Obesidade e distorção da imagem

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL
EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE
MELCHIADES CORRÊA UTRINI
OBESIDADE E DISTORÇÃO DA IMAGEM:
A DIFICULDADE DE RECONHECIMENTO DA IMAGEM CORPORAL
PELO OBESO
Rio de Janeiro
2013
MELCHIADES CORRÊA UTRINI
OBESIDADE E DISTORÇÃO DA IMAGEM:
A DIFICULDADE DE RECONHECIMENTO DA IMAGEM CORPORAL
PELO OBESO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós- graduação – Strictu sensu – Mestrado
Profissional em Psicanálise, Saúde e
Sociedade da Universidade Veiga de
Almeida, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em
Psicanálise, Saúde e Sociedade. Linha de
pesquisa: Psicanálise e Saúde.
ORIENTADOR: PROF. DR. AUTERIVES MACIEL JÚNIOR
Rio de Janeiro
2013
DIRETORIA DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU
E DE PESQUISA
Rua Ibituruna, 108 – Maracanã
20271-020 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: (21) 2574-8871 - (21) 2574-8922
FICHA CATALOGRÁFICA
U92o
Utrini, Melchiades Corrêa.
Obesidade e distorção da imagem: a dificuldade de reconhecimento da
imagem corporal pelo obeso / Melchiades Corrêa Utrini, 2013.
107 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de Almeida,
Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Rio de
Janeiro, 2013.
Orientação: Prof. Dr. Auterives Maciel Júnior.
1.
Psicanálise. 2. Obesidade. 3. Imagem Corporal. I. Maciel
Júnior, Auterives.
II. Universidade Veiga de Almeida, Mestrado
Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade. III. Título.
CDD – 616.8917
Decs
Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA
Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho
FOLHA DE APROVAÇÃO
MELCHIADES CORRÊA UTRINI
OBESIDADE E DISTORÇÃO DA IMAGEM:
A DIFICULDADE DE RECONHECIMENTO DA IMAGEM CORPORAL
PELO OBESO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós- graduação – Strictu sensu – Mestrado
Profissional em Psicanálise, Saúde e
Sociedade da Universidade Veiga de
Almeida, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em
Psicanálise, Saúde e Sociedade. Linha de
pesquisa: Psicanálise e Saúde.
Aprovado em 06/12/2013
BANCA EXAMINADORA
_______________________________
Prof. Dr. Auterives Maciel Júnior
Universidade Veiga de Almeida
_______________________________
Profª. Drª. Gloria Sadala
Universidade Veiga de Almeida
_______________________________
Profª. Drª. Jô Gondar
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
A minha filha Júlia, por ter entendido a falta de
paciência e as tantas vezes que com ela não pude
brincar ou mesmo estudar...
A minha esposa e amiga, Catia Cristina,
companheira de muitas jornadas, por toda ajuda e
paciência durante este percurso; mas, e acima de
qualquer coisa, por tudo que já compartilhamos,
conseguimos e ainda haveremos de construir juntos.
A Creuza, minha mãe, incentivadora de sempre na
busca de conhecimento.
À memória de meu pai, Melchiades, com imensa
gratidão e saudade. Infelizmente, não lhe foi
possível assistir a essa conquista.
A Carla, minha irmã, sempre pronta a estimular-me
o desenvolvimento profissional.
Aos meus familiares, que sempre me ofereceram
apoio incondicional, impulsionando-me a prosseguir
nesta caminhada acadêmica.
A todos os pacientes que acreditam no trabalho dos
profissionais do Núcleo de Índice de Massa Corporal
(NIMC).
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos a todos os que comigo vivenciaram essa trajetória,
compartilhando momentos de alegrias, de angústias, de conquistas, de
inseguranças e que, embora de forma distinta e peculiar, contribuíram para a
construção e finalização deste trabalho.
Em especial, meu mais sincero muito obrigado:
Ao meu orientador, Prof. Dr. Auterives Maciel Júnior, por ter aceitado conduzirme nesta tarefa; mas, e principalmente, pela orientação firme e cuidadosa
oferecida, pelas oportunidades de crescimento profissional, pelo apoio ilimitado
e confiança absoluta.
Às professoras Drª Jô Gondar, Drª Glória Sadala e Drª. Maria Isabel Fortes,
pela cortesia em aceitar fazer parte da banca do exame de qualificação e de
defesa, compartilhando pontos, ideias e sugestões.
A todos os colegas que fizeram parte da turma de Mestrado da Universidade
Veiga de Almeida e que comigo partilharam suas ideias.
Aos Professores do curso de Mestrado em Psicanálise, Sociedade e Saúde.
Além da transmissão de conhecimentos, ensinaram-me a vencer as
dificuldades desta trajetória.
A todos os Colaboradores da Universidade Veiga de Almeida e aos que por ela
passaram, pela disposição e atenção dispensadas.
À Professora Doutora Nilce Del Rio, Cristiane Pacheco e Selma dos Santos,
por aceitar ser leitora e, a um tempo, revisora desta dissertação, contribuindo
com suas sugestões.
A todos os Colegas da Prefeitura de Resende, por me incentivarem e
motivarem a levar a termo este curso de Mestrado. Principalmente, sou
agradecido a Wagner, a Lucinete, a Daniela, a Carmem Lucia, a Renata, a
Munira, a Neide Capistrano, a Juliana e a Nilma.
A toda Equipe do Núcleo de Índice de Massa Corporal, (NIMC), pelo incentivo e
amizade.
RESUMO
Este trabalho investigou a obesidade que, atualmente, segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS), espalhou-se por todo o mundo, como uma epidemia,
originando o surgimento de um significativo número de outros pesquisadores
que se puseram no encalço da prevenção e do tratamento para essa patologia,
desde medicamentos, atividades físicas, dietas alimentares, até chegar, nos
casos mórbidos, à cirurgia bariátrica, procedimento mais eficaz em todos os
sentidos. Constatou-se que, não tratada, a obesidade acarreta perda de
diversas funções orgânicas. Com a intervenção cirúrgica, os obesos resgatam
a independência, reassumem seu lugar social, além de estabelecerem uma
nova relação com o próprio corpo. Representação mental do próprio físico, a
imagem corporal é construída a partir de múltiplos componentes e de seus
elementos constitutivos fisiológicos, libidinais e sociais, mormente no que diz
respeito à estética corporal, cujo padrão atual é a magreza extrema, numa
ostensiva defesa do culto exagerado do corpo considerado perfeito. Os
aspectos da dificuldade de reconhecimento da própria imagem física devido à
falha narcísica e a importância sobre a etiologia multifatorial da obesidade
também foram tratados aqui, além da imagem corporal, após a cirurgia
bariátrica, cujos olhares de admiração voltados para o obeso levam-no a uma
sensação de igualdade com os demais.
Palavras-chave: Obesidade; psicanálise; imagem corporal.
ABSTRACT
This work investigated the obesity which, currently, according to the World
Health Organization (who), has spread throughout the world, such an epidemic,
resulting in the emergence of a significant number of other researchers who
stood in the way of prevention and treatment for this condition, provided
medicines, physical activities, food diets, until, in morbid cases, bariatric
surgery, most effective procedure in every way. It was found that untreated,
obesity causes loss of various organic functions. With surgery, the obese
rescue independence, are resuming their social place, in addition to
establishing a new relationship with her own body. Mental representation of own
physical, body image is constructed from multiple components and their
physiological constituent elements, libidinais and social sciences, especially as
regards the body aesthetics, whose current standard is the extreme thinness, in
ostensible defense of exaggerated cult of the body considered perfect. Aspects
of difficulty of recognition of own physical image due to the narcissistic failure
and the importance about the multifactorial etiology of obesity have also been
treated here, in addition to body image, after Bariatric Surgery, whose looks of
wonderment facing the obese leads to a feeling of equality with others.
Keywords: Obesity; psychoanalysis; body image.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10
2 OBESIDADE MÓRBIDA: UM PROBLEMA PARA A PSICANÁLISE ......... 15
2.1 Abordagem histórica da obesidade mórbida como doença ....................... 17
2.2 A intervenção cirúrgica .............................................................................. 25
2.3 Abordagem psicanalítica e a obesidade .................................................... 31
2.4 Desejo e gozo ............................................................................................ 43
2.5 Uma nova sintomatologia .......................................................................... 49
3 IMAGEM CORPORAL NA CONTEMPORANEIDADE ................................ 52
3.1 O corpo ...................................................................................................... 53
3.2 Imagem corporal ........................................................................................ 59
3.3 Imagem corporal e obesidade ................................................................... 68
4 JÁ NÃO SOU MAIS A MESMA: POSSO VER-ME ...................................... 74
4.1 O corpo que volto a habitar ........................................................................ 75
4.2 Nova percepção da imagem corporal ........................................................ 77
4.3 Clínica de obesidade: fragmentos de casos .............................................. 81
4.3.1 Caso 01 ................................................................................................... 81
4.3.2 Caso 02 ................................................................................................... 83
4.3.3 Caso 03 ................................................................................................... 85
4.3.4 Caso 04 ................................................................................................... 86
4.3.5 Caso 05 ................................................................................................... 88
5 CONCLUSÃO ............................................................................................... 91
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 95
7 APÊNDICE ................................................................................................ 102
10
1. Introdução
Ao pensar a obesidade, o que vem de imediato à mente é: “um sujeito
preguiçoso, lento, que come muito, engraçado e que não se envergonha, pois é
só fechar a boca e parar de comer muito que emagrece”, conforme entendem
alguns. Em contrapartida, isso faz lembrar aquela frase de Gille Lambert apud
Dualib (2000) “Emagrecer é morrer um pouco” (idem, ibidem, p.103). Ou seja,
emagrecer denota sofrimento. Portanto, é possível considerar que ‘fechar a
boca’ significa emagrecer e que emagrecer significa morrer lentamente, sabese que a realidade é bem outra. Mesmo porque não se alcança um objetivo tão
facilmente e tão simplesmente quanto possa sugerir tais preceitos, pois na
época presente a obesidade é considerada, em todo o mundo, uma doença
que tem levado a óbito muitas pessoas.
Por outro lado, indaga-se, por que então a obesidade, que outrora
representava um padrão de beleza, não raro retratado em quadros, em painéis
emoldurados, foi retirada daquele patamar de preferência que ocupava na
sociedade, convertendo-se em uma enfermidade, o mais das vezes concebida
na atualidade como epidemia mundial?
É sabido que o homem sempre se preocupou em conceituar o belo. Com
o passar dos tempos, esse conceito foi se transformando de acordo com a
cultura de cada momento. Hoje, embora sob outra perspectiva, observa-se a
existência de uma excessiva preocupação com a beleza, com a saúde, com um
corpo musculoso e magro, possibilitando o surgimento de inúmeras práticas de
exercício corporal, de técnicas de intervenção modernas, enfim, de um semnúmero de novidades não só no mercado cosmético, como também no
comércio de vitaminas. Tudo isso faz aflorar, de maneira contundente, a
importância que atualmente é concedida ao cultivo da juventude, da beleza, do
corpo saudável e da boa forma, a estabelecer um estilo de viver e um estilo de
ser. A verdade é que, a partir de tais fatos, torna-se mais fácil imaginar porque
a obesidade passou a ser considerada uma enfermidade. É como se ela
refletisse aquele outro lado da moeda que ninguém quer representar, por
entender que se colocar nessa condição significa ser rejeitado, revela uma
possibilidade de estar ou de vir a estar enfermo. Afinal, sabe-se que existem
muitas comorbidades, isto é, não há quem ignore a existência de uma grande
11
quantidade de doenças associadas, doenças essas que tornam a obesidade
um pecado.
São
muitos
os
métodos
ofertados
que
prometem
alcançar
o
emagrecimento cobiçado, como, por exemplo, as conhecidas e famosas dietas
da lua, a dos carboidratos, a das proteínas, a da água, e tantas outras, sem
que se tenha uma real comprovação científica de sua eficácia. Embora a
redução do peso aconteça de fato e quase sempre com algum sofrimento, é
sabido também que logo depois ocorre um retrocesso e a pessoa volta a
ganhar peso, caracterizando o chamado efeito sanfona, que é o mais
desanimador e decepcionante para esse sujeito, por levá-lo a engordar ainda
mais do que antes.
Porém, como tais procedimentos não davam conta desse tipo de
comportamento, mormente em se tratando de obesidade mórbida, a medicina
adotou um novo procedimento, visando à eliminação de tecidos adiposos, a
que denominou cirurgia bariátrica, de forma a impossibilitar seu retorno. Em
outras palavras: o objetivo é minimizar o surgimento daquilo que se
convencionou caracterizar como efeito sanfona, com vistas a proporcionar mais
qualidade de vida ao sujeito. Tal método implica algumas atitudes da equipe de
profissionais, mas principalmente do sujeito com obesidade, na perspectiva de
alcançar o resultado esperado, que é emagrecer com qualidade de vida. Esse
recurso há de possibilitar a realização da façanha que para muitos constitui a
última cartada.
Aqui, esbarra-se em outra questão, objeto primeiro deste trabalho: a
imagem que grande parte dos obesos preserva de si mesmos é constituída por
uma representação distorcida, não havendo comparativo com a realidade da
própria imagem, daí, inclusive, não reconhecerem o quão avantajado se
encontra aquele corpo.
Mas como eles conseguem emagrecer e reconhecer sua imagem
corporal? Pergunta-se após se submeterem à cirurgia bariátrica. Por certo que
uma segunda questão é esse reconhecimento mesmo da imagem corporal que
advém da tomada de consciência desse corpo, já em processo de
emagrecimento. A cirurgia por si só produz uma euforia nessa estrutura física,
que então deixa de ser considerada achacada, enfermiça, doente, e passa a
ansiar por se tornar mais um, dentro dessa sociedade, cujos estereótipos para
12
ser bem sucedido é ser magro, delgado, é possuir um corpo “sarado”, é
consumir todo tipo de suplemento alimentar.
Chama a atenção o fato de se perceber o quanto esses sujeitos, apesar
de grandes não só fisicamente, mas inclusive no excesso de peso e de gordura
corporal que carregavam, acreditavam que não eram tão gordos assim. Diante
disso, afloram outras perguntas que se acredita serem pertinentes neste
momento: onde tais sujeitos se encontravam durante todo esse tempo? O que
faziam de suas vidas? O fato é que, com a autorização dos convênios de
saúde para efetuar tais procedimentos, essas pessoas começaram a sair de
casa – reduto em que permaneceram por muitos anos, às vezes deprimidos,
ansiosos e largados sobre uma cama. A maioria desses pacientes não
relaciona o comer à ansiedade. Os obesos mórbidos raramente buscam
acompanhamento
psicológico
para
tratamento
da
corpulência,
por
desconsiderá-la como doença e por não estabelecerem associação do comer
com aspectos psicológicos, acreditando poder lidar sozinhos com a doença.
Assim, para esclarecer e dar suporte a este trabalho utilizar-se-á a teoria
psicanalítica, pois é nela que se percebem parâmetros para responder a
questões como: que corpo é esse, assumido por determinados pacientes, e por
que, para eles, a imagem apresenta-se distorcida da realidade? Também é na
visão de sujeito da teoria psicanalítica que se pode falar desses pacientes com
obesidade e de suas dificuldades em lidar com a imagem e com um corpo tão
esquecido e tão malvisto por uma sociedade que quer enquadrá-lo no
diferente, no esquisito, no mórbido. Isso faz pensar que a obesidade poderia
ser a justificativa de uma histeria moderna, que se apresenta como uma
doença para atender a pulsões tão menosprezadas do sujeito de uma
sociedade, cuja estética se expressa como mais valorosa que o próprio sujeito.
Portanto, a fim de melhor compreender por que, na obesidade mórbida,
a imagem corporal apresenta-se muitas vezes distorcida e o que acontece,
depois da cirurgia bariátrica, para que a imagem corporal volte a se apresentar
de forma real, buscar-se-á suporte em estudiosos da teoria psicanalítica, cuja
referência principal é Sigmund Freud. Para tanto, os capítulos serão divididos
de maneira a possibilitar uma criteriosa investigação desse campo ainda tão
pouco explorado na contemporaneidade.
13
Neste estudo, porém, pretende-se destacar apenas o que diz respeito à
cirurgia bariátrica, que aparece na atualidade como a forma mais efetiva para
se tratar a obesidade mórbida. Assim, em um primeiro momento, tentar-se-á
elucidar, sob uma perspectiva histórica, o discurso globalizado da Organização
Mundial de Saúde (OMS) e o modo como essa organização nos apresenta a
obesidade como sendo somente uma doença, esquecendo o indivíduo em sua
subjetividade. Após isso, buscar-se-ão conceitos da teoria psicanalítica, para
elucidar esse físico tão esquecido e tão malvisto por uma sociedade que deseja
enquadrá-lo no diferente. E será justamente nesse corpo habitado por
pacientes obesos, que se concentrará este estudo, na perspectiva de encontrar
resposta para a questão que motiva a investigação: por que a imagem corporal
se apresenta, aos obesos, distorcida da realidade? Utilizar-se-á, também, a
visão que a psicanálise propõe para obesidade. Ou seja, para esse método
terapêutico, a obesidade só se classifica como um sintoma a partir do momento
em que ela incomoda o próprio sujeito. Caso contrário, ela não é entendida
como enfermidade.
Inicialmente,
tentar-se-á
estabelecer
um
pequeno
histórico
da
obesidade, de modo a evidenciar todo o processo que acarreta essa suposta
doença. A pretensão é chegar aos propalados métodos de emagrecimento, o
que vai levar ao foco deste trabalho, que é o resgate da imagem corporal,
pensando a cirurgia bariátrica como uma alternativa desse mesmo resgate.
Após isso, tentar-se-á exprimir o que a psicanálise considera sobre o
tema obesidade, incluindo, nesse caso, a obesidade mórbida, que é a
modalidade mais perversa da doença. Há de se falar, também, do conceito de
desejo e de gozo, além do surgimento de uma nova sintomatologia e como ela
é pensada por esse método terapêutico criado por Freud. Ainda sob a ótica da
teoria psicanalítica, se tentará elucidar o motivo pelo qual esse corpo é tão
esquecido e tão malvisto por uma sociedade que deseja acondicioná-lo no
dissemelhante.
Mesmo porque, será nesse corpo que compete o paciente com
obesidade, que se concentrará este estudo, cuja aspiração é buscar resposta a
mais uma das questões que o motivam: por que a imagem corporal se
apresenta distorcida da realidade para o obeso?
14
O
terceiro
capítulo
se
ocupará
da
imagem
corporal
na
contemporaneidade, momento em que se utilizará a visão dessa imagem e sua
formação no psiquismo do sujeito obeso. Examinar-se-á, ademais, o corpo, de
modo a franquear uma vereda para se chegar à razão última deste trabalho,
que é falar sobre a distorção da imagem na obesidade mórbida.
No quarto e último capítulo, trataremos desse novo corpo e da imagem
corporal, depois da cirurgia bariátrica. Também se utilizarão fragmentos de
casos clínicos, na perspectiva de ilustrar e demonstrar que a obesidade traz
consigo uma distorção de imagem que afeta o psiquismo do obeso.
15
2. Obesidade: um problema para a psicanálise
“Aprisionado dentro de todo homem obeso existe um homem
magro que apela desesperadamente para ser libertado1”).
(CONNOLY, 2005)
Considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um dos
dez principais problemas de saúde pública do mundo, a obesidade vem
crescendo em ritmo alarmante no Brasil. Mas o que é obesidade? Obesidade,
nediez ou pimelose2 quer significar uma doença crônica multifatorial, na qual a
reserva natural de gordura aumenta até se associar a certos problemas de
saúde ou ao aumento da taxa de mortalidade. Representa o resultado do
balanço energético positivo, ou seja, revela uma ingestão alimentar superior ao
gasto energético (WIKIPÉDIA, 2012).
Nas diversas etapas de seu desenvolvimento, o organismo humano
traduz o resultado de diferentes interações entre o patrimônio genético
(herdado de pais e familiares), o ambiente socioeconômico, cultural e educativo
e o ambiente individual e familiar. Daí as pessoas apresentarem diversas
características peculiares que as distinguem, especialmente em relação à
saúde e à nutrição. A obesidade é o resultado de várias dessas interações, em
que chama a atenção os aspectos genéticos, ambientais ou comportamentais.
Atualmente, este último – o comportamental – parece ser o mais importante
para o desenvolvimento dessa patologia. Assim, a obesidade aparenta trazer
repercussões não só de ordem clínica, mas também de aspecto psicológico,
ainda que manifestações psíquicas possam ser consideradas causa ou efeito
da obesidade. Em assim sendo, filhos de pais obesos apresentam alto risco de
se tornarem também pessoas obesas, da mesma forma que determinadas
mudanças sociais são passíveis de estimular o aumento de peso em certos
grupos de pessoas.
Independente da importância de tais causas, o ganho de peso haverá de
estar sempre agregado a um aumento de ingestão alimentar e a uma redução
1
Tradução do autor: “Imprisoned um every fat man, a thin one is wildly signaling to be let out”
In: CONNOLLY, C. The unquiety grave: a word cycle by Palinurus. Inglaterra: Persea, 2005.
2
Tecnicamente, antepositivo de origem grega pimelē, ês = gordura, mais o sufixo grego-latino ose, usado para formar substantivos referentes a processos patológicos e doenças, processo
mórbido.
16
do gasto energético correspondente a essa ingestão. Aliás, é possível que o
aumento da ingestão decorra da quantidade de alimentos ingeridos ou de
modificações em sua qualidade, resultando numa ingestão calórica total
elevada. O gasto energético, por sua vez, é passível de estar associado a
características genéticas ou, também, pode ser que seja dependente de uma
série de fatores clínicos e endócrinos, incluindo, nesse caso, doenças em que a
obesidade seja derivada de distúrbios hormonais.
Recentemente, tem-se observado o surgimento de uma série de
investigações científicas referentes aos diversos mecanismos pelos quais o
indivíduo aufere peso, a demonstrar cada vez mais que tal situação, em sua
maioria, encontra-se associada aos mais diferentes fatores.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,
2004), mais da metade da população adulta brasileira apresenta-se acima do
peso. Pesquisas indicam que o excesso de peso já atinge também uma em
cada três crianças entre cinco e nove anos de idade e um quinto dos
adolescentes no país. No Brasil, aliás, quarenta por cento da população
ostentam diagnóstico de excesso de peso. A maior incidência está entre os
adultos, e, entre estes, as mulheres. As maiores causas apontadas:
sedentarismo, ingestão de alimentos em demasia e estresse; em menor escala,
estão os distúrbios orgânicos que levam, involuntariamente, à pronta elevação
de peso. Hoje, a sociedade sugere como modelo idealizado um indivíduo de
físico magro e de pouco peso, isto é, de peso não proporcional à altura e à
ossatura da pessoa, o que acaba colocando essa população de quarenta por
cento numa condição marginal aos padrões oficiais vigentes.
A verdade é que os profissionais não levam em consideração a
subjetividade do obeso. O que lhes importa de fato é conhecer a massificação
da doença, esquecendo-se quase sempre do que se passa no íntimo dessa
criatura. A negligência de questionamento sobre o indivíduo, a falta de
percepção para saber se ele se sente bem na condição em que se encontra,
tudo isso faz com que a OMS esqueça esse sujeito desejante.
Rotulados como doentes tais indivíduos hão de apresentar dificuldades
que fazem parte desse conjunto de transtornos que agrava a obesidade, de
modo a complicar cada vez mais o quadro, por meio da baixa autoestima, da
distorção
da
imagem,
da
depressão,
da
ansiedade,
dentre
outras
17
possibilidades. Ora, diante desse cenário, o obeso passa a se isolar em casa, o
que dificultará seu envolvimento social. Sua autoestima fica cada vez mais
comprometida, esquecendo-se de si mesmo, não mais se reconhecendo como
realmente é. Nesse instante, já não é possível um comparativo desse indivíduo
com a própria imagem e ele mesmo já não reconhece no próprio corpo tanta
adiposidade, já não o enxerga tão grande. Agora, sua imagem apresenta-se
distorcida.
Para a maioria das pessoas concebidas como tal, a obesidade é o
problema e elas próprias acreditam que após o emagrecimento se tornarão
outra pessoa. Mas, como saber?
De fato, o emagrecimento melhora muito a autoestima antes tão
prejudicada. Melhora também a imagem corporal, que começa a ser percebida
de maneira diferente, de forma mais real. Esse emagrecimento pode ser
alcançado de diversas maneiras: ingerindo remédio para emagrecer, seguindo
dietas, fazendo exercícios físicos, etc.
2.1 ABORDAGEM HISTÓRICA DA OBESIDADE COMO DOENÇA
Revela a história que a obesidade é a mais comum e, há um tempo, a
mais antiga doença metabólica humana registrada, embora nem sempre ela
tenha sido vista como doença. Desde os tempos pré-históricos, a obesidade
assumiu um papel preponderante na vida dos seres humanos, não raro sendo
referida como símbolo de beleza e fertilidade.
No Período Neolítico (cerca de 20.000 a 30.000 anos a.C.), como mostra
o Fitness Performance Journal (2006), por exemplo, o culto à fertilidade era
praticado por meio de rituais místico-religiosos. Em decorrência, várias foram
as deusas e inúmeras as figuras míticas, representantes da fertilidade e da
agricultura, que continuaram a ser cultuadas na Antiguidade, admiradas por
seus seios avantajados, quadris e membros inferiores corpulentos, coxas
volumosas.
A Vênus de Willendorf, estatueta que representa uma figura feminina
obesa, era símbolo de fertilidade, insígnia da maternidade. Na Grécia,
observam-se representações dessas figuras em esculturas não só gregas, mas
18
também romanas. E, mais recentemente, na América pré-colombiana, podem
ser admiradas representações maias, astecas e incas, esculpidas em vasos de
variados tamanhos. Contudo, foi na Idade da Pedra que se encontraram os
primeiros indícios de tipos de obesidade: a obesidade glútea e a obesidade
abdominal ou visceral. (REPETTO, 1998, p.3).
A obesidade glútea, também representada artisticamente na Idade da
Pedra – principalmente na França, na Espanha, em Creta, na Iugoslávia, na
Checoslováquia e na Ucrânia – é um tipo de obesidade que, dizia-se, estaria
mais ligada ao armazenamento de energia, para garantir a sobrevivência do
indivíduo e da espécie, e não parecia estar relacionada a enfermidades. Já a
obesidade visceral, ao que tudo indica, predominava entre os povos mais
pródigos, os que gozavam de fartura de alimentos e que tinham uma vida mais
sedentária. Essa espécie de obesidade estaria associada às enfermidades.
(idem, ibidem, loc.cit.).
Segundo Repetto (ibidem, p.5) há aproximadamente 2.500 anos,
Hipócrates, célebre médico da Grécia antiga (460 a.C. – 377 a.C.), já chamava
a atenção para os perigos da obesidade, por perceber a existência de um
índice de mortalidade mais elevado em indivíduos gordos do que em pessoas
magras. Tal como Hipócrates, também seu discípulo Galeno dedicou-se a
estudar a
obesidade,
dividindo-a
em natural (moderada) e
mórbida
(exagerada). Galeno referia que a falta de disciplina do indivíduo tinha como
principal consequência a obesidade, daí preconizar como tratamento comida
moderada, massagens, banho, descanso ou algum lazer; caso se fizessem
refeições muito fartas, que os alimentos fossem de baixo teor calórico.
