UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO A PERÍFRASE VERBAL ANDARE A + INFINITO EM DISCURSOS POLÍTICOS ITALIANOS DA ATUALIDADE FELIPE NICOLAO RODRIGUES GOMES 2013 A PERÍFRASE VERBAL ANDARE A + INFINITO EM DISCURSOS POLÍTICOS ITALIANOS DA ATUALIDADE FELIPE NICOLAO RODRIGUES GOMES Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana). Orientadora: Profª. Drª. Annita Gullo Rio de Janeiro Fevereiro de 2013 2 A PERÍFRASE VERBAL ANDARE A + INFINITO EM DISCURSOS POLÍTICOS ITALIANOS DA ATUALIDADE Felipe Nicolao Rodrigues Gomes Orientadora: Profª. Drª. Annita Gullo Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana). Examinada por: _____________________________________________________________________________ Professora Doutora Annita Gullo – UFRJ / Neolatinas (orientadora) _____________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Luiza Braga – UFRJ / Linguística _____________________________________________________________________________ Professora Doutora Sonia Cristina Reis – UFRJ / Neolatinas _____________________________________________________________________________ Professora Doutora Ângela Maria Correa – UFRJ / Neolatinas (suplente) _____________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Franca Zuccarello – UFRJ / Neolatinas (suplente) Rio de Janeiro Fevereiro de 2013 3 FICHA CATALOGRÁFICA Gomes, Felipe Nicolao Rodrigues A perífrase verbal andare a + infinito em discursos políticos italianos da atualidade/ Felipe Nicolao Rodrigues Gomes. – Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2013. 130, 130f. : il. 31cm. Orientadora: Annita Gullo Dissertação (mestrado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, 2013. Referências Bibliográficas: f. 118 - 123. 1. Perífrase Verbal. 2. Gramaticalização. I. Gullo, Annita. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas – Estudos Linguísticos. III. Título. 4 AGRADECIMENTOS Dedico esse texto aos meus pais, Jorge Luis e Maria Arlete, as pessoas mais importantes em minha vida. Sem dúvidas, essas pessoas maravilhosas foram os grandes responsáveis por ter alcançado mais essa etapa. Agradeço a Deus pela força de ter me mantido firme ao longo desses dois anos e de ter permitido que eu finalizasse esse trabalho, e espero que de alguma forma possa ser útil para os estudos linguísticos neolatinos, e para outros colegas estudiosos da língua italiana. Agradeço a todos os meus professores, especialmente à Annita Gullo, Sonia Cristina Reis, Andrea Lombardi, Maria Lizete dos Santos e Maria Luiza Braga que foram minha base, e que muito auxiliaram para o meu crescimento enquanto pesquisador e profissional no campo das Letras. Agradeço a Wil e Sophia por estarem presentes em minha vida. 5 RESUMO A PERÍFRASE VERBAL ANDARE A + INFINITO EM DISCURSOS POLÍTICOS ITALIANOS DA ATUALIDADE Felipe Nicolao Rodrigues Gomes Orientadora: Profª. Drª. Annita Gullo Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana). A Dissertação de Mestrado intitulada A Perífrase Verbal andare a + infinito em Discursos Políticos Italianos da Atualidade traça um estudo dos parâmetros atuais de uso da estrutura perifrástica em questão no italiano contemporâneo. Pauta-se nos pressupostos teóricos da Gramaticalização, de Heine (1991, 1993), e no amplo estudo sobre as perífrases verbais no italiano, de Bertinetto (1991, 2003). Esse estudo, apoiado na teoria Funcionalista e na Gramática de Construções aborda a hipótese de que a estrutura verbal andare a + infinito esteja passando por um processo de ampliação nos padrões de uso na atualidade, que o fenômeno da Gramaticalização explica por meio de seus princípios e mecanismos. A pesquisa busca comprovar esse novo padrão de uso, em um viés sincrônico, por meio de corpora atuais de discursos de políticos italianos da atualidade nas duas principais mídias jornalísticas italianas – La Repubblica e Il Corriere della Sera – em suas versões on-line. O parâmetro que se busca evidenciar consiste no uso de andare a + infinito como forma alternativa de expressão de futuridade no italiano, como forma concorrente do futuro simples do indicativo, o que já consta presente no uso e nos estudos descritivistas de outras línguas neolatinas, inclusive no português. Os dados dos Corpora foram analisados e quantificados pelo programa WordSmith versão 6.0. PALAVRAS – CHAVE: Andare a + infinito; Perífrase-verbal; Gramaticalização; Mídias jornalísticas. Rio de Janeiro Fevereiro de 2013 6 ABSTRACT A PERÍFRASE VERBAL ANDARE A + INFINITO EM DISCURSOS POLÍTICOS ITALIANOS DA ATUALIDADE Felipe Nicolao Rodrigues Gomes Orientadora: Profª. Drª. Annita Gullo Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana). This Master’s Dissertation entitled The Verbal Periphrasis andare a + infinito in current speeches of Italian politicians intends to make a study on the current parameters of use concerning the periphrastic structure in Italian language targeted by this research. The all study is based on the theoreticals assumptions on Grammaticalization of Heine (1991, 1993), and even on the extensive study about the periphrastics structures in Italian of Bertinetto (1991, 2003). This study supported by the Functionalist Theory and the Construction Grammar address the hypothesis in which the verbal structure andare a + infinito would be expanding its parameters of use currently. The phenomenon of Grammaticalization explains theses changes through its main principles and mechanisms. This essay finds to prove this new use standart through a synchronic bias in corpora of current Italian politician speeches in the two most important Italian journalistic medias – La Repubblica and Il Corriere della Sera – on its on-line versions. The new parameter that this study is raising consists in the use of andare a + infinito as an alternative form for the expression of future time in Italian, like a candidate form alongside the simple future, that as a matter of fact is already present in the use and in the descriptive studies of other neolatin languages like Portuguese. The Corpora data were verified and quantified by the program WordSmith 6.0 version. KEY-WORDS: Andare a + infinitive; Verbal-periphrasis; Grammaticalization; Journalistic Medias. Rio de Janeiro Fevereiro de 2013 7 RIASSUNTO A PERÍFRASE VERBAL ANDARE A + INFINITO EM DISCURSOS POLÍTICOS ITALIANOS DA ATUALIDADE Felipe Nicolao Rodrigues Gomes Orientadora: Profª. Drª. Annita Gullo Riassunto da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana). La tesi di Master intitolata La Perifrasi Verbale andare a + infinito nei Discorsi Politici Italiani dell’Attualità si propone a fare uno studio sui parametri attuali d’uso di questa struttura perifrastica nell’italiano contemporaneo. Questo studio si basa nei presupposti teorici di Grammaticalizzazione, di Heine (1991, 1993), e nell’esauriente studio sulle perifrasi verbali in italiano, di Bertinetto (1991, 2003). Questo studio sostenuto nella Teoria Funzionalista e nella Grammatica di Costruzioni tratta l’ipotesi secondo la quale la struttura andare a + infinito stia attraversando uno stage di allargamento dei parametri di uso nell’attualità, fenomeno spiegato dai principi e parametri di Grammaticalizzazione. La ricerca cerca di attestare il nuovo parametro di uso tramite uno sguardo sincronico attraverso corpora attuali di discorsi di politici italiani dell’attualità nelle due più importanti medie on-line italiane – La Repubblica e Il Corriere della Sera. Questo parametro che si cerca di mettere in evidenza consiste nell’uso di andare a + infinito come forma alternativa di espressione di futuro prossimo come forma concorrente accanto al futuro semplice, il che risulta già in evidenza nell’uso quotidiano e negli studi descritivisti in altre lingue neolatine, come nel portoghese. I dati dei Corpora sono stati verificati e quantificati dal programma WordSmith versione 6.0. PAROLE-CHIAVI: Andare a + infinito; Perifrasi verbali; Grammaticalizzazione; Medie giornalistiche. Rio de Janeiro Fevereiro de 2013 8 SINOPSE A análise dos parâmetros de uso da perífrase verbal andare a + infinito no italiano na atualidade. A tendência de uso dessa forma como expressão de futuro em corpora atuais (a transcrição da fala de políticos da atualidade). Hipótese alcançada por meio dos princípios e mecanismos de Gramaticalização. 9 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................13 2. A REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DA MÍDIA JORNALÍSTICA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA LÍNGUA ITALIANA.................................................................17 2.2. A EXPRESSIVIDADE DOS JORNAIS..................................................................18 2.3. A RELAÇÃO ENTRE A LÍNGUA E A SUA HISTÓRIA E A QUESTÃO DO NACIONALISMO ITALIANO......................................................................................22 2.4. A LINGUAGEM JORNALÍSTICA DOS PRIMEIROS SÉCULOS.......................28 2.5. O NASCIMENTO DO JORNAL NA ITÁLIA PRÉ-UNIFICADA........................31 2.5.1. O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL DO FIM DO SÉCULO XVIII...............31 2.5.2. O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL DO SÉCULO XIX................................32 2.6. AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS JORNAIS ITALIANOS................33 3. OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS SOBRE O VERBO ANDARE E A CONSTRUÇÃO PERIFRÁSTICA ANDARE A + INFINITO....................................................................37 3.1. UMA BREVE ANÁLISE DA PERÍFRASE IR + INFINITIVO NO PORTUGUÊS..................................................................................................................37 3.2. A DESCRIÇÃO DO VERBO ANDARE E DA PERÍFRASE ANDARE A+ INFINITO NO ITALIANO.............................................................................................44 3.2.1. A CARACTERIZAÇÃO DO VERBO ANDARE.................................................45 3.2.2. PROPRIEDADES DOS PRINCIPAIS VERBOS DE MOVIMENTO.................46 3.3. A DESCRIÇÃO DA PERÍFRASE ANDARE A+ INFINITO NA LITERATURA LINGUÍSTICA DO ITALIANO.....................................................................................49 4. REFERENCIAL TEÓRICO........................................................................................59 4.1. PRESSUPOSTOS FUNCIONALISTAS.................................................................59 10 4.2. GRAMATICALIZAÇÃO E FUNCIONALISMO...................................................61 4.3. OS MECANISMOS INTRÍNSECOS DE GRAMATICALIZAÇÃO.....................70 4.4. A UNIVERSALIDADE DO FENÔMENO DE GRAMATICALIZAÇÃO............76 5. FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA.....................................84 5.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PERÍFRASES VERBAIS NO ITALIANO........84 5.2. TRATAMENTO GERAL DOS DADOS DOS CORPORA....................................89 5.2.1. A INTERPOSIÇÃO DE MATERIAIS LEXICAIS NA PERÍFRASE....................................................................................................................92 5.2.1.1. ADVÉRBIOS.....................................................................................................92 5.2.1.2. PRONOMES CLÍTICOS...................................................................................97 5.2.1.3. NEGAÇÃO.........................................................................................................99 5.2.1.4. ANIMACIDADE DO SUJEITO......................................................................100 5.3. DISTRIBUIÇÃO GERAL DOS DADOS DOS CORPORA E OS GRAUS DE PERIFRASTICIDADE DA PERÍFRASE ANDARE A + INFINITO...........................108 6. CONCLUSÃO...........................................................................................................114 7. BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................118 8. ANEXOS...................................................................................................................124 ANEXO 1......................................................................................................................124 ANEXO 2......................................................................................................................126 ANEXO 3......................................................................................................................130 11 ÍNDICE DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS QUADROS Página Quadro 1: Continuum de Gramaticalização (Heine, 1991) 64 Quadro 2: Linha temporal de traços semânticos 70 Quadro 3: Extensão de sentido das formas 72 TABELAS Tabela 1: Os jornais mais populares do mundo na atualidade 30 Tabela 2: Os jornais mais antigos do mundo 31 Tabela 3: Pessoas verbais do verbo andare das perífrases 91 encontradas nos corpora Tabela 4: Sujeitos animados e inanimados 100 Tabela 5: Traços semânticos de andare 109 Tabela 6: Distribuição geral dos dados 112 Tabela 7: Distribuição das perífrases nos corpora de análise 113 GRÁFICOS Gráfico 1: A evolução dos jornais ao longo dos séculos 30 Gráfico 2: Graus de perifrasticidade 111 Gráfico 3: Interposição de outros constituintes na perífrase 112 12 1. INTRODUÇÃO A pesquisa de Dissertação de Mestrado sobre a perífrase andare a + infinito no italiano está fundamentada nos pressupostos da Gramática Funcional, nos mecanismos de Gramaticalização de Heine (1991,1993), assim como nos estudos teóricos sobre as perífrases verbais no italiano e seus graus de perifrasticidade, de Bertinetto (1991, 2003). Outros estudos acerca do fenômeno da Gramaticalização e da perífrase verbal em estudo, como os de Durante (1981), Lima (2001), Amenta (2002), dentre outros, foram de fundamental importância no alcance das conclusões dessa Dissertação. Essa pesquisa pauta-se em orientações e conceitos da Gramática de Construções, segundo a qual, a Gramaticalização se aplica em um contexto muito mais amplo do que o de simples itens lexicais, ou seja, incide sobre construções em contextos muito específicos. A frequência de uso (Bybee, 2010) e a Ritualização (Traugott, 2003) são fatores fundamentais para prever quais estruturas estão mais vulneráveis à incidência da Gramaticalização. A Gramaticalização da estrutura “ir [verbo auxiliar] + verbo [forma nominal]” é um fenômeno muito antigo na língua portuguesa, porém, apenas em meados do século XX, o termo perífrase verbal foi utilizado numa tentativa de normatizá-lo. A Gramática de Construções propõe um novo conceito de Gramaticalização, considerando que os padrões linguísticos mais amplos e menos substantivos devem ser reconhecidos como uma unidade de conhecimento linguístico tão fundamental quanto os itens lexicais estudados individualmente, ou seja, as construções. Na língua italiana, os pressupostos teóricos de Bertinetto (1991, 1993, 2003) acerca dos graus e da hierarquia de perifrasticidade sustentam que a Gramaticalização de estruturas perifrásticas ocorre num eixo gradual e contínuo. 