidades e
aos riscos sociais a que todos estão expostos, por meio de caráter preventivo.
Dentre as diretrizes norteadoras da política, é reafirmada a centralidade e a
primazia do Estado na condução da assistência social com a consequente
pactuação entre os entes federados, o que muitas vezes encontra obstáculos
devido à lógica dada na sociedade brasileira no que diz respeito a práticas
conservadoras nesse campo.
Apresenta-se como um dos grandes desafios o entendimento do que é
ação estatal (destinado a todos) e práticas vinculadas a instituições privadas com
9
Assistente Social da Assessoria de Planejamento da Fundação de Assistência Social e Cidadania
- Prefeitura Municipal de Porto Alegre; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected].
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
32
ações voltadas ao assistencialismo ou dirigidas a algumas pessoas, conforme o
recorte de suas demandas e oferta da própria instituição. Faz-se necessário que a
gestão pública deixe de centralizar suas ações nos repasses de verbas para o
desenvolvimento de ações pelas entidades sociais, mediando ações de
benemerência ou caridade, e passe a criar soluções e respostas às necessidades
de proteção social da maioria da população, por meio inclusive de ações de
prevenção social na rede estatal.
O artigo apresenta a experiência vivenciada na cidade de Porto Alegre com
a discussão promovida pela Fundação de Assistência Social e Cidadania, órgão
gestor da política de assistência no município, junto às representações da
sociedade civil e conselhos de direitos que executam e fiscalizam os serviços no
chamado GT Vínculo SUAS, com o intuito de problematizar e aprofundar as
reflexões e as ações no âmbito da gestão da assistência social segundo os
parâmetros estabelecidos pela Política Nacional de Assistência Social em vigor no
Brasil.
Desafios
na
construção
de
parcerias
público-privadas
segundo
os
parâmetros do SUAS
A história já constituída da política de assistência social no Brasil remete à
reflexão do importante papel desenvolvido pelas entidades de assistência social
no que diz respeito à sua execução. Obtiveram ao longo dos anos legitimidade,
proporcionada pelo próprio Estado, ao prestarem atendimento aos chamados
necessitados de assistência sendo financiados, muitas vezes, com recursos
públicos.
Somente a partir do marco legal da Constituição Federal e demais
legislações subsequentes é que a assistência social passa a ter caráter de política
pública e, com isso, a ser regulada e a regular a sua execução com tal caráter.
Com a implantação, desde 2004, do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
33
no Brasil, a relação das entidades assistenciais com os órgãos gestores da política
passam, também, a ser regulados, pelo denominado Vínculo SUAS.
Pautado pelo reconhecimento da condição de parceiro da política pública
de assistência social, o vínculo se estabelece a partir do reconhecimento pelo
órgão gestor, da entidade, da identificação de suas ações nos níveis de
complexidade definidos pela PNAS e de sua possibilidade de inserção no
processo de trabalho em rede hierarquizada complementar, contemplando a
definição de instrumental dada no Sistema Único.
Outros dois elementos fundamentais na discussão do Vínculo SUAS diz
respeito à correlação de forças instituídas na definição da concepção única de
política de assistência social hoje em vigor e, também, na problematização da
execução dos serviços e ações gratuitos, continuados e planejados, sem qualquer
discriminação e sem exigência de contrapartida dos usuários.
A experiência que a cidade de Porto Alegre vem desenvolvendo nesse
momento de reordenamento da política previsto na PNAS teve início em junho de
2010 com a criação do GT Vínculo SUAS na Fundação de Assistência Social e
Cidadania, coordenado pela mesma. O Grupo de Trabalho apresenta entre seus
objetivos reunir-se sistematicamente com representantes do Conselho de
Assistência Social, com o Conselho da Criança e do Adolescente e com o Fórum
das Entidades do município de Porto Alegre, além do Conselho do Orçamento
Participativo, com o intuito de discutir as novas propostas de parceria entre
governo e sociedade civil previstas na PNAS e SUAS. Também discutir conteúdos
que possam subsidiar a participação das entidades e organizações na rede
socioassistencial de proteção social de assistência social na conformação do
vínculo SUAS.
Com o embasamento do marco legal e da experiência com a rede
conveniada na cidade, o Grupo reúne-se quinzenalmente, problematizando as
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
34
relações conveniais e metodologias já instituídas e as que necessitam ser
reordenadas para adequação dos serviços, programas e projetos.
Em julho do ano de 2011, foi aprovada a lei de criação do Sistema Único de
Assistência Social (12.435, de 6/07/2011) e, com isso, fica determinado em seus
artigos 3º e 6º a matéria que rege a relação e a parceria estabelecida com a
sociedade civil.
O artigo 3º da referida Lei traz a definição para entidades e organizações de
assistência social, inclusive deixando claro a diferença entre as instituições de
prestação, assessoramento e defesa e garantia de direitos aos beneficiários, tal
qual:
“Art. 3º Consideram-se entidades e organizações de
assistência social aquelas sem fins lucrativos que, isolada ou
cumulativamente, prestam atendimento e assessoramento
aos beneficiários abrangidos por esta Lei, bem como as que
atuam na defesa e garantia de direitos”.
§ 1º- São de atendimento aquelas entidades que, de forma
continuada, permanente e planejada, prestam serviços,
executam programas ou projetos e concedem benefícios de
prestação social básica ou especial, dirigidos às famílias e
indivíduos em situações de vulnerabilidade ou risco social e
pessoal, nos termos desta Lei, e respeitadas as deliberações
do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de que
tratam os incisos I e II do art. 18.
§ 2º- São de assessoramento aquelas que, de forma
continuada, permanente e planejada, prestam serviços e
executam programas ou projetos voltados prioritariamente
para o fortalecimento dos movimentos sociais e das
organizações de usuários, formação e capacitação de
lideranças, dirigidos ao público da política de assistência
social, nos termos desta Lei, e respeitadas as deliberações
do CNAS, de que tratam os incisos I e II do art. 18.
§ 3º- São de defesa e garantia de direitos aquelas que, de
forma continuada, permanente e planejada, prestam serviços
e executam programas e projetos voltados prioritariamente
para a defesa e efetivação dos direitos socioassistenciais,
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
35
construção de novos direitos, promoção da cidadania,
enfrentamento das desigualdades sociais, articulação com
órgãos públicos de defesa de direitos, dirigidos ao público da
política de assistência social, nos termos desta Lei, e
respeitadas as deliberações do CNAS, de que tratam os
incisos I e II do art. 18.”
Já o artigo 6º traz em seu bojo a definição da regulação da relação do
poder público com as entidades e as organizações de assistência social, o que se
considera um grande avanço na gestão da política de assistência e, também, o
reconhecimento oficial por parte do órgão gestor no que diz respeito a:
"Art. 6º- As proteções sociais básica e especial serão
ofertadas pela rede socioassistencial, de forma integrada,
diretamente pelos entes públicos e/ou pelas entidades e
organizações de assistência social vinculadas ao SUAS,
respeitadas as especificidades de cada ação.
§ 1º- A vinculação ao SUAS é o reconhecimento pelo
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome de
que a entidade de assistência social integra a rede
socioassistencial.
§ 2º- Para o reconhecimento referido no § 1º, a entidade
deverá cumprir os seguintes requisitos: I - constituir-se em
conformidade com o disposto no art. 3º; II - inscrever-se em
Conselho Municipal ou do Distrito Federal, na forma do art.
9º; III - integrar o sistema de cadastro de entidades de que
trata o inciso XI do art. 19.
§ 3º- As entidades e as organizações de assistência social
vinculadas ao SUAS celebrarão convênios, contratos,
acordos ou ajustes com o poder público para a execução,
garantido financiamento integral, pelo Estado, de serviços,
programas, projetos e ações de assistência social, nos
limites da capacidade instalada, aos beneficiários abrangidos
por
esta
Lei,
observando-se
as
disponibilidades
orçamentárias.
§ 4º- O cumprimento do disposto no § 3º será informado ao
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
pelo órgão gestor local da assistência social.”
Diante das questões explicitadas na legislação mencionada, os debates
ocorridos no GT Vínculo SUAS buscavam esclarecer e cumprir o que está previsto
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
36
na PNAS. São muitas as dúvidas que necessitam ser esclarecidas e ajustes a
serem feitos, de forma a reordenar serviços, projetos e programas de atendimento.
Os paradigmas, que por muito tempo se cristalizaram, necessitam, por vezes,
serem revistos, causando também certos desconfortos tanto pelo lado do poder
público como por parte da sociedade civil.