Em que pese a tal circunstância, Cunha; Neto & Junior (2006) lembram
que no:
“período do Império Romano, os padrões de beleza alteraramse e as mulheres foram “obrigadas” a fazer prolongados jejuns,
pois os corpos esbeltos e magros eram os mais apreciados.
Todavia, a classe social alta poderia manter livremente os seus
hábitos alimentares mais excêntricos”. (idem, ibidem, p.145146).
No Talmude, estudo enciclopédico da lei judaica, encontram-se diversas
citações acerca de obesos e da obesidade, dentre as quais vale observar o
19
relato de uma cirurgia a que foi submetido o rabino Eleazar. Assim é descrita
essa ocorrência:
“Seu abdome foi aberto e de dentro foram retiradas cestas de
gordura. Não se sabe quem realizou a cirurgia ou se o rabino
se recuperou ou não. Em outra citação, o rabino Eleazar Ben
Simeon e seu pai vivem escondidos, por treze anos, das
autoridades romanas da Galileia. Apesar de comerem somente
tâmara e poucas frutas, eles se tornaram obesos. Essa
referência nos leva à genética da obesidade, ou seja, mesmo
sem grande excesso alimentar, uma pessoa pode tornar-se
obesa”. (REPETTO, 1998, p.05).
Como se pode observar, a preocupação com a obesidade teve início em
tempos remotos. É datada do século XVII a primeira monografia escrita sobre
essa enfermidade, nela a alteração biológica é relatada como uma mistura de
doença com distúrbio do caráter (idem, ibidem, p.7).
O médico inglês Thomas Sydcnham (1624-1689), considerado o grande
clínico do século XVIII, aclamado como o "Hipócrates moderno", foi quem
primeiro começou a catalogar os sinais e os sintomas manifestados pelas
pessoas enfermas. No início deste século, publicou o Grande Catálogo Clínico
das Doenças, em que já figurava o problema da obesidade. No decorrer do
século XVIII, verificaram-se diversas descrições sobre a moléstia. Com o início
da medicina clínica (1800-1850), começaram a aparecer citações mais
frequentes sobre o assunto e descrições da própria obesidade. É curioso
lembrar que o médico francês René-Théophile-Hyacinthe Laennec (17811826), inventor do estetoscópio, quando de sua primeira descrição do
instrumento em 1816, relatou que a ideia de criar um aparelho que pudesse
detectar ruídos no organismo surgiu da dificuldade de se fazer ausculta do
tórax em uma jovem muito obesa, com mamas volumosas. (idem, ibidem, p.7).
Em verdade, sabe-se que durante o século XIX, nenhuma farmácia era
considerada completa sem o seu vidro de sanguessugas vivas, usadas para
tratar muitas enfermidades, entre elas obesidade. No ano de 1863, o prêmio
Nobel de Medicina, o canadense Frederick Bantig (1891-1941), escreveu o que
certamente seria o primeiro livro de dietas. Trata-se do panfleto intitulado ‘Unia
carta dirigida ao público sobre a corpulência’, em que ele falava sobre o
20
método pelo qual ele próprio conseguira perder peso. (CUNHA; NETO &
JUNIOR, 2006, p.146-154).
No decorrer da história, a obesidade foi vista sob diferentes aspectos.
Em algumas civilizações da Antiguidade, por exemplo, ser gordo queria
significar ser bem sucedido, era signo de sucesso. Em outras culturas, como a
do Japão medieval, ser obeso refletia um deslize moral cometido pelo
indivíduo. Já na Europa, o estigma da obesidade era fundamentado pela Igreja
Católica, por meio do pecado capital da gula.
Como se vê, embora de diferentes formas, a obesidade foi sempre
estigmatizada pela sociedade. Com exceção dos países africanos, onde a
obesidade nos homens é sinal de domínio e poder, e a das mulheres, que
simboliza maior fertilidade, percebe-se, na atualidade, a existência de uma
predisposição maior a manifestar um sentimento desfavorável, formado, a
priori, em relação ao obeso. Todavia, com os avanços das pesquisas ocorridos
nas últimas décadas, chegou-se à conclusão de que a obesidade é uma
doença multifatorial e que não se vincula, portanto, a um único aspecto
individual.
Já em começos do século XX, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
chamava a atenção para o fato de haver no mundo mais de um bilhão de
adultos com sobrepeso e, aproximadamente, trezentos milhões de adultos
obesos. Ainda segundo a OMS, num futuro próximo, cerca de 60% da
população mundial hão de apresentar algum problema de saúde relacionado à
obesidade. Ao final da primeira década do século vigente, resultados de
pesquisas no mundo consideraram a obesidade uma doença epidêmica global
– a doença do século 21 – que precisa ser encarada mais efetivamente, tendo
em vista o alto índice desse distúrbio na população infantil e as evidentes
consequências na saúde integral da pessoa obesa.
A obesidade favorece em grande escala o risco de aparecimento e
agravamento de doenças crônicas e de sofrimentos psicossociais. No mundo
inteiro, há mobilizações científicas e políticas focadas para esse problema. E
isso ocorre de tal modo, que, em fevereiro de 2011, com a presença da direção
da OMS, Ministros da Saúde de países do continente americano, reunidos no
México, durante a Consulta Regional de Alto Nível das Américas Contra as
Enfermidades
Crônicas
não
Transmissíveis
(ECNT),
assinaram
uma
21
declaração em que propunham a criação de políticas públicas, com o fim de
combater a obesidade nas respectivas nações. Tal como se encontra prescrito
na Carta Europeia de Luta contra a Obesidade, essa declaração reconhece a
liderança da área da saúde nessa peleja contra a doença e seus agravos, mas
coloca ênfase no caráter intersetorial das ações, propondo o engajamento dos
setores de educação, cultura, comércio e mídia.
Na Europa, a epidemia da obesidade é considerada um dos maiores
desafios para a saúde pública. Além de acarretar mudança rápida em
determinantes sociais, econômicos e ambientais, ela estabelece também
alteração no estilo de vida das pessoas.
No Brasil, consoante o Ministério da Saúde, a parcela da população cujo
Índice de Massa Corporal (IMC) é igual ou superior a 30, portanto,
consideradas obesas, passou de 11,4% para 13,9% em apenas três anos,
entre 2006 e 2009. E a tendência é aumentar. Estima-se, ainda, que quatro
milhões de brasileiros tenham atingido o estágio de obesidade mórbida,
quando o IMC chega a quarenta. A OMS classifica como situação de
obesidade quando o IMC (peso em kilograma dividido pelo quadrado da altura
em metro) encontra-se acima de 30 kg/m². Quanto à gravidade, a OMS propõe
a seguinte classificação: obesidade grau I, quando o IMC está entre 30 e 34,9
kg/m²; obesidade grau II, quando o IMC está entre 35 e 39,9 kg/m²; e
obesidade grau III, quando o IMC ultrapassa 40 kg/m².
O crescimento do número de pessoas obesas está sendo considerado
um problema de saúde pública, principalmente porque esses casos estão
sobrecarregando o sistema público de saúde no tratamento de excesso de
peso e de doenças associadas ao problema. A questão é que a obesidade é
uma doença multifatorial, relacionada a diversos aspectos, desde aqueles de
ordem genética, até os de ordem socioambiental, podendo-se depreender que
95% ou mais dos casos estão intimamente ligados ao estilo de vida.
No decorrer da história, conforme se evidenciou anteriormente, a
obesidade não tinha esse caráter de doença que lhe é atribuído nos tempos
atuais pela OMS. Ao contrário, tratava-se de uma expressão de forma de vida,
de fertilidade, de produção artística, de poder e de respeito pelo desejo do
outro. Hoje, não são levadas em consideração as repercussões psicológicas,
que, se não forem trabalhadas ou percebidas, podem trazer graves danos ao
22
indivíduo, levando o paciente à morte tanto biológica quanto psíquica, pois não
se sabe o que essa obesidade pode significar para esse sujeito. Cintra & cols.
(2006) esclarecem que:
“ao lembrarmos a evolução feminina, observamos que a
obesidade também era valorizada e representada nas artes; os
corpos grandes e arredondados eram considerados sinais de
opulência e poder, ao contrário do que social e culturalmente
preconiza-se. Ocorria uma valorização positiva, em contraste
com a valorização e cobrança que marcaram as últimas
décadas, tendentes a valorizar corpos esbeltos e esguios,
considerando a magreza como uma situação ideal de aceitação
e êxito”. (idem, ibidem, p. 292-296).
Ainda de acordo com alguns estudiosos:
“esses fatores podem predispor a pessoa obesa a desenvolver
um transtorno da imagem corporal, a qual pode ser
influenciada por uma série de ocorrências, como a idade no
início da obesidade, presença de algum transtorno emocional,
influência social através da avaliação negativa ou depreciativa
do outro, entre outros fatores”. (LANCHA, FRANCISCHI &
cols., 2000, p. 17-28).
O ato de comer e a noção de imagem corporal interferem de maneira
prejudicial na vida do obeso, fazendo surgir um sentimento de impotência e de
falta de controle em seus relacionamentos. Na maioria das vezes, os obesos
graves respondem de forma insatisfatória ao tratamento convencional
medicamentoso, associado à dieta hipocalórica e à atividade física controlada.
Enfrentam tentativas frustradas de perda de peso e/ou de sua manutenção, ao
procurar serviços médicos ou alternativos, pois emagrecem e recuperam pelo
menos duas vezes mais o peso anterior, o que torna esses serviços um dos
grandes temores do paciente. Dessa forma, o paciente sente que seus
esforços não foram recompensados e que a perda de peso é praticamente
impossível.
Assim, manifesta-se a obesidade mórbida, que se caracteriza por uma
ingestão de alimentos em excesso, por um comer mal e rápido demais,
associado à falta de exercício, a uma predisposição genética e a fatores
psicológicos e sociais.
23
O corpo do obeso mórbido é excessivamente gordo, volumoso. O
paciente encontra-se muito acima de seu peso, basicamente à custa de
gorduras que parecem não ceder às orientações dietéticas ou à reeducação
alimentar. Trata-se de condições de obesidade, condições essas que
aumentam muito as chances de aquisição de sérios problemas de saúde, as
chamadas ‘comorbidades’3. Como o próprio nome indica, o vocábulo ‘mórbido’
guarda o sentido de aquele que traz consigo as doenças, ou o que corre um
alto risco de adquiri-las, em decorrência do excesso de peso. Comorbidades
são doenças secundárias que podem levar à morte, ocasionadas pela
obesidade, dentre as quais se podem citar: diabetes, hipertensão arterial,
problemas articulares, dificuldade de locomoção, colesterol elevado, apneia do
sono, trombose, etc. Considerada problema de saúde pública, sobretudo em
países desenvolvidos, o estudo da obesidade mórbida vem sendo realizado
também em outras áreas, além do campo médico.
Além disso, há de se observar a importância que a estética adquiriu na
sociedade pós-moderna. Neste caso, está-se referindo ao culto à estética do
corpo esbelto, longilíneo, considerado o corpo ideal, o corpo perfeito. Em
decorrência disso, o obeso acaba por experimentar sentimentos de rejeição e,
não raro, de segregação em relação a sua imagem. Tal tirania do corpo,
imposta pela sociedade em geral, parece ser a principal responsável pela
frustração daqueles que, por um motivo ou por outro, não conseguem ou não
são capazes de fazer chegar o próprio corpo físico a esse ideal de perfeição,
ou, pelo menos, dele se aproximar. Daí optarem por um novo estilo de vida,
assumindo uma rotina sedentária, uma nutrição cada vez mais excessiva, cujo
desenlace não pode ser outro, senão um balanço energético alto,
desencadeador da obesidade.
Os programas de atenção à saúde têm apresentado estratégias de
promoção que tentam estimular o interesse das pessoas por práticas
saudáveis. Paralelo a isso, também tem sido incrementado tratamento para
pessoas que sofrem de obesidade mórbida, visando a prevenir diversos
agravamentos dessa disfunção orgânica e suas complicações.
3
Do latim morbus, i ', isto é, doença, enfermidade, moléstia', de que derivou morbìdus, a, um,
com o sentido de 'enfermo, doente; insalubre, mórbido'.
24
Apesar das várias intervenções para combater a obesidade, observa-se
também um aumento de sua gravidade em razão da utilização de métodos
inadequados por parte de pessoas obesas. Tais métodos, além de
comprometerem o metabolismo, são normalmente ineficazes e facilitam a
recuperação do peso perdido, o que torna o tratamento ainda mais difícil. A
principal questão é a complexidade que envolve a situação de ser obeso.
Por ser a obesidade um fenômeno bastante centrado no aspecto
comportamental, a meta de atingir um peso saudável passou a exigir
mudanças nos hábitos alimentares, na prática do condicionamento físico e na
atenção à saúde psíquica. Para o obeso mórbido essa meta é ainda mais difícil
de ser alcançada e, muitas vezes, até mesmo impossível, a depender do tipo
de obesidade e de sua gravidade. Com frequência, aliás, alguns tipos de
obesidade exigem medidas mais drásticas de tratamento.
Atualmente, existem diversas modalidades de tratamento para a perda
de peso, dentre os quais se destacam a variedade de dietas, as psicoterapias,
os medicamentos e os programas de atividades físicas. Porém, a maioria dos
obesos mórbidos não obtém sucesso ao optar por qualquer desses recursos.
Com isso, outros problemas surgem além daqueles associados ao ganho de
peso, como, por exemplo, a frustração e a ansiedade constantes, o estresse e
a depressão, problemas esses que influenciam ainda mais o comportamento
alimentar inadequado e o agravamento da comorbidade.
O tratamento conservador da obesidade – por meio de mudanças no
hábito alimentar e/ou no comportamento, ou por meio de exercícios físicos e
medicamentos – tem seu lugar, sim. Porém, torna-se ineficaz quando se trata
de obesidade mórbida - Índice de Massa Corporal maior que quarenta. Vários
estudos demonstram que, mesmo com emprego de novos medicamentos
emagrecedores, como a sibutramina, a cada cem pacientes tratados, apenas
trinta e quatro conseguem perda ponderal de dez por cento ao final de doze
meses. Contudo, essa perda é considerada muito pequena em se tratando de
obeso mórbido.
Além desses maus resultados na redução ponderal, com o passar do
tempo, o tratamento conservador falha na manutenção do emagrecimento e a
quase totalidade dos pacientes recupera tudo o que havia perdido em relação
ao peso. E mais, não é incomum o indivíduo ultrapassar o que perdera após
25
cinco anos de acompanhamento. Dessa forma, no consenso mundial sobre
tratamento da obesidade, organizado pelo Instituto Nacional de Saúde dos
Estados Unidos, em 1991, ficou estabelecido que o único tratamento eficaz
para a perda e manutenção ponderal do obeso mórbido é a cirurgia bariátrica,
atualmente considerada a mais bem-sucedida medida terapêutica em tais
casos, pelo fato de a obesidade trazer ameaça à vida do indivíduo. (NASSER &
ELIAS, 2004, p.45).
2.2 A INTERVENÇÃO CIRÚRGICA
Para iniciar este subcapítulo, há de se lançar mão de algumas citações
retiradas do livro de Novaes (2006), a respeito da esperança que os pacientes
apresentam em relação à cirurgia bariátrica.
“Costumo dizer que não sei como sou. Não conheço o formato
real do meu corpo, só conheço a deformação da obesidade.
Espero logo poder saber sobre meus contornos e curvas e que
eles sejam interessantes”. (idem, ibidem, p. 189).
Outra fala:
“É uma cirurgia de restauração da qualidade de vida e da
possibilidade de voltar a ter prazer em outros âmbitos que não
seja só através da comida. No que os pacientes já operados
reforçavam em coro uníssono: é um renascimento, o Dr. X é
maravilhoso, com ele voltamos a ter prazer!” (idem, ibidem, p.
187).
A avaliação do cenário da obesidade na população e das dificuldades
das pessoas seguirem o tratamento habitual e terem sucesso com ele,
estimulou a ciência médica a desenvolver um tratamento via intervenção
cirúrgica. Desde a década de setenta do século passado, as pessoas que
sofrem de obesidade mórbida podem contar com outro tipo de tratamento: a
cirurgia bariátrica. Apesar de terem sido desenvolvidos poucos estudos com a
população que se submeteu a esse tratamento – especialmente de caráter
qualitativo, segundo a avaliação de médicos que atendem a essa população –,
26
a cirurgia tem se mostrado um tratamento que traz novas perspectivas aos
indivíduos obesos.
A cirurgia bariátrica, também conhecida como gastroplastia ou cirurgia
de redução de estômago, representa uma opção para pessoas com obesidade
mórbida que não conseguem perder peso pelos métodos tradicionais, ou para
quem sofre de problemas crônicos de saúde, relacionados a essa doença.
Atualmente, há três procedimentos cirúrgicos para tais casos, a saber: “os que
limitam a capacidade do reservatório gástrico, denominado restritivo; os que
interferem na digestão, chamados de mal-absortivos e uma combinação de
ambos” (OLIVEIRA, LINARDI & AZEVEDO, 2004, p.199-201).
Apesar de sua natureza invasiva,
“a cirurgia bariátrica tem mostrado taxa de sucesso
consistente, promovendo, em média, uma redução de 50% no
peso, com manutenção dessa redução a longo prazo. A
indicação dessa intervenção vem crescendo nos dias atuais e
baseia-se numa análise abrangente de múltiplos aspectos do
paciente”. (FANDIÑO et. al., 2004, p.47-51).
A cirúrgica bariátrica também tem sido utilizada para tratamento de
pessoas obesas, portadoras de Diabetes Mellitus tipo II, pois, ao induzir
significante perda ponderal nesses indivíduos, a resistência à insulina diminui
e, consequentemente, também os fatores de risco de virem a sofrer problemas
cardiovasculares. A intervenção reduz o estômago em cerca de vinte
centímetros cúbicos, ou seja, o estômago reduzido perde até noventa por cento
de sua capacidade de absorção. Devido a essa redução, diminui a capacidade
de o estômago suportar a quantidade habitual de alimentos ingeridos. Com
isso, o estômago enche-se rapidamente e a mensagem de saciedade é
transmitida ao cérebro, fazendo com que a pessoa consuma bem menos
alimentos do que costumava fazer antes.
No entender de Garrido Júnior (2002), na indicação cirúrgica, adotam-se
padrões recomendados pelo
National Institutes of Health Consensus
Development Conference Panel (1991). Basicamente, as indicações podem ser
resumidas da seguinte forma: presença de morbidade, resultante da obesidade
ou agravada por ela; persistência do excesso de peso de, no mínimo, cinco
anos; IMC acima de 40 kg/m² ou acima de 35 kg/m², na presença de doenças
27
associadas; fracasso de métodos tradicionais de emagrecimento; ausência de
causas endócrinas de obesidade e avaliação favorável das possibilidades
psíquicas
do
indivíduo
em
suportar
as
transformações
radicais
de
comportamento impostas pela cirurgia.
Já em relação aos critérios psicológicos ou psiquiátricos de exclusão dos
pacientes à cirurgia, Segal & Fandiño (2002) acreditam não haver um consenso
na literatura, dependendo muito, portanto, da equipe multidisciplinar. Contudo,
eles lembram que os transtornos psiquiátricos, especialmente os de humor,
ansiosos e psicóticos, são comumente considerados como contraindicações.
Em 17 de fevereiro de 2011, foi aprovada no Brasil uma nova
regulamentação que autoriza a utilização da banda gástrica no tratamento da
obesidade moderada, de maneira que indivíduos com índice de massa
corpórea (IMC) a partir de 30kg/m² e que sofram de alguma doença associada
à obesidade, como diabetes, hipertensão arterial e apneia do sono, estão aptos
para o tratamento cirúrgico. A literatura destaca, ainda, que procedimentos
drásticos só devem ser adotados quando a obesidade estiver ameaçando a
vida e os tratamentos convencionais não fizerem efeito. A indicação da cirurgia,
por conseguinte, somente será adotada após minuciosa análise dos múltiplos
aspectos clínicos da pessoa obesa, o que exige atenção de uma equipe
multidisciplinar. Somente após essa equipe comprovar que tudo se encontra
esclarecido a respeito de todos os detalhes referentes ao diagnóstico, aos
benefícios e aos riscos da cirurgia, assim como às repercussões e às
necessidades de tratamento posterior é que a intervenção poderá ser
realizada.
Sem dúvida que se o “Termo de Consentimento Informado”, prescrito
pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), for
aplicado de acordo com os princípios éticos, somente assinará o Termo para
se submeter à cirurgia aquela pessoa obesa com extrema necessidade de
tratamento cirúrgico. Os resultados esperados após a cirurgia bariátrica
incluem perda de peso, melhora das comorbidades relacionadas e melhora da
qualidade de vida em geral.
Estudos clínicos revelam que após a cirurgia muitos indivíduos perdem
peso rapidamente e continuam a perdê-lo até dezoito (às vezes até vinte e
quatro) meses após o procedimento, podendo manter 50 a 60% da perda do
28
excesso de peso de dez a quatorze anos após a cirurgia. Quanto às
repercussões não satisfatórias, a princípio, estão as intercorrências advindas
do próprio ato cirúrgico, como qualquer procedimento invasivo com anestesia
geral, como risco de infecção e possibilidade, mesmo que remota, de embolia
pulmonar. Pode haver, também, complicações decorrentes do excesso de peso
ou por agravamento de doenças associadas, como as cardiovasculares e o
diabetes. O risco total de complicações varia entre 10 e 15%, e a mortalidade
está em torno de 0,3 a 1,6%, sendo mais frequente em indivíduos com muitos
fatores de risco associados à obesidade.
A atenção aos riscos cirúrgicos e ao tratamento posterior muito
prolongado torna-se mais importante, frente à evidência do alto número de
gastroplastias no contexto brasileiro. Sabe-se que a tendência de tal fato é
aumentar nos próximos anos, em função da divulgação dos casos de sucesso
e da diminuição dos riscos cirúrgicos e, também, pelo fato de este tratamento
estar inserido em planos particulares de saúde e no Sistema Único de Saúde
(SUS).
No Brasil, a cirurgia bariátrica começou a ser realizada em maior escala
a partir do ano 2000, quando alguns planos de saúde particulares e a rede
pública passaram a assumir os custos do procedimento. Esse tratamento foi
regulamentado no SUS pela Portaria nº 628/GM, de 26 de abril de 2001, cujo
protocolo foi aperfeiçoado em 2005. Desde então, o usuário do SUS com
obesidade mórbida passou a realizar essa cirurgia em algumas instituições
governamentais do país. A procura por tais entidades tem sido muito grande e
a demanda do serviço público ainda não consegue ser atendida como
esperado, gerando longas filas de espera.
Dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica
(SBCBM) apontam que em 2010 foram realizadas 64,4 mil cirurgias no país, o
que representa uma alta de 275% em relação a 2003, ano em que os primeiros
registros foram coletados, e de 33% em relação a 2009. Pelo SUS, o número
de cirurgias aumentou 23,7% entre 2007 e 2009, chegando a 3.681
intervenções, mesmo com filas de espera de até oito anos. Em hospitais
vinculados ao SUS, o número de cirurgias aumentou quase 800%, entre 2001 e
2010. Em unidades particulares, o crescimento registrado na última década é
menor, cerca de 300%. Os números fazem do Brasil o segundo colocado no
29
ranking de cirurgias bariátricas, atrás apenas dos Estados Unidos, com 300 mil
procedimentos em 2010.
Chama-se a atenção para o fato de que construir uma vida mais
saudável, resultado esperado pela população que se submete a esse tipo de
cirurgia, é um processo muito complexo, pois envolve a interligação dos
aspectos físico, psíquico e social e varia de indivíduo para indivíduo. Nesse
sentido, existe a recomendação do Ministério da Saúde para que haja um
acompanhamento multiprofissional e sistemático aos indivíduos que se
submeteram a tratamento cirúrgico. Observa-se também uma preocupação
comum entre os profissionais com os sintomas psicológicos e os quadros
psiquiátricos apresentados pela população obesa em tratamento e por aqueles
que se candidatam à cirurgia, pois se entende que se não forem
adequadamente tratados, podem comprometer o prognóstico. A realização
correta e eficaz da intervenção cirúrgica indicada não impede futuro ganho de
peso, caso não haja o devido acompanhamento e a devida disciplina no
tratamento. A transformação, no entanto, não se restringe ao corpo. Aspecto
pouco mencionado, ou até mesmo ignorado por boa parte das pessoas, são as
mudanças psicológicas, determinantes para o sucesso de uma nova jornada.
O fato é que nem sempre os pacientes estão preparados para uma
mudança tão radical. Normalmente, quem sofre de obesidade mórbida também
sofre de compulsão alimentar e, após a cirurgia, há o risco dessa compulsão se
manifestar de outras formas. Assim, álcool e sexo constituem duas das
compensações mais comuns para as drásticas reduções no cardápio. O
exagero, portanto, continuará presente na vida dessas pessoas e para contê-lo,
ou numa possibilidade ideal, para impedir que ele surja, torna-se muito
importante manter um acompanhamento psicológico depois de se realizar a
operação. A terapia, aliás, tem de começar um pouco antes da cirurgia. A ideia
é conferir se a transformação não vai causar no paciente um impacto
emocional difícil de ser administrado.
A reforçar tais aspectos, há de se lembrar das ideias de Pinto (2004),
quando ela esclarece que:
“o Conselho Federal de Medicina baixou uma resolução que
exige do médico a avaliação geral do paciente antes de realizar
30
uma operação definitiva, como é o caso das cirurgias de
redução do estômago. A solicitação de pareceres e laudos
psicológicos é indispensável. O laudo é necessário também
para autorizar a operação, inclusive em hospitais públicos”.
(PINTO, 2004, p.141).
Segundo essa psicóloga, o laudo é importante por dois aspectos:
primeiro, por avaliar a estrutura emocional do indivíduo para lidar com as
mudanças
trazidas
pela
cirurgia;
e,
segundo,
para
verificar
se
o
acompanhamento e a avaliação psicológica teriam conseguido diagnosticar o
aparecimento de outro comportamento não adaptativo após a cirurgia,
conforme já ocorreu em alguns casos, como compulsividade por drogas, álcool,
jogos, trabalho ou sexo. Ou seja, torna-se passível ao paciente migrar para
outras escolhas. Nesse sentido, o laudo do profissional é fundamental, pois ele
pode restringir a cirurgia, ou mesmo adiá-la, e propor um trabalho psicoterápico
adequado.
Silva (2000, p.32-39) também reforça essa ideia sobre a avaliação
psicológica. Ele evidencia a importância da avaliação psicológica em pacientes
obesos mórbidos, quando da preparação para cirurgia, a fim de diagnosticar e
prognosticar a adaptação das novas condições impostas pela alimentação,
pelas alterações no corpo e pelas dificuldades no próprio seguimento do
tratamento. Com base nessa apreciação do profissional, a equipe médica tem
condição de decidir mais objetivamente o momento ideal de realizar a cirurgia.
Segundo Carlos (2005), o obeso quase sempre costuma apresentar um
comportamento muito dócil, muito amigável. Trata-se, quase sempre, de uma
anulação de si próprio em relação ao outro, como se ele precisasse agir assim
para ser aceito. Em contrapartida, o oposto disso pode aparecer após a
cirurgia, emergindo uma agressividade exagerada, daí a importância do
acompanhamento psicológico. Assim, cabe ao paciente dar sequência a essa
nova fase, percebendo que, a partir de então, ele pertence a um mundo de
dimensões reduzidas. (idem, ibidem, p.30-34).
Vale registrar aqui, a frase da filha de uma paciente, publicada em um
documentário sobre obesidade na Geografic Magazine4, frase essa que traduz
4
Documentário sobre obesidade apresentado no canal de TV NetGeo.
31
bem aquilo que o obeso faz com seus sentimentos mais intensos. No entender
dessa menina: “Ela come a sua emoção”
2.3 ABORDAGEM PSICANALÍTICA E A OBESIDADE
“A psicanálise é o nome de um procedimento para a
investigação de processos mentais que são quase inacessíveis
por outro modo”. (FREUD, 1923, p.107).
É interessante refletir a obesidade levando em consideração que os
obesos podem possuir inúmeras maneiras de refletir sobre o alimento.
Entender a dinâmica de preenchimento a que os obesos estão ligados; ou
considerar a ingestão de alimentos como forma de ficar constantemente
preenchendo algo; ou ter de comer para tentar preencher um “espaço vazio”;
ou saber comer como forma de prazer; ou, ainda, comer para diminuir a
ansiedade, eis os caminhos que se podem percorrer para chegar a esse
entendimento oferecido pela psicanálise. Levando em consideração que com
isso vêm os conflitos inconscientes, arraigados a partir da infância, já que