13 O tema da Dissertação tem como foco a perífrase andare a + infinito, que apresenta certos parâmetros de uso no italiano contemporâneo conforme se evidenciará no decorrer do texto. Porém, através de um exaustivo exame da literatura linguística italiana, é possível notar escassos estudos sobre o assunto. Pôde-se comprovrar nesses raros estudos, sobretudo, a não referência ao traço de expressão de futuridade presente em andare a + infinito, o que contrasta com os padrões de uso atuais em outras línguas neolatinas – que apresentam uma tendência muito forte para a substituição da estrutura verbal sintética de futuro simples por àquela de futuro perifrástico próximo – e, também, na tendência de uso atual na língua italiana. A Dissertação busca mostrar que a Gramaticalização da estrutura andare a + infinito, tal como ocorreu no português com ir + infinitivo, tende a seguir uma direção semelhante. A estrutura que detém no português o estatuto de forma concorrente ao futuro do presente, no italiano ainda não detém reconhecidamente um traço associado à expressão de futuridade, conforme evidências da literatura linguística. Esse uso aponta para uma progressiva ampliação, ou ainda, uma provável mudança paradigmática. A estrutura, que em meados do século XIX ainda estava muito limitada em seu uso ao contexto literário, é evidenciada atualmente em novos contextos, como nos jornais, a linguagem que podemos denominar como 1italiano do uso médio. Mais que um simples termo, o italiano do uso médio é um conceito cunhado por Sabatini (1984). Esse conceito concerne uma variedade da língua nacional que se distingue consideravelmente tanto do uso standart (padrão) como das variantes regionais (incluindo qualquer nível sócio-cultural). É um conceito que define um ideal de uma língua de uso médio, tanto 1 A expressão “italiano do uso médio” define nas palavras de Sabatini (1984), a expressão da língua viva italiana. 14 oral como escrito do italiano, com status de uso padrão utilizado em geral pela sociedade. Os corpora da Dissertação constituem-se de discursos transcritos de políticos italianos em mídias jornalísticas on-line, atuais, de grande veiculação na Itália: La Repubblica e Il Corriere della Sera. Os dados foram analisados no período que compreende julho de 2009 a julho de 2012, e o tratamento dos mesmos foi feito pelo programa de análise e quantificação de dados WordSmith versão 6.0. O segundo capítulo dessa Dissertação busca traçar o panorama dos jornais italianos, desde o seu nascimento na Itália, apontando o seu importante papel no processo de formação da língua italiana e na formação de leitores. Esse breve capítulo, de caráter introdutório, justifica, de certo modo, a escolha dos corpora de análise para demonstrar as evidências do processo de mudança linguística, e demonstra o motivo pelo qual a mídia jornalística obtem um papel de destaque dentre os outros veículos de transmissão de informação na Itália. O capítulo 3 dessa Dissertação faz uma descrição da perífrase andare a + infinito nos estudos linguísticos normativos e descritivos em língua italiana, tomando como base, a mesma estrutura na língua portuguesa. A análise da estrutura perifrástica no português do Brasil foi essencial para as hipóteses que serão demonstradas nos capítulos finais. No capítulo 4 desse texto é evidenciado o referencial teórico utilizado na abordagem da temática da Gramaticalização, como um fenômeno que incide sobre o léxico e sobre as construções gramaticais da língua. Esse estudo foi pautado nos pressupostos funcionalistas, com o apoio teórico de Heine (1991, 1993) para os conceitos referentes aos mecanismos de Gramaticalização, e em Bertinetto (1990, 2003), para os conceitos referentes aos graus e à hierarquia de perifrasticidade. 15 O capítulo 5 aborda a Fundamentação metodológica da pesquisa, traçando considerações acerca das perífrases verbais no italiano. Faz um tratamento geral dos dados dos corpora, por meio de uma gama de exemplos, e demonstra um panorama dos graus de perifrasticidade de andare a + infinito no italiano. O capítulo 6 traz as conclusões acerca desse estudo de corpora. A pesquisa aponta para uma tendência clara de mudança linguística, que de acordo com o modelo Funcionalista de estudo da linguagem, é gradual e lento. A Gramaticalização que incide sobre a estrutura perifrástica em estudo mostra evidências de mudanças no padrão de uso de andare a + infinito. Os anexos finais desse estudo são formados por exemplos dos corpora de mídias on-line. Esse volume único também contém um cd com a compilação dos exemplos dos corpora. 16 2. A REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DA MÍDIA JORNALÍSTICA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA LÍNGUA ITALIANA. 2.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA MÍDIA JORNALÍSTICA E DE SUA REPRESENTAÇÃO ON-LINE Nessa era de revoluções, os meios de comunicação estão sofrendo profundas mudanças relativas tanto à sua forma quanto ao seu conteúdo. O uso do computador, e por meio deste a internet, levou a um modo revolucionário na forma de transmissão da informação na atualidade. Essa revolução telemática aportou a uma necessidade latente de adaptações da forma que antes era apenas física para o universo virtual. E não foram somente a estrutura e a apresentação de conteúdo que passaram por essa profunda revolução, mas também o modo de aquisição de informação pela sociedade, que vem ao longo das últimas décadas sofrendo grandes mudanças. O fluxo de transmissão e o consumo da informação são inéditos. Nunca antes fora observado tal acontecimento. O caráter predominantemente icônico do sistema de transmissão telemático, de fato, não desgasta a imagem social da escritura, mas exalta seu valor, ampliando extraordinariamente as situações de uso, e criando, ao mesmo tempo, novas formas de comunicação escrita, tanto pessoais (e-mail, sms, chats e fóruns de discussão), como públicas (sites, home pages, motores de pesquisa, jornalismo on-line, etc.). A imprensa é o principal meio de controle e influência das grandes massas, tanto no que concerne à sua opinião quanto ao seu comportamento. Não é em vão que a mídia também é denominada como o quarto poder. A linguagem da mídia é um objeto vivo, sempre atual e expressivo, que está sempre em contato com a realidade, tendo como função a descrição da mesma. E o processo de produção dessa mídia altamente 17 complexa requer uma grande quantidade e diversidade de pessoal responsável pela publicação e constante atualização de conteúdo – a notícia. 2.2. A EXPRESSIVIDADE DOS JORNAIS O título dos jornais é escrito com letras maiores, o que o destaca do restante da informação. Este geralmente é utilizado em negrito e se caracteriza pela informação principal. O título em si é o principal representante da especificidade da linguagem jornalística, pois introduz a informação, que chamará ou não a atenção do leitor, incitando-o a ler ou não a mensagem. Destaca-se por uma estrutura totalmente diferente do que é ditado pelos cânones da boa escritura, apresentando uma sintaxe distinta (sujeito - verbo - objeto), expondo o nome, ou o sujeito, como o foco principal da informação. A tendência é o desaparecimento dos verbos, justamente para dar maior realce ao agente da ação, sendo a frase, portanto, caracterizada como nominal ou elíptica. Tais referências, no entanto, são características relevantes aos jornais italianos, Il Corriere della Sera e o La Repubblica, não sendo aplicáveis necessariamente a todos os outros periódicos. Fonte: Il Corriere della Sera – 29 giugno 2012. (A tradução do título consta no rodapé da página)2 A esses títulos são atribuídas duas exigências: a maior expressividade possível, e a atração do leitor. Devem ser interessantes à primeira vista e carregados de riqueza de 2 “Ratzinger: dom Puglisi será beatificado “A máfia o matou pela sua fé”. 18 informação, e, ao mesmo tempo, devem ocupar o mínimo espaço possível em papel jornal ou na tela, no caso de um periódico on-line. Há muitos modos diversos utilizados pelas mídias em estudo para o alcance de altos níveis de expressividade dos enunciados. Abaixo estão exemplificadas algumas dentre as características de maior destaque quando se trata dos gêneros discursivos crônica e reportagem, nos quais estão inseridos os textos recolhidos como corpora da pesquisa, nos jornais italianos analisados. Geralmente, as seguintes estratégias estão presentes: 1- As aspas (le virgolette): As aspas, muito presentes nos jornais italianos, indicam os discursos diretos, e se apresentam como uma das formas de tornar a linguagem mais viva e atrair o leitor à leitura. Outra característica das aspas é aquela de suavizar as notícias. Também são usadas para alterar o sentido original das palavras. 2- Metáforas: o jogo com o leitor: Existem muitos outros meios que ajudam a tornar a língua dos jornais mais interessantes, tais como jogos de palavras (ironias) e metáforas. Ex. « La « regina » di Sofia Coppola non trionfa ». (“A “rainha” de Sofia Coppola não ganha destaque”.) Nesse exemplo, a palavra hiperbólica demonstra a ênfase que se deseja dar a um determinado enunciado. Ex. « La candidata sindaco della Cdl chiede al governo di non sacrificare l’aeroporto milanese a favore di Fiumicino: « scelta distruttiva » ». 19 (“A candidata à prefeita da Cdl pede ao governo que não sacrifique o aeroporto milanês em favor de Fiumicino: “escolha destrutiva””). Nos jornais italianos, a presença de “dois pontos” em uma frase é bastante frequente e nem sempre introduz o discurso direto. Portanto, no exemplo mencionado, há uma ambiguidade, de tal modo que não é possível identificar se o enunciado entre aspas é emitido pela candidata, ou se trata de uma frase referida à mesma, voltada a reforçar o significado e a gravidade da situação. Em outros exemplos, é possível notar que os enunciados a que se deseja dar ênfase podem estar presentes tanto entre aspas quanto sem as mesmas: Ex. « Bonino: « Maggiore impegno a Kabul » ». (“Bonino: “Maiores esforços em Kabul””.) Ex. « Prodi: pronti alla fiducia su decreto ministeri ». (“Prodi: prontos para o voto de confiança para o decreto ministerial”). 3- Segmentação: A Segmentação é um processo em que se cria uma sintaxe diferente da frase, de modo hierárquico. O nome ou aquilo que se deseja destacar é colocado primeiro, de modo que esse chame mais a atenção do leitor. Ex. « Casini: Il mio partito correrà da solo ». « Ma poi possibile un’alleanza con il Pd ». (“Casini: Meu partido dispiutará sozinho”. “Posteriormente uma possível aliança com o Pd”.) 20 Nesse exemplo é possível observar até mesmo a ausência do sinal de pontuação “ponto final”, característica muito comum nos jornais em estudo. A maioria dos jornais em circulação apresentam regras jornalísticas muito específicas que vigoram em suas redações, e que marcam o estilo de cada um desses. No entanto, existem de fato, algumas regras gerais de redação jornalística que zelam pela eficácia na transmissão de uma informação que seja compreendida pelo leitor, de um modo geral. As fronteiras entre o correto e o incorreto no uso da língua são de difícil delimitação. No entanto, alguns princípios de escrita tornam a comunicação mais eficaz, como a simplicidade, a brevidade, e a clareza. Esses princípios devem estar presentes no ato de construção do discurso jornalístico. A redação jornalística deve guiar-se pelos princípios da brevidade e da clareza, e essa brevidade representa uma mais valia para o enunciado jornalístico. Deve-se evitar a prolixidade, as orações e parágrafos longos e confusos. Contrariamente, são preferíveis frases curtas, escritas na ordem direta – embora isso não constitua um paradigma na construção dos títulos dos jornais italianos analisados. O enunciado jornalístico deve ser vivo e deter um sentido humano da realidade. Na sua construção, deve-se empregar um vocabulário simples (mas não simplório) e verbos escritos na voz ativa, se possível no presente do indicativo. Cada frase não deve conter mais de dois conceitos para que não se caia na armadilha de elaboração de um texto sem opinião ou que cause nós para a compreensão do leitor. A linguagem jornalística, dentre outros fatores, deve decodificar os termos científicos e técnicos, não deve: recorrer a estrangeirismos pouco conhecidos, empregar palavras rebuscadas e/ou sem sentido, utilizar adjetivos e advérbios excessivamente, utilizar metáforas impropriamente e em excesso, expor mais de dois conceitos em uma 21 frase, utilizar abreviaturas (o que é muito comum nos jornais italianos), símbolos abstratos, fórmulas, cifras, etc. Deve compor as frases respeitando, sempre que possível, a ordem sujeito-predicado-complemento (excluindo-se essa regra nos títulos). No texto jornalístico, é preferível a utilização de verbos que dêem a ideia de movimento àqueles que exprimam estados. A utilização da voz ativa, no presente do indicativo é adequado para expressar ideias de passado ou futuro, desde que isso seja possível e pertinente. Os lugares comuns são evitados, para que não se crie uma enunciação vulgar. 