Urge a necessidade de estabelecer, na prática, as regras da parceria,
deixando claro que a efetividade da relação contratual se dá na garantia de
direitos aos usuários da política de assistência, que extrapolam o arcabouço legal
somente.
Considerações Finais
Ao
término
dessas
reflexões
destaca-se,
portanto,
uma
questão
fundamental no processo de implantação e implementação do SUAS: como
garantir o exercício do Vínculo SUAS para além do arcabouço jurídico /legal?
Entende-se que o processo de discussão iniciado pela Fundação de
Assistência Social e Cidadania junto às entidades de assistência social
conveniadas com o poder público, juntamente com os conselhos de direitos,
demonstra um exercício rumo à democratização e definições nas formas de
atendimento e concepção de assistência social como política pública. Outro
aspecto importante a considerar é a participação dos Conselhos no GT Vínculo
SUAS, pois traduz a importância do controle social nesse processo, dando
legitimidade e transparência ao mesmo, bem como as ações de referência,
monitoramento e avaliações executadas pelo gestor público junto às entidades,
afirmando o compromisso estabelecido por ambas por meio de seus contratos.
Por fim, percebe-se que é somente em debates em fóruns como o GT
Vínculo SUAS que se aprofundam e se estabelecem novas relações, repactuando
muitas vezes o novo, mas tendo clareza que o processo histórico se reafirma a
cada instante dessas construções. O desafio do debate democrático está posto!
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
37
Referências Bibliográficas
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política
Nacional de Assistência Social. Brasília: Secretaria Nacional de Assistência Social,
Brasília, 2004.
_________________________________________________________. Conselho
Nacional de Assistência Social. Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009,
Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, Brasília, 2009.
________________________________________________________.
Lei
nº
12.435 Criação do Sistema Único de Assistência Social (de 6 /07/2011), Brasília,
2011.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
38
O ACESSO AOS RECURSOS PÚBLICOS ATRAVÉS DOS INCENTIVOS
FISCAIS
Maurício Vian10
Introdução
Vamos começar com uma pergunta: os incentivos fiscais são um direito ou
um favor concedido pelo Estado? A resposta, em nossa opinião, é óbvia. Estamos
falando de um direito garantido na Constituição Federal ao consagrar a
democracia participativa, através, especialmente, dos artigos 1º e 204. Essa
democracia participativa não pode ser entendida somente no campo da
formulação e controle das políticas públicas, mas também na área das finanças
públicas, e os incentivos são uma forma de viabilizar esse direito do cidadão e das
instituições. Portanto, este artigo vai tratar de um direito e não de um privilégio.
A partir dessa fundamentação legal, pode-se concluir que todos somos
cogestores do orçamento público, com a responsabilidade de propor e deliberar
sobre a forma mais eficiente e eficaz da aplicação dos recursos.
Uma diretriz constitucional no campo das políticas sociais é a da
descentralização e da municipalização. E os incentivos fiscais são um dos
instrumentos indispensáveis para o cumprimento desse princípio porque, através
deles, especialmente federais, parcelas de tributos podem permanecer nas
entidades de atuação municipal ou estadual.
Nos últimos anos, especialmente a partir dos 90, como já tem sido
amplamente divulgado, houve um crescimento gigantesco das organizações do
chamado Terceiro Setor (TS). Somente para exemplificar, de 2002 a 2006, o
número de fundações privadas e associações sem fins lucrativos passou de 276
10
Especialista em Sociedade, Cultura e Política da América Latina pela UFRGS, docente de
Sustentabilidade/Captação de Recursos dos Cursos de Especialização em Gestão do TS da FIJO,
autor de manuais e artigos sobre fontes de recursos para Organizações da Sociedade Civil,
representante do SAS/Cáritas no GT3S. E-mail: [email protected]
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
39
mil para 338 mil, segundo levantamento feito pelo IBGE, IPEA, GIFE e ABONG.
Juntamente
com
esse
crescimento,
entretanto,
surgiu
o
desafio
da
sustentabilidade e da mobilização de recursos para a realização da causa e
cumprimento das finalidades dessas organizações, sendo o tema da captação de
recursos, hoje, presença permanente na agenda do TS. São várias as fontes de
recursos para as organizações sem fins lucrativos, destacando-se os indivíduos,
as empresas, o Estado, as Fundações e autossustentabilidade através da venda
de produtos. Neste artigo, abordaremos a fonte – Estado – e somente na área dos
incentivos fiscais federais do Imposto de Renda e, ainda de forma muito resumida,
destacando que as entidades do TS são um serviço público, embora não estatal.
Conceitos
Para uma melhor compreensão desse assunto trazemos, de forma simples
e resumida, alguns conceitos básicos:
 Imunidade: é uma limitação constitucional do poder de tributar ou
desoneração tributária por disposição constitucional.
 Tributo: é todo e qualquer valor pago ao poder público, como impostos,
taxas, serviços, encargos e tarifas.
 Incentivo: é o abatimento ou isenção de impostos ou taxas.
 Imposto: é um tributo sem uma atividade estatal específica em
contrapartida.
 Taxa: é um tributo pela prestação de um serviço específico.
Principais requisitos
Para o acesso aos incentivos fiscais, elencamos a seguir as principais
condições, esclarecendo que não são todas exigidas para cada incentivo e outras
somente requeridas para a dedução de determinados tributos.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
40
Para a Entidade do TS:
 Cópia autenticada do Estatuto
 Cópia autenticada da eleição da Diretoria
 Cópia do CNPJ
 Registro, inscrição ou cadastro no respectivo Conselho ou Órgão (da criança e
do adolescente, da assistência social, da cultura...)
 Certificado de Utilidade Pública Estadual ou Federal
 Qualificação de OSCIP Estadual ou Federal
 Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS)
 Plano de ação
 Relatório de atividades
 Desenvolvimento de atividades na área afim (idoso, criança e adolescente,
esporte...)
 Apresentação e aprovação de projeto (roteiro geralmente estabelecido pelo
órgão)
 Observância dos editais
 Apresentação de certidões negativas
Para a Pessoa Jurídica:
Para a fruição do benefício fiscal em âmbito federal nas doações, nos
limites adiante especificados, ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente
(FIA), Fundo do Idoso, Projetos Culturais, Audiovisuais ou Desportivos, um dos
requisitos fundamentais, é a empresa adotar o sistema do lucro real. A doação
poderá ser deduzida do imposto de renda devido no trimestre para as empresas
que apuram o imposto trimestralmente e mensalmente e, no ajuste anual, para as
pessoas jurídicas que apuram o imposto anualmente, calculado sobre a alíquota
de 15%. O valor da doação deve ser pago dentro do próprio período-base, isto é,
até 31 de dezembro.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
41
Para a Pessoa Física:
Para gozar do desconto do imposto de renda, nos limites adiante
especificados, nas doações ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente
(FIA), Fundo do Idoso, Projetos Culturais, Audiovisuais ou Desportivos, as
pessoas físicas devem adotar o formulário completo na sua declaração do
imposto de renda. A atual legislação estabelece que o pagamento deva ser
efetuado no ano-base, enquanto que sua dedutibilidade fiscal dar-se-á no
exercício seguinte, por meio da Declaração de Ajuste Anual. A única exceção – e
muito positiva e favorável – refere-se às doações, em espécie, ao FIA, introduzida
pela Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, e IN RFB nº 1.246, de 03 de
fevereiro de 2012, que possibilitam a destinação, em espécie, em até 3%,
efetuadas no ano da apuração do Imposto de Renda, até a data do ajuste no
vencimento da primeira quota, observando sempre o limite anual e global máximo
de dedutibilidade de 6% do imposto devido, conforme determina a Lei nº
9.532/1997 e a IN RFB nº 1.131/2011.
Para superar essa dificuldade por parte dos doadores, isto é, de 3% da
dedução somente ser efetivada no ano seguinte, já há empresas que adiantam o
valor das doações para o FIA aos empregados que assim o desejarem.
O Estado do Rio Grande do Sul também adotou esse modelo, através da
Lei nº 13.069, de 19 de novembro de 2008. Esta lei faculta ao Estado, Tribunal de
Contas, Ministério Público, Defensoria e às entidades da Administração Indireta a
antecipar os valores a serem doados por contribuintes agentes públicos estaduais
ao Fundo Estadual para a Criança e o Adolescente. Os valores antecipados são
descontados do agente nos meses de setembro, outubro e novembro do exercício
seguinte ao da efetivação das doações.