quando se é tão-somente um bebê ou até mesmo quando se tem poucos anos
de idade, ser “gordinho” significa ser bonitinho, é “sinal de saúde” e, de
repente, deixa-se de ser. Com isso vêm os regimes, a briga com a balança, os
remédios para inibir o apetite e a cirurgia bariátrica. Exemplo prático desses
aspectos é quando se faz uma cirurgia para redução de estômago – o indivíduo
sai da condição de obeso e entra na categoria de magro. Onde ficou então
aquela vontade de comer? Pergunta-se, uma vez que tal comportamento
precisa ser entendido e não simplesmente removido.
Uma vez que comer constitui a principal fonte de prazer e se essa fonte
é inibida, deixando uma lacuna, um vácuo, isso pode resultar em inexplicáveis
transtornos, como a depressão e a ansiedade. É nessa ausência, ou falta, ou
lacuna, ou qualquer outro nome que se lhe dê, é nesse espaço, dizia-se, que a
psicanálise pode ter um papel fundamental, ajudando o indivíduo na
elaboração da ideia de si mesmo frente à nova forma física adquirida, tentando
impedir, ademais, que outros transtornos venham a se manifestar.
32
Dessa forma, observa-se que, ao mesmo tempo em que o desempenho
encoraja as práticas de alteração do corpo, cria-se um problema no cerne da
estruturação do sujeito. Parece que o corpo, principalmente da pessoa obesa,
foi criado para causar uma enorme satisfação no sujeito, porém, uma
satisfação solitária, em que o sujeito sequer olha o próprio corpo no espelho,
por não aceitá-lo como parte de seu ser, como se ele, o corpo, estivesse
escondido de si próprio, não reconhecendo nele sua imagem física, corporal.
Em verdade, o sujeito cria outro corpo para si, idealizado, investido
narcisicamente, embora escamoteando a si próprio, colocando-se muito além
de sua possibilidade de percepção. Daí o obeso não perceber esse corpo, que
se esconde através de uma camada de gordura e de sua impossibilidade de
lidar com as próprias frustrações e ansiedades.
Como se vê, em relação à obesidade, a teoria psicanalítica não se
prende ao ponto de vista estético, físico ou patológico, mas, sim, aos aspectos
simbólicos da obesidade e aos fatores psicoemocionais que a ela levam. Na
psicanálise, o obeso é que deverá elaborar o peso que sua condição pulsional
lhe ofereceu em parceria com o desejo e com o corpo.
A esse respeito, vale a pena trazer à memória as palavras de Moraes
(2009):
“Diferentemente dos preceitos sociais, a Psicanálise não
classifica padrões e nem julga modelos, ela busca fazer com
que o sujeito tome contato, identifique-se e harmonize-se com
seus próprios desejos, nesse caso, sejam eles: “gordo ou
magro”. (idem, ibidem, p. 2).
Nessa busca de que fala Moraes (ibidem), a psicanálise estabelece
algumas respostas sobre a obesidade:
1.
autopunição, usar o próprio corpo como forma de castigar-se
inconscientemente por algo;
2.
tentativa de saciar uma fome não orgânica, mas emocional.
Assim, utilizando a teoria psicanalítica para refletir a obesidade, torna-se
importante falar de dois de seus conceitos que vão nortear essa caminhada, na
perspectiva de melhor se entender o ato de comer para o obeso e,
consequentemente, a obesidade em si mesma, que é a pulsão e a compulsão
à repetição.
33
Pulsão, do alemão Trieb (impulso, inclinação), em psicanálise significa
força germinativa. Impulso, ou impulsão, ou propulsão, constitui a forma original
do querer. Para melhor entender esse ponto de vista, é importante considerá-lo
como um conceito-limite entre o somático e o psíquico, conforme Freud (1915)
o considerava. É essa situação de fronteira que, sem dúvida, explica o fato do
pai da Psicanálise ter recorrido à noção de representante psíquico, ou seja:
uma espécie de delegação do somático no psíquico, ou diretamente do
psíquico inconsciente (id) para o consciente. Contudo, vale lembrar que a
pulsão conhece um destino final essencialmente psíquico. Para Freud (ibidem):
“a pulsão se originaria de um funcionamento corporal do ser
vivo, de onde partiria de uma borda corporal, as chamadas
“zonas erógenas”; contornaria um objeto (o mais variado
possível) e retornaria à fonte, ao próprio corpo, fechando,
assim, seu circuito. O alvo da pulsão seria seu trajeto de ir e vir
em busca da satisfação que nunca é alcançada plenamente,
pois sempre deixa um resto. Dessa forma, como dito
anteriormente, entenderíamos o fato de a pulsão estar situada
na fronteira entre o psíquico e o somático, um representante
psíquico dos estímulos que se origina dentro do organismo e
alcança a mente, e que só é conhecida por meio de seus
representantes”. (idem, ibidem, p.127-130).
Essas palavras de Freud (ibidem) deixam claro que a pulsão é definida
através de quatro referências, tomadas sempre em conjunto: sua força ou
pressão, sua fonte, seu objeto e sua finalidade. Em artigo publicado em 1915,
intitulado Trieb und trieb shiksal (Os instintos e suas vicissitudes), Freud lembra
que se devem destacar quatro momentos da pulsão, a saber: 1º) o impulso
(Drang); 2º) a pressão de uma pulsão, entende-se, seu aspecto motor; 3º) a
soma de força ou a medida de exigência de trabalho que ele representa, e, 4º)
o caráter pressionante que é uma propriedade universal das pulsões, até sua
essência. Freud (1915) fala, ainda, que toda pulsão representa um fragmento
de atividade. Na verdade, a pulsão refere-se a um fator energético quantitativo,
econômico, uma exigência de trabalho emocional que é imposta ao aparelho
psíquico. É força constante que tem sentido em sua relação com a fonte
(Quelle) que inscreve, na economia da pulsão, sua estrutura de borda,
estrutura essa que pode ser orgânica, psíquica ou ambas as coisas. Trata-se
daquele processo somático em um órgão ou em parte do corpo, cujo estímulo
34
na vida psíquica é representado pela pulsão. Ignora-se, no entanto, se esse
processo é de natureza regularmente química ou se pode corresponder à
liberação de outras forças, por exemplo, de forças mecânicas.
Apesar de a proveniência de fontes somáticas ser o fator decisivo para a
pulsão, é sabido também que a pulsão só se apresenta na vida psíquica
através de suas metas. O conhecimento mais preciso das fontes pulsionais não
é indispensável para os objetivos da pesquisa psicológica. Algumas vezes, a
partir da finalidade da pulsão, é seguro concluir qual é sua fonte. O objeto
(Objekt) indeterminado, o objeto da pulsão, é certamente aquele em que, ou
através do qual, a pulsão pode alcançar sua finalidade. Ele é o mais variável na
pulsão, o não ligado a ela originalmente, mas, sim, unido apenas em
consequência de sua aptidão para possibilitar a satisfação. Não é necessário
que seja um objeto estranho, porquanto também pode ser uma parte do próprio
corpo.
No decurso do destino vital da pulsão, ele, o objeto, pode ser
frequentemente trocado de maneira fortuita. E esse deslocamento da pulsão
desempenha os mais importantes papéis. Ademais, é possível ocorrer que o
mesmo objeto sirva simultaneamente à satisfação de várias pulsões. Diz
respeito a algo substantivo que permite ao Ego cumprir a meta da Pulsão.
Pode ser uma coisa material, pode ser uma pessoa ou um sistema, como
religião, vida social, etc.
A meta de uma pulsão é sempre a satisfação, que somente pode ser
alcançada através da supressão do estado do estímulo na fonte da própria
pulsão. Mas, mesmo se essa finalidade última permanecer invariável para toda
pulsão, diversos caminhos hão de conduzir para ela (pulsão) e isso ocorrerá de
tal modo que podem surgir várias metas próximas ou intermediárias para uma
pulsão, metas tais que se combinam entre si ou que se permutam. O destino é
o que gera a satisfação (descarga energética), restabelecendo o equilíbrio
perdido (homeostase) orgânico e/ou psíquico, social ou sexual.
Dessa forma, são as representações da pulsão no inconsciente que
indicam as demandas do sujeito ao Outro, como também indicam as demandas
do Outro ao sujeito, presenciadas nas modalidades da pulsão.
A pulsão é um impulso, inerente à vida orgânica, que visa a restaurar um
estado anterior de coisas, que leva a um retorno, ao estado inorgânico. Freud
35
(1920) dedica boa parte do capítulo V do livro Além do princípio de prazer, para
analisar as pulsões, chegando à conclusão de que
“a pulsão, somente na aparência, é uma força que impele à
mudança; na realidade, sua natureza é essencialmente
conservadora; seu objetivo é voltar a um estado antigo de
coisas, a “um estado inicial de que a entidade viva [...] se
afastou e ao qual se esforça por retornar”. (idem, ibidem, p.
49).
Com base nesse fragmento, pode-se concluir que o objeto pulsional na
obesidade mórbida está sempre se vinculando ao alimento, como forma de
satisfação primordial de todas as necessidades do indivíduo. E em qualquer
vestígio de frustração, esse indivíduo fixado no objeto simbólico, que é o
alimento, há de recorrer sempre ao ato de comer. Assim, o sujeito transforma a
comida no objeto que o liberta do sentimento da falta e do vazio, e,
consequentemente, da frustração e de sua ansiedade.
Ainda seguindo essa linha de pensamento, pode-se dizer que o objeto
mesmo da pulsão não existe, porque o obeso lida sempre com objetos
substitutos, que é a própria comida. Dessa forma, percebe-se que o aparelho
psíquico do obeso é marcado a partir de um movimento originário da pulsão,
movimento esse que vai de encontro ao Outro e retorna só após ter encontrado
um objeto com o qual retém uma satisfação possível, ainda que parcial. É
como se para esse indivíduo, a comida fizesse parte dele, daí a necessidade
de sempre reincorporar esse objeto. Conforme ensina Fonsêca (2009), “na
obesidade, o que se percebe é que não se come apenas por necessidade
fisiológica, mas sim por uma espécie de desejo, desejo esse que nunca está
satisfeito”. (idem, ibidem, p.5).
Voltando a Freud, há de se lembrar de que, para ele, a pulsão é ainda
um impulso traduzido em desejo e que a satisfação total por ela almejada já foi
um dia obtida na história de cada sujeito, por ocasião da primeira mamada.
Sendo assim, ao longo da vida, o sujeito tentará reencontrar essa experiência,
vivenciada apenas miticamente. Na verdade, tem-se unicamente a imaginação
dessa experiência, pois ela nunca existiu. Daí poder-se considerar como
momento mítico esse instante.
36
A verdade é que esse caráter repetitivo que a experiência de satisfação
imprime ao funcionamento do aparelho psíquico coloca o sujeito em uma busca
permanente pelo objeto que ele acredita ter alcançado, mas que está, desde
sempre e para sempre, perdido. É nesse momento mítico que, para Freud,
desencadeia-se a repetição, à medida que a experiência de satisfação deixa
facilitações do tipo compulsivo. Sobre tal busca incessante de preenchimento
da satisfação primeira, apresentada para refletir a obesidade, Recalcati (2002
apud SEIXAS, 2009) esclarece que:
“a dinâmica que acontece na obesidade, de comer em
excesso, fornece ao sujeito recursos simbólicos para lidar com
a frustração resultante da impossibilidade de preenchimento e
satisfação da demanda. Assim, o corpo obeso e a própria fome
parecem manifestar a pulsão, no ponto em que não há a
captura pela linguagem, evidenciando a estreita relação entre o
corpo somático e o corpo pulsional da psicanálise”. (idem,
ibidem, 93).
Logo, para Recalcati (2002), o indivíduo, privado de recursos simbólicos
para lidar com o desejo, traduz o conflito psíquico em compulsão, como se o
corpo neutralizasse o encontro traumático. Isto é, separando-se do sujeito e
destacando-se como um objeto, daí a dificuldade de reconhecimento daquele
corpo obeso como próprio e, por consequência, como sua imagem.
A obesidade pode, então, apresentar-se para o sujeito como
impossibilidade de recusar a demanda do outro (corpo obeso) e se tornar fixa
nesse objeto que aqui se determinou chamar de comida; assim, resta ao sujeito
a compensação no consumo do objeto-alimento. Aqui, a obesidade aparece
como consequência do transtorno do comer compulsivamente, em que se
obtém ganho de peso como método compensatório. Essa conduta compulsiva
de ingerir alimento é acompanhada pela sensação de falta de controle sobre o
próprio ato e também dos sentimentos de culpa e vergonha.
Neste ponto, já se está referindo àquele outro conceito da teoria
psicanalítica que vai contribuir para o entendimento da obesidade mórbida, isto
é, o conceito de compulsão.
Segundo Gondar (2001), Freud teorizou dois modos principais com que
a compulsão se apresenta. Por um lado, a compulsão (Zwang, em alemão) que
remete diretamente à neurose obsessiva (Zwangneurose), ainda que, no
37
interior desse quadro, ela apresente nuances. Por outro lado, a compulsão à
repetição (Wiederholungszwang).
Alguns autores da psicanálise estudam a obesidade por meio de dois
pontos de vista: um, pelo conceito de sintoma compulsivo que diz respeito à
neurose obsessiva; outro, refere-se ao conceito da compulsão à repetição, que
se relaciona com o ato compulsivo.
Esta investigação há de se basear no segundo ponto de vista, isto é, na
compulsão à repetição, que representa a forma pela qual o obeso se mostra
mais exposto, e é também o ponto em que se pode observar a distorção da
própria imagem corporal.
Buscando um entendimento que possa oferecer uma visão mais clara
desse conceito da psicanálise, utilizar-se-á o enfoque que Brito (2009) expõe
sobre a compulsão à repetição. Segundo o autor,
“(...) na condição de uma compulsão à repetição, a
necessidade compulsiva recai sobre o ato em si, como
repetição movida pela pulsão de morte, e não, como seria o
caso, de uma compulsão decorrente de um modelo conflitivo
em que pode existir até mesmo um simbolismo na conduta
compulsiva”. (idem, ibidem, p.26).
A partir desse comentário, pode-se pensar que é a repetição pulsional
que faz com que haja uma movimentação, permitindo com isso entender as
compulsões contemporâneas a partir da compulsão à repetição. Para tanto,
utilizar-se-ão os estudos de Gondar (2001), os quais esclarecem o sentido da
compulsão utilizado por Freud. Diz ela:
“Zwang alude também ao que há de mais radical na pulsão,
isto é, sua irrefreável repetição. Mas, diferentemente dos atos
compulsivos do neurótico obsessivo, a compulsão à repetição
(Wiederholungszwang) não poderia ser encarada como o
resultado de um conflito, motivo pelo qual não é
necessariamente experienciada por quem a sofre, como
expressão de uma luta íntima. Trata-se, na verdade, de uma
característica fundamental da própria pulsão, logicamente
anterior ao estabelecimento de um conflito pulsional, ainda que
essa anterioridade a torne o motor de todo conflito e de toda
formação psíquica. Grosso modo, poderíamos caracterizar a
compulsão à repetição como um impulso avassalador ao qual
sucumbe o sujeito, que passa então a justificá-lo por
contingências da atualidade: é como se ele tentasse organizar
38
o impulso cego, segundo os ditames de uma "cena", buscando
conteúdos capazes de preencher uma forma vazia, autônoma
e, em última instância, irredutível aos seus próprios conflitos”.
(GONDAR, 2001, p.3).
Como se vê, Gondar (ibidem) estabelece a diferença entre a neurose
obsessiva e a compulsão à repetição. A partir dessa diversidade, há de se
retornar à obra de Freud (1920), em que ele esclarece a questão da compulsão
à repetição. Foi observando e estudando casualmente as brincadeiras das
crianças, a transferência e as neuroses traumáticas, que o autor percebeu que
a compulsão à repetição apresenta-se em atividades normais. Nas brincadeiras
infantis, a criança simboliza a experiência de separação da mãe, no simples
gesto repetido de jogar longe de si um brinquedo. Diz Freud (ibidem):
“A partida dela tinha de ser encenada como preliminar
necessária a seu alegre retorno, e (...) neste último residia o
verdadeiro propósito do jogo. A criança, inicialmente dominada
pela experiência de ser abandonada pela mãe, ao repeti-la na
sua brincadeira, assume um papel ativo, como se quisesse
controlá-la”. (idem, ibidem, p.26).
Com isso, Freud (ibidem) compreendeu que a compulsão à repetição já
estava presente desde o início da vida do sujeito, conforme ele descreve no
fragmento acima, quando ele se refere ao jogo Fort-Da que a criança realiza
para diminuir a ansiedade, ao perceber que dela a mãe se afasta. Aliás, em
outro texto, ele reconhece novos aspectos poderosos que a compulsão à
repetição apresenta.
E esclarece que:
“(...) é possível reconhecer, na mente inconsciente, a
predominância de uma compulsão à repetição, procedente dos
impulsos instituais e, provavelmente, inerente à própria
natureza dos instintos – uma compulsão poderosa o bastante
para prevalecer sobre o princípio de prazer, emprestando a
determinados aspectos da mente o seu caráter demoníaco e
ainda muito claramente expresso nos impulsos das crianças
pequenas; uma compulsão que é responsável, também, por
uma parte do rumo tomado pelas análises de pacientes
neuróticos”. (FREUD, 1919, p. 297-298)
No entanto, é sabido que em algumas circunstâncias, a repetição não
tem como objeto experiências prazerosas e, sim, experiências dolorosas. É
39
então que Freud (1920) constata que, nessas experiências, conteúdos
recalcados esforçam-se para se expressar. A primeira experiência a que o
autor se refere é aquela ligada aos sonhos relacionados às neuroses
traumáticas. Esclarece ele que
“os sonhos que ocorrem nas neuroses traumáticas possuem a
característica de repetidamente trazer o paciente de volta à
situação de seu acidente, uma experiência, portanto, nada
agradável”. (idem, ibidem, p.24).
Freud (1914a) também chama atenção sobre outro aspecto em que a
compulsão a repetição aparece, que é na transferência, ele a definiu como
sendo uma manifestação da repetição, diz ele:
“As transferências são reedições, reproduções das moções e
fantasias que, durante o avanço da análise, soem despertar-se e
tornar-se conscientes, mas com a característica de substituir
uma pessoa anterior pela pessoa do médico”. (idem, ibidem,
p.111).
Em outro momento Freud (ibidem) fala que a transferência tem uma
relação direta com a repetição, pois a transferência é “uma transferência do
passado esquecido, não apenas para o médico, mas também para todos os
outros aspectos da situação atual” (idem, ibidem, p.166). Então, a transferência
é um acontecimento atual vivido com o analista, e não apenas uma
transposição do passado para o presente. Ela é repetição não só porque são
reproduzidos fatos vividos pela pessoa, mas porque estes fatos são atualizados
e tomam sentido na presença do analista. Com esta perspectiva o autor nos
coloca que:
“Nós a admitimos [compulsão a repetição] na transferência,
como numa arena em que lhe é facultado se desenvolver em
quase completa liberdade, e onde é obrigada a nos apresentar
tudo o que, em matéria de instintos patogênicos, se ocultou na
vida psíquica do analisando. Quando o paciente se mostra
solícito a ponto de respeitar as condições básicas do
tratamento, conseguimos normalmente dar um novo significado
de transferência a todos os sintomas da doença, substituindo
sua neurose ordinária por uma neurose de transferência, da
qual ele pode ser curado pelo trabalho terapêutico. Assim a
transferência cria uma zona intermediária entre doença e vida,
40
através da qual se efetua a transição de uma para a outra”.
(FREUD, 1914a, p. 206).
Então como já foi descrito a compulsão a repetição se apresenta no
tratamento como uma força que atualiza conteúdos psíquicos que antes não
pediam ser recordados. Ela converge fatos que são observados fora do
tratamento, com os relacionados à sua transferência com analista.
Já em outro texto intitulado Além do princípio do prazer, Freud (1920)
demonstra que a compulsão à repetição é um processo incontrolável e de
origem inconsciente. No seu entender, nessa ação continuada, o indivíduo
coloca-se ativamente em situações penosas, a repetir experiências antigas,
sem, contudo, se recordar do protótipo. Ao contrário, ele transmite uma
impressão muito viva de que se trata de algo plenamente motivado a partir da
atualidade. Nesse caso, Freud (ibidem) esclarece:
“os traços de memória reprimidos de suas experiências
primevas não se encontram presentes em estado de sujeição,
mostrando-se incapazes de obedecer ao processo secundário,
que os reprimiria, por serem traços de memórias de desprazer.
A compulsão à repetição tem, portanto, um traço
eminentemente da pulsão e, nesse sentido, é uma força
pulsional “livre”. (idem, ibidem, p. 47).
Freud (ibidem) chamou de compulsão à repetição o processo de reviver
interminavelmente determinada neurose. Assim, quando alguém repetir um
relacionamento ou acontecimento frustrado, isso representará uma tentativa de
descarregar a energia acumulada ou represada até alcançar êxito naquela
missão. Para Freud (1914a), o paciente não se lembra de nada do que
esqueceu e/ou recalcou, mas ele atua, ele age como se estivesse revivendo ou
relembrando algo. Reproduz o fato, não como memória, mas por meio de uma
ação. Repete, inconscientemente, sem saber, é claro, que está repetindo algo
que há muito já vivenciara.
Em outro estudo, Freud (1933[1932]) trabalha a compulsão à repetição,
não se referindo a um conflito, mas a uma característica fundamental da pulsão
que precede, logicamente, à instalação do conflito pulsional e impõe ao sujeito
a organização dos impulsos. É a partir daí que ele se refere ao momento em
que se instaura a repetição. Diz ele:
41
“Podemos supor que, desde o momento em que uma situação,
tendo sido uma vez alcançada, é desfeita, surge uma pulsão
para criá-la novamente, e ocasiona fenômenos que podemos
descrever como uma compulsão à repetição”. (FREUD,
1933[1932], p. 132).
Com isso, torna-se possível pensar que o acesso à pulsão se dá na
experiência decorrida da repetição, e que, nessa prática, a compulsão à
repetição aponta para um determinado prazer – falando, nesse caso, em
relação à obesidade mórbida.
Assim, pensando na obesidade mórbida, pode-se afirmar que essa forte
tonalidade destrutiva remete à pulsão de morte. Além de ser caracterizada pela
agressividade e pela ansiedade, ela traz a marca da compulsão à repetição, do
movimento de retorno à inércia pela morte.
Mas como a pulsão de morte se apresenta? Eis um questionamento que
não poderia deixar de ser colocado aqui.
Freud (1920) começa sua reflexão sobre a pulsão de morte a partir do
fenômeno da transferência e dos demais fenômenos marcados pela repetição
(jogos infantis, sonhos traumáticos). Ele entendeu que o aparelho psíquico não
apenas descarrega a libido, mas que a libido está relacionada a situações
desagradáveis. Tal observação levou Freud (ibidem) à percepção do caráter
regressivo da pulsão, situação essa que o ajudou a elaborar o conceito de
pulsão de morte. Com isso, ele relacionou a pulsão de morte a tipos de pulsões
que tendem a voltar a um estado antigo de coisas, pela ausência de tensões,
isto é, retorna-se a um estado inicial, a um estado de repouso absoluto.
Voltada inicialmente para o interior e tendendo à autodestruição, a
pulsão de morte seria secundariamente dirigida para o exterior, manifestandose, então, sob a forma de pulsão de agressão ou de destruição. Para Freud
(ibidem), portanto, tudo o que vive tende a morrer por razões internas, tende a
tornar-se novamente inorgânico, logo, o objetivo de toda vida é a morte. Esse
entendimento
levou-o
a
afirmar,
paradoxalmente,
que
a
‘pulsão
de
autoconservação’ tende apenas a fazer com que o organismo morra de sua
própria maneira. Daí ele incluir a ‘pulsão de morte’ nessa categoria. Além disso,
há de se destacar que a pulsão de morte constitui um aspecto valioso de
interação dos processos psíquicos.
42
Retornando à compulsão à repetição, pode-se dizer que para o obeso
mórbido, tal tipo de compulsão demonstra a impossibilidade de preenchimento
de um vazio, expressa uma falta, remetendo sempre a um novo movimento de
satisfação que só será alcançado com uma garfada a mais, com um semnúmero de ‘beliscadinhas’ durante todo o dia, advindo daí uma imagem
corporal não reconhecida, tornando-se o corpo, por sua vez, algo estranho ao
próprio sujeito.
O obeso mórbido diz existir um vazio dentro dele, um espaço que ele
tenta ocupar com o repasto, e que só consegue parar de ingerir algo quando se
sente farto, o que só acontece após uma ‘farra’ compulsiva de alimentos,
deixando-o desconfortável e cheio.
Esse vazio, se preenchido, é por pouco tempo, pois logo o indivíduo se
vê buscando compulsivamente mais o que comer. Nesse caso, também se
pode dizer que lhe falta afeto, isto é, que todas as expectativas de emoções
estão sendo devoradas junto com os alimentos, restando apenas uma enorme
vontade de ser visto, de ser notado e de ser reconhecido pelo outro.
Contudo, sabe-se que apesar de toda aquela grandeza física, torna-se
difícil passar despercebido, torna-se quase impossível não ser visto, não ser
notado pelo outro. Nesse caso, o que acontece mesmo é a falta de
reconhecimento da própria imagem corporal, posto que, para o obeso, de fato
há uma distorção em sua imagem, a causar-lhe cada vez mais angústia e
ansiedade.
Desse modo, como consequência da compulsão à repetição, a
obesidade mórbida evidencia uma distância de si para si mesma elevada à
última potência, visto que, ao comer, o indivíduo já não tem controle sobre si
mesmo. O obeso mórbido estagna-se aos poucos, até alcançar a imobilidade
quase absoluta. Porém, não se trata de entender essa paralisação como
movimento de resistência às cobranças contemporâneas, mas, sim, como uma
forma de escravidão, quando a liberdade oscila no corpo e na imagem corporal
do sujeito. Portanto, a obesidade mórbida está inserida nesse contexto, a
causar extremo sofrimento ao sujeito, ao qual não restam outros modos de
protestar, a não ser adoecendo por culpa do excesso de comida, que, em
princípio, constitui seu único prazer.
43
Para entender esse prazer que o obeso sente ao comer, é importante
diferenciar o desejo do gozo, o que será trabalhado no próximo subcapítulo.
2.4 DESEJO E GOZO
Em todo desenvolvimento da obesidade mórbida, o sujeito obeso se
depara com dois conceitos trabalhados pela psicanálise: o desejo e o gozo. Em
se tratando de desejo, é importante destacar que, com a busca da realização
do desejo e por exigência da pulsão em satisfazer-se, o obeso mórbido se
depara com toda sorte de obstáculos representados. Ele teme conhecer seu
desejo, teme aquilo que quer, chegando até mesmo a não querer desejar.
O desejo vem conceder predicados à existência, ao mesmo tempo em
que ele é pago com a castração, questão essa que, por vezes, não se quer
aceitar e tampouco responder. Porém, se não houver a renúncia ao gozo, o
processo sai muito mais caro, dado incidir diretamente no aumento de peso, no
engordar, isto é, traz como consequência um físico mais volumoso. Em
compensação, ao ceder às mazelas do gozo, o obeso pode desenvolver baixa
estima, ou pela própria imagem distorcida e/ou pela autorrecriminação do eu.
Mas que desejo é esse de que se está falando?
Segundo Freud (1900) o desejo inconsciente nunca é satisfeito. Para
ele, o desejo é uma representação, mas uma representação com conteúdo
pulsional. Porém, como representação pulsional, todo desejo quer se realizar,
motivo pelo qual considera-se que o desejo é falta. Consoante o que diz Garcia
Roza (2002):
“(...) o que caracteriza o desejo para Freud é esse impulso
para reproduzir alucinatoriamente uma satisfação original, isto
é, um retorno a algo que já não é mais, a um objeto perdido
cuja presença é marcada pela falta”. (idem, ibidem, p. 145).
Para a psicanálise, portanto, a falta é constituinte do nosso ser. O que
caracteriza essa falta é o fato de o desejo nunca ser satisfeito. O desejo, por
sua vez, pode realizar-se em objetos, mas não se satisfaz com esses objetos.
44
Aliás, essa é uma das características do desejo, que remete sempre à falta.
Pode-se, com isso, remeter essa falta ao comportamento do obeso mórbido,
que nunca se satisfaz com o que come, que está sempre buscando mais e
mais para ingerir, ainda que colocando em risco a própria vida.
A fim de se obter maior esclarecimento sobre esse conceito de falta, há
de se lembrar o que Quinet (2011) fala sobre o desejo:
“A partir do desejo do Outro, abre-se para o sujeito a dimensão
do seu desejo. O sujeito vai constituir, então, as suas respostas
sobre o que é o desejo do Outro. Trata-se de saber qual é o