2.3. A RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA E HISTÓRIA E A QUESTÃO DO NACIONALISMO ITALIANO A língua italiana, tão expressiva quanto aquelas de sua família linguística (o português, o espanhol, o francês e o romeno - dentre tantas outras com um número menos expressivo de falantes), tem sido foco de estudo no campo lexicológico quando se trata da questão dos empréstimos linguísticos. A utilização de empréstimos é mais facilmente observável quando os corpora para o estudo dessa questão são os jornais, ou em âmbito mais geral, a mídia jornalística, um verdadeiro meio de comunicação imediato, quase que em tempo real, e que pontua de modo muito claro as mudanças pelas quais a língua passa. Através desse meio de comunicação, é possível evidenciar o quão veloz a mensagem linguística vem sofrendo sensíveis alterações, reflexo da revolução tecnológica que os últimos séculos têm vivenciado. Analisando o conturbado panorama do século XX, durante o qual grandes revoluções e duas grandes guerras redefiniram rumos ideológicos, econômicos e sociológicos, as questões linguísticas, diretamente ligadas ao equilíbrio de poder, 22 estiveram no centro das atenções de diversos estudos linguísticos, como aquele ligado à questão cerne da influência da língua nacional e da língua estrangeira na construção identitária e ideológica de uma sociedade. Tomando como foco a questão abordada acima sobre a ideologia de poder ao longo da história, é possível alcançar algumas questões facilmente identificáveis hoje, relacionadas ao papel de cada língua em um cenário internacional cada vez mais competitivo e dinâmico. Toda língua certamente vivenciou e vivencia seu processo de transformações ligado a fatores de ordem social, de certo modo, intrinsecamente atrelados à história, à ideologia específica de construção de cada sociedade falante de uma língua e, recentemente, as transformações tecnológicas que implicam no modo de viver da mesma. A Itália de hoje não vive mais os longínquos tempos dos Setecentos (século XVII), quando se trata da questão linguística. De fato, hoje é possível dizer que o italiano é uma língua consolidada e dotada de um certo status perante a comunidade linguística internacional. Outrora, o idioma itálico sofreu da chamada ansiedade do déficit segundo Richard Helgerson - termo mais tarde utilizado pelo contemporâneo Burke (2010), que trata justamente da pobreza dos vernáculos em comparação com o latim na Baixa Idade Média. Burke cita: "No caso do polonês, um falante local se referiu, em 1566, à "pobreza" da língua (niedostatek), ao passo que o poeta Szymon Szymonowic expressou pesar pelo que chamou de "a grande falta de palavras entre nós" (u nas brak wielki w slowiech). (Backvis, 1958, p. 12n.) Outros exemplos, são evidenciados como em Joachim Du Bellay, em sua famosa apologia ao francês, a Deffense et illustration de la langue françoyse (1549), na qual admite que a língua francesa não era tão abundante e rica quanto o grego e o latim (nostre langue n'est si copieuse et riche que la Grecque et le Latin). 23 "O humanista Claudio Tolomei descreveu o italiano em seu diálogo Il Cesano (1546) como "mais rico" que o grego ou o latim." (Burke, 2010: 34) O debate sobre a vivacidade ou não de uma língua já não possui tanta relevância nos dias de hoje quanto havia séculos XV e XVI, quando do debate dos humanistas italianos, como expresso no Dialogo della lingua (1542), de Sperone Speroni, um personagem que observou que o latim não era mais uma língua falada, mas "simplesmente papel e tinta" (carta solamente ed inchiostro). O italiano, no panorama das línguas neolatinas, durante seu processo de estabelecimento como língua nacional, sofre da ausência de um império toscano que permitiria à língua se espraiar como aconteceu com o latim. E esse topos 3 imperial foi vinculado à ideia antiga de que tudo na Terra passa por uma sequência de estágios, do começo ao fim, ou da infância à velhice. O poeta e estudioso sueco Georg Stiernhielm concordou: "Como as pessoas, as línguas surgem, mudam, se diferenciam, crescem, amadurecem e morrem" (Cum hominibus oriuntur, mutantur, differuntur, adolescunt, exolescunt, occidunt linguae). Stiernhielm também argumentou que, com o tempo, alguns dialetos se desenvolvem para formar línguas, enquanto algumas línguas se fragmentam para formar dialetos. Sobre o relativismo linguístico, um personagem no diálogo de Speroni, citado anteriormente, declarou: "Estou convencido de que todas as línguas, incluindo o árabe e o hindu, assim como o latim e o grego, têm o mesmo mérito” // (Io ho per fermo, che le lingue d'ogni paese, così l'Arabica e l'Indiana, come la Romana e l'Ateniense, siano dun medesimo valore) (Speroni, 1975: 116). 3 topos – palavra de origem grega que indica uma característica ou uma propriedade de uma determinada coisa ou de um assunto específico. Literalmente pode significar também “lugar”. 24 Em séculos passados, mais pontualmente no início da Era Contemporânea, quando outras abordagens de estudos linguísticos ainda não haviam chegado ao consenso de que todas as línguas são formalmente iguais, não merecendo destaque uma perante a outra, as línguas detinham suas próprias imagens, masculinas ou femininas. "Por exemplo, era lugar-comum a ideia de que as línguas germânicas eram especialmente masculinas. Em seu ensaio-discurso On the Excellency of the English Tongue, o estudioso e poeta inglês Richard Carew descreveu o que chamou de "holandês" (provavelmente o alemão) como viril. O escritor galês James Howell descreveu tanto o alemão como o inglês como línguas masculinas. Outras línguas também podem ter sido ocasionalmente descritas dessa forma: Montaigne, por exemplo, chamou o gascão (gascon) de - uma língua falada no sudoeste da França - de "un langue mascle et militaire" (uma língua masculina e militar), ao passo que o historiador João de Barros argumentou de forma similar em relação ao português, alegando que o francês e o italiano "mais parecem uma conversa de mulheres do que uma língua séria para homens" (A francesa como a italiana mais pareçem fala para mulheres que grave para homens). (Barros, 1959, p. 78-9) O italiano era por vezes considerado uma língua feminina, descrita como "suave e afeminada" segundo Pasquier (Bouhours, 1962, p.41). Para Klopstock, o italiano era uma língua "suave e voluptuosa". (apud Fishman, 1972, P.65) Voltaire concordava, descrevendo o italiano como uma língua que, graças à frequência das vogais, se adaptava à "música afeminada", enquanto o jornalista francês Antonie Rivarol declarou que o italiano era "presque insupportable dans une bouche virile" (quase insuportável numa boca viril) (Voltaire apud Folena, 1983, p.223; Rivarol, 1930, p.197) Esses conflitos foram essenciais para o estímulo da crescente conscientização de que a diversidade entre as línguas são tão ou mais vivas quanto a diversidade de dialetos 25 ou socioletos dentro de uma mesma língua. Através do debate registrado pela historiografia italiana como la questione della lingua, Alessandro Manzoni, grande escritor e homem político de sua época atuou de forma contundente na história da unificação linguística italiana, instigando a classe política e literária de sua época a rejeitar o movimento então presente na península, denominado Purismo, que pregava todas as formas de rejeição de estrangeirismos, tecnicismos, neologismos. Segundo (Vitale, 1986, p. 37), o termo Purismo, nascido de uma polêmica, indica em princípio "uma aversão e uma intolerância de todas as formas de inovação, influência estrangeira, tecnicismo, neologismo". "Uma aversão ditada ora por motivos literários, ora retóricos, ora nacionalistas e políticos". O mito do Purismo só veio por terra após muitos anos de discussões entre intelectuais de ideologias distintas, entre aqueles que defendiam o ideal de uma língua intocável e pura, sem a influência de estrangeirismos, como Cesari, e os manzonianos que buscavam trazer à tona o fato de que a língua de que falavam os puristas se tratava meramente de um ideal - assim como a chamavam "uma língua morta" -, muito distante da realidade de fato, do uso, ou melhor dizer, da falta de uso da língua nacional. "Fatta l'Italia, ora bisogna fare gli italiani", a célebre frase de Massimo d'Azeglio era o retrato do que se evidenciava no pós-unificação italiana. Uma nação politicamente unida cuja identidade de povo, um verdadeiro pan-italianismo não existia de fato. A conturbada história italiana, de séculos de isolamento interno entre burgos, cidadelas, principados, reinos, além de disputas em âmbito internacional e invasões de outros povos europeus, provocou uma fragmentação sobretudo identitária na península. Não havia nada então presente na região que justificasse a união entre povos e línguas já tão distintas, que não se identificavam, pois a história os desuniu apesar de um passado 26 de glórias de um Império que não mais existia. A unificação italiana foi basicamente calcada em interesses político-ideológicos, de um retorno, ou por assim dizer, da retomada de um passado em que a região viveu sua época de glórias. Então, a língua italiana, também foi de certo modo, uma ideologia imposta, que graças à persistência de muitos, tornou-se realidade e passou a vigorar como fator principal de difusão identitária em uma sociedade politicamente recriada. Por isso, o discurso político é tão essencial, tão importante na história, no processo de fundação da Itália como nação que se agregou graças a um idealismo. 4 « Al momento dell'Unità politica italiana, nel 1861, non si può certo dire che il nostro paese avesse già raggiunto una corrispondente unità culturale e linguistica. I territori degli ex-stati nazionali che entravano nel nuovo organismo erano caratterizzati da differenze profonde, a volte sconvolgenti, relative a tradizioni, abitudini, modo di vivere, livello di sviluppo economico e sociale. Le differenze linguistiche erano un segno vistoso di tutto quanto stava dietro la lingua, la quale è sempre il risultato della storia e della tradizione dei popoli. In comune, tra i vari stati italiani, c'era soltanto un modello di italiano letterario, elaborato dalle élites. Mancava quasi completamente una lingua comune della conversazione, la quale si può sviluppare solo attraverso scambi fitti, in un'omogenea vita civile e sociale. In Italia questo non c'era mai stato, né era possibile improvvisare, colmando d'un colpo le lacune del passato. » (Migliorini, 200: 360) 4 “No momento da Unificação política italiana, em 1861, não era possível dizer que o nosso país tivesse já alcançado igual unidade cultural e linguística. Os territórios dos ex-estados nacionais que começavam a fazer parte da nova unidade eram caracterizados por profundas diferenças, por vezes impressionantes, relativas à tradições, hábitos, modo de vida, nível de desenvolvimento econômico e social. As diferenças linguísticas eram um sinal claro de tudo o que estava por trás da língua, que é vista sempre como o resultado da história e da tradição dos povos. Em comum entre os vários estados italianos, havia somente um modelo de italiano literário, elaborado pelas elites. Faltava quase que completamente uma língua comum da conversação, a qual só se pode desenvolver através de trocas de fato, em uma homogênea vida civil e social. Na Itália, isso nunca foi possível, nem erav possível improvisar, preenchendo com golpes as lacunas do passado”. 27 2.4. A LINGUAGEM JORNALÍSTICA DOS PRIMEIROS SÉCULOS A origem dos jornais não consta de uma data certa. Não se sabe ao certo qual foi o primeiro jornal publicado no mundo e qual teria sido sua motivação. Em geral, os historiadores atribuem ao lendário imperador romano Júlio César essa invenção. Esse renomado general, que se tornou líder do maior império então já visto no mundo, detinha a fama de excelente estrategista, e excelente profissional de marketing, embora o termo ainda não tivesse sido cunhado àquela época. Acabou por criar a Acta Diurna, um forte meio de comunicação da época, que deu origem aos jornais atuais. Por meio deste veículo, a publicação oficial do Império Romano, as grandes conquistas romanas eram enaltecidas nos diversos cantões da vasta região geográfica do Império, por vezes com uma grande margem de atraso devido às grandes distâncias alcançáveis somente fisicamente. A Acta Diurna foi criada no ano de 59 A.C., e servia como uma interessante e brilhante estratégia de marketing do governo, que além de divulgar as conquistas no campo militar, também tratava de assuntos como ciência e política. Talvez, o processo de criação da mídia tenha procedido à formação dos profissionais de jornalismo, os chamados Correspondentes Imperiais, que foram enviados até as mais remotas áreas do Império para acompanhar e escrever as notícias. Foi durante a Idade Média que os jornais e o jornalismo obtiveram o seu grande salto tecnológico por meio da prensa de papel, inventada em 1445, pelo alemão Johannes Gutenberg. Esse meio tecnológico permitiu a definitiva difusão das mídias impressas e do conhecimento científico, literário e de outras diversas áreas do conhecimento humano com uma velocidade muito maior. Somente o telégrafo, criado em 1844, veio a revolucionar novamente o processo de transmissão da informação, que agora era transmitida entre longas distâncias quase que em tempo real. 28 Em pleno século XX, o jornalismo e os jornais alcançam o auge do prestígio e popularidade. O período de 1890 a 1920 é conhecido como a Época de Ouro dos jornais. Apenas com a concepção de um novo