TEOR DE ÁCIDO CIANÍDRICO (HCN) COMO PARÂMETRO PARA SELEÇÃO DE POSSÍVEIS ACESSOS DE MANDIOCA RESISTENTES AO PERCEVEJO-DE-RENDA Hélio Ribeiro dos Santos1, Silvana Vieira de Paula-Moraes1, Eduardo Alano Vieira1, Josefino de Freitas Fialho1, Charles Martins de Oliveira1, Sayuri Cristina Santos Takada, Cásio Alves Costa de Souza1 (1Embrapa Cerrados, BR 020, Km 18, Caixa Postal 08223, 73010-970 Planaltina, DF. e-mail:[email protected]) Termos para Indexação: Vatiga illudens, ácido cianídrico, acessos resistentes, mandioca colorida; mandioca açucarada. Introdução Para disponibilizar cultivares de mandioca resistentes ao percevejo-de-renda Vatiga illudens (Drake, 1922) para a região do Cerrado, deve ser realizado estudo a respeito dos mecanismos de resistência envolvidos. Para tanto, foco deve ser dado na seleção de acessos com menor infestação da praga em campo e aspectos relacionados à defesa química da planta e sua influência na biologia do inseto. Cultivares de mandioca que são classificados em mansa ou brava, dependendo do conteúdo de ácido cianídrico (HCN) em suas raízes. A mandioca mansa, também denominada de mandioca de mesa, aipim ou macaxeira, se diferencia da brava ou industrial, principalmente, por apresentar baixos teores de HCN na raiz, ou seja, abaixo de 100 mg kg-1 de raízes frescas. Assim, elas se destinam aos mercados e feiras livres, para consumo humano in natura e as bravas às industrias de transformação (principalmente farinha e fécula). Estudos realizados em cultivares de mesa e cultivares de industria demonstraram que as variedades mais atacadas pelo percevejo-de-renda foram as duas cultivares de mesa (Mantiqueira e Jaçanã) e as menos atacadas as duas cultivares de indústria (EAB670 e IAC 12/829). Cosenza et al. (1981) sugeriram que as diferenças de ataque de percevejo-de-renda entre cultivares estariam relacionadas aos teores de compostos cianogênicos nas plantas. Atualmente a Embrapa Cerrados possui programa de melhoramento da cultura da mandioca que objetiva avaliar o potencial futuro de utilização da mandioca como fonte de carotenóides, beta-caroteno, precursor da vitamina A, nas raízes de coloração amarela e de licopeno, nas raízes de coloração vermelha/rosada (Iglesias et al., 1997; Carvalho et al., 2000; Pereira et al., 2005) e ainda a de acessos de mandioca que não armazenam amidos em suas raízes de reserva (como usualmente ocorre na cultura da mandioca) e sim açúcares livres. Assim, o foco do programa de melhoramento deve acomodar a disponibilidade de cultivares com estas características de interesse econômico e resistência ao percevejo-de-renda e o objetivo deste trabalho foi estudar a correlação entre o teor cianogênico de acessos de mandioca e o ataque pelo percevejo-de-renda. Material e Métodos O experimento de mandiocas açucaradas foi conduzido entre outubro de 2006 e outubro de 2007, em área experimental da Embrapa Cerrados no município de Planaltina-DF. O delineamento experimental utilizado foi o de blocos casualizados com três repetições, onde foram avaliados nove acessos de mandioca mantidos no Banco Regional de Germoplasma de Mandioca do Cerrado (BGMC), sendo quatro acessos açucarados, dois acessos locais introduzidos no BGMC como açucarados e três variedades melhoradas recomendados para o cultivo na região do Cerrado (duas de mesa e uma de indústria), listados na Tabela 1. Cada parcela foi composta por 4 linhas com 10 plantas em espaçamento de 1,20 m entre linhas e 0,80 m entre fileiras, sendo a área útil de cada parcela constituída pelas 16 plantas centrais. Tabela 1. Acessos de mandioca açucarados e não açucarados analisados, seus respectivos nomes comuns Acessos Nome comum Tipo BGMC 1208 Sem denominação não açucarado BGMC 1210 Sem denominação não açucarado BGMC 1212 Sem denominação açucarado BGMC 1213 Sem denominação açucarado BGMC 1211 Sem denominação açucarado BGMC 1217 Iguaçu açucarado BGMC 436 BGMC 753 BGMC 982 IAC 12 (Mandioca de indústria) não açucarado IAC 756-70 (Mandioca de mesa) não açucarado Iapar 19/Pioneira (Mandioca de mesa) não açucarado O experimento