desejo do Outro em relação a ele: será que o Outro me quer,
não me quer? Quer ele a minha morte, quer a minha vida?
Será que o Outro me quer do sexo que eu sou ou gostaria que
eu fosse do outro sexo? É a partir daí que o sujeito vai
constituir o seu desejo, ou seja, a partir do desejo do Outrocomo “que queres?”. (idem, ibidem, p.101).
Partindo desse fragmento, em que Quinet (ibidem) fala do desejo e da
importância do Outro na constituição desse desejo é que se amolda o conceito
do comer exagerado ao obeso. Contudo, tal atitude conduz a outra questão,
pois entende-se que o ato de comer não mais representa o desejo, mas a única
forma de gozo que o obeso reconhece.
Assim, torna-se também importante o conceito do gozo, que auxilia a
pensar esse sujeito com obesidade mórbida. Portanto, a primeira definição de
gozo que se impõe é a de gozo como satisfação da pulsão. Segundo Freud
(1914b) a pulsão é aquilo que leva uma fonte a procurar um objeto com o
propósito de alcançar a satisfação. O encontro do sujeito com o objeto significa
não haver falta é como se o sujeito estivesse no gozo do seu objeto, o que,
aliás, é a tendência da pulsão: encontrar o objeto e a satisfação da própria
pulsão, o gozo. Lacan (1972-1973) diz que:
“o gozo é o único real da clínica, o gozo é real, é fenomênico, o
gozo existe, mesmo que proibido. O gozo é um real e como tal
zomba das palavras e dos pensamentos; sua localização se faz
por determinações simbólicas e imaginárias. É assim que
encontramos o gozo na função fálica, no sintoma, na fantasia,
no objeto ‘a’, no gozo feminino”. (LACAN, 1972-1973, p.180).
45
De acordo com o modelo teórico da psicanálise, isso é interditado ao
falante. O gozo é proibido ao falante porque o objeto é perdido. Na fala, o
sujeito busca se completar com uma coisa que não mais está ali, daí o sujeito
não parar de falar, por isso a pulsão não se satisfaz. O termo gozo condensa
tudo isso. A falta e a ilusão da possibilidade da completude, que é essa busca
interminável do sujeito. O gozo refere-se a uma coisa a mais que pode ser
comparada com o Além do princípio do prazer de Freud (1920), aliás, é esse o
nome do gozo em Freud.
Freud (ibidem) descobriu que a pessoa quer outra coisa, pois o retorno
às catexias anteriores, que constitui o princípio do prazer para o autor, não é
aquilo que a pessoa deseja, mas ‘algo mais’. E a esse ‘algo mais’ ele chama de
além do princípio do prazer. Pode-se dizer a mesma coisa para o gozo, porque
não se trata necessariamente de prazer. É como se fosse a busca de um
prazer que não se torna prazer, mas sofrimento, pela impossibilidade de
realização. O gozo é a busca da completude, no entatanto essa busca não é
necessariamente prazerosa, como tampouco o é a completude fugaz e
imaginária. Há uma busca da repetição de um modelo, independentemente do
efeito que ela possa produzir.
Já o conceito de gozo criado por Lacan (1959-1960) diz respeito a um
prazer inconsciente e, ao mesmo tempo, a um desprazer na consciência.
Segundo Julien (1996):
“no bom uso dos prazeres, fraquejamos sistematicamente
quanto ao gozo. Aí está a compulsão à repetição e é o gozo
que a assegura. O inconsciente é o saber da repetição que não
para de se exteriorizar em atos, palavras e, nesse trabalho, o
inconsciente goza, ou seja, ao garantir a repetição”. (idem,
ibidem, p.43).
O gozo em Lacan (1959-1960) é um conceito complexo que se situa na
relação da linguagem com o desejo, sendo marcado pela falta e não pela
plenitude. Contudo, é importante enfatizar que se trata de um conceito que teve
diferentes conotações quando da divulgação dos preceitos lacanianos.
Somente a partir da década de setenta, mediante pesquisas em prol das
modalidades do gozo, é que esse campo do gozo foi aprofundado e trabalhado,
mostrando sua verdadeira importância.
46
Em O Seminário, livro 20: mais, ainda, Lacan (1972-1973) fala de
diferentes formas de gozo. Para ele, existe o gozo místico, o gozo fálico, o
objeto a, como mais-de-gozar, o gozo do Outro A e há também o gozo da
mulher, ao qual ele chama de gozo suplementar, ou de Outro gozo. Segundo
ele, o gozo se define como aquilo que se opõe ao útil. Ou seja:
“aquilo que não serve para nada. O gozo se coloca, assim,
como uma instância negativa que não se deixa reduzir nem às
leis do princípio do prazer, nem ao cuidado da
autopreservação, nem à necessidade de descarregar a
excitação”. (idem, ibidem, p.11).
Partindo das investigações de Lacan (1969-1970) sobre o gozo,
observou-se que seus estudos sobre o mais-gozar oferecem outros subsídios
para pensar a obesidade. Pode-se pensar no mais gozar para falar da
obesidade, pois entende que existem aspectos nessa modalidade de gozo
lacaniano que podem apontar, de forma mais consistente, para o objeto
primeiro desta investigação.
Destaca-se que a partir de O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro,
o conceito de objeto a, foi formalizado por Lacan (1968-1969) como maisgozar. Esse objeto corresponderia ao gozo que, em contrapartida, permanece
retido no interior do sistema psíquico e cuja saída é impedida pelo falo, pois é o
falo que abre ou que barra o acesso à descarga. Já o advérbio mais indica que
a parcela de energia não descarrega, que o gozo residual é um excedente a
aumentar constantemente a intensidade da tensão interna. Esse gozo residual
permanece ancorado nas zonas erógenas e nos orifícios do corpo - boca, ânus,
vagina, canal peniano, etc.
O impulso do desejo nasce nas zonas erógenas e o mais-gozar estimula
constantemente essas zonas, mantendo-as em estado permanente de
excitação. Como exemplo, pode-se destacar a excitação que o obeso mórbido
sente através da boca, com os alimentos. Assim, na obesidade mórbida, o
mais-gozar pode se apresentar como compulsão à repetição do ato de comer
sem estabelecer qualquer limite. Logo, pode-se entender que o sintoma é o
modo pelo qual cada um sofre em sua relação com o gozo e que esse gozo só
se insere através do mais-gozar (objeto a).
47
A Psicanálise não dispensa tanta importância ao sintoma, mas, sim, ao
gozo que se encontra por trás dele. Esse gozo que faz com que o sujeito se
fixe no sintoma. Porque ali, no ponto em que o sujeito sofre e se repete, existe
um gozo. E o que a Psicanálise vai trabalhar é a descoberta desse gozo que se
esconde atrás das atitudes do sujeito e de seu sofrimento, para que ele possa
deixar de sofrer com o sintoma e não se deixe repetir. Quando não é oferecida
a devida atenção ao gozo que se encontra por trás do sintoma, o sintoma
retorna de outra forma. Eis a reclamação frequente de Freud (1913) quanto aos
tratamentos psíquicos que levam em consideração apenas a consciência, que
dá importância apenas ao que é consciente, ao que é percebido, isto é, ao
sintoma em si mesmo, deixando de lado o inconsciente e o gozo. Ora, eliminar
o sintoma não equivale curar a doença.
O sujeito passa a vida em atividade, de acordo com os pontos de
condensação de seu gozo, o que lhe fornece, digamos, algo similar a uma
identidade. Daí a dificuldade de abrir mão desse momento, desse modo de
gozar. É essa a dificuldade que o obeso mórbido evidencia a todo instante.
Tais pontos enigmáticos de condensação retornam continuamente na
compulsão que o caracteriza. É possível afirmar, portanto, que seu meio de
gozo encontra-se na repetição. O obeso mórbido não deixa sobras do que
comeu. Ao contrário, ele come até a última migalha e, ainda assim, continua
voraz e insatisfeito. Pensando na ligação do obeso mórbido com a comida, esta
parece estar mais para objeto condensador de gozo do que para objeto causa
de desejo. Talvez com isso se possa dizer que o obeso mórbido é, de fato,
aniquilado e devorado pela comida.
Assim, é aceitável pensar o sujeito com obesidade mórbida como um
corpo constituído apenas de matéria orgânica, como se fora um somatório de
órgãos; e, em contrapartida, pode-se também pensar esse corpo diferente
como um objeto de gozo.
O gozo é sempre corporal e haverá sempre o aspecto dele ser sentido,
tal qual um sofrimento. Porém, sabe-se que existem gozos que não têm sua
fonte no corpo. Freud (1920), através dos exemplos de gozo que nos ofereceu
48
– o Fort-Da5, a transferência e o sonho traumático – evidencia que a fonte do
gozo está na relação da pessoa com os significantes. Quando a linguagem não
consegue uma sintonia com o corpo e dele estabelece um distanciamento,
haverá sempre um resultado nesse corpo.
As reflexões de Lacan (1972-1973) falam de um corpo que, mais que
unidade corporal e semblante, é substância gozante. Assim, ele admite que o
gozo não constitui uma energia, por ser, antes, uma 'substância gozante'.
“Não é lá que se supõe propriamente a experiência
psicanalítica? - a substância do corpo, com a condição de que
ela se defina apenas como aquilo de que se goza... um corpo,
isso se goza”. (idem, ibidem, p.35).
Ao refletir sobre os momentos de tensão, quando o obeso mórbido
compulsivamente come sem parar. Momento esse, inclusive, em que não há
um corpo, seja gordo ou magro, não há um obeso mórbido, não há um sujeito,
não há nada senão aquele estranho prazer de devorar sabe-se lá o quê. Dir-seia que esse corpo obeso mórbido toma a cena apenas em um segundo
momento, pois o que está importando nesse instante é tão-somente o prazer
de devorar, devorar, devorar o mais que puder. Os obesos sentem-se cada vez
mais colados, grudados mesmo a esse laço mortífero com a comida, sentemse engolidos por esse gozo voraz.
Na obesidade mórbida, além do sofrimento que não se pode negar,
percebe-se também a dimensão de gozo. Aliás, na obesidade mórbida, o
comer compulsivo coloca-se ao lado da pulsão de morte, que se refere ao
horror de um gozo por ele, o obeso, ignorado. O gozo absoluto que representa
a morte.
Existe conteúdo desse gozo que precisa ser repensado por esse sujeito,
pois a obesidade mórbida caracteriza-se por uma forma inflexível de gozar.
Aliás, é um modo particular de gozar, uma vez que o obeso mórbido goza e o
faz principalmente de um único modo, caracterizado pelo comer compulsivo
que o distingue.
5
Do alemão, ‘Fort’ significa ‘ausente’; ‘Da’ significa ‘aqui’, ‘cá’. Traduzindo literalmente,
“Fort-Da” seria “ausente-aqui”. Trata-se de um jogo de ausência e presença.
49
Considerando a fantasia que acompanha esse sujeito e o gozo que com
isso vem, há de se reportar a uma tentativa dessa pessoa de ser incluído no
campo do outro. Mas que outro é esse? Pode-se dizer que seria o outro
barrado de Lacan, que vai determinar a inserção dessa pessoa na castração,
pois a cada encontro com esse outro se mostra a angústia que se produz a
cada aproximação da imagem do semelhante. No caso do obeso mórbido, o
encontro com o outro semelhante é que parece evidenciar tal angústia.
2.5 UMA NOVA SINTOMATOLOGIA
Para falar de uma nova sintomatologia em Psicanálise e se ela existe de
fato ou se é aquela mesma que Freud estudou, mas agora com outra
roupagem, é preciso buscar no pai da Psicanálise o conceito de sintoma.
Segundo Freud (1926[1925]) o sintoma se define como uma formação de
compromisso entre as representações recalcadas do desejo inconsciente e as
exigências defensivas. O sintoma é a solução encontrada pelo sujeito ao
conflito entre os elementos, cuja satisfação é censurada, e a defesa, que visa
manter a integridade do indivíduo diante do perigo do desejo proibido. Segundo
Ocariz (2000), o sintoma para Freud é a manifestação de uma satisfação
pulsional substitutiva que permaneceu jacente, podendo ser considerada
consequência de um recalque processado pelo Eu. O sintoma tem em seu
fundamento um desejo inconsciente que pode não ser suportável à
consciência. O sujeito tenta se defender de tais pulsões, desejos e ideias
através do recalcamento. Os sintomas são substitutos de uma representação
inconsciente que transpõe a barreira do recalcamento, utilizando-se, para tanto,
de mecanismos de condensação e deslocamento. (idem, ibidem, p.5-8).
Todavia de que nova sintomatologia está-se falando? Partindo da
dificuldade de reconhecimento e de posicionamento a respeito do sujeito
obeso, é possível questionar se a obesidade mórbida se encaixaria nas
supostas novas sintomatologias.
Contudo, ao falar dessa suposta “nova” sintomatologia, não se deve
considerá-la mais uma manifestação do inconsciente. Mesmo porque, segundo
Gondar (2001), “dificilmente se poderia pensar que esse ato estaria
50
representando um sujeito, ou dizendo algo sobre um desejo inconsciente”
(idem, ibidem, p.5). Em verdade, essa “nova” sintomatologia não se constrói
com conteúdos do inconsciente, mas, sim, com algo, no qual a satisfação
pulsional se mostre com forte tonalidade destrutiva. Com isso, é possível
instituir um paralelo entre a pulsão de morte e a pulsão de um gozo destrutivo.
Para Gondar (2001),
“em seu sentido clássico, um sintoma é uma formação de
compromisso entre uma instância recalcada e uma instância
recalcante, por meio da qual o inconsciente se expressa. O que
significa dizer que esse sintoma fala, representando um sujeito
e revelando algo sobre o seu desejo. Na situação analítica
clássica, o paciente chegaria à análise queixando-se de seu
sintoma; a partir disso, poderia construir uma questão sobre si
mesmo, endereçando-a ao analista. Com base nesta questão e
neste endereçamento, seria possível formular-se, no campo
transferencial, uma interpretação, produzindo-se uma verdade
a respeito do desejo”. (idem, ibidem, p.4).
Na Psicanálise, a construção do sintoma refere-se à implicação do
sujeito com aquilo que se passa com seu ser, em que a queixa deixa de ser
algo alheio ao sujeito para se transformar em demanda. Demanda essa que o
obeso mórbido busca sanar no gozo do comer sem limite.
Atualmente, porém, diferentes demandas vêm aparecendo, apoiadas na
angústia da informação sobre o tempo contemporâneo, sobre um sujeito cada
vez menos percebido e inseguro em relação si mesmo. A partir de tais
demandas, vêm os sintomas que, a princípio, podem parecer novos, mas que
em realidade são os mesmos, apenas com uma representação diferente.
O sintoma remete a uma articulação limite entre o passado e o presente.
Se por um lado ele é atual, porque é atualizado de acordo com sua época,
seguindo o espírito do tempo, por outro, trata-se de um velho conhecido do
sujeito, à medida que esse sujeito convive por muito tempo com tal sintoma.
Afinal, os sintomas são atuais ou são de fato novos? Pode-se dizer que o
sintoma é atual por ser construído em análise. E nesse sentido ele só poderá
ser atual, porque aquilo que se atualiza na análise é que vai servir para ser
analisado. Contudo, diferentemente das novas tecnologias, o sintoma não
perde suas características, embora assuma uma nova forma ou configuração
para acompanhar a sua época.
51
Há sintomatologia que aparece como nova, porém, é importante
destacar que como o sintoma se adéqua ao seu tempo, conforme já se disse,
pode-se pensar que a obesidade mórbida surge para mascarar situações que,
em épocas anteriores, poderiam ser consideradas como comportamento
histérico ou compulsivo. Como diz Quinet (2011), “os rebotalhos do discurso
médico constituem, para o analista, novas formas do sintoma, que, ao serem
observadas de perto, são tão velhas quanto as roupas do rei quando ele está
nu” (idem, ibidem, p.156).
Pode-se dizer, então, que o adoecimento psíquico não é novo, mas que
suas configurações atuais são inéditas, por se relacionarem a sintomas com
diferentes
cruzamentos
e
atravessamentos
dos
aspectos
civilizatórios
contemporâneos. Já o sujeito contemporâneo caracteriza-se pela manifestação
somática e pelo poder de transformar desejo em aparência ou em pura
virtualidade, o que pode ser entendido como ‘tirania do prazer’.
Observa-se que cada vez mais há uma exigência de desempenho do
próprio corpo, como se ele, o corpo, estivesse superprotegido e abandonado a
si próprio. Por trás desse suposto abandono, o prazer sem limite surge para
assumir essa falta, embora trazendo consequências para esse sujeito.
Com a obesidade mórbida não é diferente. Ela traz exatamente o oposto
desse prazer sem limite: ela traz um corpo excessivamente grande, adiposo,
obeso, acompanhado de um não reconhecimento da própria imagem física,
que passa a conviver com uma baixa estima, enfim, com uma total falta de
libido. Tais aspectos desafiam o prazer imposto que, não encontrando suporte
para se manter como elemento principal, utiliza artifícios para discriminar os
considerados diferentes, entre os quais se encontra o obeso. Em outras
palavras: essa discriminação aponta para o obeso, que traz as marcas no seu
corpo, como pode ser observado na imagem física que muitas vezes aparece
distorcida, matéria essa que será abordada no capítulo a seguir, por remeter a
uma questão muito importante para a obesidade.
52
3. Imagem corporal na contemporaneidade
“Este é o meu conselho se você insiste em emagrecer: coma
quanto quiser, mas não engula6”. (SECOMBE, 1962).
“A saúde de todo o corpo provém da oficina do estômago”.
“Almoça pouco e janta menos, porque a saúde do corpo se
forja na oficina do estômago7”. (CERVANTES, 1605).
Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras. Partindo desse
princípio, pode-se dizer que a imagem dá espaço à interpretação, embora essa
interpretação se estruture de acordo com os conhecimentos e as experiências
que o ser humano traz do seu passado. Também o caráter e a personalidade
podem influenciar a maneira como se enxerga e se avalia uma imagem. Com
isso, torna-se evidente que uma imagem jamais desperta o mesmo sentimento
em duas pessoas diferentes, porque cada qual terá uma percepção distinta, de
acordo com bagagem sociocultural que carrega. Segundo Michel Foucault
(1970) apud Duarte (2007),
“o que mais nos atrai entre uma imagem e um texto é a
imagem. Ela serve como representação de milhares de coisas
e para cada pessoa, a definição é uma. A imagem pode ser
enganadora, pois pode mostrar uma realidade falha e, muitas
vezes, oposta à realidade do sujeito em questão. O mesmo é
moldado de acordo com a sua realidade e aprende a suprir
suas necessidades. Por esse motivo, o ser humano encontra,
em imagens e palavras, complementos para o seu vazio. As
interpretações dadas são respostas apaziguadoras que
facilitam o nosso entendimento em relação ao mundo e à
nossa existência. O significado de uma figura se modifica de
acordo com o momento de vida em que o sujeito se encontra,
seu estado emocional e psicológico, e até mesmo de
experiências recentes. O significado muda invariavelmente,
porém, todas as tentativas de dar significado, interpretação ou
vida para algo são maneiras de nos confortarmos”. (idem,
ibidem, p.01).
O mundo atual parece apresentar uma nova organização do aparelho
psíquico, impondo a esse aparelho o ato de assumir uma quantidade
6
Tradução do autor: “My advice if you insist on slimming: Eat as much as you like – just don’t
swallow
it”.
Do
ator
e
cantor
gales
Harry
Secombe
(1921-2001).
In:
http://www.arqtodescadois.blogspot.com.br/2010/05/obesidade.html
7
In: CERVANTES, M. Dom Quixote de La mancha. Madrid, 1605.
53
exagerada de excitações, informações e sensações. As mudanças ocorridas no
mundo desencadearam a postura dessa atual sociedade caracterizada como
pós-moderna; impulsionaram o homem a um novo estilo de vida e, sobretudo, a
uma valorização excessiva da imagem.
Socialmente falando, há uma preocupação excessiva em relação ao
peso e à imagem corporal, o que leva os sujeitos a adquirirem hábitos
alimentares inadequados em busca do “corpo perfeito”. Ao mesmo tempo, isso
conduz o indivíduo a uma vida sedentária, compartilhada com uma nutrição
excessiva, o que constitui um dos fatores desencadeantes da obesidade, a
provocar no obeso um desconhecimento da própria imagem corporal.
O conceito de corpo, que se verá a seguir, há de auxiliar a entender de
forma mais integrada a questão da imagem corporal, pois ele nos permite
vivenciar essa imagem, além de exercer um papel fundamental na elaboração
do que se pretende explanar nesta investigação.
3.1 O CORPO
Falar de corpo é ter em mente que ele pode apresentar várias facetas e
que não se trata de um conceito análogo às diferenças, pois essas diferenças
aparecem, sobretudo, quando são enfocadas em distintos campos do saber.
Assim, o corpo será tratado aqui tal qual ele se apresenta para a psicanálise,
utilizando textos de Freud e Lacan, entre outros, para um melhor entendimento
desse conceito.
Na psicanálise, o corpo é atravessado pela palavra. Nesse sentido, ele é
falado pelo sujeito, pelo outro sujeito social da cultura e escutado por um outro.
O corpo fala não só quando é acometido de tremor, temperatura e rubor, mas
também fala quando apanhado em sua rigidez, quando procura ocultar os
próprios sentimentos. Esses aspectos do corpo que atravessam a psicanálise,
Freud soube observá-los em sua prática clínica, principalmente ao lidar com as
histéricas.
O corpo entra em cena na Psicanálise ao ser relacionado com o
sintoma. Entretanto, pelo menos em Freud, não se conhece um conceito formal
de corpo. Aliás, referindo-se ao corpo, ele nunca o fazia diretamente, mas por
54
meio de outros conceitos que remetiam ao entendimento desse físico, pois o
corpo, para ele, é, ao mesmo tempo, origem e sede dos conflitos pulsionais
que são experimentados psiquicamente como sensações.
Ao articular sua teoria da sexualidade, Freud (1905) deu início a uma
verdadeira revolução na concepção de corpo, revolução essa que, ao se
estruturar a partir do corpo Soma, do corpo biológico, do corpo da pura
necessidade, foi desembocar na noção de corpo erógeno, inserido na
linguagem, na memória, na significação e na representação, ou seja, no corpo
próprio da Psicanálise.
Toda a reflexão freudiana se estabelece a partir da ideia de um
psiquismo encarnado e de um corpo erotizado, quer dizer, de um corpo como
‘ser’ de linguagem. Vale lembrar a observação de Freud (1923) em O ego e o
id, quando, refletindo sobre a formação do eu, ele a articula ao corpo:
“Um outro fator (...) parece ter desempenhado papel em
ocasionar a formação do ego e sua diferenciação a partir do id.
O próprio corpo de uma pessoa e, acima de tudo, a sua
superfície, constitui um lugar de onde podem originar-se
sensações, tanto externas quanto internas. Ele é visto como
qualquer outro objeto, mas, ao tato, produz duas espécies de
sensações, uma das quais pode ser equivalente a uma
percepção interna. A psicofisiologia examinou plenamente a
maneira pela qual o próprio corpo de uma pessoa chega à sua
posição especial entre outros objetos no mundo da percepção”.
(idem, ibidem, p.39).
Mais adiante, nessa mesma obra, Freud (ibidem) considera que “o ego
é, primeiro e acima de tudo, um ego corporal; não é simplesmente uma
entidade de superfície, mas é, ele próprio, a projeção de uma superfície”.
(idem, ibidem, p.40).
Esse entendimento a que chegou Freud (ibidem) permite dizer que o
corpo já não pode ser definido somente pelo conceito de organismo e
tampouco pelo conceito puro de somático. No entanto talvez se possa afirmar,
não que o sujeito tem um corpo, mas que o sujeito é um corpo, pois se está
falando de algo que é uno na subjetividade e na corporeidade, isto é, está-se
falando de algo que constitui uma articulação singular. Segundo Fernandes
(2002),
55
“O corpo psicanalítico se apresenta, ao mesmo tempo, como o
palco onde se desenrola o jogo das relações entre o psíquico e
o somático e como personagem integrante da trama das
relações, enfatizando que essa dupla inscrição se evidencia no
conceito de pulsão, ao colocar o corpo ao mesmo tempo como
fonte de pulsão e como finalidade”. (FERNANDES, 2002, p. 5164).
Logo, a teoria freudiana permite colocar em destaque que o somático
habita um corpo que é também lugar de realização de um desejo inconsciente.
Esse corpo é regido segundo uma dupla racionalidade: a racionalidade do que
é somático e a racionalidade do que é psíquico.
No entender de Lazzarini & Viana (2006),
“o corpo é, portanto, lugar da passagem do outro, lugar de
onde nasce o sujeito. Sendo assim, a grande inovação
freudiana foi, precisamente, considerar essa dupla
racionalidade como articulada pelo desejo inconsciente, mas
cuja leitura se dá no corpo”. (idem, ibidem, p.248).
Com isso, é possível dizer que o ‘outro’ representa o polo investidor que
vai transformar o corpo biológico em um corpo erógeno. Esse ‘outro’ seria a
condição para que o corpo se tornasse um corpo próprio, habitado pela
linguagem. Isso equivale a pensar que é o investimento libidinal no corpo da
criança, realizado por esse outro investimento maternal que, ao torná-lo
erógeno, permite-lhe o acesso à simbolização. Seria, portanto, a erogeneidade
aquilo que aponta ao corpo sua qualidade de corpo próprio. Esta investigação
entra em sintonia com o psicanalista francês Paul-Laurent Assoun (1995),
quando ele afirma:
“Ter um corpo, ser-em-um corpo é ser ‘ordenado’ a um regime
libidinal que, a partir da dependência originária e da articulação
da necessidade com a demanda, constitui o sujeito encarnado
em relação de necessidade com o outro”. (idem, ibidem, p.47).
Esses aspectos em que o outro determina o corpo do sujeito são
observados na clínica, por ser bem visível o modo como o sintoma se apropria
desse corpo. Os fenômenos apresentados no corpo biológico, os sintomas
histéricos e obsessivos ficam subordinados à estrutura da linguagem. Trata-se
de símbolos inscritos na carne e articulados à sexualidade. Dizendo de outra
56
maneira: a conversão histérica é um sintoma suportado por um enigma a ser
decifrado pelo sujeito, através da fala endereçada ao outro e interpretada por
esse mesmo outro, através da escuta dos significantes em jogo nessa fala.
Tais significantes se inscrevem e delimitam as zonas erógenas do corpo,
então, um corpo libidinal, em que um gozo está em questão. Como diz Assoun
(1995):
“Dizer que o sintoma toma corpo é, portanto, dizer que o sujeito
endereça a si mesmo a mensagem que lhe veio do Outro. O
corpo é, portanto, o instrumento vivo por meio do qual a
mensagem do Outro se encontra literalmente incorporada”.
(idem, ibidem, p.165).
Com esse esclarecimento, pode-se dizer que o corpo, em Psicanálise,
obedece
às
leis
do
desejo
inconsciente,
constituindo
um
todo
em
funcionamento, coerente com a história do sujeito. É, assim, um corpo
atravessado pela linguagem, o corpo das trocas, das negociações, um corpo
que movimenta várias economias, em torno do qual se contam as histórias.
Sendo o corpo perpassado pela linguagem, pode-se concluir que é a
linguagem que ajuda esse corpo a ser identificado e, muitas vezes, aceito.
Logo, a linguagem tem papel fundamental para esse corpo, como tão bem
evidencia Pollo (2012):
“Presa da linguagem, o homem tem seu corpo recortado pela
insistência da pulsão, que se obstina em volta de alguns
objetos convocados a partir dos orifícios corporais. O corpo é,
então, ordenado nos dois sentidos desse verbo, que tanto
significa dar uma ordem quanto pôr em ordem. Sensível à
ressonância, à sonoridade mesma do significante, a pulsão,
que Freud definiria como “estímulo aplicado à mente”
(1915:124) ou exigência de trabalho que resulta da imbricação
mente-corpo, será redefinida por Lacan como “eco de um dizer
no corpo” (1975/1976:18) uma vez que, na emissão da voz, o
sujeito ouve a si mesmo como um outro”. (idem, ibidem, p.32).
Com esse fragmento, é válido considerar que o corpo remete para a
Psicanálise a questão do limite entre o psíquico e o biológico, em que se
encontra aquilo que Freud (1915) denominou pulsão. Essa fonte encontra-se
presente no inconsciente através de sua representação psíquica, sob a forma
de um significante. É constituída a partir da fala do Outro. Ou seja, o que é
57
psíquico da pulsão é o que dela é linguagem, aquilo que pode ser formulado
em termos de significante. Então, tem-se um corpo de significantes, um corpo
simbólico, um corpo inscrito no registro do simbólico.
Já que se está falando do corpo inscrito no registro, é interessante
destacar que, além do registro do simbólico, existem ainda mais dois registros,
o imaginário e o real, estudados por Lacan (1974-1975). A partir daí, há de se
pensar o corpo nos três registros que se encontram no campo da Psicanálise.
Com isso, para fazer um corpo, é necessário um organismo, uma imagem e a
linguagem. Falando de outra maneira, pode-se dizer que o organismo seria o