meio tecnológico de transmissão de informação, o rádio, se dá o declínio da mídia impressa. O nascimento da televisão, um meio de comunicação ainda mais forte, que lidera a preferência do público, na atualidade, torna a mídia impressa um meio marginal de informação, ainda que ferrenhamente resistente e presente no quotidiano. A Internet, um novo veículo da contemporaneidade, surgiu como uma grande favorecedora da mídia escrita, do jornalismo clássico, que então se reinventa, criando o chamado: Web Jornalismo, que apresenta como principais características a agilidade da linguagem, a velocidade de atualização e também o baixo custo de produção. Apesar de ainda não ameaçar a TV como principal meio difusor de informação, a Internet é o veículo de comunicação que mais cresce no mundo, alcançando uma quantidade de sites que chegavam à casa dos 1.000 na década de 1990, e que hoje chegam a casa dos bilhões. Mesmo com o declínio da atividade de jornalismo clássico, este ainda é o segundo principal veículo de comunicação da era moderna, atrás apenas da Televisão. A WAN (World Association of Newspaper), a associação responsável pela atividade de jornalismo no mundo, calcula que atualmente aproximadamente 900 milhões de pessoas lêem jornais diariamente, principalmente no Japão e na China, onde o hábito de leitura desse veículo é maior (7 entre os 10 jornais lidos no mundo são orientais). O gráfico abaixo contempla de forma resumida o processo de evolução da mídia jornalística impressa através do tempo: 29 Gráfico 1: A evolução dos jornais ao longo dos séculos Consta abaixo a lista dos periódicos mais vendidos no mundo segundo dados da WAN do ano de 2010: Tabela 1: Os jornais mais populares do mundo na atualidade Os 10 Jornais Mais Vendidos do Mundo Nome do Jornal País Exemplares Vendidos por Dia * (1.) Yomiuri Shimbun Japão 14.246.000 jornais (2.) The Asahi Shimbun Japão 12.326.000 jornais (3.) Mainichi Shimbun Japão 5.635.000 jornais (4.) Nihon Keizai Shimbun Japão 4.737.000 jornais (5.) Chunichi Shimbun Japão 4.571.000 jornais (6.) BILD Alemanha 4.220.000 jornais (7.) The Sun Inglaterra 3.461.000 jornais (8.) Sankei Shimbun Japão 2.665.000 jornais (9.) USA Today Estados Unidos 2.603.000 jornais (10.) Canako Xiaoxi Beijing China 2.530.000 jornais *valores médios aproximados e arredondados, inclui também os leitores que assinam o jornal, valores calculados com base no ano de 2010. Fonte: WAN – World Association of Newspapers 30 Tabela 2: Os jornais mais antigos do mundo O quadro abaixo contempla os 10 jornais mais antigos do mundo ainda em circulação. Essa informação permite mostrar o quão rica é a tradição jornalística de mídias impressas, visto que as mesmas estão na lista daquelas com maior tiragem em seus países de origem: Os 10 Jornais Mais Antigos do Mundo Nome do Jornal País Ano de Fundação Idade* (1.) Post och Inrikes Tidningar Suécia 1645 356 anos (2.) Haarlems Dagblad Holanda 1656 354 anos (3.) La Gazzetta di Mantova Itália 1664 346 anos (4.) The London Gazette Inglaterra 1665 345 anos (5.) Wiener Zeitung Áustria 1703 307 anos (6.) Hildesheimer Allgemeiner Zeitung Alemanha 1705 305 anos (7.) Worcester Journal Inglaterra 1709 301 anos (8.) The Newcastle Journal Inglaterra 1711 299 anos (9.) The Stamford Mercury Inglaterra 1712 298 anos Alemanha 1725 285 anos (10.) Hanauer Anzeiger *idade calculada com base no ano de 2010. Fonte: WAN – World Association of Newspapers 2.5. O NASCIMENTO DO JORNAL NA ITÁLIA PRÉ-UNIFICADA 2.5.1. O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL DO FIM DO SÉCULO XVIII No fim do século XVIII, a Itália era uma referência geográfica para a região dos Apeninos, da Padânia, da Sicília e Sardenha. Era formada por diversos reinos com instituições, moedas, culturas e línguas distintas. Cerca de 80% da população de toda a região era analfabeta, e a língua italiana, uma língua literária e de status entre nobres que viviam nesse território era quase desconhecida pela grande maioria dos habitantes 31 peninsulares. O analfabetismo na região foi consequência de séculos de disputas políticas, invasões e fragmentações territoriais que impediram uma política forte de alfabetização de massa através da educação. O jornal, nesse período histórico, contava com um prestígio somente da população mais rica, os nobres locais, alfabetizados e consumidores de livros e folhetins. Esse meio de comunicação era um fenômeno d’élite. O jornal era até a época um produto de exportação do exterior, principalmente da França, da Alemanha e da Inglaterra. O modelo que se cria na Itália é muito próximo do modelo francês, a recém emergida potência da época junto à Inglaterra. No entanto, esse modelo sofreu poucas alterações em sua forma com o passar do tempo. O jornal manteve muito de sua estrutura física, constando de uma quantidade razoavel de informação, impresso em papel-jornal, assim denominado por ter se tornado característico e quase unânime para esse tipo de veículo de informação. 2.5.2. O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL DO SÉCULO XIX A primeira metade do século XIX caracterizou-se por uma abertura à influência de inovações provenientes do jornalismo francês, inglês e alemão, apresentando mudanças no léxico e na técnica expositiva. Embora essas mudanças se tornassem cada vez mais presentes, essa linguagem era caracterizada por uma desorganização, com alternações entre enunciados complexos e usos populares, conforme cita Serianni (1989), que observou como a linguagem dos jornais populares não diferia daquela dos jornais cultos, e como a presença de popularismos morfológicos como “stasse” no lugar de “stesse” (congiuntivo v. Estar), ou sintáticos como o uso do “che” polivalente, ou ainda, a presença de um estilo de pouca técnica e cuidado, pelo uso de repetições 32 lexicais, acompanhassem um período complexo e cansativo para o leitor, um estilo que não se identifica com a velocidade do estilo jornalístico moderno. Apenas na segunda metade do século XIX, que se começa a observar uma verdadeira modernização desse meio de informação que se torna, então, um fenômeno de massa. E foram muitos os fatores que contribuíram para o aumento da tiragem dos jornais na Itália pré-unificação, tais como a alfabetização escolar da população (principalmente a mais jovem) por meio de políticas internas e acordos que providenciaram a fundação de escolas; posteriormente, na década de 60, a unificação italiana, o que resultou na formação do Reino da Itália, com suas instituições mais fortes e atuantes; o fortalecimento de um sentimento patriótico; e a necessidade de adquirir informação, visto que o jornal torna-se uma febre na Europa, e o principal veículo de informação de massa. Outro fator que ajudou a fortalecer a instituição da língua italiana foi justamente a influência da Accademia della Crusca, por meio do movimento Purista, evocado pela classe intelectual e política. A ideologia do Purismo foi crucial para promover uma uniformização na língua, evitando os dialetismos. Teve um papel muito forte sobre a imprensa italiana, já que a língua escrita deveria permanecer intocável. No entanto, o processo de transição para uma linguagem mais uniforme e alcançável a todos os italianos foi longo, e só foi consolidado durante o século XX. 2.6. AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS JORNAIS ITALIANOS Os jornais, mais especificamente na Itália, adquiriram uma ampla importância apenas no século XIX. A princípio, em pleno século XVIII, os jornais eram caracterizados por um fenômeno de élite. Apenas no século XIX, o jornalismo, sob influência daquele estrangeiro, sobretudo francês e também inglês e alemão, apresenta 33 uma notável abertura a inovações tanto no léxico quanto na técnica expositiva. Nesse período, proliferam jornais que pretendem alcançar um novo público, e portanto, necessitam de uma linguagem nova, mais simples comparada àquela da tradição literária. Serianni (1989a: 35 -36) observou como a língua dos jornais populares diferiam daquela dos jornais "cultos", e como a presença de popularismos de ordem morfológica, tais como "stasse" ao invés de "stesse", sintática tais como o "che" polivalente, ou a utilização de um estilo omisso, caracterizado por repetições lexicais que muitas vezes vinham acompanhados por períodos complexos e incômodos, que não se identificavam com a prontidão e velocidade do estilo jornalístico moderno. Somente a partir da segunda metade do século XIX, que se começou a observar um notável aumento das tiragens, o que acabou por provocar consequências práticas, ou seja, a prosa dos jornais encontrou sua técnica adequada a caminho da modernização, croncretizando-se como um fenômeno de massa. As bancas de jornais foram os principais pontos de venda da imprensa periódica, primeiramente difusa sobretudo através da venda por assinaturas. Ainda nesse período, se observa nos jornais a alteração entre formas eruditas e formas populares, e são evitadas as formas dialetais mais notáveis. A sintaxe jornalística ganha coerência por meio da busca de um modelo diferente daquele tradicional da literatura, desenvolvendo a tendência de uso de períodos breves e o frequente uso de frases nominais. Outra forte característica da linguagem jornalística é sua exposição ao novo, pois nessa é possível registrar a infiltração de neologismos e estrangeirismos presentes na língua viva e falada, ou no léxico dos especialistas de todos os ramos do saber. Estão presentes naquele período, na linguagem dos jornais, termos como straripamento (transbordamento) de um rio, attrezzatura (de attrezzo (utensílio, um termo francês que penetrou na língua na segunda metade do século XVI 34 (crf. Dardi 1992: 114-116)), confisca, delibera, importo, etc. (crf. Masini 1990a). Também surgem, nesse mesmo período, nos jornais, termos relacionados ao novo meio de transporte que ganha cada vez mais espaço, o trêm, tais como ( i carri (os vagões), gli scompartimenti (os compartimentos), le rotaia (os trilhos) (cfr. De Stefanis Ciccone 1990: 101). Entre os estrangeirismos, é possível encontrar tecnicismos como batello a vapore (barco a valor), batteria galvanica (bateria galvânica), dagherrotipo (daguerreótipo), disinfettante (desinfetante), feldspato (crf. De Stefanis Ciccone 1990:309 ss.; Masini 1990b: 547-589). O jornal do século XIX é linguisticamente tão interessante quanto o de hoje por sua composição em diversas partes: a linguaguem de cada uma dessas partes são bem distintas e direcionadas a temáticas bem específicas como cultura, economia, esportes, literatura, política, dentre tantas outras. A publicidade também está presente no jornal como um modo de incentivar as massas ao consumo, e considerando-se um importante veículo de comunicação para as massas, seu uso é muito eficaz para esse fim. No século XX, a linguagem dos jornais continuou a desenvolver um importante papel junto às novas mídias de transmissão aéreas, como o rádio e a televisão. O que se reivindica é o papel do jornal como um modelo difusor de língua qualitativamente muito mais alto. Segundo Mengaldo (1994:66), os jornais "talvez representem uma pequena barreira contra a baixa qualidade da linguagem televisiva média, que utilizam estereotipias de poder e um negligenciamento popular". Os jornais estão constantemente buscando reviver por meio de sua constante atualização e modificação. O advento dos meios digitais de informação foi um grande aliados dos jornais, que continuam mais vivos do que nunca, e isso é evidenciado pelo número crescente de leitores, principalmente na modalidade virtual dos jornais. Portanto, o advento dessa nova mídia deve ser tomado como um fator positivo para um 35 modelo de sociedade que busca cada vez mais estar atualizada e bem informada sobre todos os assuntos. A abordagem de um corpus atual nessa pesquisa busca mostrar como o papel da mídia é fundamental no processo de difusão de novas linguagens e até mesmo no controle do comportamento linguístico dos falantes. Esse capítulo buscou mostrar a importância do jornal Itália, seja ele impresso ou digital. A discussão aqui tratada busca mostrar que uma estrutura específica na língua, como é o caso das perífrases verbais – assunto que será amplamente abordado no próximo capítulo –, pode vir a ganhar força no quotidiano dos falantes, mediante a frequência de uso das mesmas. O jornal como qualquer outra mídia, e tão importante quanto, apresenta um papel de difusor de costumes, cultura e novas informações linguísticas. 36 3. OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS SOBRE O VERBO ANDARE E A CONSTRUÇÃO PERIFRÁSTICA ANDARE A + INFINITO. 