com mandiocas coloridas também foi conduzido nos mesmo período que o experimento com mandiocas açucaradas, em área experimental da Embrapa Cerrados. O delineamento experimental utilizado foi o de blocos casualizados com três repetições, onde foram avaliados 14 acessos de mandioca mantidos no Banco Regional de Germoplasma de Mandioca do Cerrado (BGMC), sendo um acesso com coloração da polpa da raiz creme, quatro com coloração da polpa da raiz rosada e nove com coloração da polpa da raiz amarela, listados na Tabela 2. Cada parcela foi composta por 4 linhas com 10 plantas em espaçamento de 1,20 m entre linhas e 0,80 m entre fileiras, sendo a área útil de cada parcela constituída pelas 16 plantas centrais. Tabela 2. Acessos de mandioca coloração da polpa da raiz (CPR) creme, amarela e rosada analisados e seus respectivos nomes comuns. Acessos BGMC 1415 BGMC 1228 BGMC 1222 BGMC 1229 BGMC 1218 BGMC 1221 BGMC 1231 BGMC 1398 BGMC 1397 BGMC 1223 BGMC 1224 BGMC 1226 BGMC 1227 BGMC 982 Nome comum Vermelha Mirassol Colorada Vermelha Omar Klainasik Xingu Não possui denominação BRS Dourada BRS Gema de Ovo Oricuri Surubim AC Vermelha Pretinha Iapar 19/Pioneira CPR rosada rosada rosada rosada amarela amarela amarela amarela amarela amarela amarela amarela amarela creme A seleção do material para o plantio bem como os tratos culturais seguiram as recomendações do sistema de produção de mandioca para a região do Cerrado (Souza e Fialho, 1994). Em três plantas de cada acesso em cada parcela foram contados o número de ninfas e número de adultos de percevejos-de-renda em três avaliações (27/12/06, 09/01/07 e 26/02/07) e no momento da colheita foi determinado o teor de HCN nas raízes por meio do método qualitativo descrito por Willians e Edwards (1980). Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância univariada e as médias foram comparadas por meio do teste de comparação de médias de Scott e Knott a 5% de probabilidade de erro. E as médias de incidência de ninfas e adultos de percevejo-de-renda nas raízes foram correlacionadas com o teor de HCN nas raízes por meio do coeficiente de correlação de Pearson. Todas as análises estatísticas foram realizadas com auxílio do programa Genes (Cruz et al., 2001). Resultados e Discussão Na Tabela 3 as médias de nove acessos de mandioca açucarados e não açucarados analisados mostram a tendência de acessos com maiores teores de HCN apresentarem menores médias do número de ninfas e adultos de percevejo-de-renda. Tabela 3 – Comparação de médias do número médio de ninfas e adultos (NNA) e do teor de HCN em ppm (HCN) em raízes de mandioca, avaliados em nove acessos de mandioca açucarada na Embrapa Cerrados em Planaltina-DF. Acessos BGMC 753 BGMC 982 BGMC 1208 BGMC 1210 BGMC 1211 BGMC 1212 BGMC 1213 BGMC 436 BGMC 1217 Média geral Amplitude# * Caracteres NNA HCN 32,5 A 25 C 17,61 B 15 C 8,30 C 115 A 8,22 C 115 A 4,09 C 115 A 5,01 C 115 A 5,62 C 115 A 9,29 C 60 B 4,89 C 115 A 10,61 87,77 28,41 100 = Médias seguidas de letras distintas na coluna diferem entre si a 5% de significância pelo teste de separação de médias de Scott e Knott; # = diferença entre a maior e a menor média. Esta tendência se confirma mesmo nos acessos BGMC 982 e BGMC 436 (acessos mandioca não açucarados) analisados, nos quais o menor ou maior teor de HCN pode ser comparado com a maior ou menor média do número de ninfas e adultos de percevejo-de-renda. Da mesma forma que, a correlação de incidência de ninfas e adultos de percevejo-de-renda nas raízes com o teor de HCN nas raízes por meio do coeficiente de correlação de Pearson foi significativa, a 1% de probabilidade de erro, r = -0.83. Na Tabela 4 as médias de número médio de ninfas e adultos de percevejo-de-renda e teor de HCN em quatorze acessos de mandioca coloridas analisados não mostram uma tendência clara de correlação entre menores médias de números de percevejo-de-renda maiores teores de HCN. A correlação de Pearson não foi significativa a 5%. Entretanto, a correlação entre o número de percevejo-de-renda e HCN pode ser considerada moderada, com r = - 0,51 e