real, a imagem seria o imaginário e a linguagem seria o simbólico.
Para melhor entender tais conceitos, há de se remeter à Topologia dos nós, de
Lacan (ibidem), que possibilita pensar o corpo nesses três registros, sob a
forma de três anéis que estruturam um tipo de nó: o nó de Borromeu. Cuja
característica em relação ao entrelaçamento dos anéis é a seguinte: se o
imaginário se desamarra, os outros dois registros – o simbólico e o real –
automaticamente se desenlaçam, desamarram-se, independente do número de
anéis entrelaçados. O nó mínimo é o nó de três anéis, conforme mostra Beneti
(2005):
I - Imaginário: uma imagem toda, una, inteira, sem furos ou defeitos.
S - Simbólico: significantes. Estrutura da linguagem.
R - Real: o impossível. Enquanto inscrito numa arquitetura significante
(S) ou formal (I).
Entendendo como estão estruturados esses registros, é necessário
destacar que a Psicanálise encontra-se delimitada pela articulação do
imaginário, do simbólico e do real, que nunca se apresentam isoladamente, por
58
estarem atravessados uns pelos outros. A partir de tal esclarecimento, é
preciso compreender, portanto, como eles se apresentam no corpo, para esse
sujeito.
O corpo, no registro do imaginário, representa a imagem externa que
desperta o sentido em um indivíduo. O registro do imaginário aponta para a
dimensão da harmonia, do encontro, do bem-estar. Esse registro pode ser
entendido como corpo da medicina, da estética médica, do bem-estar, enfim,
do bom funcionamento da máquina corporal.
No registro do simbólico, o corpo constitui o conjunto, ou representa o
corpo de significantes que insere o indivíduo numa ordem simbólica préestabelecida e veiculada pela linguagem. As leis da cultura e da linguagem em
que o indivíduo se insere são designadas pela ordem simbólica. Nesse sentido,
o simbólico é a cultura, que é anterior ao indivíduo. Ele constitui o corpo das
zonas erógenas atravessadas pelo significante, delimitadas pelos mesmos
significantes que, articulados à pulsão (oral, anal, genital), falam do corpo
erógeno – um corpo esbelto, magro, gordo, musculoso, malhado, tratado, etc.
Ora, talvez dessa forma, pela articulação do imaginário e do simbólico se
possa explicar o porquê do obeso sentir o próprio corpo leve, magro, bonito.
No registro do real, o corpo é o lugar do gozo. Em Psicanálise, gozo
significa dor, desgaste, exigência, gasto. Esse registro, aliás, é também
sinônimo de gozo. Ele é corpo do gozo sexual, que aponta para a
impossibilidade do bem-estar, da harmonia do encontro. Logo, é o corpo do
desencontro, do mal-estar, marcado por um menos, atravessado pela
castração que detona o ideal narcísico.
Uma vez que se tem conhecimento de como esses registros se
apresentam no corpo do sujeito, pode-se dizer que a psicanálise trabalha com
o corpo que se apresenta, com o corpo que somos. Esse corpo carnal, que não
é apenas um instrumento, mas que também é um lugar, isto é, que representa
aquilo que cada um de nós somos.
O corpo registra e assimila vivência, assim como sofre as marcas do
tempo. Muitas vezes, a representação interna de nosso corpo, a nossa imagem
corporal e a imagem fornecida pelo espelho não coincidem, assim como a
imagem nossa falada pelo outro. O corpo pode ser objeto de prazer, sim, de
prazer de ver, mas também pode sê-lo de angústia, de sofrimento, de
59
satisfação autoerótica, ou mesmo de vergonha. O desejo em relação ao corpo
está sempre presente no desejo de se ver e de ser visto. No prazer de ser
reconhecido e de despertar o interesse do outro. Não se trata de um corpo que
pede reposição, mas de um corpo que solicita uma significação e um sentido. É
um corpo que habita a linguagem, que habita o desejo e o gozo.
Voltando à questão da imagem corporal, constatar-se-á nela aspectos
importantes que hão de auxiliar o entendimento da obesidade.
3.2 IMAGEM CORPORAL
Na contemporaneidade, a moda e a beleza física assumiram valores da
maior importância para a sociedade em geral. O modo de se vestir, a maneira
como usam adornos e a busca do embelezamento por meio da maquiagem
expressam as imagens psíquicas no corpo, assim como as imagens do corpo
se expressam na psique, a conduzir essas imagens para além da esfera do
ego. Os ideais de beleza física impostos culturalmente atuam de forma
repressiva na construção da imagem corporal, levando o indivíduo a se
conscientizar do corpo que tem, o que quase sempre acaba abalando a
autoestima. Tais aspectos revelam-se como importantes indicadores para a
compreensão e o tratamento da imagem corporal para o obeso, o que será
abordado mais adiante.
Para fundamentar tal reflexão sobre imagem corporal, buscar-se-á na
teoria psicanalítica o conceito de narcisismo, que constitui um modo particular
de encantamento com o corpo e com a própria imagem. Antes, porém, há de
se pensar o mito de Narciso, na versão do mitólogo Junito Brandão (1989, p.
173-251), com vistas a um melhor entendimento sobre a teoria narcísica de
Freud. Acredita-se que o mito de Narciso ajudará a entender alguns aspectos
do sujeito e sua imagem, posto que a fascinação pela própria imagem acabou
por destruir o pobre Narciso.
Segundo o relato do mito, Narciso era um belo rapaz indiferente ao
amor, filho de Céfiso, deus do rio, e da ninfa Liríope. Por ocasião de seu
nascimento, os pais consultaram o adivinho Tirésias para saber o destino do
menino, pois era uma criança de rara beleza, de uma beleza jamais vista e isso
60
os deixava muito assustados e preocupados. Como resposta, o adivinho lhes
disse que o filho poderia ter uma vida longa, desde que não olhasse a própria
face.
Ao chegar à idade adulta, foram muitas as moças e ninfas que se
apaixonaram por Narciso, mas o belo jovem jamais se interessou por alguma
delas. Consta, inclusive, que a ninfa Eco, uma de suas apaixonadas, não se
conformando com a indiferença do pobre rapaz, isolou-se, amargurada, em um
lugar deserto e ali foi definhando até a morte.
As moças desprezadas pediram aos deuses que as vingassem.
Nêmesis, conhecida como deusa da vingança, ficou com piedade delas. Assim,
após retornar de uma caçada em um dia muito quente, ela induziu Narciso a se
debruçar na fonte de Téspias para beber água. Nessa posição ele viu seu rosto
refletido na água e se apaixonou pela própria imagem. Descuidando-se de tudo
o mais, ele permaneceu imóvel na contemplação ininterrupta da própria face
refletida e assim pereceu. No local, surgiu uma flor dotada também de uma
beleza singular, porém narcótica e estéril, que recebeu o nome de Narciso.
Estudando esse mito, Freud (1914b) passou a entender determinados
aspectos do comportamento humano que seriam por ele utilizados em suas
investigações. Ao comparar a história desse mito com a de um obeso mórbido,
torna-se interessante observar que a obesidade faz com que o sujeito esqueça
de si próprio e, principalmente, de se olhar, passando a reconhecer-se por uma
imagem que não é real. Ele fica paralisado, inerte em relação a seus
sentimentos e a tudo que se faz necessário para seu crescimento como sujeito,
morrendo para vida social e para os demais relacionamentos, não enfrentando
quaisquer desafios. Ora, não foi esse o comportamento apresentado pelo
pobre Narciso, ao se olhar no espelho d’água? Também ele não se esqueceu
de tudo a seu redor, para se contemplar até a morte? Logo, pode-se dizer que,
como Narciso, o obeso só vive se não se olhar, se não vir a própria imagem
refletida. Isso, de fato, é muito comentado por eles na clínica: “eu não me olho
no espelho”.
Uma diferença, porém, se impõe entre o mito referido e a realidade do
obeso. O obeso não se apaixona pela própria imagem, ao contrário, ele sente
desprezo por ela. O espelho, para o obeso, revelará sempre uma imagem
distorcida, uma imagem contrária ao ideal preconizado, logo, ele nunca refletirá
61
uma bela imagem. A vingança, portanto, volta-se contra o próprio indivíduo, por
meio de um sentimento de ódio e inveja, inconscientemente destinado ao outro,
mas voltado contra si próprio.
Referente à questão do narcisismo em Psicanálise, em 1914b, Freud
lançou o artigo intitulado Sobre o narcisismo: uma introdução. Nesse texto, ele
mostra a existência de uma nova operação psíquica precedida pelo
autoerotismo e anterior à escolha do objeto. Assim, o narcisismo pode ser
compreendido como um destino possível para a libido, uma etapa normal do
desenvolvimento, algo que se passou na infância de cada pessoa. Freud
(ibidem) considera essencialmente os investimentos libidinais no próprio corpo,
como se fossem a base do narcisismo.
Aqui, o narcisismo será visto como fator constituinte na construção da
subjetividade. O modo como esse narcisismo é vivenciado por cada sujeito
implicará não só a estruturação egoica, como também a formação dos
sintomas corpóreos. Para Freud (1914b), a finalidade e a satisfação em uma
escolha objetal narcisista consistem em que o indivíduo seja amado. Portanto,
o fato de não ser amado reduz os sentimentos de autoestima, enquanto o de
ser amado os aumenta. No entender do autor, a autoestima depende
intimamente da libido narcísica.
As definições de Freud (ibidem) nesse texto corresponderiam ao
chamado narcisismo primário e secundário. O narcisismo primário seria o
momento em que a criança toma a si mesma como objeto de amor, antes
mesmo de escolher objetos exteriores. A criança ultrapassa a posição
do narcisismo primário quando se vê confrontada com um ideal com o
qual tem de se comparar. Dizendo de outra maneira: ela tem que se
confrontar com esse novo ideal que se formou fora dela e que lhe é
imposto de fora, apresentando-se-lhe impossível de ser concretizado.
Tal é o jogo de espelhos, em que o eu ideal encontra-se na imagem
do espelho e não na criança real, exis tindo, por consequência, uma
distância entre a criança e os ideais dos pais.
O narcisismo secundário resulta de um retorno ao eu do investimento
feito sobre os objetos externos. A libido, que anteriormente investia no eu
(narcisismo primário), passa a investir em objetos externos e , posteriormente,
62
volta a tomar o eu como objeto, conforme se pode observar nas seguintes
palavras de Freud (1914b), quando ele diz haver
“uma concentração de libido dentro do eu. Posteriormente, na
vida do sujeito, quando a libido, antes dirigida para os objetos
externos, se retrai para o ego, então já constituído, fala-se em
narcisismo secundário”. (idem, ibidem, p.85-89).
Dessa forma, Freud (ibidem) ensina que tanto o narcisismo primário
como o narcisismo secundário se caracterizam por um investimento do eu,
havendo, em contrapartida, um investimento da libido em objetos externos ao
eu. Com base nessa formulação, Moura (2009) afirma que o narcisismo é
“um protetor do psiquismo e um integrador da imagem corporal,
ele investe o corpo e lhe dá dimensões, proporções e a
possibilidade de uma identidade, de um Eu. O narcisismo
ultrapassa o autoerotismo e fornece a integração de uma figura
positiva e diferenciada do outro. É definido como o
complemento libidinal do egoísmo da pulsão de
autoconservação, ou seja, essa pulsão recebe um quantum a
mais, advindo da pulsão sexual, tendo esta última, então, o ‘eu’
do sujeito como objeto”. (idem, ibidem, p.2).
Depois das descrições de Moura (ibidem) a respeito do narcisismo,
pode-se afirmar que, segundo a Psicanálise, todo narcisismo é dirigido para o
objeto do desejo do outro, isto é, o narcisismo da criança deriva do narcisismo
dos pais. A criança ama em si aquilo que nela é desejado pelos pais. Assim, a
captação da imagem só se dá, em sua plenitude, quando o outro investe nessa
imagem. Tal situação corresponderia à crença da criança na onipotência de
seus pensamentos. Equivaleria ao momento em que a criança se sente em
plena relação com a mãe, complementando-a e não precisando de mais nada.
Essa formação particular, cuja imagem apresenta-se guarnecida de
todas as perfeições, é que recebeu de Freud (1914 b) o nome de euideal, o qual se refere ao narcisismo primário, em que se terá o
primeiro investimento sexual em uma unidade . Podemos pensar essa
unidade como a percepção do corpo para além do orgânico.
Para Freud (1914b), o eu ideal diz respeito ao efeito do discurso dos
pais, de um discurso apaixonado que abandona qualquer forma de consciência
crítica para produzir uma imagem idealizada. Essa imagem aparece de forma
63
irredutível na problemática narcísica do eu, pois o eu ideal só pode assumir
essa posição por meio do olhar do outro.
Lacan (1949), relendo Freud (1914b), chama esse tipo de relação
imaginária de relação dual, em que o eu e o tu se confundem. É uma
relação que se esgota nesse jogo especular. Trata-se de uma dimensão
imaginária, limitada e idealizada, relacionada ao narcisismo dos pais e que
confere ao sujeito uma sensação de onipotência.
Assim, esse eu seria resultado dos investimentos narcísicos dos
cuidadores sobre o bebê. O efeito de tais investimentos na imagem do sujeito
faz com que ele mesmo se identifique com a própria imagem, passando a
investir nela também. Em outras palavras, esse investimento permite que o
sujeito ame a si mesmo, numa dimensão narcísica.
Lacan (1949) relacionou a experiência narcísica fundamental ao
momento inicial de formação do ego, quando designou a fase do espelho. Essa
experiência permitiria à criança, que ainda não tem constituída uma unidade
corporal, associar a própria imagem visualizada ao corpo imaginário dos
sonhos e das alucinações.
Segundo
Lacan
(ibidem),
o
estádio
do
espelho
poderia
ser
compreendido "como uma identificação (...), ou seja, poder-se-ía entendê-la
como a transformação produzida no sujeito, quando ele assume uma imagem".
(idem, ibidem, p.97).
Em O Estádio do espelho como formador da função do eu, Lacan
(ibidem) registra a fase da constituição do ser humano, que se situa entre os
seis e os dezoito meses. Segundo ele, a criança encontra-se ainda em um
estado de impotência e de incoordenação motora profunda, em que a imagem
unificada fornece a primeira matriz do jogo de suas relações libidinais, antecipa
imaginariamente a apreensão e o domínio da sua unidade corporal. A imagem
de si mesmo é então atingida na relação com o outro e como outro, em seu
aspecto idealizado.
Nesse primeiro momento de estruturação, a criança, com suas fantasias
de corpo fragmentado e por conta da própria prematuridade neurofisiológica,
antecipa-se numa unidade corporal a partir da imagem do outro. Ou seja, a
partir da imagem do próprio corpo encontrada no espelho e na qual ela vai se
alienar virtualmente.
64
Pela primeira vez, a visão do corpo inteiro, ou à vista da imagem do
semelhante no espelho, desperta manifestações de júbilo na criança, que,
imediatamente, olha para o adulto para encontrar, no olhar do outro, a
confirmação daquilo que vê no espelho. Essa experiência primordial está na
base do caráter imaginário do ego, que passa a ser admirado pela criança
como seu eu ideal. Esse fato de que o eu se constitui como um outro revelará
toda a dimensão da linguagem como sendo o registro por meio do qual o outro
comparece para intervir e dar valor de existência à constituição da imagem do
eu.
O estádio do espelho representa a estrutura da dinâmica narcísica,
constitui as leis de funcionamento do eu, não sendo, portanto, uma fase
ultrapassável. Sua estrutura consiste, antes, na ideia de uma simultaneidade
da constituição do eu e da perda que aí se instaura. Essa perda se revela pela
discordância e pela distância fundamental do eu com sua imagem.
No espelho, o nascimento do eu se confunde com a constituição da
imagem do corpo físico, ao mesmo tempo em que a visão observada no
espelho é apreendida como objeto. Nessa relação inaugural com o Outro, o
homem investe o objeto por meio de sua imagem especular e essa miragem de
totalidade dá uma forma ortopédica a esse corpo, numa espécie de
precipitação da forma do corpo que se adianta à sua prematuração biológica.
Lacan (1949) define o Estádio do Espelho como:
“(...) um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência
para a antecipação - e que fabrica para o sujeito, apanhado no
engodo da identificação espacial, as fantasias que se sucedem
desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de
sua totalidade que chamaremos de ortopédica - e para a
armadura enfim assumida de uma identidade alienante, que
marcará com sua estrutura rígida todo o seu desenvolvimento
mental”. (idem, ibidem, p.97-100)
Para Lacan (ibidem), no estádio do espelho há uma tentativa, por parte
do sujeito, de resgatar e refazer o vínculo perdido, apartado pelo nascimento e
presentificado no desmame. Segundo ele, a primeira experiência objetiva que a
criança teve do próprio corpo foi apenas visual e aquele corpo identificado no
espelho seria homólogo ao corpo fantasma do qual se teve a prefiguração
desde o nascimento.
65
Como se vê, a importância do desenvolvimento do conceito de
narcisismo pela psicanálise contribui, de forma bastante consistente, para o
entendimento da imagem corporal em todos os seus aspectos.
A ideia de imagem corporal foi elaborada por Schilder (1994) no seu
esforço de integrar o pensamento biológico e o psicanalítico. Ele define a
imagem corporal como “a imagem que formamos mentalmente do nosso corpo,
o modo como o vemos” (idem, ibidem, p.11). Segundo ele,
“há sensações que nos são dadas, vemos parte da superfície
do corpo, temos impressões táteis, térmicas e de dor. [...] as
sensações provenientes do interior do corpo não têm
significado intrínseco antes de serem conectadas à imagem
corporal. Todos nós temos uma imagem mental de nossa
própria aparência que é algo mais que uma imagem no espelho
e pode ou não se aproximar muito da nossa aparência real. A
imagem do corpo abrange a visão que temos de nós mesmos,
não só fisicamente, mas também fisiológica, sociológica e
psicologicamente. De posse da configuração adulta, o ser
humano continua a lidar com a questão da autoimagem, seu
corpo como símbolo, tanto no contexto individual quanto no
social. Todas as facetas da adaptação social e da
personalidade estão afetadas pela configuração e pelo
funcionamento do corpo, ligadas à impressão causada nos
outros e em si mesmo”. (idem, ibidem, p.7)
Conforme esse esclarecimento de Schilder (ibidem), a imagem corporal
inclui representações psíquicas conscientes e inconscientes e a forma como se
estrutura essa imagem é de vital significação na localização e na manutenção
dos sintomas corpóreos. Com isso, pode-se entender que a linguagem corporal
é como a linguagem do sonho. Anuncia e denuncia algum aspecto do sujeito,
fornecendo símbolos à consciência, fazendo pensar que é também através do
corpo que o inconsciente é experienciado. Logo, é possível pensar que a
imagem do corpo é eminentemente inconsciente, tornando-se em parte
consciente, quando associada à linguagem consciente.
A se acreditar na necessidade de mais explicação sobre a imagem
corporal, há de se lembrar das várias investigações de Françoise Dolto (2010)
nessa área, o que muito auxiliará essa caminhada.
Em um de seus estudos, Dolto (2010) evidencia a distinção entre
esquema corporal e imagem do corpo. Para ela, o esquema corporal
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caracteriza a pessoa como representante da espécie, quaisquer que sejam o
lugar, a época ou as condições em que viva. Daí considerar que
“é ele, o esquema corporal, que será o intérprete ativo ou
passivo da imagem do corpo, no sentido de que permite a
objetivação de uma intersubjetividade, de uma relação libidinal
linguageira com os outros que, sem ele, sem o suporte que ele
representa, permaneceria para sempre um fantasma não
comunicável”. (DOLTO, 2010, p.14 )
Ora, se o esquema corporal é, em princípio, conforme quer Dolto
(ibidem), o mesmo para todas as pessoas, a imagem corporal, em
contrapartida, é própria a cada um, está ligada à pessoa e à sua história. Ela se
representa nas experiências emocionais inter-humanas, vividas de maneira
repetida, através das sensações erógenas primitivas ou atuais. A imagem do
corpo é, pois, a cada momento, memória inconsciente das relações
vivenciadas e, ao mesmo tempo, ela é, simultaneamente narcísica e interrelacional. Ainda, na perspectiva de Dolto (ibidem),
“é graças à nossa imagem do corpo sustentada pelo nosso
esquema corporal que podemos entrar em contato com o outro.
Todo o contato com o outro, quer o contato seja de
comunicação ou para evitá-la, é subentendido pela imagem do
corpo; pois é na imagem do corpo, suporte do narcisismo, que
o tempo se cruza com o espaço, e que o passado inconsciente
ressoa na relação presente. No tempo atual, sempre se repete
em filigrana algo de uma relação atual, mas pode encontrar-se
ali, desperta, re-suscitada, uma imagem relacional arcaica, que
permanecera recalcada e que retorna, então”. (idem, ibidem, p.
15).
Assim, no entender de Dolto (ibidem), “a imagem do corpo se estrutura
pela comunicação entre sujeitos e o vestígio, no dia a dia, memorizado, do
gozar frustrado, reprimido ou proibido”. (idem, ibidem, p.15).
Para ela, portanto, existem três aspectos dinâmicos da imagem corporal
que são: a imagem de base, a imagem funcional e a imagem erógena.
A imagem de base é o que permite à criança sentir-se em uma mesmice
de ser. Ou seja, possibilita à criatura permanecer em uma continuidade
narcísica no espaço-tempo, desde o nascimento, resistindo às mudanças do
67
corpo e aos processos evolutivos. “É dessa mesmice que vem a sensação de
existência”, ensina Dolto (2010, p.38).
A imagem de base vai sendo constituída de acordo com a importância
dada às diversas zonas do corpo, desde seu nascimento. Num primeiro
momento, essa imagem de base é respiratório-olfativa-auditiva. A seguir, temse uma imagem de base oral, que compreende a primeira e acrescenta a
percepção da zona bucal faringo-laringe. A próxima será a imagem de base
anal, que acrescenta às duas primeiras a percepção da retenção ou da
expulsão do conteúdo da região inferior do tubo digestivo. Aliás, não se deve
esquecer de que a pele e os orifícios também têm grande importância na
constituição da imagem de base, dada sua capacidade erógena.
Diferente da imagem de base que tem em si um componente estático, a
Imagem Funcional é a responsável pela realização do desejo. Graças a ela, as
demandas provenientes do esquema corporal têm como propósito atingir a
satisfação. A elaboração da imagem funcional enriquece as possibilidades de
relação com o outro, pois estimula o corpo a servir ao objetivo de satisfazer o
desejo, em grande parte pela via da comunicação.
Já a Imagem Erógena associa-se à imagem funcional do corpo, local em
que se vivencia o prazer ou o desprazer na relação com o outro e abre
caminho para o prazer partilhado, humanizante no tocante ao valor simbólico e
que pode ser expresso pelo gesto e pela palavra (no início, a palavra vinda do
outro, mais tarde, a própria palavra).
Então, para Dolto (ibidem), a imagem do corpo representa a síntese viva
dessas três possibilidades, atualizadas constantemente naquilo que ela
denomina Imagem Dinâmica, que corresponde ao “desejo de ser e de
preservar um advir” (idem, ibidem, p.45). A imagem dinâmica não tem uma
representação própria, mas corresponde a uma intensidade da expectativa de
atingir o objeto, é o “trajeto do desejo dotado de sentido, indo em direção a um
objetivo” (idem, ibidem, loc.cit.). Para Dolto (ibidem), portanto,
“a imagem do corpo é a síntese viva de nossas experiências
emocionais: inter-humanas, repetitivamente vividas através das
sensações efetivas, arcaicas e atuais. Ela pode ser
considerada como a encarnação simbólica inconsciente do
sujeito desejante”. (idem, ibidem, p.14).
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Com isso, Dolto (ibidem) revela que a imagem corporal representa uma
história que carregamos por toda a vida. Uma história que nos permite transitar
por caminhos do nosso corpo. Em outras palavras: a imagem corporal é o
retrato mental que a pessoa faz da própria aparência física e das atitudes e
sentimentos em relação a essa mesma aparência, que é atualizada pela
palavra, pelo gesto, pelo movimento, pela música, pelo desenho, pela
modelagem, etc. A partir de tal entendimento, é possível considerar que a
imagem
corporal é instável e
mutável, constrói-se
e
desconstrói-se
constantemente, podendo encolher, expandir, dar partes suas ao mundo e
tomar para si partes do mundo. Essa mobilidade da imagem corporal chama a
atenção e aparece de forma mais clara no movimento, por se tratar de um
modo de flexibilizar a imagem corporal, pois durante o movimento ocorre uma
adaptação imediata e constante do modelo postural do corpo, modelo esse que
lança mão de reflexos posturais normalmente indisponíveis à consciência.
Como consequência, tem-se a alteração da percepção de peso do corpo, de
volume, do nível de tensão muscular, o que, por sua vez, conduz a alterações
psíquicas e a mudanças no estado emocional.
A construção da imagem corporal é continuamente reelaborada, por
meio das vivências de cada pessoa, de forma que traz em si sinais
característicos de toda a sua vida.
Entendido como a imagem corporal se apresenta na contemporaneidade
e como ela se desenvolve, é hora de falar como ela se expressa ou como ela
se apresenta distorcida para a obesidade.
3.3 IMAGEM CORPORAL E OBESIDADE
Na sociedade contemporânea, o homem, exaurido de suas vontades,
obedece aos ditames de sua época, cujo clamor mais contundente é o prazer
sem limite! Nestes tempos de performa mais elaborada, a combinação de um
foco na iniciativa pessoal com uma liberação dos costumes e com uma
pulverização das referências levou ao surgimento de uma individualidade que
age por ela mesma. Diante desse cenário e frente a essa performance exigida
69
pelo contexto atual, encontra-se um indivíduo marcado pela insuficiência, cuja
válvula de escape para suportá-la tem sido a obesidade.
O obeso mórbido parece encontrar em sua condição de indivíduo
adiposo e no impulso incontrolável de comer, uma via para a resolução de seus
problemas, como se fora o único meio de efetuar trocas ou substituições
afetivas e tolerar frustrações na vida. O comportamento habitual de estar
sempre a ingerir algo e a noção da imagem corporal interferem de maneira
danosa na vida do obeso, fazendo surgir um sentimento de impotência e de
falta de controle nos próprios relacionamentos.
Pode-se pensar, então, que a obesidade como doença é um fenômeno
contemporâneo, pois numa sociedade em que as idealizações do corpo e do
prazer da comida passam pela repressão alimentar, os desejos circulam em
torno do objeto interditado. Nesse panorama, o obeso apresenta-se como um
exemplo perfeito dessa conjuntura, em que a imagem perde o vínculo com a
própria realidade, com a própria referência. Nesse caso, porém, a situação
torna-se mais terrível ainda, uma vez que a referência que se perde é a do
próprio corpo. Com isso, não seria absurdo dizer que o desenvolvimento do
esquema corporal dos indivíduos obesos poderá intervir na capacidade de
percepção do próprio corpo e também em sua noção espacial. Tal acontece
por haver o não reconhecimento da dimensão física do corpo, aliado a
aspectos emocionais inerentes à constituição da imagem corporal. E tais
aspectos são captados claramente quando se induz o sujeito obeso a uma
reflexão sobre o momento da vida em que eles se perceberam obesos.
Observa-se com isso uma característica importante e muito comum
entre os obesos: quase sempre eles apresentam sentimentos conflituosos em
relação ao próprio corpo. Tais sentimentos se manifestam mais claramente na
forma de um receio explícito de se olharem no espelho, devido à insatisfação
corporal. A esse respeito, Manguel (2001) apresenta um conceito de imagem,
em que aborda um sentimento com o qual o obeso vem se defrontando na
contemporaneidade. Diz ele:
“As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais,
mensagens e alegorias. Ou, talvez, sejam apenas presenças
vazias que completamos com o nosso desejo, experiência,
questionamento e remorso. “Qualquer que seja o caso, as
70
imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos
feitos”. (MANGUEL, 2001, p.21).
Tal fragmento leva a pensar a imagem como forte registro na
constituição do sujeito. No entanto, como se está falando do obeso, essa
imagem assume um papel muito importante em sua estruturação. Porém, como