3.1. UMA BREVE ANÁLISE DA PERÍFRASE IR + INFINITIVO NO PORTUGUÊS A presente seção faz referência à primeira etapa dos estudos ligados a essa pesquisa, a partir da análise de verbos plenos no infinitivo e das perífrases verbais mais recorrentes na língua portuguesa. Essa proposta inicial da pesquisa levou à investigação de estruturas mais complexas, e as evidências de que uma forma analítica perifrástica como forma de expressão alternativa ao tempo verbal futuro do presente estaria difundida no uso do português foram o ponto de partida para a investigação do padrão andare a + infinito. Já nas primeiras abordagens desse estudo foram observados pontos de discordância entre os mais diversos autores que tratam a perífrase verbal no português. Eunice Pontes (1973: 15) apresenta um mosaico de definições oferecidas pelos diversos autores sobre Tempos Compostos (TC) e Conjugações Perifrásticas (CP), as atuais perífrases verbais. Segundo a autora, as conjugações perifrásticas ou locuções verbais são caracterizadas por alguns autores como qualquer sentença verbal com certa coesão interna, de tal modo que funcione como um verbo simples; outros separam certas sequências verbais que denominam Tempos Compostos, e consideram as restantes como locuções. Tanto na acepção mais ampla como na mais restrita, Locução verbal costuma ser sinônimo de Conjugação perifrástica até mesmo em alguns estudos descritivistas mais atuais. De acordo com Pontes (1973: 18), é muito difícil encontrar quem se preocupe em justificar a distinção entre Tempo Composto e Conjugação Perifrástica, talvez porque a 37 maioria de nossas gramáticas se destine ao ensino médio. A gramática para o ensino superior de Silveira Bueno (cf. 1968, p. 142, 194, 195), também se omite nesse ponto. Porém, em Gladstone Melo (1968, p.166-167) encontra-se a seguinte explicação que aponta para uma primeira distinção entre Tempos Compostos e Locuções Verbais: “A razão é que os tempos compostos fazem parte da conjugação normal, têm cada qual seu nome (v.g. “pretérito perfeito composto”, “pretérito perfeito do subjuntivo”) dentro da conjugação, ao passo que as locuções verbais constituem cada uma sua conjugação inteira e nascem das necessidades de expressão mais complexa, em que se busca traduzir o aspecto verbal.” (Melo, 1968: 166-167) Melo (1968) foi um dos primeiros autores a discutir os problemas envolvendo as locuções verbais, caracterizando-as não como um simples tempo composto, mas como uma estrutura dotada de um significado mais amplo a partir do aspecto que estaria presente no verbo auxiliar. Na obra de outros grandes gramáticos da língua portuguesa, é importante ressaltar a atenção dada ao uso dos verbos no infinitivo. Rocha Lima, em sua Gramática Normativa da Língua Portuguesa (2007, p.411-415), esclarece que o infinitivo, assim como o particípio e o gerúndio vêm sendo considerados pelos autores modernos como formas nominais do verbo, ou ainda verboides, como prefere Rodolfo Lenz. Rocha Lima (2007) menciona que o infinitivo, justamente por ser um verboide, carece de flexão. Porém, no caso específico da língua portuguesa, no universo das línguas neolatinas, verifica-se uma particularidade, que é o fato de que nessa, o infinitivo pode referir-se a determinado sujeito, graças às desinências de númeropessoa: amar eu, amares tu, amar ele, amarmos nós, amardes vós, amarem eles. Dessa forma, ao lado de um infinitivo impessoal, sem sujeito e, portanto, sem flexão, possuímos um infinitivo pessoal, que referido a um sujeito, pode, ou não, flexionar-se. 38 Rocha Lima (2007, p.413, 414) cita os contextos nos quais se podem usar as variantes do Infinitivo flexionado e não-flexionado. Dentre todos os casos mostrados, aqueles que merecem maior atenção serão explicitados aqui por sua relevância: “Quando precedido da preposição a, equivale a um gerúndio que, em locução com um verbo auxiliar, indica modo ou fim.” (p.413) Esse uso, expresso na gramática, equivale à modalidade preferencial utilizada na variante lusitana do Português. “Quando se agrega, como verbo principal, a um auxiliar, forma com ele uma unidade semântica.” (p.413) Esse ponto ilustra a definição clara de uma perífrase verbal, embora esse termo não tenha sido utilizado pelo autor. Rocha Lima (2007) afirma também que, no português, os chamados verbos auxiliares que mais habitualmente regem outro verbo são os seguintes: poder, saber, querer e dever; denominados auxiliares modais. Os auxiliares acurativos são aqueles que se juntam a um verbo principal a fim de indicarem noções subsidiárias de começo, de ação, duração, repetição, continuação, terminação, etc. Said Ali em Dificuldades da língua portuguesa (1966: 60) afirma que o sujeito da oração é indicado pela desinência dos verbos auxiliares, ao passo que o verbo principal que os acompanha é uma forma nominal, de todo desprovida de sujeito. O mesmo autor menciona ainda que há alguns verbos, como ousar, desejar, gostar de, vir, etc., que, sendo completados por outro verbo, não admitem a existência de um sujeito neste novo verbo e, portanto, só se empregam com o infinitivo impessoal. Por fim, é importante citar a seguinte contribuição de Ali (1966) quanto aos verbos auxiliares citados, como ousar, desejar, gostar de, vir, dentre outros: “Não os podemos, entretanto, os acomodar em nenhum dos grupos de auxiliares; mas isto é de somenos importância para a conclusão a que até agora temos chegado e que vem a ser infinitivo sem sujeito, que é o mesmo que infinitivo sem flexão.” (Ali, 1966) 39 Essa conclusão ilustra a instabilidade dessas formas verbais que podem ou não vir a ser denominadas perífrases, de acordo com seu grau de Gramaticalização na língua. Mira Mateus (1987: 84,85) acrescenta, ao infinitivo, outras funções, além daquelas apresentadas pelos outros autores mencionados até o presente momento. A autora afirma que o infinitivo em sua forma composta exprime a simultaneidade do estado de coisas descrito na oração em que ocorrem relativamente ao estado de coisas descrito na oração de que dependem, a exemplo da oração: “Gostei de ter ido à festa.” Já as formas simples do infinitivo exprimem, em geral, a simultaneidade ou a posterioridade do estado de coisas descrito na oração de que dependem. Na oração: “Vejo os miúdos a esconderem-se da polícia”, o estado de coisas descrito pela oração infinitiva é simultâneo. A expressão do futuro verbal na Língua Portuguesa e a evolução das formas correlatas ao longo dos séculos é um fenômeno que pode ser observado tanto diacronicamente quanto sincronicamente. Esse processo é variável e característico não apenas do português, mas também de outras línguas neolatinas. Segundo Oliveira (2006), ao longo da história da língua portuguesa, há pelo menos quatro formas variantes para a expressão do futuro verbal, embora o futuro simples seja ainda a forma preferida na escrita. E essas formas são o futuro simples do indicativo, a perífrase haver de + infinitivo, o presente do indicativo e a perífrase ir + infinitivo. O presente estudo não busca, no entanto, fazer uma descrição diacrônica detalhada dessas formas, que variaram quanto à freqüência de uso ao longo dos séculos. Em estudos como o de Oliveira (2006) é possível depreender de modo claro e detalhado como se deu a alternância e a freqüência de uso dessas estruturas ao longo dos séculos. Pontes (1973) afirma que o verbo ir junto a um infinitivo se distingue daquele complementado por um adjunto adverbial de lugar. Essa distinção ocorre não apenas no 40 nível semântico, mas também a nível sintático, pois ir + infinitivo indica futuridade e o ir + adjunto adverbial de lugar indica movimento (locomoção). A distinção realizada por Pontes, no entanto, contempla a estrutura como um verdadeiro componente gramatical, deixando bastante vaga a definição de perífrase verbal, criando ainda um contexto de ambiguidade com a estrutura de Tempos Compostos. Sobre a distinção entre o uso do verbo ir como verbo pleno que mantém suas funções gramaticais autênticas, ir (1) e ir como um verbo auxiliar junto a um infinitivo, Pontes (1973) afirma: “... ir (1) e ir (2) têm restrições de seleção diferentes, significados diferentes e, além disso, traços contextuais diferentes. Ir (2) será marcado como um verbo intransitivo, como parecer, que tem uma oração como sujeito. Ir (1) será marcado como verbo que não admite sujeito abstrato (nem oracional, portanto) e pode ter como complemento um adjunto adverbial de lugar (direção). Esse adjunto adverbial que complementa ir (1) é daqueles, ao que parece, que devem ser colocados dentro do SV e não fora, porque ir (1) não é verbo que ocorra sozinho... Na verdade ir (1) não é intransitivo, pois não ocorre sem um complemento. Este pode ser a locução formada de uma preposição (a, para) mais um SN. Se na Estrutura Perifrástica considerarmos que só existe SN (e não SPrep), um traço contextual marcará que ir (1) pode ser complementado com SN. Além disso, ir (1) também pode ter como complemento uma oração, pois uma oração do tipo: João vai estudar; é ambígua: o verbo ir, aí, pode significar locomoção ou futuro.” (Pontes, 1973) Nota-se, a partir da citação acima, que há ainda uma ambigüidade relacionada aos traços (movimento)/(futuridade). No entanto, é interessante pontuar que este foi um dos primeiros estudos a distinguir os usos de ir pleno de sua vertente perifrástica ir + infinitivo, e a arrolar seus principais traços distintivos associados a cada emprego. Segundo (Santos, 1997; Lima, 2001; Silva, 2002; Oliveira, 2006), a perífrase ir + infinitivo se gramaticaliza como futuro perifrástico em concorrência com o futuro simples em português. O processo de auxiliarização do verbo de movimento ir pode ser 41 explicado pela passagem do sentido espacial que está contido nessa forma verbal, para um sentido prospectivo temporal. A teoria da Gramaticalização de Heine (1991) mostra que, no português, o processo de Gramaticalização dessa estrutura está quase completo. De fato, a estrutura perifrástica em questão está consolidada na língua em uso, tanto na modalidade falada quanto na escrita. A hipótese de auxiliarização do verbo ir pressupõe uma relação cognitiva entre as categorias de espaço e tempo (Bybee & Pagliuca, 1987; Hopper & Traugott, 1993, 2003) aliada à perspectiva metafórica defendida pela corrente funcionalista de Heine et alii. (1991, 1993). Segundo estudos de Lima (2001) e Oliveira (2006) sobre a gênese e a posterior difusão da forma perifrástica ir + infinitivo no português do Brasil, - embora essa forma seja documentada em textos do século XIV- a mesma parece ganhar espaço apenas no decorrer do século XIX, passando a ser mais popularizada no século XX, ao menos na língua falada, ocupando o espaço antes preenchido pela perífrase com haver de + infinitivo, principal concorrente de futuro simples até o século XIX (Oliveira, 2006). A perífrase verbal ir + infinitivo no português, analisada num contexto linguístico amplo, se apresenta como um fenômeno recente que, aos poucos, vem sendo descrito e tendo suas propriedades analisadas pelos estudiosos da área. Cunha e Cintra (2001), em sua Nova Gramática do Português Contemporâneo fazem uma breve abordagem sobre o uso da estrutura no português moderno, pontuando-a no tópico: Substitutos do futuro do presente simples; o que de fato remete a um processo de mudança linguística. Estudos recentes como o de Oliveira (2006) comprovam, no entanto, que a noção de “substituição” pode ser equivocada, visto que a nova forma em disseminação, tanto no contexto de língua falada quanto escrita, apresenta contextos de uso bem definidos. Entretanto, é interessante considerar o espraiamento dessa forma a contextos antes 42 nunca alcançados pela perífrase. Considerando estudos como o de Lima (2001), Malvar (2003), Oliveira (2006) et alii sobre o futuro perifrástico em português, o tempo presente do indicativo da perífrase com ir + infinitivo expressa um maior grau de certeza quanto à realização do estado de coisas no futuro. E a maior probabilidade ou possibilidade da ocorrência factual está em grande parte ligada ao envolvimento ou comprometimento do falante em relação ao enunciado que profere. Acrescenta-se a essa hipótese que os sujeitos de primeira pessoa favoreceriam o uso dessas formas, que expressariam uma maior chance de concretização da ação futura. Os dados dos corpora dessa pesquisa, em grande parte representados por perífrases na primeira pessoa do singular, vêm a comprovar a preferência, quase absoluta, da utilização perifrástica em contextos de comprometimento com o que é proferido, ou seja, há um desejo de realização da ação em um momento breve em relação àquele da enunciação. Segundo Cunha e Cintra (2001), em sua Nova Gramática do Português Contemporâneo, as perífrases com o verbo ir acrescentadas de um infinitivo, conforme já explicitado, seriam uma forma de substituição do futuro simples do indicativo, não sendo levada em consideração a questão aspectual que envolve a construção verbal complexa da perífrase: Na língua falada o futuro simples é de emprego relativamente raro. Preferimos, na conversação, substituí-lo por construções constituídas: a) do Presente do Indicativo do verbo haver + preposição de + infinitivo do verbo principal, para exprimir a intenção de realizar um ato futuro; b) do Presente do Indicativo do verbo ter + preposição de + infinitivo do verbo principal, para indicar uma ação futura de caráter obrigatório, independente, pois, da vontade do sujeito; 43 c) do Presente do Indicativo do verbo ir + infinitivo do verbo principal, para indicar uma ação futura imediata. De acordo com Cunha e Cintra (2001), nota-se o primeiro caso, a estrutura haver de + infinitivo, é uma alternante do futuro simples do indicativo, e nem mesmo se sustenta enquanto estrutura com um uso vivo na língua atual. O uso de haver de + infinitivo, segundo Oliveira (2006), declina ao longo dos séculos. Esse declínio é comprovado nos diversos estudos empíricos, como o de Oliveira (2006), o que demonstra que na atualidade, o emprego dessa forma, em praticamente todos os gêneros textuais, é pouco significativa, em relação a outras formas concorrentes com o futuro simples do indicativo, ou até mesmo nula. O segundo caso, representado pela estrutura ter de + infinitivo, ainda se mantém na fala, e também na escrita, embora seu uso não seja tão significativo quando comparado com as outras estruturas concorrentes. O terceiro caso (a estrutura ir + infinitivo) se revela como o mais significativo, e aquele com potencial para “substituir” a forma verbal de futuro simples. É a forma que mais apresentou crescimento de uso no português do Brasil quando analisada paralelamente junto às outras formas concorrentes em outros estudos, como em Oliveira (2006). 3.2. A DESCRIÇÃO DO VERBO ANDARE E DA PERÍFRASE ANDARE A + INFINITO NO ITALIANO Considerando os estudos mais recentes sobre as construções perifrásicas por gramáticos e teóricos na língua italiana, como Bertinetto (1991), é possível definir as perífrases como construções formadas por um verbo modificador que promove mudanças gramaticais e por um verbo principal que mantém o seu significado lexical. 