Municípios também já estão adotando esse mecanismo facilitador do
aumento de doações de pessoas físicas ao FIA, seguindo o modelo do Estado,
sendo o pioneiro o município de Porto Alegre, através da Lei nº 10.979, de 23 de
dezembro de 2009.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
42
A legislação estadual e municipal acima referida foi promulgada antes da
Lei 12.594 e deverá, no nosso entendimento, continuar para motivar as doações
ao FIA, particularmente dos 3% que somente podem ser efetuados no ano-base e
sua dedutibilidade ser feita no exercício seguinte.
Relação dos Principais Incentivos Fiscais – Âmbito Federal
Apresentamos a seguir os percentuais possíveis de dedução nas doações,
tanto das pessoas jurídicas, como das físicas, além de algumas outras
informações. Tendo em vista as limitações fixadas para este trabalho, informamos
que as determinações e requisitos mais detalhados encontram-se nos sites dos
ministérios, secretarias e órgãos responsáveis pela legislação referente aos
incentivos fiscais. Também sugerimos, sem desmerecer outras referências
bibliográficas, o Manual de Incentivos Fiscais do Conselho Regional de
Contabilidade do Rio Grande do Sul, já em sua quarta edição, que indica os
objetivos, a base legal, os procedimentos, os comprovantes, a contabilização e
exemplos, cujo conteúdo também está no respectivo portal da entidade www.crcrs.org.br. (Obviamente não se encontram neste Manual as alterações
legais introduzidas em 2012 referentes às doações ao FIA e ao Fundo do Idoso,
entre outras, tendo em vista que o referido Manual foi editado em 2011. Mas,
tivemos a informação que essas alterações estarão na 5ª edição do Manual do
CRT/RS, em breve).
Doações às Entidades com Certificado de Utilidade Pública Federal
 Possibilidade de dedução até o limite de 2% do lucro operacional nas
doações das pessoas jurídicas, antes de computada a própria dedução
(lucro real). É contabilizada como despesa operacional.
 As doações também podem ser em bens. Neste caso, devem ser feitas,
mediante emissão de nota fiscal em nome da entidade favorecida, pelo
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
43
valor residual contábil ou valor de mercado, mediante laudo de avaliação
assinado por perito ou empresa especializada.
 A pessoa jurídica doadora manterá em arquivo, à disposição da
fiscalização, declaração fornecida pela entidade beneficiária conforme
modelo aprovado pela Instrução Normativa 87, de 31/12/1996, da
Secretaria da Receita Federal.
 Desde 1996, através da Lei nº 9.250, as pessoas físicas não estão
autorizadas a deduzir de seu imposto de renda as doações efetuadas a
estas entidades. Porém, devem ser convidadas e motivadas a contribuir,
como gesto de solidariedade, especialmente para a causa em que mais se
identificam ou conscientizadas para a mesma.
Doações às Entidades Reconhecidas como OSCIP Federal
 É facultada à empresa doadora (lucro real) a dedução para fins de imposto de
renda até o limite de 2% do seu resultado operacional, antes de computada a
sua própria dedução.
 As doações também podem ser em bens, conforme já especificado no item das
doações às entidades declaradas de Utilidade Pública Federal.
 As pessoas físicas não têm dedução do imposto de renda sobre os valores
doados em dinheiro ou em bens para as Oscips.
Doações aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente
 Pessoa Física: dedução nas doações realizadas no ano-calendário até o limite
de 6% do imposto de renda devido no ajuste anual do exercício seguinte. Pode
optar pela dedução no ano do exercício da Declaração Anual até a data do
Ajuste, das doações, em espécie, devidamente comprovadas, desde que
limitadas a 3% do imposto devido, observado o limite global de 6%. Neste limite
global, estão também incluídas as destinações incentivadas para o Fundo do
Idoso, Lei Rouanet, Audiovisual e Esportes.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
44
 Pessoa Jurídica: incentivo fiscal com dedução de aportes efetuados até o limite
de 1% do imposto de renda devido, calculado sobre a alíquota de 15%.
 As doações efetuadas em moeda devem ser depositadas em conta específica,
em instituição financeira pública, vinculada ao respectivo fundo.
 As doações também podem ser em bens móveis e imóveis tanto para as
pessoas físicas como as jurídicas. No caso das pessoas físicas, o doador
deverá comprovar a propriedade dos bens, mediante documentação hábil e
considerar como valor o constante na última declaração do imposto de renda,
desde que não exceda o valor de mercado. Para as pessoas jurídicas, o valor
contábil dos bens, além de outras exigências, está especificado na Lei nº
12.594/2012, art. 260-D.
 Os órgãos responsáveis pela administração das contas do Fundo devem emitir
recibo em favor do doador, assinado por pessoa competente e pelo presidente
do conselho correspondente, especificando:
- número de ordem;
- nome, número de inscrição no CNPJ do respectivo fundo que o Conselho
administra e endereço do emitente;
- nome, CPF ou CNPJ do doador;
- data da doação e valor efetivamente recebido; e
- ano-calendário a que se refere a doação.
No caso de doação de bens, o comprovante deve conter a identificação dos
bens, além das demais exigências descritas na Lei nº 12.594/2012, art. 260-D, §
2º.
Também, os Conselhos, segundo a Lei acima referida, arts. 260-G e I,
deverão divulgar as ações prioritárias para a aplicação dos recursos, os requisitos
para
a
apresentação
dos
projetos,
entre
outras
obrigações,
além
da
obrigatoriedade de prestar informações à Receita Federal, por meio da Declaração
de Benefícios Fiscais (DBF), em meio digital, dentro do prazo estabelecido, das
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
45
contribuições, com o nome dos contribuintes, pessoas físicas e jurídicas, CPF ou
CNPJ e o valor da doação recebida, em espécie ou em bens, seguindo as INs
RFB nº 1.131/2011 e 1.220/2011. A Receita deverá baixar orientações referentes
à DBF quanto às doações (3%) realizadas no ano-calendário até a data da
Declaração do Ajuste Anual, evitando, desta forma, problemas aos doadores e
outras Instruções que julgar necessárias, previstas no art. 260-L da Lei nº
12.594/2012.
Doações para os Fundos do Idoso
Pessoa Física: possibilidade de dedução de até 6% do imposto devido nas
doações efetuadas durante o ano em curso, fruindo do benefício fiscal na
Declaração de Ajuste Anual do exercício seguinte.
 Pessoa Jurídica: possibilidade de dedução nas doações até o limite de 1% do
imposto devido, calculado à alíquota de 15%.
 As doações também podem ser em bens.
 O Conselho do Idoso deverá emitir comprovante das doações.
 O Conselho também deverá, anualmente, até o último dia útil de março do ano
seguinte ao das doações, encaminhar à Receita Federal a Declaração de
Benefícios Fiscais (DBF), obedecendo aos INs nº 1.131/2011 e 1.220/2012.
Doações para Atividades Culturais e Artísticas
 Pessoa Física: possibilidade de dedução até o limite de 6% do imposto
apurado na Declaração de Ajuste Anual das quantias despendidas no anocalendário anterior a título de doações ou patrocínios, tanto mediante
contribuições ao Fundo Nacional da Cultura, na forma de doações, como no
apoio direto a programas, projetos e ações culturais, enquadrados nos
objetivos do Programa Nacional de Apoio à Cultura.
 Pessoa Jurídica: faculdade de dedução nas doações até o limite de 4% do
imposto devido, calculado sobre a alíquota de 15%.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
46
 Há limites específicos nas formas de participação: doação, patrocínio,
prestação de serviços e fornecimento de material.
 A pessoa física ou jurídica responsável pelo projeto cultural deve emitir
comprovantes, sob a forma e modelo definidos pelo MinC em favor do doador
ou patrocinador.
 O MinC enviará as informações necessárias à Receita Federal, através da
Declaração de Benefícios Fiscais (DBF), conforme determinam as INs da RFB
nº 1.131/2011 e 1.220/2011.
Doações para Atividades Desportivas
 Pessoa Física: até 6% do imposto de renda devido é o limite da dedutibilidade
nas doações ou patrocínio para projetos desportivos e paraesportivos
previamente aprovados pelo Ministério do Esporte, destinados a promover a
inclusão social, preferencialmente em comunidades de vulnerabilidade social.
 Pessoa Jurídica: até 1% do imposto de renda devido, calculado sobre a
alíquota de 15%, nas doações ou patrocínio.