ela se apresenta?
Para responder a tal questionamento, poder-se-ia pensar nessa nova
mentalidade de conceber o corpo como uma das modalidades do belo.
Contudo, como tal concepção se encontra sob a tutela das artimanhas de uma
sociedade de consumo, valeria tentar uma explicação pela teoria psicanalítica.
Assim, pode-se dizer que o narcisismo incide sobre a imagem de um corpo
ideal, de um corpo que não sofre e, com isso, essa imagem corporal fica
desconectada do corpo real. Dessa forma, o obeso não se vê tão gordo quanto
aparenta, embora seu peso aumente cada vez mais e a identidade, que
representa um aspecto importante no desenvolvimento do obeso, constitui-se a
partir de um corpo ausente, de uma imagem distorcida. E quando a distorção
tem início na infância, a pessoa pode mesmo acreditar que seu corpo é
grotesco, que os demais a olham com desprezo ou hostilidade e quem dela se
aproxima, não o faz por prazer, mas por pena ou por se considerar igualmente
monstruoso.
Já na adolescência, é possível aparecer um medo mórbido de engordar,
devido às cobranças que os jovens acabam sofrendo da indústria da beleza. A
criança ou o adolescente vão aprendendo que um corpo volumoso, que um
físico gordo é feio e desagradável ao olhar, o que os faz tornarem-se cada vez
mais inimigos de tal corpo, a fim de não se considerarem malvistos e não
amados. Porém, quando essa distorção chega à fase adulta, constata-se,
então, que o obeso deixa de perceber sua estrutura física. Daí Franques
(2002), considerar que “a imagem corporal que o obeso tem de si é distorcida,
e essa distorção é tanto maior quanto mais antiga for a sua obesidade” (idem,
ibidem, p.74-79).
Muito embora o indivíduo tenha consciência de que está com excesso
de peso, o que acaba incomodando mesmo é a dificuldade em lidar com o
próprio corpo e não o tamanho do corpo propriamente dito. Tal ocorre porque o
71
obeso não mais consegue se abaixar, ele já não pode cruzar as pernas, as
mulheres não conseguem calçar sapatos de salto alto e tampouco caminhar
com desenvoltura. Enfim, tudo se torna um transtorno. Isso leva o sujeito a
perder a autoestima e a percepção da dimensão do próprio corpo. Com isso,
talvez num processo inconsciente, eles passam a escamotear esse corpo e
acabam tendo mesmo dificuldade de reconhecê-lo da forma como ele se lhes
apresenta. Daí tornar-se uma imagem não percebida. Logo, diante de tanta
inquietação e de tantos obstáculos, o sujeito acaba “esquecendo” de se ver.
Todavia, será que apenas esses aspectos podem levar a tanta
dificuldade? Para tentar esclarecer tal pergunta, é conveniente pensar em
todas as vicissitudes por que passa uma pessoa com obesidade e avaliar
também as reclamações que surgem quando algum deles necessita consultar
um profissional de saúde.
Logo de início, há a dificuldade em chegar ao local do atendimento
médico, pois o obeso não consegue caminhar por muito tempo, posto que as
juntas começam a doer. Depois, há a reclamação do espaço para sentar,
porquanto as cadeiras não comportam a estrutura física do obeso. Por outro
lado, há os que sofrem de pressão alta, outros, padecem de diabetes. Enfim,
cada qual reclama das dificuldades que vivenciam para visualizar o próprio
corpo, uma vez que muitos só conseguem divisar o próprio rosto, e olhe lá!
Reclamam, ademais, que sentem vergonha de se olharem e muito mais
quando alguém comenta que têm um rosto tão bonito, fixando bem que só o
rosto é belo, sem mencionar as outras partes do corpo. Nesse momento, é
comum ouvir reclamações ou justificativas de que o ganho de peso começou
logo depois da gravidez, ou que teve início após uma perda emocional (luto,
separação), ou em seguida a uma demissão, ou, até mesmo, que a pessoa
sempre fez dietas por conta própria, emagreceu, mas não foi capaz de manter
o peso, por não ter mudado os hábitos alimentares e tampouco prestou
atenção aos aspectos emocionais, voltando a engordar e a caracterizar aquilo
que ficou conhecido como efeito sanfona.
É importante salientar que o corpo obeso perde a noção de sua imagem
corporal durante o tempo em que aumenta e diminui de peso várias vezes,
durante tentativas de emagrecimento fracassadas. (SCHILDER, 1994, p.190).
O aumento de peso pode ser gradual, ocorrendo ao longo do tempo,
72
silenciosamente, sem ser notado, pois as roupas vão se adaptando à silhueta:
peças com numeração maior, calças com elástico na cintura, blusas mais
largas e assim por diante. Com tais atitudes que passam despercebidas, podese entender que de fato existe dificuldade em distinguir essa imagem, quando a
pessoa obesa não tem consciência do excesso de peso que adquiriu, ou seja,
ela não se percebe gorda, mesmo ao se olhar no espelho. A verdade é que, ao
avistar no espelho, ela não vê o que ali se lhe revela, mas, sim, um reflexo que
faz par com seus conteúdos psíquicos do momento, podendo, dessa forma,
distorcer aquela imagem perceptível e torná-la diferente daquilo que ali se lhe
mostra.
Ora, por maioria de razão, sabe-se que as pessoas com esse
comportamento evitam espelhos de corpo inteiro, ao contrário das anoréxicas,
que os buscam obsessivamente. O insight dá-se, em geral, quando a pessoa
se defronta com uma fotografia sua de corpo inteiro, ou quando desenvolve
problemas de saúde, decorrentes do excesso de peso, como pressão alta e
diabetes. Nesse caso, ela procura o médico, precisa se pesar e é então que ela
tem de enfrentar a realidade.
Tais aspectos, segundo Sara Bird (2010), podem ser denominados como
“Fatorexia”, conforme ela denominou em seu livro: What Do You See When
You Look In The Mirror? O título de seu livro, em uma tradução literal, seria:
Gordorexia: O que você vê quando se olha no espelho? Contudo, essa
denominação – gordorexia –, ainda de acordo com a autora, não é reconhecida
como doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS), quer dizer, ainda
não possui critérios diagnósticos e não tem respaldo científico.
Mesmo sem esse reconhecimento, observa-se uma certa dificuldade de
aceitação da própria imagem por parte dos obesos, pois eles nunca se veem
como realmente são. Ao se olharem no espelho, os obesos veem-se mais
magros do que na realidade são. Isso pode levar o portador dessa distorção a
não tomar o devido cuidado para não contrair as doenças que a obesidade
pode ocasionar.
Portanto, esse comportamento de não querer, ou de não conseguir se
enxergar como realmente se está, piora o quadro do obeso pela possibilidade
da pessoa se descuidar e cometer excessos, sem preocupação com as
consequências. O que ocorre de fato é uma dificuldade de reconhecimento da
73
imagem física, visível. Por outro lado, sabe-se que, atualmente, a pessoa só
pode contar com os protocolos de tratamento desenvolvidos para os casos de
obesidade mórbida.
Segundo especialistas, é importante que pessoas com essa dificuldade
realizem um tratamento multidisciplinar. Então, nesse momento, há de se
pensar essa distorção de imagem com a psicanálise, cujo caminho a seguir
pode ser o do narcisismo, embora não como forma de se identificar com a
própria imagem, mas, ao contrário, para entender o porquê do não
reconhecimento, da não percepção da própria imagem e também para
compreender aquele reconhecimento distorcido, a fim de poder perceber as
dificuldades de lidar com os próprios aspectos internos.
Como se vê, a distorção da imagem já vem se mostrando como um
comportamento que afeta diretamente a obesidade ou vice-versa. Logo, é
possível afirmar que, em muitos casos de obesidade, a distorção da imagem
corporal apresenta-se como mais um agravante que esse sujeito tem de lidar.
74
4. Já não sou a mesma: posso ver-me
“Enfim,
magro”.
(SOARES
apud DUAILIB, 2000).
Este capítulo se iniciará com frases de pacientes obesos, proferidas
durante acompanhamento psicológico no Núcleo de Índice de Massa Corporal
(NIMC), para realização da cirurgia bariátrica. Há de se observar que elas
revelam tudo o que essas pessoas captam do mundo que as cerca, a
demonstrar toda angústia e preconceito que dele emana em relação à
obesidade e cuja máscara a sociedade não consegue ocultar. A seguir,
algumas delas:
- “Gordas são feias, sofrem preconceitos”.
- “As pessoas consideram as gordas relaxadas”.
- “Ninguém gosta de ter amiga gorda”.
- “Gorda tem assaduras no meio das pernas”.
- “Gorda é constantemente confundida com grávida”.
- “Gordas têm dificuldades para comprar roupas”.
- “Homens não se interessam por mulheres gordas”.
- “Magra fica bem de calça, short, vestido social, terninho... tudo”.
- “Magra pode comer em locais públicos, sem chamar a atenção”.
- “Magra pode ir à piscina sem fazer o papel de ridícula”.
- “Magras são invejadas pelas outras mulheres”.
- “Magras são mais felizes”.
Eis a forma que o obeso tem de se olhar. Após estudo da distorção da
imagem, no capítulo anterior, que evidenciou o modo como o obeso perde a
noção do próprio corpo, tratar-se-á agora da cirurgia bariátrica, com vistas a
elucidar a tentativa de resgate da imagem corporal que ocorre após o obeso
sofrer a cirurgia que o levará a perder peso. Segundo eles próprios, essa
intervenção é como uma ressurreição, representa uma nova vida: “É uma nova
chance que estamos nos dando. Sabemos que essa chance para dar certo só
depende de nós. Temos que acreditar que somos importantes e que podemos
75
mudar para conquistar algo melhor nas nossas vidas. A cirurgia não faz
milagre, é a gente que tem que fazer a nossa parte”8. (sic)
4.1 O CORPO QUE VOLTO A HABITAR
Para começar, é importante destacar que o sentido desta parte do
trabalho é mostrar como o corpo é entendido pelo obeso antes e depois da
cirurgia bariátrica. Em verdade, o corpo que o obeso transporta não é
reconhecido por ele próprio tal como ele se apresenta na realidade. O que o
obeso enxerga é uma imagem distorcida, conforme se falou no capítulo
anterior. Talvez porque o corpo que se lhe manifesta também não seja o
desejado, o que faz muita diferença em relação a sua imagem. E, em última
instância, também por se tratar de um corpo passível de abrigar várias
doenças. Assim, esse corpo torna-se motivo de vergonha, de insulto, de brigas.
O suor em excesso, as dificuldades motoras, a lentidão, a baixa resistência
para acompanhar as brincadeiras, o fato de, não raro, ser alvo de piadinhas,
tudo isso leva o obeso a tratar o corpo como algo externo a ele, como algo que
ele apenas tem de carregar, mas que não traduz qualquer relação com o que
ele come ou faz no seu dia a dia. Trata-se de algo que se encontra fora do
controle e da percepção da pessoa. Desse modo, o corpo para o obeso está
situado na esfera de uma camada de proteção – essa mesma proteção, para a
psicanálise, manifesta-se para recalcar a sexualidade. É uma forma de não
permitir a erotização do corpo, não permitindo que seja desejado, como
podemos observar na permissividade, na passividade que cercam os obesos.
O corpo apresenta-se sem limites, sem condições de se mostrar para o outro.
uma coisa diferente que não quer ser vivenciada nem percebida. Esse é o
cenário corporal que se apresenta para o obeso antes da cirurgia.
Após a realização da cirurgia, o obeso começa a se reconhecer no corpo
que possui. Passa a tocar nele, inicia um reconhecimento de suas várias partes
- coxas, pés, órgãos genitais - que há muito eram escondidos. Com o passar
do tempo, após a intervenção cirúrgica, ele começa a se interessar por outras
atividades como exercícios físicos, por exemplo. Começa, também, a perceber
8
Fala de um paciente.
76
que sente mais frio, que o suor já não aparece como antes e que os
movimentos ficaram mais fáceis de serem realizados. O cruzar das pernas,
então, tem um destaque especial para todos, pois evidencia uma conquista.
Contudo, nem tudo é só alegria, como eles falam. Existem coisas a que
não estão acostumados e essa é a parte mais difícil, pois depende do outro,
como, por exemplo, o desejo de ter uma ligação amorosa mais profunda, de
fazer sexo, ou a vontade de comprar roupas de tamanho menor, de ter seus
horários.
Já em relação ao corpo recém-adquirido, há uma reclamação de que
tudo fica flácido, daí o questionamento se as partes do organismo passarão a
ter medidas harmônicas com o todo, se vai melhorar a aparência, pois se antes
os peitos eram grandes, agora ficaram “muxibentos”, e as nádegas não estão
lá grandes coisas, porquanto também ficaram flácidas. Quanto ao abdômen, as
peles caídas aumentaram muito, mas “a gente disfarça colocando uma calça
apertada”... Tais queixas, aos poucos, começam a chamar a atenção, pois vêm
com um tom de protesto, com um matiz de reivindicação, afinal “fiz a cirurgia
para melhorar, mas me deparo, outra vez, com vergonha desse corpo”.
Tem-se observado, com a expectativa de melhora do corpo e do
organismo em geral, que ocorre após a cirurgia, essas pessoas começam a
interagir de novo com a sociedade e, com isso, surgem também as cobranças
que antes eram disfarçadas, ou melhor, recalcadas, para não causar mais
sofrimento. Agora, com o novo corpo sem gordura ou, pelo menos, com menos
gordura e com a autoestima elevada, esse corpo precisa ser mostrado, é
necessário exibi-lo. Porém, como pode isso acontecer se tudo está flácido?
Costumam dizer que a cirurgia foi a melhor coisa que fizeram. Quanto às peles
caídas, “depois se faz uma cirurgia reparadora, caso precise”, dizem. Ademais,
são indicados exercícios físicos, que muitas vezes resolvem para alguns.
Assim, eles começam a ter acesso ao corpo, dizendo: “hoje eu vejo meu corpo
por inteiro, não só o rosto; descobri que ainda tenho coisas que estavam há
muito tempo esquecidas; eu tenho pescoço outra vez!“. Isso faz com que se
sintam orgulhosos de si mesmos.
Observa-se, também, que essas mudanças no corpo fazem com que
eles se permitam falar desse novo físico e não só senti-lo. E falar não só com
77
palavras, mas com gestos, coisa que não havia possibilidade de se manifestar
com a obesidade, pois a gordura os impedia.
Assim, a fala emerge para os ex-obesos como forma de conquista e de
reconhecimento, pois agora eles são ouvidos e percebidos através do novo
corpo, que fala. Por conseguinte, torna-se importante destacar que com o
resgate do corpo, por eles e pela sociedade, as pessoas em geral começam a
participar de suas vidas e a perceberem sua importância. Isso impõe
responsabilidade, uma vez que as decisões que serão tomadas daí por diante
só dependerão deles. A cirurgia e os acompanhamentos médico-psicológicos
da equipe só foram um empurrão, porque a decisão de continuarem ou não
nessa busca, que será constante, só depende deles. Com isso, cabe lembrar
das palavras de Soler (2005), quando diz que,
“o cuidado com o corpo no nível das necessidades vitais é
fundamental, porém isso não pode passar pelo silêncio dos
hábitos regularizados, ainda que suas marcas não deixem de
ter influência. É preciso haver a linguagem, em que a demanda
se articula para que esse corpo seja “corporalizado de maneira
significante” (idem, ibidem, p. 92).
O que se observa nos ex-obesos não é outra coisa, senão o resgate
dessa linguagem pelo emagrecimento do corpo e pela forma de se perceber.
Daí a preciosidade da linguagem, conforme esclarece Soler (ibidem), ao
explorar a corporalização do físico do indivíduo ex-obeso.
Tais mudanças por que passa o ex-obeso levam a uma nova percepção
da própria imagem corporal, o que será tratado a seguir.
4.2 NOVA PERCEPÇÃO DA IMAGEM CORPORAL
Tem-se observado que, após a cirurgia, o obeso começa a se identificar
com o corpo. A partir daí, ele já percebe seu tamanho, não mais o considera
‘só gordinho’. Nesse instante, admite, havia de fato um acúmulo enorme de
gordura em seu corpo. Constata-se, também, que os ex-obesos não mais se
referem àquele outro corpo anterior à cirurgia, e, sim, ao corpo atual, pois
agora eles já reconhecem a nova imagem física adquirida. Já não a percebem
78
distorcida como outrora. Claro que se está falando de um processo que vai
ocorrendo à medida que acontece a perda de peso. No entanto, mesmo com
tal reconhecimento, há momentos em que eles se inquietam em saber se de
fato estão emagrecendo, a evidenciar uma preocupação em voltará a engordar,
conforme se tem observado em pacientes que já passaram por esse
procedimento há mais tempo.
Agora, comprar roupa, pegar ônibus, sentar-se despreocupadamente,
sem medo, em quaisquer cadeiras, comprar sapatos, ir à academia, etc.,
tornam-se coisas normais para os ex-obesos e fazem com que eles não se
sintam mais discriminados pela sociedade. Veem-se como sendo parte desse
aparato social, que não os enxerga mais como algo diferente e grotesco. A
partir do momento em que a imagem corporal não mais se apresenta distorcida
para eles, alguns aspectos começam a mudar em suas vidas: olham-se mais
vezes no espelho; arrumam-se melhor; a autoestima fica mais elevada; o
apetite sexual retorna; tiram mais fotografias. Enfim, apresenta-se-lhes uma
nova vida.
Com tal mudança, o sujeito começa a se interessar por essa recémchegada vida e passa a se ver como os demais, a se considerar igual aos
demais. É importante destacar que esse processo de inserção na sociedade e
esses comportamentos que o obeso começa a assumir em relação a si e aos
outros não aparecem logo após a cirurgia, ou melhor, não surgem logo no
início do emagrecimento, mas, sim, ao longo de um processo que o ex-obeso
passa a vivenciar. E tal processo faz com que ele perceba e entenda as
mudanças que vão acontecendo ao longo desse período, conscientizando-se
de que terá sempre a ajuda dos profissionais da equipe. Essa ajuda amenizará
os conflitos que irão surgir, embora não vá resolvê-los, pois a pessoa que está
vivenciando a situação é que terá de tomar as decisões, as quais, muitas
vezes, não se lhes apresentam tão fáceis como podem parecer.
Quanto à questão da distorção da imagem, não raro o ex-obeso
necessita de um bom tempo para se perceber magro, pois se sente confuso em
relação ao modo de agir. Quando vai comprar roupas, por exemplo, ele ainda
pede tamanho GG, mesmo que a vendedora lhe diga que o número de seu
manequim é outro. É como se até então ele não tivesse introjetado o novo
corpo, dando a impressão de que a imagem que se lhe apresenta não condiz
79
com essa outra preservada em sua mente ou que ele ainda não deixou de
perceber, mesmo com dificuldade. Trata-se, na verdade, de uma descoberta
atrás da outra em relação a esse recém-adquirido aspecto corporal. Os limites
concernentes ao corpo têm de ser repensados. Agora, já não há aquela
circunferência tão desproporcional. Nesse instante, o corpo já cabe em
determinados espaços, antes incompatíveis com a estrutura física anterior.
Contudo, paira ainda certa insegurança em se expor. Com o passar do
tempo, porém, o ex-obeso começa a não mais se incomodar com a atual
imagem corporal, assume a nova estrutura física e, socialmente, é tratado de
igual para igual. Tem início seu comprometimento com a vida e com as
mudanças que ela lhe há de proporcionar.
É importante ressaltar a existência daqueles que não conseguem se
reconhecer no novo corpo, por não acreditarem que o esforço para alcançarem
o objetivo final tem de ser deles mesmos e não da cirurgia. Afinal, a cirurgia
representa apenas um pequeno passo, visto que os passos maiores são da
competência do paciente, pois será ele que os terá de efetuar, que os terá de
assumir. E ainda que toda a equipe lhe ofereça o suporte necessário para esse
fim, ele não pode deixar de comparecer para o acompanhamento dos
profissionais competentes. Por outro lado, o ex-obeso não deve ficar à mercê
de informações não científicas e do senso comum, que podem até dar certo,
mas por um caminho muito duvidoso.
Há também os que passam pelo processo de emagrecimento, sabem
que estão magros, mas continuam falando, pensando como se ainda fossem
gordos e isso faz com que se vejam de fato gordos e preocupados, com medo
de voltarem a engordar.
Diante de tais condutas, constata-se que ao longo do processo de
emagrecimento a visão da imagem corporal vai se mostrando de outra
maneira, de uma forma diversa, diferente, isto é, ela vai sendo percebida, sim,
mas com receio do encontro com o outro. Entretanto, há de se destacar que a
ajuda dos profissionais da área contribui bastante para o entendimento dessa
dificuldade por parte do ex-obeso e a melhoria dessa distorção. Conforme
Kahtalian (1992) observa, há:
80
“a necessidade de se introduzir, na realidade psíquica desses
pacientes, após o tratamento de emagrecimento, a nova
imagem adquirida, já que a força inconsciente faz restaurar a
imagem corporal introjetada na infância”. (KAHTALIAN, 1992,
p. 276).
Na experiência clínica, a imagem corporal começa a mostrar-se de
forma diferente. Evidencia-se de acordo com a maneira como o ex-obeso se
vê, quando passa a relacionar-se com o corpo de forma mais erotizada,
reconhecendo suas partes, agora não mais separadas, mas como um todo.
Com esses ganhos, pode-se dizer que a libido, antes petrificada, começa a fluir
no corpo do ex-obeso, em todos os aspectos – processo que ele foi
conquistando a cada perda de peso e a cada reconhecimento de si próprio.
Agora, há de se averiguar como a libido é vivenciada pelo recém-magro,
essa mesma libido que Freud (1905) destaca em seu texto Três ensaios sobre
a teoria da sexualidade, como sendo
“uma força quantitativamente variável que poderia medir os
processos e transformações ocorrentes no âmbito da excitação
sexual. Diferenciamos essa libido, no tocante a sua origem
particular, da energia que se supõe subjacente aos processos
anímicos em geral, e assim lhe conferimos também um caráter
qualitativo”. (idem, ibidem, p.132-133).
Freud (1900) defendia que a libido sofre os efeitos da troca do objeto, e
argumentava que os homens são polimorficamente perversos. Com isso ele
queria dizer que existe uma enorme variedade de objetos que podem tornar-se
uma fonte de prazer. Ao mesmo tempo em que as pessoas se desenvolvem,
elas também se fixam em diferentes objetos, de acordo com a etapa de seu
desenvolvimento, o que não acontecia com os ex-obesos, porque com eles não
existia essa troca.
Quando se fez referência à catexia, no primeiro capítulo, mostrou-se que
Freud (ibidem), ao estudar e definir o conceito de libido, também caracterizou a
catexia como o processo por meio do qual a energia libidinal contida na psique
se relaciona ou se aplica na representação mental de um indivíduo, de uma
coisa ou de uma ideia. Com isso, ele demonstrou que uma libido catexizada
perde a mobilidade original, não podendo mais se mover em direção a novos
81
objetos, uma vez que fica enraizada na parte da psique que a atraiu e a
sustentou.
Assim, para o obeso, essa força é recalcada ao longo de sua vida, não
sendo permitido manifestar-se, daí desenvolver uma vida de “comilança”,
afastar-se da vida social e distorcer a própria imagem corporal.
Vale lembrar que, embora a libido tenha enorme resistência para
abandonar posições prazerosas já experimentadas, a ausência do objeto
impõe, aos poucos, o doloroso desligamento, até que o ego se veja novamente
livre e desinibido, pronto para novos investimentos. Pronto para voltar a viver.
4.3 CLÍNICA DA OBESIDADE: FRAGMENTOS DE CASOS
A fim de ilustrar este estudo, alguns casos referentes à distorção de
imagem pelos obesos serão aqui apresentados. Não se pretende fazer uma
análise clínica detalhada dos atendimentos e tampouco do tratamento como
um todo. Os casos são inspiradores de questões fundamentais sobre a clínica
na obesidade, em que a distorção de imagem se apresenta como um fator
desestruturante desses pacientes conforme se viu nos capítulos anteriores.
Importa destacar, porém, que os nomes que constam nos depoimentos são
fictícios para preservar o paciente e conduzir de forma ética esta investigação.
CASO 01
Juju é uma paciente com 26 anos e pesa 112 kg. Chega à consulta
muito falante, expansiva e alegre, dizendo ser casada e ter um filho pequeno.
Porém, reconhece que não aguenta brincar com a criança, pois além de lhe
doerem as pernas, não consegue correr e fica muito ofegante, parecendo
faltar-lhe o ar. Essa paciente está fazendo exames para se submeter à cirurgia
bariátrica. Já passou pela nutricionista, mas acha difícil seguir o que ela
prescreveu (reeducação alimentar). Também está fazendo fisioterapia para
melhorar a respiração. Nessa primeira consulta, comentou não mais aguentar
ser obesa, pois todos lhe dizem gracinhas e, além do mais, não quer chegar a
uma idade mais adiantada cheia de problemas e com doenças graves.
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Na segunda consulta, anunciou que a mãe não quer que ela faça a
cirurgia, mas não informou o motivo, dizendo apenas que “bate boca” com a
mãe sobre o que precisa fazer, pois está com dificuldades de realizar suas
atividades diárias. Reconhece que tem vergonha de tirar a roupa diante do
marido e diz não sentir muito prazer em suas relações com ele, razão pela qual
pouco o procura. E quando o marido toma a iniciativa, é sempre com a luz
apagada. Em contrapartida, explica que o marido é um tanto ciumento e sentese inseguro, pensando que após a cirurgia ela poderia deixá-lo.
Por outro lado, também não se olha ao espelho. Constata que está
gorda pela roupa que usa (blusa larga e calça legging), mas continua a ingerir
vários alimentos que a ajudam a manter a obesidade. Assim, comenta que
engordou 4 kg, “não que apareça”, diz, tentando convencer-se e culpabilizar a
ansiedade pela espera da cirurgia. Em alguns momentos de sessão, declara
que não se percebe tão gorda, que só se dá conta de que realmente está muito
acima do peso anterior pela roupa que não lhe cabe mais. Todavia revela que
se sente bem e que continua comendo sem dificuldade.
Em que pese tais fatos, relembra de uma ocorrência – talvez um tanto
decepcionada, ou desapontada mesmo: estava no banco quando encontrou um
amigo que há tempo não via. Foi então que ele lhe perguntou quantos meses
tinha sua gravidez, dando-lhe parabéns e ao marido, que não estava
entendendo nada. Também ela nada falou para desmentir, apenas esboçou um
sorriso sem graça, despediu-se e foi para casa, onde se pôs a chorar. Foi ai
que teve consciência. Mesmo assim, repetiu que estava gorda, sim, embora
não se visse da forma como a viam. Disse, então, acreditar que precisava
emagrecer para se reconhecer como pessoa e como mulher.
Na terceira sessão, Juju revelou encontrar dificuldades para obter o
laudo do endocrinologista, pois estava com hormônio baixo. Reclamou que a
médica não lhe receitara remédio para aumentar a dosagem hormonal, e, com
isso, já fizera três exames de sangue e não obtivera resultado satisfatório, daí
declarar que iria mudar de médico. Reclamou, ademais, das pessoas que a
aconselhavam a não realizar a cirurgia. Nesse momento, admitiu sua dor: “Elas
não sabem o quanto eu sofro, só fico em casa; já tomei remédio que ficava
“grogue”; agora que posso me ver, tenho mais é que aproveitar; meu marido
que se cuide, porque vou ficar bem bonita, ‘um filé”.
83
Na quarta sessão, chegou falando que fora a outro médico, e que ele a
liberou para fazer a cirurgia. Disse, então, que sua mãe não concordava com a
intervenção, mas que iria cuidar da criança durante o período em que estivesse
hospitalizada, e enquanto estivesse se recuperando. Por fim, confessou que
não se deixava fotografar há muito tempo e que lhe faltava vontade para fazer
o que quer que seja.
Comentário: Quando se diz que é através do corpo que o homem se relaciona
com o mundo, o obeso não escapa a essa regra. Contudo, percebe-se existir
um desencontro entre o mundo real e o imaginário nessa paciente. Observa-se,
nesse depoimento, uma total depreciação do próprio corpo, uma imagem
corporal distorcida, uma vez que o corpo não corresponde ao ideal de ego da
paciente e tampouco ao da sociedade. Assim, para o obeso em geral e para
essa paciente, em particular, nem sempre estar diante do espelho é vivenciado
como um momento prazeroso, pois, a seu ver, quando ela entra em contato
com o próprio eu, através da imagem refletida no espelho, lhe desagrada o que
vê.
CASO 02
Pérola é uma paciente de 23 anos. Pesava cem quilos, quando iniciou
acompanhamento para a realização da cirurgia. Como os demais que se
encontram em condição igual a sua, acreditava não estar tão gorda, pois as