para se ter uma idéia se a correlação fosse de 0,53 seria significativa, ou seja é limítrofe. Tabela 4 – Comparação de médias dos caracteres, número médio de ninfas e adultos (NNA) e teor de HCN (HCN) em raízes de mandioca avaliados em quartoze acessos de mandioca colorida na Embrapa Cerrados em Planaltina-DF. Acessos BGMC 982 BGMC 1221 BGMC 1398 BGMC 1397 BGMC 1222 BGMC 1218 BGMC 1223 BGMC 1224 BGMC 1226 Caracteres NNA HCN 12,91 A 15 E 4,56 B 115 A 12,07 A 40 C 13,85 A 15 E 7,59 B 25 D 6,28 B 85 B 6,19 B 115 A 8,37 B 115 A 12,67 A 115 A BGMC 1227 BGMC 1228 BGMC 1231 BGMC 1415 BGMC 1229 Médias gerais Amplitude# 10,21 A 9,78 A 12,09 A 9,85 A 6,33 B 9,48 9,29 115 A 25 D 40 C 25 D 40 C 63,21 100 * = Médias seguidas de letras distintas na coluna diferem entre si a 5% de significância pelo teste de separação de médias de Scott e Knott; # = diferença entre a maior e a menor média. Os dados obtidos neste trabalho de existência de correlação dos acessos de mandioca açucarados analisados, entre teor de HCN e ocorrência de ninfas e adultos de percevejo-de-renda confirmam a hipótese da presença de Ácido cianídrico (HCN) na planta de mandioca como fator de defesa da planta ao ataque de doenças e pragas e deve representar parâmetro que deve ser considerado, quando do trabalho de seleção de possíveis acessos resistentes e estudos do mecanismo de resistência por antibiose para o percevejo-de-renda. Estes dados corroboram ainda, com o observado por Belloti e Riss (1994) que mesmo não tendo comprovado a preferência ou fatores adversos na biologia de mandarová-da-mandioca (Erinnyis ello Linné, 1758) e para o ácaro (Mononychellus tanajoa Bondar, 1938) em função da presença de HCN, observaram sua influência na resistência de acessos de mandioca as espécies Zonocerus variegatus e Cyrtomenus bergi (Bernays et al., 1977; Riss, 1997), em clones de mandioca com maior potencial cianogênico. Entretanto, em estudos posteriores deve-se realizar a caracterização do teor de HCN em folhas, de forma que no programa de melhoramento da mandioca açucaradas e coloridas, a seleção de acessos e desenvolvimento de cultivares atendam de maneira eficiente o mercado consumidor, oferecendo cultivares comerciais com teores de HCN que ofereçam resistência ao percevejo-de-renda, sem detrimento das características desejáveis para seu emprego nos diferentes potenciais usos das mandiocas açucaradas e coloridas. Conclusões O parâmetro de teor de ácido cianídrico deve ser considerado, quando do trabalho de seleção de possíveis acessos resistentes e estudos do mecanismo de resistência por antibiose para o percevejo-de-renda; Agradecimentos Os autores agradecem a Embrapa, Fundação Banco do Brasil, CNPq, FAPDF e ao Programa Biodiversidade Brasil-Itália pelo apoio financeiro. Referências Bibliográficas CARVALHO, L.J.C.B.; CABRAL, G.B.; CAMPOS, L. Raiz de reserva de mandioca: um sistema biológico de múltipla utilidade. Brasília: Cenargen, 2000. 16p. COSENZA, G. W.; GERIM, S.; COSTA, I. R. S. Resistência de variedade de mandioca ao percevejo-de-renda Vatiga illudens (Drake, 1922). Planaltina: CPAC, 1981. 6p. BELLOTTI, A. C.; RIIS, L. Cassava cyanogenic potential and resistance to pests and diseases. Acta Horticulture, v. 375, p.141-151, 1994. BERNAYS, E.A.; CHAPMAN, R.F.; LEATHER, E.M. McCAFFERY, A.R.; MODDER, W.W.D. The relationship of Zonocerus variegates (L.) (Acridoidea: Pyrgomorphidae) with cassava (Manihot esculenta). Bull. Entomol. Res., 67, p.391-401, 1977. IGLESIAS, C.; MAYER, J.; CHÁVEZ, A.L.; CALLE, F. Genetic potencial and stability of carotene content in cassava roots. Euphytica, v.94, p.367-373, 1997. PEREIRA, M.E.C.; FUKUDA, W.M.G.; SILVA, R.P.; et al. Quantificação de carotenóides em raízes de variedades de mandioca amarela e rosa. ln: CONGRESSO BRASILEIRO DE MANDIOCA, XI, 2005, Campo Grande. Resumos... Campo Grande, MS: Embrapa Agropecuária Oeste, 2005. RISS, L. Behaviour and population growth of the burrower bug, Cyrtomenus bergi Froeschner: effects of host plants and abiotic factors. Ph.D. thesis. R. Vet. Agric. Univ. Copenhagen. 1997, 167p.