 A pessoa jurídica responsável pela execução do projeto deve possuir controles
próprios, onde registre, de forma destacada, a despesa e a receita do projeto,
bem como manter em seu poder todos os comprovantes e documentos a ele
relativos, pelo prazo decadencial.
 O Ministério do Esporte deve enviar as informações necessárias à RFB, através
da DBF, conforme determinam as INs RFB nº 1.131/201 e 1.220/2011.
Limites Globais
Pessoa Física: Os limites de abatimento apontados anteriormente de
abatimento de até 6% nas doações para cada uma das diversas políticas, isto é,
Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, Fundo do Idoso, Atividades
Culturais e Artísticas, Audiovisuais e Atividades Desportivas estão sujeitos,
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
47
segundo a Lei nº 9.532/97, art. 22, ao limite global de 6%, não sendo aplicáveis
limites específicos a quaisquer dessas deduções. Assim a pessoa física pode
distribuir os investimentos em vários incentivos ou num só, desde que não
ultrapasse a 6% do imposto de renda devido ao ano.
Pessoa Jurídica: Enquanto a legislação anterior estabelecia para o limite
global de dedutibilidade de 1% entre as contribuições ao FIA e ao Fundo do Idoso,
a nova legislação, isto é, a Lei nº 12.594/2012 concedeu o benefício fiscal de 1%
para o FIA e mais 1% para o Fundo do Idoso, isoladamente. Não competem ou
partilham mais entre si. A dedução de até 1% do imposto devido nas doações ao
FIA, ao Fundo do Idoso são independentes dos incentivos fiscais da Lei Rouanet,
do Audiovisual e do Desporto.
Estados e Municípios
Há Estados e municípios com leis próprias com incentivos fiscais para
projetos culturais e/ou sociais com dedução do ICMS ou IPTU e ISQN.
Como exemplo, a seguir, vamos comentar uma Lei Estadual do Rio Grande
do Sul que é relativa à dedução do ICMS nas doações de empresas, neste caso
para projetos sociais, esclarecendo que o Estado também tem uma Lei de
Incentivo a projetos culturais o - PRÓ-CULTURA e para projetos esportivos o –
PRÓ-ESPORTE (Lei 12.924 de 17 de janeiro de 2012).
Programa de Apoio à Inclusão e Promoção Social – PAIPS (Lei da
Solidariedade)
Em âmbito estadual, o governo do Rio Grande do Sul instituiu, através da
Lei nº 11.853, em 2002, o Programa de Apoio à Inclusão e Promoção Social,
concedendo incentivos fiscais às empresas doadoras de recursos para projetos
sociais.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
48
A pessoa jurídica pode financiar projetos sociais, na sua totalidade,
compensando até 100% do valor em créditos do ICMS-RS a serem descontados
mensalmente (crédito fiscal presumido) na GIA, de acordo com a tabela
estabelecida na Lei nº 12.761/07, e recolhendo 25% sobre esse total para dois
fundos conforme discriminado abaixo:
- As empresas devem destinar 5% do valor do projeto para a constituição de
fundos financeiros permanentes para a sustentabilidade das organizações que
atenderem os requisitos do art. 4º da Lei nº 12.761/07 e os outros 20% para o
Fundo Estadual de Inclusão Produtiva (FEIP), conforme preceitua a Lei nº
13.924/12.
- Os projetos devem ser para o público alvo da LOAS e ter a finalidade de
proteção à família, à infância, ao idoso, à promoção da integração ao mercado de
trabalho, entre outros objetivos voltados à inclusão social.
- A legislação estabelece algumas condições tanto para as empresas como para
as entidades participantes, no caso das entidades, por exemplo, registro no CMAS
e STDS.
- Os projetos devem ter parecer favorável da Câmara Técnica e aprovação do
Conselho Estadual da Assistência Social (CEAS).
Imunidades e Isenções
As imunidades garantidas na CF, em seu art. 150, e as isenções, entre outras, da
cota patronal, das entidades com Cerificado Beneficente de Assistência Social
(CEBAS – embora fundamentais, não foram comentadas neste artigo porque não
estavam na finalidade deste trabalho).
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
49
Propostas
Uma comissão de especialistas, que tivemos a honra de coordenar, do
Grupo de Trabalho para do TS (GT3S) elaborou, em 2011, um documento
contendo os principais problemas referentes ao acesso aos recursos públicos com
indicação de propostas para a melhoria na legislação. Destacamos duas
propostas no nível municipal, apesar da concentração de recursos fiscais em
âmbito federal que está exigindo uma reforma tributária.
- Através de Lei Municipal, possibilitar a dedução, de percentual a ser
estabelecido, do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre
Serviços de Qualquer Natureza (ISQN) nas doações de pessoas físicas e jurídicas
a projetos sociais de entidades sem fins lucrativos, legalmente constituídas e
registradas, aprovados por conselhos deliberativos e paritários da respectiva
política social (criança e adolescente, idoso...). O Tribunal de Contas do Estado do
Rio Grande do Sul tem parecer favorável, desde que seguidas algumas
exigências.
- Criação de leis municipais, facultando aos servidores a destinação de 3% do seu
Imposto de Renda ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente,
sendo a mesma antecipada pelo governo municipal. O total do limite da dedução é
de 6%, mas a Lei nº 12.594/2012 possibilita que até o limite de 3% do imposto
devido possa ser efetuado até a data do Ajuste Anual do Imposto de Renda. Os
valores correspondentes à antecipação do Poder Municipal serão descontados
dos contribuintes em meses a serem estabelecidos no exercício seguinte ao da
efetivação das doações, a exemplo da Lei Estadual nº 13.069/2008 e da Municipal
de Porto Alegre nº 10.979/2009.
Serão estas propostas uma miragem? Uma fantasia? Para aqueles que
ainda não sabem o poder econômico, político e social que as organizações do TS
têm, a resposta é sim. Para os gestores que têm consciência que essas entidades
prestam um serviço público não estatal, a resposta é não. Nada é impossível para
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
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quem acredita em seus sonhos. É do DNA das entidades do TS viverem e lutarem
por uma causa, por uma paixão e ter sonhos. Ou é proibido sonhar na construção
de uma sociedade justa, democrática e plural, através da solidariedade e da
inclusão social?
(Nota: a Legislação citada no texto está atualizada até julho de 2012)
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O EXERCÍCIO DO CONTROLE SOCIAL DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL PELA SOCIEDADE CIVIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Loiva Mara de Oliveira Machado11
INTRODUÇÃO
O contexto atual tem sido marcado pelo agravamento das múltiplas
expressões da questão social, especialmente no que se refere à desigualdade
social, ao desemprego estrutural, à flexibilização de direitos trabalhistas e à
violação de direitos humanos, entre tantos outros processos que põem em risco o
desenvolvimento da vida em todas as suas dimensões. Diante dessa realidade, o
“controle social” se constitui como tema relevante para a viabilização de políticas
públicas, especialmente na área social.
Para que estas políticas superem a lógica da focalização e da aplicação de
recursos ínfimos, é necessário que a sociedade civil exerça o controle social sobre
as ações do Estado. Isso implica a participação efetiva de diferentes segmentos
da sociedade em espaços de proposição e deliberação. No Brasil, a partir das
prerrogativas asseguradas na Constituição Federal de 1988, estes espaços são
identificados principalmente através de conferências, conselhos e fóruns. Esses
são espaços institucionalizados na estrutura de Estado e precisam ser
constantemente permeados por demandas e mobilizações da sociedade.
O presente trabalho tem como objetivo socializar alguns resultados da
pesquisa realizada junto ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social –
PUC/RS – Mestrado em Serviço Social. A pesquisa teve como objetivo geral:
11
Assistente Social, Mestre em Serviço Social (PUCRS). Doutoranda do Programa de Pós Graduação em
Serviço Social (PPGSS-PUCRS). Integrante do Núcleo de Pesquisas em Demandas e Políticas Sociais
(NEDEPS). Assessora do Programa “Defesa e promoção de direitos, mobilizações e controle social de
políticas públicas”, da Cáritas Brasileira - Regional do Rio Grande do Sul. Professora do Curso de Serviço
Social, da Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul (FISUL).
E-mail:
[email protected]
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
52
analisar como a sociedade civil vem exercendo o controle social da política de
assistência social, em âmbito estadual, no período de 1999-2007, no Rio Grande
do Sul.