raras vezes que precisava utilizar o espelho, não conseguia se ver daquele
tamanho. A família apoiava a cirurgia, pois queria seu bem. Ela reclamava que
não saia mais, que não tinha mais amigos e que os rapazes não se interessam
por ela, daí ficar só em casa. Em contrapartida, toma alguns remédios para
controle da pressão e também para a depressão.
Iniciado o acompanhamento para cirurgia, ela começou a se expressar
mais, colocando-se melhor no contexto social, enfim, conseguia expressar sua
opinião com maior tranquilidade. O receio de a cirurgia não dar certo e ela
voltar a engordar levaram-na a agir de acordo com todas as prescrições que
lhe foram passadas pelos profissionais.
Quando questionada como ela se via, não respondia, dizia apenas que
as pessoas consideravam-na bonita, porém só o rosto, assegurava ela: “Você
84
tem um rosto tão bonito...”. Em vista disso, alegava que para evitar tais
comentários, preferia ficar em casa. Não achava que tinha engordado muito e
que não se via assim tão avantajada como diziam. O que ocorria, na verdade, é
que não havia uma constatação desse ‘avantajamento’ por meio da visão, mas,
sim, pelas roupas. Então, dizia, deixa pra lá.
Dois meses depois, submeteu-se à cirurgia bariátrica. Passou de 98
para 70 kg de peso. Nesse caso, notou-se uma inversão daquela percepção
anterior da própria imagem. Mesmo com a perda de 28 kg, ela falava que não
se via mais magra, embora soubesse que perdera peso pelas roupas e pelo
manequim que passara de 54 para 46; além do mais, também as colegas lhe
falavam: “Chega de emagrecer!”.
Sua vida sofreu mudança, é claro. Hoje, admite que sai mais com as
colegas e que já tem muitos pretendentes, o que não acontecia antes de seu
emagrecimento. Reconhece que nesse período houve uma fase de elevada
autoestima, querendo sair com todos os rapazes que encontrava. Contudo,
esse momento passou, observa ela. Acredita estar mais centrada, saindo só
para bater papo e curtir os amigos. Não obstante, confessa que faz muitas
coisas que antes não fazia como ir a baladas, sair com amigos, assumindo,
inclusive, que voltará a estudar e a trabalhar.
Comentário: Por certo que tudo o que lhe estava ocorrendo era exatamente o
que sua mente ansiava. Antes, para evitar o sofrimento, por acreditar que não
tinha condições de encarar os problemas de frente, ela aceitava sua condição
de obesa, mas não conseguia e não queria se enxergar como tal. Então, o
cérebro, entendendo isso, passou a ativar mecanismos de defesa em prol de
um possível bem-estar. Daí ela não conseguir se enxergar naquela realidade
que lhe era imposta, minimizar o que estava sendo estampado a sua frente (os
quilos a mais), a fim de poder prosseguir a vida, ainda que se enganando,
porém, sem sofrer. Hoje, depois da cirurgia e com muitos quilos a menos,
evidenciados na balança, o parâmetro já não pode ser o peso que tinha antes
da intervenção (por mais que esteja feliz e não esqueça jamais o que
conseguira). Também não pode ser o espelho, não pode ser o olhar do outro.
Esse novo parâmetro haverá de ser construído a partir das experiências que
ela passará a vivenciar externamente e, principalmente, no interior de si
85
mesma. Mas, observa-se, trata-se de um processo pelo qual ela está passando
com esse novo corpo em relação a seu diâmetro e limites a menos.
CASO 03
Lê é uma paciente de 22 anos. Pesava 122 kg quando solicitou
acompanhamento, falando que precisava fazer algo por ela mesma, pois já não
aguentava continuar do jeito que se encontrava. Perguntou-se-lhe, então, que
jeito era esse, a que ela respondeu: “esse jeito de não mais conseguir subir no
ônibus, de não poder cruzar as pernas, de estar sempre controlando pressão
alta e sentir um medo permanente de ficar diabética”. Segundo ela, tudo isso a
levou a não desejar mais sair com o marido, pois, além de todas essas
ocorrências, já não havia roupa que lhe coubesse e sentia vergonha das
pessoas. Em contrapartida, declarou que mesmo diante de todos esses
motivos, ao se olhar no espelho, não se via tão gorda assim. O que a
incomodava mesmo é que as pessoas lhe falavam que ela estava enorme, mas
ela não se percebia assim tão obesa, motivo pelo qual preferia não sair e ficar
em casa. O marido até a chamava, mas ela sempre se recusava a atendê-lo.
Ele, porém, defendia ela, não reclamava de nada, mostrava-se sempre muito
amigo, muito companheiro, de acordo com o que ela dissesse.
Há quatro meses realizou a cirurgia bariátrica. Encontra-se agora com
79 kg de peso, e, mesmo assim, relata que não se vê mais magra, embora
saiba que perdeu muito peso, pois seus familiares lhe dizem isso e as roupas
encontram-se largas, não lhe servindo mais. Começou a praticar esporte,
visando a modelar o corpo. Tem consciência de que a autoestima ficou muito
mais elevada, o que acabou interferindo no relacionamento do casal, chegando
ao ponto de o marido pedir a separação, por ciúmes. Afirma que continuam
amigos, embora sem possibilidade de ficarem juntos, pois ele fica muito
desconfiado. Informa que está fazendo coisas que há muito tempo não fazia,
como dançar: “agora eu posso dançar e não passo vergonha por culpa do
salto, que antes se quebrava com o peso. Coloco roupas que há muito tempo
não colocava, saio com os colegas do trabalho e só tenho coisas boas
acontecendo”.
Hoje, ela já se vê no espelho com outros olhos, percebe-se como
realmente se encontra e gosta do que vê. Está trabalhando e conta que tudo
86
lhe parece novo, pois não sente limitações em desenvolver suas atividades
como professora coisa que tempos atrás acontecia. Acredita ter feito a coisa
certa para sua vida; por isso, não se arrepende em momento algum e faria tudo
de novo, se preciso fosse.
Comentário: Nessa paciente, observa-se que a obesidade servia para reforçar
sua baixa estima, o que a levou muitas vezes a uma condição emocional de
ansiedade e tristeza. Tais conjunturas aumentavam sua obesidade, e, por
consequência, conduziam-na a um afastamento social. O resgate da imagem
corporal após a cirurgia fez com que ela se percebesse de forma diferente, a
possibilitar que se destacasse na vida pessoal e social, demonstrando seu
querer e suas vontades.
CASO 04
Charles é uma paciente de 32 anos de idade. Pesa 110 kg e vem tendo
acompanhamento psicológico, ocasião em que declarou estar sofrendo de
algumas enfermidades. Indo ao médico, ele lhe teria dito que precisava
emagrecer. Como os demais obesos, também ela não se achava “tão gorda
assim”, porque “tem gente mais gorda que eu, que não tem nada disso que eu
estou sentindo”, argumentou. Por outro lado, reclamou que os amiguinhos do
filho já estavam “caçoando dele”, dizendo que a mãe era como uma bola.
Mesmo com toda essa demonstração de repúdio por sua aparência, ainda
assim ela acreditava não estar muito gorda... Contudo, não gostava de tirar
fotos, tal como seus pares, e, quando se tornava inevitável, ela só admitia que
fosse fotografada a face. Lembra que sempre foi gordinha quando criança.
Agora, fazia acompanhamento com a nutricionista, visando a uma reeducação
alimentar, pois, segundo ela, não dispunha de tempo para comer de três em
três horas e tampouco para mastigar muito.
Com relação ao fisioterapeuta, manifesta ter dificuldade de respirar e
conta que ronca muito à noite, não sabendo dizer se sofre de apneia pela falta
de ar que sente. Esclarece, ainda, que a família lhe dá apoio incondicional no
que diz respeito à cirurgia, mas que sente receio de que algo saia errado, ainda
que acredite na necessidade de fazer algo por si própria. A propósito afirma
que quase não sente prazer com seu parceiro e que sempre fica impaciente, na
87
perspectiva de que tudo acabe logo. Declara, ademais, que a relação com o
marido acontece só no escuro e nunca por cima. Comemora que o parceiro
não reclama de seu físico. Ao contrário, diz que ela está bem assim mesmo e
pede que não fique muito magra depois da cirurgia. Explica, além disso, que o
parceiro não tem ciúme dela. Revela gostar de fazer piada, não se importando,
inclusive, em contar algumas sobre ela mesma. Em contrapartida, diz ter medo
de voltar a engordar depois que fizer a cirurgia, ou de ficar com vontade de
comer, tentar fazê-lo e passar mal.
A verdade é que ela tem se mostrado muito interessada no
acompanhamento psicológico, embora apresente comportamento ainda sem
qualquer comprometimento com os procedimentos necessários ao pósoperatório. Durante as sessões, sempre reafirma que não se vê tão gorda
como os demais a veem, embora algo lhe diga que de fato está, porque todos
falam a mesma coisa. Aliás, diz ela, “parece uma coisa, porque quando vou ao
médico, ele fala que tenho que emagrecer, pois grande parte dos problemas
relacionados às doenças vão desaparecer e também vão diminuir meus
remédios”. Com isso, demonstra querer fazer de imediato a cirurgia para
melhorar logo.
A despeito de seu interesse em resolver tudo rapidamente, ainda não
está marcada a data da intervenção, pois os procedimentos pré-operatórios
não estão concluídos. Daí continuar vindo fazer acompanhamento psicológico.
Tem conseguido alguma melhora em relação à percepção de si mesma e ao
comprometimento com os novos procedimentos a serem assimilados em sua
vida. Assim, reclama de sua situação em relação ao corpo, por não conseguir
fazer muitas coisas. Ademais, acredita ter engordado mais. Os profissionais da
equipe trabalham para que no momento da cirurgia ela esteja com menos
peso, a fim de diminuírem os riscos e possibilitar uma boa recuperação.
Comentário: Essa postura de buscar a cirurgia como tábua de salvação requer
muitas reflexões sobre essa paciente. Ela não percebe que a responsabilidade
de mudanças em sua vida ou mesmo de a cirurgia dar certo só depende dela.
Sua imagem corporal se lhe apresenta distorcida como forma de defesa. A
realidade não se integra a seu corpo, que permanece distanciado dessa
percepção.
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CASO 05
Gigi é uma paciente que vem para o acompanhamento para realizar a
cirurgia, trazida pela mãe, que já realizou a cirurgia bariátrica. Quando procurou
apoio profissional pela primeira vez, tinha 16 para 17 anos e estava com 117
kg. Não gostava de ir ao colégio, por isso só ficava na internet. Reclamava que
a mãe não lhe dava atenção e quando o fazia sua voz vinha sempre
acompanhada de choro. Mas, em seguida, falava que ela era assim mesmo.
Depois de algum tempo, não mais retornou aos acompanhamentos, talvez por
saber que o plano de saúde não iria autorizar sua cirurgia, por ser muito jovem.
Passado um ano e meio, voltou, na companhia da mãe, na perspectiva de
novamente participar dos acompanhamentos. Informou que deixara de estudar
e que praticamente não saía mais de casa. Pesava agora 122 kg e estava
comendo muito. Revelou não ter nenhuma preocupação com a própria
imagem, embora acreditasse não estar tão gorda ao se olhar no espelho. Só
quando precisava se vestir, é que ela percebia que ganhara mais peso, pois
das poucas peças que ainda lhe restavam, muitas já não lhe serviam. Declarou
que as vezes que saía com as amigas, agia normalmente, não deixando nada
por fazer e importando-se pouco com as críticas. Contudo, mostrou certa
preocupação com as doenças, confessando que era o que a incomodava mais,
por já começarem a se apresentar, como pressão alta e diabetes. Ainda assim,
foi categórica, dizendo que não estava tão gorda quanto pensavam os que
viam. Mais uma vez, reclamou da mãe, por considerar que ela nada fazia para
ajudá-la, só a recriminava.
No segundo encontro, Gigi quase não falou, disse apenas que estava
triste porque sua mãe a mandava fazer coisas que ela não queria, o que
provocava brigas entre as duas. Afirmou não se importar muito com o que os
amigos falavam a seu respeito. Na verdade, disse, “nem ligo”, admitindo ter
alguns paqueras, fico com alguns, nada sério. Quanto ao fato de se olhar ao
espelho, garantiu que se olhava, sim, mas, repetia que não se via tão gorda
como as pessoas falavam, principalmente sua mãe.
Chegou para o terceiro
encontro
declarando
que não estava
conseguindo fazer o que a nutricionista pedira e continuava comendo o que
queria. Explicou que não saíra de casa nesse período, a não ser para o
89
acompanhamento. Enquanto está em casa, fica sempre se distraindo com o
computador. Não fez nenhum exercício, como solicitara o médico. Aliás,
reclamou de ter que comer apenas alimentos sem calorias e muitas frutas e
legumes, o que não fazia por não ser de seu agrado. A bem da verdade, ela
não apresentou nenhuma preocupação com o corpo. Disse não menstruar
regularmente, só de vez em quando, coisa que achava normal, pois acabava
não tendo preocupações naqueles dias que a deixavam mais fragilizada.
Em todas essas sessões de acompanhamento, dir-se-ia que Gigi, ao
falar, mostrava-se sempre muito comovida, chorando e ansiosa, a afirmar,
talvez numa tentativa de convencer a si mesma e aos demais que a
escutavam, que ela era “assim mesmo”.
No quarto encontro, assegurou que a mãe a estava pressionando muito,
impedindo-a de comer o que desejava e que também não a estava deixando
“quieta no meu canto”, porque sempre determinava coisas para ela fazer.
Ponderava, dizendo “tenho ficado” com o mesmo garoto, alegando que ele era
“muito legal” com ela e não reclamava de nada a seu respeito.
Após a cirurgia, Gigi participara de mais quatro encontros. Dos 122 Kg
que pesava antes da intervenção, passou para 78 kg. Continuava a afirmar que
não estava gorda, apesar de comentar que se sentia mais leve. Já começara a
sair de casa, ía às baladas, fazia caminhadas. Contudo, ainda não reconhecia
sua estrutura corporal atual, ainda não se enxergava no espelho como
realmente se encontrava, com muitos quilos a menos. Em verdade, ela não
vinha com tanta assiduidade aos encontros pós-operatórios e quando resolvia
aparecer, quase não falava.
Já passaram alguns meses desde a operação e ela não tem
comparecido para dar prosseguimento ao acompanhamento com o psicólogo,
embora não falte à consulta médica de rotina.
Comentário: Pode-se observar que a obesidade no adolescente apresenta-se
de forma diferente. As demandas são outras. Essa paciente, por exemplo,
demonstrou que a falta de afeto pode ter causado sua obesidade. A mãe
protagoniza essa relação, ao proporcionar o aparecimento da pulsão de morte,
quando a paciente não mais se importa consigo mesma, deixando transparecer
essa não vontade de sair daquele lugar onde supostamente a mãe a colocara.
90
A imagem corporal distorcida surge para mascarar a dificuldade de lidar com
esse sentimento. Observa-se, também, um não comprometimento em relação
ao próprio emagrecimento e à assistência que lhe era oferecida. Mesmo
participando do grupo, isso não ajudou a entender tal procedimento. Ela não
havia amadurecido o suficiente para manter o comprometimento que
conseguira, em algum momento, no grupo de apoio psicológico.
91
5. Conclusão
Esta investigação observou a existência de uma real distorção da própria
imagem física por parte de pacientes obesos. Ao se considerar o estudo do
mito de Narciso, proposto por Freud (1914b), não seria incoerente afirmar que
tal fato seja decorrente de uma falha narcísica, fator que leva tais pessoas a
desenvolverem um comportamento de compulsão à repetição, comportamento
esse tão bem analisado pelo pai da psicanálise em sua obra.
Ora, a distorção da imagem observada na obesidade emerge na
perspectiva de ‘reparar’ essa falta que a maior parte dos obesos traz consigo,
talvez numa tentativa de amenizá-la por meio do gozo alcançado na ingestão
de alimentos. Não, ao contrário, trata-se, de um gozo que desvela toda sua
incapacidade de lidar com as frustrações, que expõe toda sua inaptidão de
ocupar-se com as ansiedades, logo, conclui-se que se trata da pulsão de morte
que se exibe com toda aquela sua propriedade distintiva, conforme demonstrou
Freud (1920), ao considerar que tudo o que existe, sem exceção, fenece, volta
a ser “inorgânico” (idem, ibidem, p.49), por causas internas, por conseguinte,
conclui ele, “o objetivo da vida é a morte” (idem, ibidem, loc.cit.) e tudo o que
agora se manifesta inanimado, outrora já tivera vida antes de tudo o que hoje é.
O obeso fica tentando matar-se o tempo todo, com o propósito de
amenizar a falta que se torna evidente através de seus hábitos alimentares
sem limites, a propiciar um corpo cada vez mais adiposo, cada vez mais
desmedido, sem a dimensão de uma imagem corporal pelo menos previsível.
Torna-se patente, com isso, que não só os aspectos psicológicos, mas também
os
fatores
genéticos,
hereditários,
endócrinos
e,
principalmente,
os
socioambientais e psicodinâmicos contribuem para o aparecimento de um
comportamento destrutivo nos obesos.
Nesta investigação, tentou-se demonstrar a importância da cirurgia
bariátrica na recuperação da autoestima do obeso, ainda que muitos dos que
padecem dessa enfermidade não se assumam como tal e quase sempre se
mostram convictos de que têm condição de superar o mal sem qualquer
espécie de acompanhamento psicológico.
Revelou-se, ademais, que só o fato dos convênios de saúde
reconhecerem a obesidade como um caso patológico e, consequentemente,
92
autorizarem a realização da cirurgia bariátrica, iluminou sobremaneira a vida
dessas pessoas, deu-lhes um novo alento, animou-as no sentido primeiro da
palavra, isto é, seu desejo se manifestou em busca da minimização de suas
patologias, e pôs-se à cata de uma solução efetiva, no caso, a intervenção
cirúrgica.
Tendo como suporte a teoria psicanalítica, procurou-se evidenciar o
porquê das dificuldades desses indivíduos em assumir sua condição de obeso,
escamoteando não aos demais, mas a si mesmos.
Evidenciou-se a importância de alguns conceitos da Psicanálise no
estudo da obesidade, tais como: narcisismo, gozo compulsão a repetição e
outros. Apresentou-se, inclusive, uma reflexão a respeito da existência de uma
nova sintomatologia, o que foi descartado de imediato, pois aquilo que é
caracterizado como nova sintomatologia nada mais é do que o próprio sintoma,
embora com outra roupagem.
Apontou-se a maneira pela qual se interpreta, na contemporaneidade, a
imagem corporal e como ela se estabelece no psiquismo mesmo do obeso, à
medida que, na contemporaneidade, é constatada de fato a cobrança de uma
imagem idealizada, imagem essa que passa a ser perseguida de maneira
incondicional e quem não a alcança vê-se colocado à margem de um sistema
cruel, o que não raro acontece com o obeso.
Aliás, não se pode esquecer, como já se disse anteriormente, que,
outrora, o portador de um corpo avantajado significava fertilidade, evidenciava
indivíduo saudável, traduzindo até mesmo posição social. Corpo avantajado
era sinônimo de saúde. Daí a máxima do poeta romano Juvenal (séc. X)
assumir outras conotações, diferentes daquela que o poeta quis significar na
ocasião – Mens sana in corpore sano, isto é, numa tradução livre: ‘uma mente
sã num corpo são’ –, que era pedir saúde física e espiritual, quando se
estivesse em oração e que hoje é usada no sentido de estabilidade,
constância, equilíbrio saudável no modo de vida do indivíduo. Já o corpo muito
magro, demasiado esbelto, era associado à pobreza, exprimia infertilidade ou
falta de condições de procriar, de gerar filhos sadios. Será apenas no século
XIX que ser magro começa a adquirir o significado de belo, ainda que muito
timidamente, até tornar-se de fato ideal de charme e beleza, como se entende
hoje.
93
A despeito do que se considerava antigamente, o mundo mudou e, com
ele, os conceitos do que é certo e do que é errado. Do que é bom e do que é
ruim ou do que é belo e do que é feio. Assim, atravessou-se o século XX e
chegou-se ao XXI com uma nova cosmovisão. Se correto ou incorreto, se
adequado ou inadequado, só o tempo poderá dizer. Mas o fato é que o mundo
adotou um novo olhar sobre determinados conceitos antes indubitáveis. E a
questão da obesidade foi um deles.
Nesta investigação, portanto, indo de encontro ao que se pensava
outrora, evidenciou-se que quanto maior o grau de obesidade, mais precoce
sucede a doença e maiores são os seus efeitos de distorção sobre a imagem
corporal e a convivência social desses indivíduos.
Demonstrou-se, igualmente, que o corpo possui um lugar de apelo ao
olhar do outro, pela falta de laços subjetivos que possibilitem proporcionar o
surgimento do desejo no obeso. Daí reivindicar laços reais, a fim de se apoiar
no outro para não desaparecer subjetivamente.
Apresentou-se o conceito de imagem corporal sob a ótica de vários
autores, que demonstraram a importância da percepção dessa imagem para a
constituição do ser humano. Destacou-se, com isso, que a identidade é criada
através de uma imagem, estabelecida no decorrer do processo de vivência
existencial e individual, que, além de se caracterizar como uma construção
cognitiva, como queria Schilder (1994), representa também um reflexo de
desejos, de emoções e de interação com os outros.
Destacou-se, além do mais, que para o obeso, a imagem corporal
apresenta uma falta de percepção dessa mesma imagem, porquanto ela não
proporciona uma interação do indivíduo com o próprio corpo e tampouco com o
social, a posicionar o obeso numa situação cada vez mais isolada.
Evidenciou-se a imagem distorcida e os aspectos que levam o obeso à
não percepção real do corpo, com toda a fragilidade que esse psiquismo
apresenta no campo de seu desenvolvimento. O obeso não consegue perceber
a própria imagem corporal, ficando o corpo à mercê da ingestão de alimentos
indiscriminadamente.
Na clínica, pelos fragmentos de casos, comprovou-se que a imagem
corporal dos obesos apresenta-se adulterada, e, com isso, o obeso vivencia
várias dificuldades, com as quais não sabe lidar, como sensação de vazio,
94
sentimento de angústia, percepção de culpa ou mesmo distúrbios no
reconhecimento do tamanho e da forma corporal. Eis porque a ingestão de
qualquer coisa alimentícia é explorada por ele, como uma forma de amenizar
esse complexo conjunto de disposições emocionais. Desse modo, constatou-se
que a distorção de imagem corporal para o obeso emerge para substituir uma
incapacidade de lidar com seus próprios desejos inconscientes.
Essa distorção, porém, não pode e não deve ser vista unilateralmente,
isto é, não pode ser entendida apenas por um único aspecto. Mesmo que se
apresente uma possibilidade de resposta para essa dificuldade que o obeso
apresenta, existem outros caminhos que podem ajudar a perceber novas
maneiras de pensar esse paciente, que começa a ser mostrado de forma mais
justa, com todo o respeito que lhe é devido.
Por certo que se trata de um procedimento que se revela aos poucos.
Falando de outra maneira, o que se quer dizer é que tal processo se refere a
uma melhora de cada vez, coisa que para esse paciente não é muito
estimulante, pois ele deseja algo rápido e eficaz. Isso comprova, portanto, que
o obeso precisa de mais limites, ele necessita participar desse processo, de
vivenciar cada passo que for dado, a questionar suas atitudes e seus modelos.
Considerando que este estudo propiciou a análise da repercussão da
distorção da imagem corporal na vida de pacientes obesos e ex-obesos,
acredita-se que a identificação e a comprovação dessas alterações referentes
à distorção da imagem corporal podem contribuir para as intervenções dos
profissionais que lidam com esses pacientes, à medida que facilita a criação de
ações passíveis de amenizar as complicações que tais indivíduos venham a
apresentar, sejam elas de ordem psicossocial ou não, mas que podem
comprometer o sucesso terapêutico esperado.
95
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101
ZILBERSTEIN, B; NETO, M. & RAMOS, A. O papel da cirurgia no tratamento
da obesidade. In: Revista Brasileira de Medicina. vol. 59, n° 4. Abril
2002.
102
7 APÊNDICE
Produto da dissertação
O produto da presente dissertação de mestrado será um trabalho de
corpo para o resgate da imagem corporal dos pacientes do Núcleo de Índice de
Massa Corporal (NIMC) após a cirurgia bariátrica.
INTRODUÇÃO
Esse produto – que reúne estratégias de trabalho do corpo com
pacientes que se submeteram a cirurgia bariátrica – destina-se ao uso dos
profissionais que compõem a equipe do NIMC, cuja principal função é de
acompanhar esses pacientes na busca de reconhecimento do próprio corpo,
como realmente está apresentando a perda de peso, a imagem corporal e a
percepção desse novo corpo inserido na sociedade. Tendo em vista que tais
profissionais podem colaborar para melhorar a qualidade de vida desses exobesos, observando de uma forma mais profunda e atenta a subjetividade
dessas pessoas, poderão, acredita-se que eles poderão de fato contribuir para
o melhor entendimento desse corpo e de sua imagem corporal.
Os profissionais do NIMC interpretam e traduzem a mensagem desses
pacientes, usam uma linguagem passível de ser percebida e entendida,
permitindo, desse modo, uma comunicação entre esses pacientes e
seus
corpos, suas imagens corporais, além de novas possibilidades de linguagem.
Eles têm a função de intermediar o entendimento e a percepção do corpo e o
ex-obeso.
O instrumento aqui proposto tem a pretensão de colaborar para que o
ex-obeso possa se perceber e compreender na complexidade de sua
existência e de suas necessidades. Mais do que isso, aspira-se a que os exobesos – como sujeitos do próprio discurso – possam ampliar a capacidade de
ser, agir e viver como protagonistas ativos e criativos de sua própria história.
Que a percepção do corpo, mediada pelos profissionais possa desmistificar
esses pacientes e alcançar outros profissionais que queiram se esforçar para
compreender essas pessoas.
103
JUSTIFICATIVA
Nos últimos anos, a investigação acerca do tema Obesidade e Cirurgia
Bariátrica vem sendo realizada por estudiosos de diversas áreas de interesse,
focalizando suas causas, consequências e implicações. No entanto, pouco se
tem pesquisado sobre a relação entre a distorção da Imagem Corporal e a
redução drástica de peso. A partir dessas constatações, buscou-se investigar
os conceitos de corpo e de cultura, situando as percepções de corpo na
contemporaneidade e a influência de modelos corporais considerados ideais,
com taxas médias desejáveis de gordura, massa magra, dentre outras medidas
em que pessoas obesas não se enquadram, sendo, portanto, consideradas
fora do padrão.
A medicina sempre estabeleceu modelos do corpo bom e do ruim; de um
corpo ideal, o corpo do outro como “o corpo” que todos temos: o corpo cadáver
da tradição anatômica, o corpo transparente das novas tecnologias de
visualização médica ou o corpo-imagem da medicina virtual. Desse modo,
procurou-se, lançar um olhar que fosse além das delimitações materiais e
fisiológicas das concepções de corpo, visando a pesquisar e a estudar o
contexto sócia- cultural em que esse corpo se insere e como se estabelecia a
relação entre o meio e a pessoa. Para tanto, na perspectiva de nortear o grupo
de estudo como auxílio e referência, foram selecionados alguns teóricos sobre
o tema que nortearão o grupo de estudo nessa perspectiva: Dolto, Schilder,
Freud, Lacan, Junito Brandão, Jurandir Freire Costa, entre outros.
A partir de leituras referentes ao assunto e de observações no seio
mesmo de instituições públicas, privadas e de consultório particular, buscou-se
entender por que, na imagem corporal dos obesos existe uma distorção
provocada por uma falha narcísica, a impedir que os obesos se reconheçam e
se percebam como realmente se encontram. A partir daí, procurou-se
demonstrar que a imagem corporal tem muita importância na relação com o
desenvolvimento do sujeito obeso. Tentou-se identificar, também, que pessoa é
essa, que precisa se esconder numa capa de gordura, desistindo do próprio
corpo e dos prazeres que ele pode proporcionar, limitando-se apenas a comer,
comer e comer. Acredita-se ainda que, à luz da psicanálise, este trabalho
104
possa contribuir para um melhor entendimento da obesidade e de suas
distorções no psiquismo e no corpo mesmo do indivíduo. Com isso, tentou-se
demonstrar a importância de trabalhar essa distorção que paira no psiquismo
do obeso, a fim de ajudar no acompanhamento e na melhora da qualidade de
vida da pessoa que tem obesidade e que já passou pela cirurgia bariátrica.
OBJETIVOS
Os trabalhos com o corpo e a imagem corporal serão desenvolvidos com
os seguintes objetivos:

Aperfeiçoar os profissionais para o trabalho direto com ex-obeso em
diferentes formas de vivências, mediando o corpo com diversas
possibilidades;

Aprofundar conhecimentos a propósito dos fundamentos históricos e
psicológicos da pessoa ex-obesa, procurando identificar suas percepções e
possibilidades de entendimento da sua imagem corporal;

Refletir a realidade do ex-obeso com seu novo corpo;

Estimular a discussão das relações existentes entre o corpo e a imagem
corporal;

Compreender como o ex-obeso constrói conceitos a partir da interpretação
de outro profissional: o fisioterapeuta, a nutricionista;

Conhecer e aplicar as técnicas de trabalho corporal.
OBSTÁCULOS PREVISTOS E CUIDADOS SUGERIDOS:
Os profissionais da equipe são expostos a diferentes tipos de discurso.
De certa forma, este é um processo complexo porque tais profissionais
precisam dar conta de formular e organizar todas as solicitações desses
pacientes.
Um dos problemas que ocorrem neste processo é que muitos desses
profissionais exercem a função sem estudos específicos mais profundos para
atender à demanda, havendo o risco de não se afinarem com os pedidos
desses pacientes, o que pode gerar conflitos em vez de minimizá-los e,
consequentemente, atingir a relação destes com sua a própria qualidade de
vida.
105
Diante disso, torna-se necessário que esse profissional mantenha-se
atualizado em diversas questões que envolvem o sujeito obeso e o ex-obeso,
principalmente no que se refere à constituição de sua subjetividade e às
técnicas de trabalho corporal, para que essa imagem corporal seja incorporada
e percebida por tais pacientes, e para que eles possam se tornar
multiplicadores dos trabalhos, que possam preparar melhor o sujeito obeso e o
ex-obeso para o alcance de uma melhor qualidade de vida.
METODOLOGIA:
Organização no espaço-tempo
O aperfeiçoamento do profissional da equipe será realizado na própria
clínica ( NIMC), por um profissional qualificado, por meio de grupo de estudo, a
fim de discutir assuntos referentes à constituição da subjetividade do sujeito
obeso e do ex-obeso, pois, conhecendo como eles vivenciam o próprio corpo e
como percebem a própria imagem corporal, com certeza, o trabalho haverá de
fluir de forma mais confiante e consistente.
É necessário levar em conta o tempo disponível dos profissionais, o
tempo que será dedicado a cada encontro, os temas que serão discutidos, a
relevância dos estudos, a participação de todos e o incentivo para a
permanência de todos no grupo de estudo.
Os encontros poderão ser realizados durante seis meses, ou seja, com
encontros semanais ou quinzenais, dependendo do tempo disponível dos
envolvidos no projeto. O grupo de estudo será realizado em uma sala ampla,
arejada e iluminada para que todos possam sentir-se confortáveis, com
duração de uma a duas horas, no máximo, por encontro.
Podem ser utilizados recursos como: data show, notebook, pen drive,
papel A4, caneta, pincel atômico, dentre outros para exposição de textos ou
realização de dinâmicas de grupo.
Estratégias e Procedimentos:
Este produto poderá ser desenvolvido por um profissional proficiente em
imagem corporal com habilitação em Nível superior em Psicologia ou
106
Fisioterapia, com aprofundamento no estudo sobre a relação entre obesidade e
imagem corporal.
Proposta de educação continuada através do grupo de estudo:
Atividade: grupo de estudo para equipe de cirurgia bariátrica da clinica
NIMC;
Público-alvo: equipe de profissionais do NIMC;
Local de reuniões: sala arejada e iluminada com recursos audiovisuais;
Procedimentos: encontros semanais ou quinzenais com duração de uma
a duas horas, ao longo de seis meses.
Estratégias: discussão de temas relacionados ao corpo e à imagem
corporal, feitas por meio do grupo de estudo, de modo a fazer circular o
conhecimento e as experiências entre o coordenador do curso e seus
participantes.
Temas que serão estudados no grupo:

Histórico de corpo;

O simbolismo do corpo

Corpo e subjetividade;

Doença do corpo;

Obesidade;

Cirurgia de redução;

Corpo depois da cirurgia;

Imagem corporal;

Distorção de imagem.
Benefícios esperados
Criação do grupo de estudo proposto para discussão de temas
relevantes em relação à imagem corporal do sujeito ex-obeso, levando em
consideração a atuação do profissional da equipe do NIMC, que facilitará uma
compreensão maior da complexidade que envolve essa temática. Por meio
107
desse grupo de estudo, os participantes poderão trocar ideias significativas que
desseminarão positivamente nos mais diversificados ambientes de trabalho.
Proporcionará,
também,
uma
aproximação
maior
entre
esses
profissionais, que muitas vezes ficam dispersos sem opções para trocar de
opiniões. Partindo deste princípio, outro benefício que poderá alcançar êxito em
tal processo de interação é que todos terão oportunidade de eliminar dúvidas e
partilhar suas experiências nesse papel de mediador.
Apesar de existirem algumas dificuldades que os profissionais da equipe
do NIMC ainda vivenciam, é possível estabelecer uma reflexão, tornando-se
necessária uma conscientização de ação mútua por parte de todos os
profissionais envolvidos nesse processo, pois a responsabilidade não pertence
somente a uma pessoa, porquanto o sucesso ou o fracasso não no trabalho de
interação pertence a todos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MAURI, R. A imagem Corporal e a Representação Simbólica. São Paulo:
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reconhecimento da imagem corporal pelo obeso. [Dissertação] Mestrado
em Psicanálise, Saúde e Sociedade. Rio de Janeiro: UVA, 2013.