44 Segundo essa perspectiva a perifrasticidade de uma construção depende diretamente do grau de auxiliaridade alcançado pelo verbo modificador, e pela consequente organicidade semântica e sintática dos constituintes. O conceito de auxiliaridade, assim como aquele de perifrasticidade, pode ser considerado escalarmente. Em outras palavras, diversos verbos dentre os quais andare (ir), compartilham, mais ou menos, os mesmos traços prototípicos dos auxiliares temporais propriamente ditos essere/ser e avere/ter, os quais passaram pelo processo de dessemantização e de perda da autonomia sintática. Estudos preliminares mostraram a Gramaticalização de verbos plenos em auxiliares, em âmbito geral; no entanto, esse estudo, mais focado, busca analisar apenas o verbo andare na estrutura perifrásica andare a + infinito. 3.2.1. A CARACTERIZAÇÃO DO VERBO ANDARE Segundo a Enciclopédia Treccani Italiana em sua versão on-line, o verbo andare é definido como um verbo de movimento. Essa categoria de verbo exprime de diversas formas a mudança de posição de uma entidade de um ponto a outro no espaço, ou metaforicamente, no tempo. É um dos verbos cuja definição precisa é mais árdua, tal como é igualmente difícil delimitar o campo semântico do movimento. De fato, até mesmo as gramáticas abordam frequentemente os verbos de movimento como uma categoria à parte. Em 1990, foi elaborada uma Gramática do Italiano, de origem dinamarquesa, por Back & Schmitt Jensen (1990: 641), na qual há um capítulo dedicado aos auxiliares temporais com a exposição, em ordem alfabética, dos seguintes verbos de movimento: (1) affondare, andare, approdare, arrivare, ballare, balzare, cadere, camminare, cavalcare, correre, emigrare, entrare, giungere, nuotare, partire, passare, passeggiare, penetrare, pervenire, rincasare, ritornare, riuscire, salire, saltare, 45 sbvarcare, scappare, sendere, scivolare, scorrere, spartire, tornare, uscire, venire, viaggiare, volare. Dardano & Trifone (1997: 123, 353 seg.) listam em seus exemplos os seguintes verbos que indicam o lugar para o qual alguém ou alguma coisa se dirige: (2) andare, arrivare, cadere, correre, dirigersi, entrare, fuggire, girare, giungere, partire, passare, rimettere, ritornare, salire, scendere, tornare, trasferirsi, uscire, venire. Deve ficar claro que é possível acrescentar outros verbos a esses, como por exemplo: sedersi e alzarsi, avvicinarsi e allontanarsi. Essas listas, portanto, estão abertas, não formando um inventário completo. Dentre os verbos que foram até agora mencionados, existem muitos que apresentam uma frequência de uso muito alta. O C-ORAL ROM, de Cresti & Moneglia (2005:105) aponta, dentre os cem verbos mais frequentes na língua italiana, o verbo andare, como se mostra abaixo: (3) andare, venire, partire, arrivare, portare, entrare, passare, riuscire, tornare, seguire, uscire. Por meio dessas listas, podemos evidenciar que o verbo ir é um dos verbos mais utilizados na língua italiana. Essa alta frequência de uso é determinante para que a estrutura com o verbo andare tenha sido direcionada para o fenômeno da Gramaticalização. 3.2.2. PROPRIEDADES DOS PRINCIPAIS VERBOS DE MOVIMENTO Os verbos andare e venire, que estão presentes nas três listas mencionadas dos verbos mais frequentes no italiano, descrevem movimento no espaço de referência. Ambos os verbos são de movimento dêitico, e, enquanto andare expressa um movimento em direção a um lugar distante do falante ou do interlocutor, venire expressa direção a um lugar próximo. Tanto andare quanto venire possuem um papel de destaque 46 na morfologia verbal, enquanto operam como auxiliares da voz passiva, que no italiano, ao contrário da forma sintética latina, é sempre representada por formas analíticas com a presença de um auxiliar. O significado de base de andare é aquele de “mover-se, deslocar-se”, incluindo meios de transporte (carros, trens, aviões), de um lugar a outro; frequentemente com um complemento locativo, explicitando-se a direção do movimento, como em 5*: 1. perché non andiamo in città, qualche volta? (Ginzburg, 1961, p.85 apud Enciclopedia Treccani, 2011) // porque não vamos até a cidade qualquer hora? 2. era stato il medico libanese a chiedere di andare a Beirut (Maggiani 1995, p.247 apud Enciclopedia Treccani, 2011) // tinha sido o médico libanês a pedir para ir a Beirute. Em muitos casos, ocorrem inclusive com um complemento de modo indicando o meio de locomoção (a pé, de trem, a cavalo, de avião, etc.): 3. vado, di solito, con l’autobus (Ginzburg 1961, p.25 apud Enciclopedia Treccani, 2011) // Costumo ir de ônibus. 4. da Firenze va in macchina, va in auto (LIP 1993: FC 5 apud Enciclopedia Treccani, 2011) // vem de carro de Firenze, vai de carro. Andare também é metaforicamente utilizado para expressar o transcorrer do tempo e o desenrolar de um evento: 5. per molti anni le cose andarono bene (Maraini 2004, p.77 apud Enciclopedia Treccani, 2011) // por muitos anos as coisas estiveram bem. Unido a um complemento de finalidade (a ou per + infinito), andare possui também o sentido de “deslocamento com uma determinada finalidade para fazer algo”: 6. il Purillo andò a chiamare un medico (Ginzburg 1961, p.42 apud Enciclopedia Treccani, 2011) // o Purillo foi chamar um médico. 5 Todos os exemplos apresentados foram retirados da Enciclopedia Treccani dell’Italiano, e suas traduções foram realizadas de forma livre pelo autor desse texto na íntegra. 47 Em outros contextos, tanto andare quanto venire possuem a mesma função de verbo auxiliar, junto ao particípio passado, gerúndio ou infinitivo. Em combinação com o particípio passado, tanto andare quanto venire se apresentam como auxiliares nas construções da voz passiva. Como auxiliar da passiva, andare possui duas acepções, uma modal e uma aspectual. Nos próximos exemplos, o uso modal 7., expressa necessidade e obrigação, já no aspectual 8., expressa um aspecto resultativo. Esse último uso é possível apenas com um número limitado de verbos, pertencentes à esfera semântica de perda e destruição. Estilisticamente, o uso aspectual pertence a um nível bastante elevado da língua, enquanto o uso modal também aparece no uso oral: 7. poi ho fatto quello che andava fatto (Maggiani 1995, p.258 apud Enciclopedia Treccani, 2011) // então fiz aquilo que deveria ser feito. 8. sono andati persi, li ho bruciati, sono marciti (Maggiani 1995, p.283 apud Enciclopedia Treccani, 2011) // foram perdidos, os queimei, não servem mais. Tanto andare quanto venire + gerundio formam perífrases verbais, e indicam ações que se repetem ou que possuem continuidade: é a chamada perifrasi continua (Bertinetto 1991, p.138): 9. i libri che andavo consultando ai tempi delle mie ricerche su Pascal (Maggiani 1995, p.246 apud Enciclopedia Treccani, 2011) // os livros que consultava no período de minhas pesquisas sobre Pascale. Andare e venire também formam construções perifrásicas com a + infinito: andare a + infinito significa “stare per, essere sul punto di”: 10. proprio su quest’ultima area si concentra il commento di Elia, nostro collaboratore che ora andiamo a sentire (www.ecn.org apud Enciclopedia Treccani, 2011) 48 // exatamente sobre essa última área é que os esclarecimentos de Elia se referem, nosso colaborador que agora vamos ouvir. 11. e tu lo sai come va a finire, vero? (Maggiani 1995, p.276 apud Enciclopedia Treccani, 2011) // e você sabe como isso vai terminar, concorda? Segundo dados da própria Enciclopedia Treccani, enquanto a estrutura andare a finire é definida como uma construção lexicalizada, andare a sentire com sentido de futuro imediato apresenta uma conotação um tanto quanto burocrática e retórica. A partir dessa observação, é possível concluir previamente que embora o uso seja atestado, não apresenta plena aceitação. É notável um certo preconceito quanto ao uso dessa forma para a expressão de um futuro imediato, no entanto é atestada enquanto uso em um manual de referência da língua italiana, o que contribui para corroborar com as hipóteses que serão posteriormente evidenciadas nesse trabalho. Tanto andare quanto venire são verbos utilizados na formação de diversas construções idiomáticas da língua, como por exemplo: andare via (ir embora), andare avanti (seguir adiante), venire in mente (vir à mente), dentre outras. Um traço comum de alguns verbos de movimento, incluindo andare é o fato de pertencerem ao grupo de verbos denominados em restruturação (Enciclopedia Treccani, 2011), ou seja, permitem o deslocamento do clítico à direita do verbo no infinitivo vado a prenderlo, mas também à sua esquerda lo vado a prendere. 3.3. A DESCRIÇÃO DA PERÍFRASE ANDARE A + INFINITO NA LITERATURA LINGUÍSTICA DO ITALIANO As perífrases verbais no italiano encontram seu principal e mais aprofundado desenvolvimento teórico em Bertinetto (1991). O autor, em seu exaustivo trabalho, 49 busca uma definição minimamente satisfatória sobre os critérios de identificação e hierarquia de perifrasticidade, considerando insuficiente, por assim dizer, a compilação bibliográfica anterior de trabalhos sobre o assunto. É notável citar que o autor busca em seu trabalho, expor um estudo amplo sobre os critérios de perifrasticidade que muito se assemelham aos mecanismos de Gramaticalização num continuum, evidenciados por Heine (1991). Por meio de uma vasta lista, embora considerada não plenamente suficiente pelo autor para precisar uma definição dos critérios de perifrasticidade, Bertinetto expõe um ponto de vista detalhado, respaldando-se em estudos prévios como o de Dietrich (1973). Abaixo são elencados alguns critérios descritivos que buscam expor quais os processos que influem para a distinção paradigmática das perífrases verbais no contexto do sistema verbal do italiano: (A) Integração semântica: Uma perífrase expressa um significado complexo que não pode ser vislumbrado a partir da soma dos significados individuais dos lexemas que a compõe. Esse é um critério universal de perifrasticidade. (B) Estrutura morfológica: Toda construção perifrástica é expressa pela presença de um verbo modificador ou auxiliar conjugado em algum tempo verbal finito aliado a um verbo principal, não conjugado em uma forma verbal não-finita (gerúndio, particípio ou infinitivo). Segundo Bertinetto, a presença de um elemento de ligação entre esses elementos é uma característica variável, podendo ser na maioria dos casos uma preposição, e em outros raros casos conjunções. Esse é também considerado um critério geral, embora nem sempre seja explícito. (C) Número restrito de modificadores: É uma discussão que envolve muitos estudiosos da área. Em cada lista elaborada verifica-se uma quantidade distinta de 50 verbos que são colocados na lista de modificadores. (Dietrich, 1973, p.9 In: Bertinetto, 2003) aponta a seguinte lista: - verbos de estado: essere, stare, sedersi,... - verbos de movimento: andare, venire, tornare, volgersi,... - verbos de posse: avere, tenere,... - verbos que indicam uma ação direcionada ao objeto: prendere, portare,... - verbos que indicam uma fase do evento: começar, continuar, terminar,... (D) Dessemantização dos modificadores: Os modificadores também atuam autonomamente com um sentido pleno. Esse sentido, no entanto, revela-se comprometido quando o verbo se encontra na construção de uma estrutura perifrástica, sendo notável seu esvaziamento semântico. (Martin, 1971. In: Bertinetto, 2003), (Dietrich, 1973. In: Bertinetto, 2003), (Coseriu, 1976. In: Bertinetto, 2003), (Böckle, 1980. In: Bertinetto, 2003), (Schemann, 1983. In: Bertinetto, 2003) falam sobre subducção ao tratar desse argumento. É pertinente evidenciar que um desdobramento desse critério seria chamado por (Schemann, 1983:5. In: Bertinetto, 2003), de subordinação semântica do modificador (E). (F) Organicidade sintática: Esse é um critério unânime entre os estudiosos dos fenômenos de Gramaticalização, e prevê que as perífrases, como unidades sintaticamente compatíveis, não podem ter seus elementos constituintes separados por um número muito amplo de elementos outros, restringindo-se inclusive a certos parâmetros. A interposição de alguns elementos gramaticais na perífrase andare a + infinitivo, como advérbios locativos, provocam um ressurgimento do sentido pleno do verbo andare na construção. 