O referencial teórico-epistemológico da pesquisa esteve voltado ao método
do Materialismo Dialético Crítico. Tratou-se de uma pesquisa centrada em uma
perspectiva qualitativa, embora o seu desenvolvimento possibilitasse a apreensão
de elementos quantitativos, em vista de sua qualificação. A escolha do período se
deve à importância de desvendar como aconteceu o exercício do controle social,
da Política de Assistência Social, pela sociedade civil, no Rio Grande do Sul,
considerando as artimanhas do contexto social, econômico e político. Esses oito
anos correspondem a dois mandatos de Governo Estadual e Federal, com
alternância de poder entre partidos inscritos em tendências identificadas
essencialmente como de direita e esquerda, portanto, que apresentam
características políticas diversas.
A pesquisa teve como foco prioritário a análise em torno da participação da
sociedade civil no controle social da Política de Assistência Social e como lócus o
Conselho Estadual de Assistência Social (CEAS) e o Fórum Estadual de
Assistência Social Não Governamental (FEAS), na medida em que esses dois
espaços constituem-se lugares privilegiados para o controle social da Política de
Assistência Social, em âmbito estadual, no Rio Grande do Sul. O Conselho,
enquanto espaço institucionalizado, de caráter deliberativo e com representação
paritária entre sociedade civil e governo; e o Fórum, como espaço não
institucionalizado, com participação espontânea de segmentos da sociedade civil,
mas ambos com potencial específico para o exercício do controle social. As
pessoas entrevistadas representaram segmentos da sociedade civil que atuam
nesses espaços: usuários, entidades prestadoras de serviço e organizações de
trabalhadores da assistência social.
A coleta de dados foi realizada mediante a técnica de entrevista (coletiva e
individual) e grupo focal. Como instrumentos, foram utilizados formulários de tipo
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semiestruturado para entrevista coletiva, individual e grupo focal. Ao todo foram
realizadas cinco entrevistas sendo três na modalidade coletiva, com entidades que
tiveram participação contínua no CEAS, e duas entrevistas individuais, com
entidades fundadoras do Fórum Estadual de Assistência Social.
O grupo focal foi constituído por oito componentes: duas pessoas
convidadas (uma na qualidade de observadora e outra como relatora) e, por seis
pessoas que atuam na Política de Assistência Social, no CEAS, no FEAS ou em
ambos. A representação neste grupo contemplou os três segmentos, sendo dois
representantes dos usuários, dois de entidades prestadoras de serviço e dois de
organizações de trabalhadores da assistência social.
A interpretação dos dados se desenvolveu a partir da articulação entre
dados empíricos e referenciais teórico-metodológicos utilizados no processo de
investigação. A análise dos dados pesquisados foi desenvolvida através da
técnica de análise de conteúdo, com referencial em Bardin (2004). O resultado
desse processo se traduziu em “desafios e perspectivas”, os quais foram
verificados em cada uma das quatro categorias analíticas da pesquisa: concepção
da Política de Assistência Social, publicização, formação e participação.
A concepção de Estado e sociedade civil desenvolvida no estudo assumiu a
perspectiva de Estado Ampliado, do legado gramsciano, formado por sociedade
política e sociedade civil. Os resultados evidenciam que o controle social é um
processo em disputa, o qual poderá ter maior ou menor impacto na mudança da
realidade e na efetividade da Política Pública de Assistência Social, de acordo
com as concepções sobre esta política, por parte de cada segmento, a
publicização de informações, os processos formativos e o nível de participação
cidadã dos sujeitos envolvidos.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
54
Sociedade civil na realizada brasileira: destaques sobre sua origem e
composição
O termo “sociedade civil” foi introduzido na pauta da sociedade brasileira a
partir de 1970, em plena ditadura militar. “Um dos principais eixos articuladores da
sociedade civil, naquela época, era dado pela noção de autonomia. Tratava-se de
organizar a população, independentemente do Estado” (GOHN, 2002, p. 74). O
foco da articulação estava voltado aos movimentos populares. A sociedade civil
expressava a organização, participação e autonomia da população civil frente à
ditadura do regime militar.
Com o término do regime militar, nos anos 80, a questão da “autonomia” dá
lugar à “parceria”, ou seja, a sociedade civil começa a participar da construção de
políticas em vista da redemocratização do Estado. “A sociedade civil se amplia
para se entrelaçar com a sociedade política, colaborando para o caráter
contraditório e fragmentado que o Estado passa a ter nos anos 90” (GOHN, 2005,
p. 77). A centralidade, que antes estava nos movimentos populares, vai sendo
substituída pela capacidade de articulação com outros atores, em vista da
construção de políticas públicas.
Esse processo se aprofunda ao final da década de 90, quando a sociedade
civil é chamada a complementar a ação estatal através da viabilização de políticas
na área social. Cria-se um novo setor, a esfera pública não estatal, localizada
entre Estado e mercado, “de caráter não governamental, não mercantil e não
partidário” (SIMIONATTO, 2006, p. 12), responsável pela promoção e articulação
entre público e privado. Trata-se de um “terceiro setor”, que emerge como
alternativa à crise da sociedade salarial, buscando se constituir frente à fragilidade
do Estado no que se refere à oferta de bens e serviços sociais. Neste novo
contexto, há o desafio de superar a tendência de desresponsabilização do Estado
no trato do social e de sua inclinação à subordinação pelo econômico.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
55
Outro desafio se refere ao tema sociedade civil, no sentido de não elevá-lo
a um grau de valorização maior do que ele realmente representa. Por vezes, pode
ser concebida como “Terra Prometida” capaz de resolver todos os problemas e
malefícios do mundo. Um espaço no qual existem e se desenvolvem, de forma
espontânea, apenas boas qualidades. “Sua simples menção funciona como uma
invocação mágica capaz de exorcizar as potências do mal, dissipar as angústias e
convocar todas as forças positivas contidas no social” (ACANDA, p.16).
Sociedade civil e sociedade política caracterizam-se como espaços
permeados por contradições e disputas, portanto, nenhum deles tem poderes
messiânicos, tampouco um está relacionado ao bem e outro ao mal. Seus limites e
potencialidades são fundamentais à construção da esfera pública. Esta se
materializa na inter-relação entre sociedade civil e sociedade política, exige o
exercício da democracia, ou seja, a participação dos cidadãos e cidadãs, no
destino da nação, independentemente de gênero, raça, etnia, geração, classe
social, credo e orientação sexual.
Bidarra (2006) refere que esfera pública e espaço público, embora
apresentem finalidades semelhantes, são espaços diferenciados no que se refere
à sua configuração e incidência na relação com o Estado. O espaço público
corresponde à organização específica de segmentos que integram a sociedade
civil. Trata-se de um espaço autônomo, de interação de atores da sociedade civil,
o qual está mais voltado à perspectiva da participação direta da sociedade civil.
Portanto, o espaço público é o lugar,
onde interesses possam se fazer representar, ganhar visibilidade e
legitimidade nas razões e valores que lhes conferem validade,
permitindo, no cruzamento dos conflitos que expressam, a construção de
parâmetros públicos que reinventem a política no reconhecimento de
direitos como medida de negociação e deliberação de políticas que
afetam a vida de todos (TELLES, 2001, p. 93).
A esfera pública, enquanto elemento constitutivo do processo de
democratização do Estado é resultado de conflitos, disputas de interesses e
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
56
articulação de propostas, entre sociedade civil e sociedade política, no que se
refere à garantia de direitos, de políticas públicas e da gestão democrática do
Estado.
A marca distintiva da esfera pública seria a sua condição de ser o lócus
da participação sociopolítica na formulação, na deliberação, na execução,
no controle e na gestão das políticas públicas (BIDARRA, 2006, p. 50).
Em meio à diversidade (dos sujeitos, organizações, concepções...),
permanece o desafio de construir processos articulados, mediante a valorização
das potencialidades presentes na sociedade civil e na sociedade política na
perspectiva do fortalecimento da esfera pública, como expressão da luta pela
garantia e ampliação de direitos e efetivo controle social de políticas públicas,
alicerçadas na justiça social.
Controle social da Política de Assistência Social, do que se trata afinal?
Considerando a formação sócio-histórica do Brasil, é possível analisar que
até 1988, as políticas sociais não eram viabilizadas como direito e, tampouco,
assumiam caráter público e universal. O tema das políticas sociais, como direito
de cidadania, tem sido recorrente a partir da promulgação da Constituição Federal
de 1988, que aponta para a perspectiva de construção de um Estado Democrático
de direito. Para que as garantias firmadas nesse estatuto legal sejam
concretizadas, é fundamental a implantação de políticas de interesse “público”,
orientadas à materialização de direitos firmados em lei, que decorrem de
necessidades concretas da população.