51 (G) Organicidade semântica: Quando as perífrases são modificadas por um advérbio, por exemplo, todo o conjunto sofrerá alteração de sentido, conforme expresso pelo critério acima. (Dietrich,1973: 153-154. In: Bertinetto, 2003) cita os seguintes exemplos: - comincia rapidamente a dire ( = é veloz na ação de iniciar a falar) - quer decididamente vir ( = está decididamente intencionado a vir) - Il veut biêntôt rentrer ( = deseja retornar logo) Apenas o primeiro enunciado, respeitando o critério em questão, se qualificaria como uma possível perífrase. Nos dois exemplos posteriores, o advérbio modifica tanto o modificador quanto o verbo principal. (H) Oposição funcional: Esse critério é uma reunião conceitual dos critérios (A, D, E e F). Este aponta assim como àqueles, que as autênticas perífrases são submetidas a testes de comutação somente no caso de integridade, não sendo considerados, portanto, individualmente cada elemento que compõe a estrutura. (I) Relevância tempo-aspectual: Bertinetto, com base nas considerações de (Coseriu,1976: 99. In Bertinetto, 2003) afirma que as perífrases verbais envolvem as noções de Schau e/ou Phase. Essa última sugere valências semânticas dos tipos: iminencialidade, incoatividade, continuatividade, egressividade, etc. Já a primeira noção envolve o ponto de vista que é assumido em relação ao desenvolvimento de um processo referindo-se, desse modo, diretamente à dimensão aspectual. (J) Generalização: É um conceito que implica à própria aplicabilidade da estrutura no contexto de cada língua. Por certo, a incompatibilidade será evidente em certos casos, no que concerne a transferência de uma língua à outra. A Generalização implicará, por vezes, em uma insuficiência conceitual, visto que uma mesma estrutura nem sempre se 52 aplicará a outro contexto, no que tange, por exemplo, a questão mencionada acima relacionada à transferência entre línguas. Bertinetto (2003) discorre sobre as diferentes nuances de possibilidades de uso de uma mesma estrutura formal em diversas línguas neolatinas que não seguem necessariamente os mesmos parâmetros do italiano. Segundo as observações de (Rohrer, 1977 e Schmitz, 1982. In: Bertinetto, 2003), a perífrase progressiva espanhola e do português do Brasil aceita um acompanhamento de verbos estativos, enquanto que (Fente et alii., 1983. In: Bertinetto, 2003) mencionam que, no francês, é possível a ocorrência de locuções do tipo je vais aller.” O tratamento teórico dado às formas perifrásticas na maior parte dos estudos italianos apresenta um posicionamento carregado de preconceitos e abstrações derivado de um sistema nocional de matriz estruturalista e, portanto, incapaz de dar conta de matizes de sentido das diversas formas perifrásticas em relação ao contexto ao qual estão inseridas. O autor em seu posicionamento cita: 6« ... certo, non v’è dubbio che ogni perifrasi acquista un senso preciso in relazione al contesto; e tuttavia la descrizione grammaticale deve potersi fondare su un ragionevole livello di astrazione. » (Bertinetto, 1988: 335) Nesse sentido, é clara a postura do autor em defesa de um critério nocional que incida no contexto, ou seja, nas nuances que o mesmo pode soerguer através de matizes semânticos. (Martin e Blücher, 1973 In: Bertinetto, 2003) falam sobre a presença de vazios de conjugação em alguns padrões de perífrases, sugerindo que esses vazios em relação ao paradigma verbal comum seriam um fator de não identificação com esse padrão, tratando-se então de um autêntico status perifrástico. Desse modo, poder-se-ia 6 “... por certo, não há dúvidas que cada perífrase adquire um sentido preciso em relação ao contexto, portanto a descrição gramatical deveria abrir caminho para um possível nível de abstração.” 53 considerar que a perífrase progressiva stare + gerundio teria um status +perifrástico que andare + gerundio, visto que este último se conjuga segundo todos os tempos verbais e o outro não. Bertinetto é adepto dessa visão quando afirma que a manifestação de um fenômeno de desvios parece indicar que algumas perífrases estão tão integradas ao sistema morfológico, que algumas categorias aspectuais seriam preponderantes a outras. Conclusões extraídas a partir do estudo exaustivo de Bertinetto sobre os critérios de perifrasticidade, de um modo amplo, mostram que os critérios expostos não são por si mesmos discriminantes, e não definem o fenômeno, embora os mesmos forneçam questões de caráter fundamental. E, segundo ele, as perífrases, pelo fato de representarem instrumentos gramaticais com efeitos relativamente ambíguos e evasivos, as mesmas são analisadas como um fenômeno dificilmente delimitável, embora presente. As constatações acerca de um mecanismo cíclico, no que tange à trajetória que hoje é observada quando se toma em questão o fenômeno das perífrases verbais, são muito plausíveis e demonstram uma lógica segundo a qual os Tempos Verbais Compostos são nada mais que uma forma plenamente gramaticalizada que, hoje, é parte integrante da morfologia verbal das línguas em termos gerais. Segundo Bertinetto, esse é um exemplo paradigmático no sentido de que as Perífrases Verbais percorreram ao longo do tempo um longo caminho que, teoricamente, está aberto a qualquer locução. No que se pode denominar, uma escolha teórica, Bertinetto inclui os tempos verbais compostos tecnicamente como Perífrases gramaticalizadas. Esse estatuto, no entanto, deve ser cuidadosamente verificado para que se evite uma generalização acerca da definição de Perífrase Verbal. Essa estrutura formal apresenta algumas fronteiras delimitáveis que, conforme já apontado em outros estudos 54 teóricos, tal como em Pontes (1973) e Cunha e Cintra (2001), devem ser levadas em consideração, a despeito de possíveis divergências teóricas. No entanto, em relação às suas ideias supramencionadas, Bertinetto (1988: 342) afima: 7 « ... sarebbe irragionevole aspettarsi che ogni locuzione perifrástica riesca a raggiungere questo medesimo traguardo, e quand’anche fosse, il nostro punto di osservazione, legato ad um particolare stadio sincronico, ci porterebbe comunque a constatare livelli diversi di grammaticalizzazione da parte dei vari candidati allo status di perífrase pienamente realizzata» Os fenômenos linguísticos, como um todo, não são redutíveis a meros critérios de identificação rígidos e absolutos, e isso pode ser averiguado em relação a quase todos os fenômenos lingüísticos macroscópicos. Nesse sentido, a Gramática de Construções dentro de uma visão funcionalista propõe que as mudanças, ou seja, as estruturas mais vulneráveis às mudanças pragmáticas são justamente aquelas que mantém as freqüências de uso mais elevadas (Hopper & Traugott, 2003). Ainda seguindo a linha de raciocínio bertinettiana, o mais adequado modo de delimitar o âmbito desses fenômenos, consistiria em dispô-los em um sistema escalar, de crescente nível de pertinência. Em sua teoria, Bertinetto sustenta que quanto mais rico e articulado o número de parâmetros de análise, maior será a capacidade cognitiva, e consequentemente a definição. Essa é uma tendência de estudo que não se distingue 7 “... seria insensato considerar que toda locução perifrástica alcance um mesmo padrão, e, ainda que assim o fosse, o nosso ponto de observação, ligado a um estágio sincrônico particular, levar-nos-ia, de qualquer modo, a constatar níveis distintos Gramaticalização quando considerados os vários candidatos ao estatuto pleno de perífrase.” 55 muito de grandes linhas teóricas mundo afora, quando nos referimos a Moura Neves (1997), Martelotta (2010, 2011), Hopper & Traugott (2003), Heine (1991, 2002) et alii. Baseando-se nessa perspectiva, os estudos de Keenan (1985) consistem na desfragmentação da noção unitária de sujeito, em uma gama de parâmetros, cuja múltipla ativação nas diversas línguas consente uma definição de um grau específico de atualização dessa noção sintática em cada sistema lingüístico abordado. O mesmo é aplicável a (Ramat, 1987, In: Bertinetto, 2003), que lista um conjunto de critérios para fixar o variável nível de auxiliaridade que compete aos verbos candidatos a assumir o papel de auxiliar nas línguas naturais. Dentre os critérios que foram analisados, alguns podem ser interpretados em termos absolutos. Os critérios referentes à Integração Semântica (A) e aos Números restritos de modificadores (C) são tidos como indispensáveis no processo de identificação de uma estrutura perifrástica, e considerados como requisitos mínimos do grau de perifrasticidade. Como pontua Bertinetto (1988), todos os demais critérios são facilmente reinterpretados em sentido escalar. O autor elaborou uma exemplificação feita em escala, pautada em dados de pesquisas pessoais sobre as perífrases no italiano. Os graus variam de maior a menor perifrasticidade da esquerda para a direita, ou seja, quanto mais se desloca para a direita, menor a escala, até o alcance de uma ausência total de conotação perifrástica. Considerando a maior ou menor relevância de um ou outro caso, essa dissertação buscou apontar os casos principais, que implicariam para as conclusões finais, sendo que os critérios mais preponderantes além dos outros dois apontados, seriam a Escala de Dessemantização e de Endocentrismo, critérios (D) e (E), a Escala de Organicidade Sintática (F) e a Escala de Pertinência Tempo-Aspectual (L). 56 Em (D – E), nota-se: « Stare + Gerundio » > « Cominciare a + Infinito » > « Scoppiare a + Infinito » > « Riuscire a + Infinito » Os verbos modificadores representados possuem, cada um, suas devidas caracterizações morfossintáticas, no entanto, suas caracterizações icônicas, ou suas marcas semânticas são fatores que distinguem contextos de maior ou menor grau de perifrasticidade. Em (F), nota-se: « Sta studiando » > « sta in camera, studiando accanitamente » (“Está estudando” > “está no quarto, estudando ferozmente”) Esse exemplo é um clássico. A partir de uma análise cuidadosa, é possível depreender que quanto maior é a distância entre os elementos constituintes da construção, maior será, também, sua possibilidade de desagregação, de perda da concepção de um sentido unitário. Em (L), a hierarquia indicada entre as duas seguintes perífrases se justifica com base no fato de que a noção de ponto de vista aspectual (Schau) é mais central que a noção de fase no domínio semântico considerado: « Andare + Gerundio » > « cominciare a + Infinito» > « andare + Part. Perfetto » A questão da hierarquia de perifrasticidade, conforme cita Bertinetto, requer uma união das escalas expostas acima. Isso equivaleria a traçar um critério para avaliar o nível de Gramaticalização alcançado por cada uma das estruturas ao papel de uma verdadeira perífrase. Detalhamentos acerca da hierarquia de perifrasticidade não cabe a esse estudo, visto que aqui, almeja-se tratar de uma única estrutura que alcança, de certo modo, os 57 principais critérios, segundo as teorias funcionalistas, de um estatuto perifrástico. Em outros estudos, tais como os de Amenta (2002) e Van Hecke (2005), constata-se que Andare a + Inf., – que não ganha um amplo espaço nas considerações de Bertinetto – possui um estatuto perifrástico, ainda que essa mesma estrutura mantenha parâmetros de uso perceptivelmente variáveis no italiano atual, tal como se poderá observar com um maior detalhamento no capítulo 5 dessa Dissertação. 58 4. REFERENCIAL TEÓRICO 4.1. PRESSUPOSTOS FUNCIONALISTAS A Teoria Funcionalista concebe a linguagem como um fenômeno mental e primariamente social (sócio-cognitivo); uma Entidade não autônoma (“não existe em si e por si”; “existe em virtude de seu uso para o propósito de interação social”) – correlacionada e determinada por fatores sócio-comunicativos e/ou sóciocognitivos. Nessa corrente teórica, importa explicar as regularidades observadas no uso com base no exame das circunstâncias discursivas em que se dão as estruturas linguísticas e seus contextos prototípicos. Dessa forma, tudo na língua pode ser explicado basicamente pela referência ao modo como é usada/funciona. A Gramática Funcionalista também se interessa pela descrição de tendências gerais identificadas em diferentes línguas, visto que nela se encontram o geral e o específico. A Gramática Funcional Holandesa de Dik (1989), por exemplo, mostra-se preocupada com o estudo tipológico das línguas, com a descrição de universais de funcionamento das línguas. Por tal motivo, que a Gramática Funcional pode ser entendida como uma teoria geral da organização das línguas. Essa Dissertação leva em consideração as teorias do linguista (Martinet, 1994: 14), que afirma que o que deve constantemente guiar o linguista é a preocupação com a competência comunicativa: “toda língua se impõe (...), tanto em seu funcionamento como em sua evolução, como um instrumento de comunicação da experiência”, entendendo-se como experiência “tudo o que [o homem] sente, o que ele percebe, o que ele compreende em todos os momentos de sua vida”. (Martinet, 1994: 14) O objetivo de qualquer abordagem funcionalista de uma língua natural resulta na verificação de como se obtém a comunicação em uma determinada língua, ou seja, como os usuários desta se comunicam linguisticamente de modo eficiente. 59 A caracterização do Funcionalismo não é uma tarefa fácil, visto que a maior parte dos rótulos que se conferem aos estudos ditos “funcionalistas” mais representativos, geralmente se ligam diretamente aos nomes dos estudiosos que os desenvolveram, não às características definidoras da corrente teórica em que eles se colocam. É importante considerar que, nessa corrente, por outro lado, embora se distingam peculiaridades que marcam os diferentes modelos, há que se destacar uma série de similaridades compartilhadas com esses diferentes modelos. Givón (1995), em sua obra Funcionalismo e Linguagem afirma que a língua (a gramática) não pode ser descrita como um sistema autônomo, já que a mesma não pode ser entendida sem referência a parâmetros como cognição e comunicação, processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação, aquisição e evolução. Ainda segundo aponta Nichols, (1984: 97), a gramática funcional, embora analise a estrutura gramatical, inclui na análise toda a situação comunicativa: o propósito do evento de fala, seus participantes e seu contexto discursivo. O caráter dinâmico da língua talvez seja a conceituação chave que caracteriza a linguagem segundo a teoria funcionalista. O dinamismo da língua consiste justamente na instabilidade da relação entre estrutura e função, força que está por detrás do constante desenvolvimento da linguagem. As teorias Funcionalistas convergem sobre as considerações de que a atividade comunicativa não se estabelece ao acaso, mas é regida por algumas normas, regras, que constituem o sistema linguístico. Para tal estudo, esta dissertação se fundamenta na conjugação de orientações de enfoques funcionalistas. Pauta-se na proposta dos Parâmetros e Mecanismos de Gramaticalização de Heine (1993), no amplo estudo sobre as Perífrases Verbais de Bertinetto (1988, 1991, 1993, 2003), além de buscar em outros 60 estudos funcionalistas propostas similares àquelas dos fundamentadores das bases teóricas dessa pesquisa. 