Toda a política pública se caracteriza pela abrangência universal, não
discriminatória. Não se trata de política de um governo específico e, tampouco, de
uma matriz partidária. Trata-se de uma ação continuada destinada ao atendimento
do público, com sentido de universalidade e totalidade.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
57
Por meio das políticas públicas é que são formulados, desenvolvidos e
postos em prática programas de redistribuição de bens e serviços,
regulados e providos pelo Estado, com a participação e o controle da
sociedade (PEREIRA, 2002, p. 223).
Para que o caráter “público” se efetive, é fundamental o exercício do
controle social, da sociedade civil organizada sobre as ações do Estado. O termo
“controle social” tem origem na sociologia norte-americana, no século XX,
enquanto mecanismo de cooperação e de coesão voluntária. Tratava-se da
capacidade da sociedade em se autorregular, sem a influência do Estado ou do
uso da força, buscando a “onipresença de uma integração social” (ALVAREZ,
2004, p. 169). Na realidade brasileira, o controle social foi tomando dimensões
diferenciadas, considerando as diferentes formas de governo e exercício do poder.
Assim, pode ser concebido de duas formas principais: controle do Estado sobre a
sociedade civil, com o objetivo de conservação de privilégios e manutenção da
ordem social, ou controle da sociedade civil sobre as ações do Estado, na
perspectiva da garantia de direitos e de políticas públicas, o que não exclui a
busca de privilégios por parte de alguns segmentos. Em ambos os casos, o
controle social se constitui como base e instrumento de construção de um projeto
societário, que poderá fortalecer os interesses das classes dominantes ou das
classes subalternas12.
Considerando a perspectiva gramsciana de Estado Ampliado formado por
“sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção”
(GRAMSCI, CC3, 2007, p. 244), é oportuno referir que a sociedade política ou
Estado, em sentido restrito, traduz-se como espaço contraditório, na medida em
que, por um lado, está comprometido com a viabilização de interesses das classes
12
Classes subalternas é um conceito do legado gramsciano, descrito pelo autor a partir do histórico dos
grupos sociais subalternos da Idade Média, em Roma, os quais representam um conjunto contraditório e
diversificado de situações de exploração, seja ela econômica, social e política, que leva à subalternidade uma
parcela da população. “Com frequência, os grupos subalternos são originalmente de outra raça (outra cultura
e outra religião) em relação aos dominantes e, muitas vezes, são uma mistura de raças diversas, como no
caso dos escravos” (GRAMSCI, CC5, 2002, p. 138).
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
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dominantes e, por outro, busca a incorporação de interesses das classes
subalternas. Já a sociedade civil se caracteriza por uma composição não
homogênea, ou seja, uma sociedade civil plural, formada por entidades,
organizações, movimentos sociais, associações, ONGs, entre outros, que
apresenta interesses antagônicos no seu interior e também é permeada por
contradições e disputa de interesses.
Nesse contexto, o controle social da sociedade civil sobre as ações do
Estado se constitui como instrumento necessário à viabilização de políticas
públicas com vistas à consolidação de direitos. Esse tipo de controle pode ser
concebido como uma “forma de ação reguladora, resultante da participação
popular nas instâncias estatais e/ou ações governamentais” (SILVA, 2007, p. 183).
Poderá contribuir para que as políticas públicas se desenvolvam de modo a
responder às necessidades sociais da população. Não se resume ao controle
orçamentário ou fiscalizatório, mas assume uma perspectiva transversal com
vistas ao alcance das diretrizes e prioridades pactuadas numa política pública.
Assim, constitui-se como:
processo permanente de participação popular e cidadã na formulação,
deliberação, gerenciamento financeiro, acompanhamento da execução e
avaliação da política pública de assistência social (MACHADO, 2008).
A novidade está na capacidade de intervenção e incidência da sociedade
civil junto à sociedade política. Trata-se de um tipo de controle concebido como
“atuação da sociedade civil organizada na gestão das políticas públicas no sentido
de controlá-las para que estas atendam, cada vez mais, às demandas sociais e
aos interesses das classes subalternas” (CORREIA, 2002, p. 121). Para que esse
processo se efetive, é fundamental o acesso à informação e ao desenvolvimento
de processos formativos na área das políticas públicas, incluindo temas como
gestão, controle social e financiamento.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
59
Em geral, o controle social de políticas públicas é atribuído, quase que
exclusivamente, aos conselhos de políticas e de direitos. Mas existem outros
espaços para o seu exercício, como Ministério Público, comissões permanentes
(Poder Legislativo), comissões bipartites e tripartites de gestão, conferências e
conselhos (Poder Executivo). A sociedade civil organizada também pode exercer o
controle social através do orçamento participativo, de movimentos sociais e de
fóruns próprios de articulação. Esses espaços não são excludentes entre si. Na
medida em que houver articulação entre ambos, maior será a capacidade de
exercício do controle social pela sociedade civil.
Controle social da Política de Assistência Social: um caminho em
construção
O processo de pesquisa oportunizou debate, reflexão e sistematização de
informações disponibilizadas por usuários, profissionais da área e entidades
prestadoras de serviço, que foram essenciais para desvendar como acontece o
controle social da Política de Assistência Social, em âmbito estadual, no Rio
Grande do Sul. Esse desvendamento foi possível a partir da apreensão acerca de
concepções presentes em torno da Política de Assistência Social, que podem ser
evidenciadas, especialmente de duas formas. A primeira se refere à caridade,
bondade ou doação, quando as pessoas envolvidas são vistas como “objeto de
favor”. A marca do assistencialismo, da “não política”, do “antidireito”, de posturas
clientelistas se destaca na medida em que “não são reconhecidos direitos dos
subalternizados e se espera a lealdade dos que recebem os serviços” (YAZBEK,
2006, p. 41). Simultaneamente, na contramão dessa tendência, emergem e se
fortalecem políticas de interesse “público”, orientadas para materializar direitos
firmados em lei, a partir de necessidades concretas da população. A concepção
acerca dos usuários como “objetos de favor” aos poucos vai sendo substituída
pela noção de “sujeitos de direitos”. Nesta perspectiva, a assistência social se
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
60
afirma como política pública, de proteção social, integrante do conjunto da Política
de Seguridade Social, destinada a satisfazer as necessidades da população, no
que tange aos direitos de cidadania. Considerando a indagação sobre “qual a
concepção sobre a Política de Assistência Social existente entre representantes
da sociedade civil, que participam de espaços de controle social, em âmbito
estadual”, percebe-se que as diferentes concepções acerca da Política de
Assistência Social constituem-se como elementos orientadores no exercício do
controle social pela sociedade civil. Essas concepções dão visibilidade às
contradições existentes no campo da sociedade civil, na medida em que este “é o
mundo das organizações, dos particularismos, da defesa muitas vezes egoísta e
encarniçada de interesses parciais” (NOGUEIRA, 2005, p. 81).
No que se refere à publicização, buscou-se responder a seguinte questão:
“os (as) representantes da sociedade civil, que participam em espaços de controle
social, em âmbito estadual, tornam públicas as decisões sobre a Política de
Assistência Social? Como?”. Os dados obtidos apontam duas questões principais:
acesso à informação e formas de publicização da Política de Assistência Social.
Quanto à primeira, constata-se que o acesso ocorre principalmente através da
internet, embora 70% da população de baixa renda não tenha acesso a este
veículo. Em relação à segunda, destacam-se as informações contidas em atas,
relatórios e, especialmente, a utilização da mídia paga. Entre as estratégias a
serem organizadas ou fortalecidas, evidenciam-se: a criação ou fortalecimento da
rede de comunicação interna das entidades e a articulação dessa rede interna
com outras redes da sociedade civil; a conquista de espaços na mídia paga e a
utilização de espaços na mídia alternativa, como é o caso das rádios e jornais
comunitários.
No que se refere à formação, a pesquisa indagou se “a sociedade civil tem
realizado processos de formação para o exercício do controle social. Caso sim,
como eles têm acontecido?” Foi possível identificar que a formação, enquanto
processo, deve ser permanente, inserida na realidade, inculturada diante das
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
diversidades
(territoriais,
culturais,
geracionais,
de
gênero,
raça,
61
etnia,
educacionais, condições de acessibilidade, entre outros aspectos), o que remete à
superação de momentos pontuais, fragmentados, isolados na instituição em si ou
voltados meramente à dimensão técnica. Também se constatou a necessidade de
qualificar instrumentos e metodologias de trabalho que possibilitem uma maior
articulação entre as entidades/organizações da sociedade civil.
Quanto à participação, buscou-se verificar se “a participação de
representantes da sociedade civil em espaços de controle social da Política de
Assistência Social, em nível estadual, tem contribuído para a sua efetivação como
política pública? E, por quê?”. Considerando que a participação pode ser orientada
para a “decisão” ou orientada para a “expressão” (TEIXEIRA, 2002, p. 27), foi
possível identificar como desafios: a capacidade de representação da sociedade
civil no CEAS, a participação direta dos usuários em conselhos e fóruns, a falta de
clareza de papéis da sociedade civil no Conselho, a centralização na tomada de
decisões, a estrutura das entidades (pequeno e grande porte), o tempo disponível
dos (as) agentes para participar dos espaços de controle social, a personalização
das relações, entre outros.
A análise de dados indica que o controle social para ser efetivo precisa ir
além de espaços institucionalizados. É urgente a articulação entre espaços
institucionalizados e não institucionalizados, considerando as pautas e as
mobilizações da sociedade; qualificar a articulação entre conselhos e fóruns;
assegurar a participação de conselheiros (as) representantes da sociedade civil
nos fóruns específicos da sociedade civil, tanto da política específica de
assistência social, como, também, em articulação com outras políticas, numa
perspectiva de intersetorialidade. A participação da sociedade civil no controle
social da política de assistência social, através de espaços públicos e de esferas
públicas, poderá contribuir para a construção de uma cultura democrática de
participação que supere concepções elitistas, tecnocráticas e autoritárias de
exercício do poder.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
62
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A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
64
CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE SANTA CRUZ DO
SUL: UMA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA
Miriam Teresa Etges13
A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de
seguridade social não contributiva, realizada por meio de um conjunto integrado
de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às
necessidades básicas.
Este conceito foi aprimorado ao longo dos tempos de desenvolvimento do
Brasil, enquanto país, enquanto democracia. Relembrando a história: nosso país
foi construído dentro de uma tradição excludente e autoritária, a partir da
colonização portuguesa, que só foi superada quando os brasileiros, unidos,
atuaram no processo de restauração da democracia e do Estado de direito ao fim
do regime militar.
A partir da Assembleia Constituinte e da promulgação da Constituição
Cidadã, a Constituição de 1988, em 5 de outubro do mesmo ano, resultado da
mobilização da sociedade brasileira e da atitude de homens e mulheres que
desejavam um novo Brasil, com igualdade para todos, temos, no seu primeiro
artigo a destacada importância de cada cidadão: Todo o poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.
Este poder, até o presente momento, ainda é um aprendizado, pois temos
apenas 23 anos de aplicação efetiva desta nova carta magna. Em decorrência
desta carta magna, que nos coloca diante deste aprendizado, é que os conselhos
de direitos são os espaços de exercício da democracia participativa.
O exercício da democracia através das atividades dos conselhos de direito
passa pelo viés dos direitos humanos, uma vez que grande parte dos conselhos
13
Miriam Teresa Etges, publicitária, pós-graduada em Gestão Empresarial, mestranda em Recursos Humanos
e Gestão do Conhecimento, Assessora de Projetos da Fundação Gazeta e gestora da Associação de Auxílio
aos Necessitados e Idosos de Santa Cruz do Sul. E-mail: [email protected]
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
65
atua diretamente na defesa e na promoção dos direitos dos cidadãos, promovendo
sua dignidade enquanto ser humano.
A dignidade da pessoa humana pode ser considerada como o fundamento
último do Estado brasileiro. Ela é o valor-fonte a determinar a interpretação e a
aplicação da Constituição, assim como a atuação de todos os poderes públicos
que compõem a República Federativa do Brasil. Em síntese, o Estado existe para
garantir e promover a dignidade de todas as pessoas. É nesse amplo alcance que
está a universalidade do princípio da dignidade humana e dos direitos humanos.
Se pensarmos em dignidade da vida humana ou o que é necessário para se
ter uma vida digna, começaremos a ver, com mais clareza, como todos os direitos
humanos decorrem da dignidade da pessoa humana. Para que uma pessoa,
desde sua infância, possa viver, crescer e desenvolver suas potencialidades
decentemente, ela precisa de adequada saúde, alimentação, educação, moradia,
afeto; precisa também de liberdade para fazer suas opções profissionais,
religiosas, políticas, afetivas, etc. Esse conjunto de necessidades e capacidades
nada mais é que o conteúdo dos direitos humanos, reconhecidos, por essa razão,
como princípios e direitos fundamentais na Constituição Brasileira.
É em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana que a
Constituição de 1988, no seu Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”,
afirma uma extensa relação de direitos individuais e coletivos (Capítulo I, Artigo
5º), de direitos sociais (Capítulo II, Artigos 6º a 11), de direitos de nacionalidade
(Capítulo III, Artigos 12 e 13) e de direitos políticos (Capítulo IV, Artigos 14 a 16).
A ideia que resume os direitos humanos de cunho social e econômico é
sintetizada pelo exemplo de que de nada serve ao indivíduo o direito de votar e
ser votado (direito político) e a liberdade de expressão intelectual (direito civil) se
ele não tem necessidades vitais mínimas asseguradas, como sua saúde, moradia
e educação – direitos sociais que o tornam apto a exercer seus direitos civis e
políticos. A Constituição de 1988 foi a primeira a incluir os direitos sociais,
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
66
juntamente com os direitos individuais, no universo dos Direitos e Garantias
Fundamentais (Título II).
Ao longo da ordem social estão traçadas as diretrizes constitucionais que
devem nortear as políticas públicas para a promoção da seguridade social (Arts.
194 a 204). Estas incluem as seções da saúde, previdência e assistência social,
para a promoção da educação, da cultura e do desporto (Arts. 205 a 217,
observando-se que cultura e desporto abrangem tanto o direito à educação como
o direito ao lazer) e para a proteção da família, da criança, do adolescente e do
idoso (Arts. 226 a 230).
Portanto, os direitos sociais requerem uma ação do Estado mediante a
elaboração de políticas públicas aptas a promovê-los. O estudo dos direitos
sociais, tal como dispostos no art. 6º, deve sempre estar correlacionado com os
dispositivos da ordem social. Cabe destacar que a seguridade social
deverá atender, dentre outros, aos objetivos democráticos da universalidade de
cobertura e atendimento, da uniformidade e da equivalência dos benefícios e
serviços às populações urbanas e rurais, da irredutibilidade do valor dos
benefícios e do caráter democrático e descentralizado da administração (art. 194).
Essa nova cultura participativa aponta para novos temas na agenda pública
e para a conquista de novos espaços. O cidadão tem assegurado o direito de
participação no processo de tomada de decisões, e também no acompanhamento
das políticas públicas.
A participação contínua na gestão pública permite que os cidadãos não
só atuem na formulação das políticas públicas, como também verifiquem o real
atendimento às necessidades da população e fiscalizem de forma permanente a
aplicação dos recursos públicos.
A LOAS, Lei nº 8.742, aprovada em 7 de dezembro de 1993, regulamenta
os artigos 203 e 204 da Constituição, definindo claramente os objetivos e as
diretrizes da assistência social, a forma de organização e a gestão das ações
socioassistenciais, reforçando a assistência social como sistema descentralizado,
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
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com participação popular e financiado pelo poder público, conforme prescreve a
Constituição Federal. Assim, a LOAS assegura a diretriz constitucional da primazia
da responsabilidade do Estado na gestão, no financiamento e na execução da
assistência social nas três esferas de governo.
A LOAS instituiu o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) como
órgão máximo de deliberação da política de assistência social no Brasil. Além
disso, delegou-lhe a competência de convocar a Conferência Nacional de
Assistência Social como instância privilegiada de participação popular e controle
social da Política Nacional de Assistência Social. Ao mesmo tempo, delegou ao
Distrito Federal, aos Estados e aos municípios a responsabilidade de instituir seus
respectivos conselhos.
Com uma atitude de participação, acompanhamento e fiscalização, o
cidadão exerce o controle social, interferindo no direcionamento das políticas
públicas, exigindo e promovendo a transparência e o uso adequado dos recursos
públicos. Esse exercício ocorre em espaços públicos de articulação entre governo
e sociedade, constituindo importante mecanismo de fortalecimento da cidadania:
os conselhos de direito.
Mas, o que é controle social? O controle social é a participação da
população na gestão pública que garante aos cidadãos espaços para influir nas
políticas públicas, além de possibilitar o acompanhamento, a avaliação e a
fiscalização das instituições públicas e das organizações não governamentais,
visando assegurar os interesses da sociedade.
Após 10 anos de existência da LOAS, mais precisamente na IV Conferência
Nacional de Assistência Social, em 2003, deliberou-se pela implementação do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O SUAS é um sistema público não
contributivo, descentralizado e participativo, que tem por função a gestão do
conteúdo específico da assistência social no campo da proteção social brasileira.
Em 2004, após acolhimento de uma série de contribuições vindas das mais
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
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variadas participações organizadas da sociedade, foi aprovada a Política Nacional
de Assistência Social (PNAS).
A participação popular na formulação e no controle da Política Nacional de
Assistência Social (PNAS, 2004) foi efetivada pela Lei Orgânica da Assistência
Social (LOAS, 1993), que, em seu art. 16, institui o Conselho Nacional da
Assistência Social (CNAS) e estabelece os Conselhos Estaduais de Assistência
Social (CEAS), os Conselhos Municipais de Assistência Social (CMAS) e o
Conselho de Assistência Social do Distrito Federal (CAS/DF) como instâncias
deliberativas do sistema descentralizado e participativo, de caráter permanente e
composição paritária entre governo e sociedade civil.
Assim, a intervenção dos conselhos na formulação e no controle da política
constitui um processo complexo que envolve conflitos, pactuações e a construção
de acordos no interior dos próprios conselhos e na relação destes com os
organismos e instâncias de gestão, pactuação e articulação.
A construção democrática do CMAS de Santa Cruz do Sul
O Conselho Municipal de Assistência Social de Santa Cruz do Sul foi criado
por lei municipal de número 2.797, em 31 de outubro de 1995, sofrendo alterações
em 16 de outubro de 2000, através da Lei nº 3.628.
A partir do advento da LOAS em 2003, os municípios e seus conselheiros
tiveram que entender e adotar práticas democráticas e orientadas pela PNAS de
2004, acarretando inúmeras mudanças nas práticas até o momento em vigor.
O que acontecia nas instâncias de conselhos não condizia com o que
preconizava a já Constituição Cidadã, isto é, a consciência da participação popular
na formulação e fiscalização da política praticada no município. Velhos conceitos e
práticas tiveram que abrir espaço para uma nova prática de controle social justo e
participativo popular.
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
69
Ao iniciar o acompanhamento como conselheira indicada por uma entidade
social, o que acontecia eram aprovações de projetos ou, melhor, repasses de
recursos para os mais variados fins, ou seja: clubes de mães, clubes esportivos,
CTGs, eventos turísticos e eventos comemorativos, como Carnaval e Oktoberfest.
Com a tomada de consciência na alteração da legislação federal no tocante
às atribuições dos conselhos municipais e da política nacional de assistência
social, um trabalho de tomada de consciência e de responsabilidade quanto ao
papel do conselheiro passou a ser a tônica das reuniões ordinárias, embasadas
em textos explicativos da legislação federal.
Este trabalho necessitou de alguns anos de conversações, entre todos os
envolvidos, ou seja, os atores da pactuação da política municipal de assistência
social: sociedade civil, governo e entidades executoras da política de assistência
social.
No período compreendido de 2004 a 2011, passando por vários gestores,
com partidos políticos diferentes, muitos embates aconteceram, mas os avanços
positivos em direção à execução da política de assistência social, em sua
concepção, têm acontecido.
A partir de 2008, projetos voltados à área turística e de eventos deixaram
de passar pelo Conselho Municipal da Assistência Social, pois o Conselho
Municipal de Turismo foi criado para atender esta demanda.
No período de 2004 a 2008, o processo de adesão ao tipo de gestão do
SUAS aconteceu também. Durante o processo de análise de cenário do município,
o parecer do conselho foi de que o município, pelo porte e pelos vários serviços já
ofertados à população usuária da assistência social, poderia ser a gestão plena.
Mas o parecer do gestor não foi este, e a adesão se deu, então, na gestão inicial
que vigora até o presente momento.
Paralelamente a isso, a percepção dos membros do conselho foi de que a
presidência deveria ser ocupada por um membro da sociedade civil e não
governamental. Iniciou-se, então, uma articulação para, gradativamente, este
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
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intuito se concretizar. Inicialmente, a presidência permaneceu com um
representante governamental, mas simpático ao processo de que a sociedade civil
devesse assumir este cargo, tendo como vice-presidente um representante da
sociedade civil.
De acordo com regimento interno e da lei de criação do mesmo, as eleições
da mesa presidencial acontecem a cada dois anos, sempre nos anos ímpares.
Com a estrutura simpática ao fato de a sociedade civil assumir a presidência do
Conselho Municipal de Assistência Social, em 2005, a presidência passou, então,
para um representante da sociedade civil, tendo permanecido desta forma até
2011, quando passou a ser presidida por um representante governamental, sendo
a vice-presidência exercida por um representante da sociedade civil.
Agregado a isso, as discussões internas em reuniões ordinárias eram
pautadas visando ao esclarecimento de todos os conselheiros no que diz respeito
ao seu papel como conselheiro responsável pela deliberação e fiscalização da
aplicação dos recursos do Fundo Municipal de Assistência Social, e que seu CPF
estava registrado junto ao Ministério de Desenvolvimento Social como responsável
pelo controle social.
Esta tomada de consciência enquanto controle social passou a impactar
positivamente em todos os conselheiros que, de imediato, sempre desejavam
todos os esclarecimentos quanto a projetos a serem aprovados, de que rubrica
provinha os recursos, se a entidade beneficiada já possuía inscrição e tradição no
atendimento a que se propunha desenvolver, assegurando, assim, o correto
investimento do recurso público.
A realização das Conferências Municipais de Assistência Social passou a
receber uma atenção diferenciada por parte do gestor, uma vez que o conselho
havia adotado uma postura de parceiro na deliberação, execução e fiscalização da
política de assistência social do município.
Como uma das demandas da Conferência Nacional de Assistência Social
era a capacitação dos conselheiros, o CNAS passou a desenvolver cursos de
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
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capacitação nos Estados brasileiros, e Santa Cruz do Sul participou em duas
oportunidades desta capacitação durante o ano de 2010, o que trouxe inúmeros
benefícios ao exercício do controle social no município.
Conclusão
Pela trajetória desenvolvida, vê-se que muitos avanços aconteceram. A
implantação do SUAS no município ainda está em sua fase inicial, pois se
continua na gestão básica, apesar do parecer do conselho.
Ainda há resquícios governamentais de utilização da assistência social
como forma de captação de votos, atitude combatida permanentemente pelo
conselho no momento em que delibera e fiscaliza as ações governamentais.
O que se tem de visão de futuro é que o caminho da construção da
democracia, de acordo com o que a nossa Constituição Cidadã almeja, está sendo
construído gradativamente na medida em que pessoas imbuídas de senso de
justiça social buscam trabalhar em favor do bem comum, assumindo participação
junto à execução das políticas públicas de forma voluntária.
Santa Cruz do Sul já caminhou positivamente em direção à construção
desta democracia, uma vez que os conselheiros hoje participantes estão imbuídos
de um senso de responsabilidade e de cumprimento da legislação de assistência
social.
Ainda há algumas lacunas a serem preenchidas, como aprovar o plano
integrado de capacitação de recursos humanos para a área de assistência social,
de acordo com as Normas Operacionais Básicas do SUAS (NOB/SUAS) e de
Recursos Humanos (NOB-RH/SUAS), baseado na resolução CNAS 237, de 2006,
art. 3º, inciso VII) e regulamentar a concessão e o valor dos auxílios natalidade e
funeral, mediante critérios e prazos definidos pelo Conselho Nacional de
Assistência Social (CNAS); (Lei 8.742, de 1993 – LOAS, arts. 15, inciso, I e 22,
§1º; Decreto 6.037, de 2007, art. 1º, § 2º).
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Apesar das lacunas, a meta é a construção da democracia a partir do que
nos diz a constituição: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente”.
Referências Bibliográficas
GOMES, Verônica M. S.; RODRIGUES, Maria de L. A. Formação de Conselheiros
em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2007.
TCU, Tribunal de Contas da União. Orientações para conselhos da área de
assistência social. 2 ed. Atual. E ampl. Brasília; TCU, 4ª Secretaria de Controle
Externo, 2009.
MDS, Minis. do Desen. Social e Combate à Fome. Capacitação para controle
social nos municípios. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação; Secretaria
Nacional de Assistência Social, 2010.
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