4.2. GRAMATICALIZAÇÃO E FUNCIONALISMO Ainda hoje, leigos e até mesmo alguns estudiosos de fenômenos lingüísticos crêem erroneamente na concepção de Gramaticalização como um caso linguístico relativamente novo. No entanto, esse é um fenômeno tão antigo quanto os próprios lingüistas, e o termo foi cunhado apenas em 1912, por Meillet. Estudos modernos em Gramaticalização surgiram apenas na década de 70, com os trabalhos de Givón, que argumentou que para a compreensão da estrutura de uma língua, seria necessário o conhecimento de como a mesma se desenvolveu. A sua icônica frase “A morfologia de hoje é a sintaxe de ontem” abriu uma nova perspectiva para a compreensão da gramática. E estudos descritivos e novas teorias linguísticas se desenvolveram abrindo espaços para novos campos lingüísticos tais como a linguística de corpora, os estudos fonológicos, os estudos em aquisição de linguagem e a sociolinguística. A Gramaticalização fundamentou-se como um campo independente de estudo inserido na órbita da linguística com os trabalhos de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) e Hopper and Traugott (1993), e, desde então, inúmeros outros estudos posteriores têm contribuído para as definições desse princípio, e aberto possibilidades de visões acerca das mudanças pelas quais passam as línguas. Trata-se de um fenômeno amplo, e atualmente, tendo ampliadas suas possibilidades teórico-conceituais, não mais se restringe a um estudo histórico-diacrônico local, ou seja, de um determinado item lexical, mas se estende também à sincronia, à visão de como um modelo lingüístico, seja um item lexical ou uma estrutura, e suas possíveis variações de formas se 61 comportam na língua em uso, podendo expandir seus contextos ou se extinguir segundo um comportamento pautado no uso dos falantes. Uma das questões foco quando se abordam as perífrases verbais gira em torno do grau de auxiliaridade dos verbos que formam essas estruturas. Geralmente os verbos auxiliares mantêm-se à esquerda do verbo principal na estrutura, e, detém um papel primordial na morfologia e na semântica dessas estruturas que junto a um verbo principal em uma de suas formas não finitas podem provocar modificações significativas em todo um determinado contexto de uso. Tradicionalmente a indagação dos autores gira em torno da seguinte questão: Os auxiliares seriam uma classe separada de verbos, ou pertenceriam à tradicional classe dos verbos? Esse questionamento também concerne ao fato de ser ou não uma categoria universal. No entanto, a questão de uma língua ter ou não auxiliar dependeria crucialmente do tipo de critério adotado para se dizer que um verbo é auxiliar ou não. A hipótese funcionalista sobre a auxiliaridade verbal gira em torno do fato da inexistência de categorias discretas, não havendo, portanto, um limite separando os auxiliares dos verbos plenos: os dois fazem parte de um continuum ou gradação. Heine (1991) busca apontar como os auxiliares são formados nas línguas sugerindo a existência de um continuum de Gramaticalização, que leva um verbo pleno a ser utilizado como auxiliar. Segundo os pressupostos do autor, os auxiliares são categorias que expressam conceitos gramaticais relacionados ao estado temporal (tempo), o contorno temporal (aspecto) e o tipo de realidade (modalidade) de conteúdos proposicionais. Para o autor, as expressões linguísticas para esses conceitos são derivadas de formas de expressão para noções gerais que podem ser expressas linguisticamente por alguns verbos, que são parte de um conceito complexo maior chamado por Heine de esquema de eventos: 62 a. Lugar (onde alguém está): estar em, ficar em, viver em, permanecer em, etc. b. Movimento (para / de / através de onde alguém se move): ir, vir, mover, passar, etc.; c. Atividade (o que alguém faz): fazer, pegar, continuar, começar, terminar, agarrar, pôr, etc.; d. Desejo (o que alguém quer): querer, desejar, etc.; e. Postura (a maneira como o corpo de alguém está situado): sentar, estar em pé, deitar, etc.; f. Relação (o que alguém parece; a que alguém está associado; alguém pertence a): ser (como), ser (parte de), estar acompanhado por, estar como, etc.; g. Posse (o que alguém possui): conseguir, possuir, ter, etc. O esquema de movimento, que é especificamente o qual interessa a essa pesquisa, envolve, sobretudo, os verbos ir e vir como predicados, mas podem ser acrescidos outros como mover (-se), andar, passar, chegar e partir/deixar. Heine exemplifica esse esquema com uma ocorrência clássica de Gramaticalização do inglês, a estrutura be going to, que indica futuro no inglês moderno, e um caso do francês venir de, que indica passado, e assim defende a ideia de que o esquema de movimento é mais comumente associado às categorias de tempo. Referindo-se ao caso de Gramaticalização citado, do inglês, Heine (1991) afirma que até o verbo to go apresenta características evidentes de um elemento gramatical, tal verbo passa por diversos estágios, chegando à fase de ambiguidade semântica, em que é possível interpretar um evento como um movimento ou como um morfema de tempo futuro simultaneamente. 63 Quadro 1: Continuum de Gramaticalização de Heine (1991) Estágio / Conceito: (I) John is going to town soon. (II) (III) John is going to work soon. John is going to get sick soon. _____________________________________________________________________ Fonte Fonte/Alvo Alvo (Quadro Continuum de Gramaticalização configurado pelos polos source (origem) e target (alvo) (Heine, 1993: 49)). O modelo de transição supracitado pode ser analisado numa perspectiva diacrônica, entendendo tal processo como um desenvolvimento ao longo do tempo, ou sincrônico, entendendo que os três usos referentes aos estágios (I, II e III) convivem numa mesma sincronia. Segundo o princípio de divergência descrito por Hopper & Traugott (2003), os usos lexicais e gramaticais de uma mesma unidade linguística podem coexistir. Esse argumento ratifica a ideia de que a Gramaticalização é um processo de Mudança Linguística que pode tanto ser observado no eixo diacrônico, como no sincrônico, ou em pancronia. Heine (1993) descreve que os conceitos concretos ou esquemas de eventos são tratados como itens de origem (source items), e os conceitos gramaticais formados a partir daqueles são tratados como itens alvo (target items). Embora o autor proponha estágios intermediários, a transição de um conceito de origem para um conceito alvo não é um processo discreto, mas sim um continuum. Desse modo, a concepção que se deve ter desses estágios intermediários é a de posições fluidas e graduais. A Gramaticalização é um processo linguístico por meio do qual alguns elementos de conteúdo lexical se desenvolvem, no decorrer do tempo, e se tornam elementos gramaticais, passam a mais gramaticais ainda, apresentando-se mais previsíveis no que diz respeito ao seu uso. Remete tanto à diacronia quanto à sincronia no processo de 64 organização categorial e de codificação, ainda que, em momentos anteriores remetesse a um processo unicamente diacrônico8. No entanto, a orientação de Heine pende muito mais para um estudo de caráter sincrônico do que para o modelo diacrônico. A sincronia busca analisar o processo em si, em seu desenvolvimento, levantando a questão dos mecanismos internos de mudança, que relacionados em estágios sucessivos, induzem à mudança e à sobreposição de formas conforme expresso: * O item A é recrutado para a Gramaticalização; * Esse item adquire um segundo padrão de uso, B, de modo que há uma ambigüidade entre A e B; * Finalmente A é perdido, ou seja, somente B passa a existir. A Gramaticalização de expressões linguísticas envolve 4 mecanismos, sendo que cada um concerne a um aspecto diferente da estrutura da língua: (i) nível semântico, (ii) nível pragmático, (iii) nível morfossintático, (iv) nível fonético: 1º Dessemantização (ou Bleaching) concerne ao processo de redução semântica, ou seja, perda de conteúdo semântico. Os elementos envolvidos no processo de Gramaticalização perdem valor representacional, e ao assumir uma nova função gramatical, adquirem funções de natureza pragmático-discursiva. 2º Extensão (Generalização contextual) concerne ao uso em novos contextos. Nessa etapa, o elemento tende a perder parte de seu sentido original ao ser utilizado em novos contextos. 8 O recorte estabelecido pelos historicistas do final do século XIX resulta de uma visão predominante à época, pois a grande escola que abria caminhos de pesquisa no ocidente obedecia a uma orientação histórico-comparativista. 65 Subestágios: I. O sujeito é tipicamente humano, o verbo expressa um conceito lexical e o complemento, um objeto concreto ou um lugar. II. O complemento passa a expressar uma situação dinâmica. III. O sujeito não é mais associado com referentes humanos, e o verbo adquire uma função gramatical. (Heine, 1993, p. 54). 3º Decategorização (Mudança categorial) concerne em perda de propriedades morfossintáticas características das formas-fonte, incluindo perda do status de palavra independente (cliticização, afixação). O processo de decategorização segundo Heine, é o resultado da transposição de [sujeito – verbo complemento] para [sujeito – marcador gramatical (auxiliar) – verbo principal]. Como consequência da decategorização, a unidade linguística em processo de Gramaticalização ganha propriedades de um marcador gramatical de tempo, aspecto ou modalidade. Nessa etapa, o item verbal passa a ocupar uma posição adjunta ao verbo principal. Assim como os clíticos pronominais, os auxiliares caracterizam-se por terem a aparência de um apêndice morfofonológico, formando junto com o verbo principal, um único vocábulo fonológico. 4º Erosão concerne à redução fonética, ou seja, perda de substância fonética. De acordo com Heine, essa erosão provoca perda do tom distintivo ou acento. O elemento tende a sofrer coslescência (fusão de formas adjacentes) e condensação (diminuição de forma). As perífrases verbais são estruturas que, indubitavelmente, estão sob o efeito do processo de Gramaticalização, tanto que o fator primordial de identificação das mesmas é o fato de terem alcançado, senão todos, ao menos alguns dos mecanismos evidenciados por Heine. 66 Com base nesses quatro parâmetros que podem acompanhar um item verbal durante seu processo de mudança, Heine (1993) elencou sete estágios de Gramaticalização, designados como: Estágio A, Estágio B e assim por diante até o Estágio G. Esses estágios foram formulados tendo em vista um continuum chamado Verb-to-TAM, que é uma representação do percurso de mudança pelo qual as unidades linguísticas passam de verbo a marcador de Tempo, Aspecto e Modalidade (TAM). O Estágio A é o dos esquemas de origem (objetos concretos, processos ou localizações). Os verbos apresentam seu significado lexical completo e possuem complemento que configura algum esquema de eventos. Os exemplos apresentados por Heine (1993, p. 59) representam respectivamente, localização, movimento, ação e volição: 1. Judy está na estação. 2. O trem veio de Hamburgo. 3. Ele pegou o trem. 4. Meu amigo precisa de um ingresso. No estágio B, há os primeiros sinais de auxiliaridade, pois se observa um evento sob a forma não finita como complemento do verbo e a identidade do sujeito, entre o verbo e o complemento, não é um requisito obrigatório. Heine (1993, p.59) apresenta os seguintes exemplos: 5. Ele evitou pegar o trem. 6. Ele arrependeu-se de ter me magoado. No Estágio C, o sujeito não está mais restrito a referentes humanos, e o verbo passa a expressar apenas noções de tempo, aspecto ou modo. A ligação entre verbo e 67 complemento é tão significativa que ambos representam uma única unidade semântica e fazem referência às mesmas entidades envolvidas na predicação (os termos projetados pelo predicado). 7. Eu quero voltar. No Estágio D, estão os verbos que perderam a capacidade de formar imperativos, de ser nominalizados ou de integrar uma sentença na voz passiva. Seus complementos são sempre um verbo ou no infinitivo ou no gerúndio. 8. Ele costuma reunir sua correspondência diariamente. No Estágio E, o item não é mais considerado verbo. Ele perde a capacidade de ser negado e de ser usado em diferentes posições na cláusula. Um item no Estágio E é híbrido, porque perde propriedades verbais, mas ganha outras. Segundo Heine (1993, p.63), os modais do inglês como can, may, should e would estão nesse estágio. No Estágio F, o verbo perde as características verbais remanescentes. É um elemento instrumental dentro da gramática e seu complemento passa a ser interpretado como verbo principal. O item passa a ser um morfema preso, no entanto, os resíduos morfossintáticos permitem recuperar a estrutura original. O Estágio G é o final da Gramaticalização: o afixo torna-se uma flexão, não apresentando tom ou acento diferentes do outro verbo. Para Heine, o auxiliar é um item linguístico que codifica um conjunto de usos ao longo do continuum verb-to-TAM (verbo > flexão). O auxiliar não é um elemento final desse continuum, e sim, uma categoria intermediária, havendo a possibilidade de tornarse um afixo ou uma flexão. Sendo uma categoria intermediária, exibe características de estágios intermediários entre o verbo pleno e a flexão: (i) faz parte de um grupo de entidades usadas para expressar tempo, aspecto, modo, número, pessoa, etc.; 68 (ii) apresenta morfossintaxe verbal; (iii) o verbo principal, historicamente complemento, é uma forma invariável, enquanto o auxiliar é responsável pelas marcas gramaticais de pessoa, número, negação, etc., desde que não haja outro verbo auxiliar no complexo com essas marcas como na perífrase (Vou ter escrito) em que ter é auxiliar canônico, no entanto, é ir que possui as marcas gramaticais; (iv) o auxiliar, como resultado do processo de decategorização, ocupa um lugar fixo na cláusula e exibe um comportamento verbal reduzido, perdendo a capacidade de ser apassivado, de apresentar-se de forma imperativa, etc.; (v) como resultado da erosão, o auxiliar não apresenta acento próprio. A Gramaticalização enquanto processo dinâmico reflete não somente o movimento contínuo em torno da estrutura (nas relações estabelecidas), mas também toda uma atividade cognitiva com reflexos na própria estrutura. Nesse processamento, que se inicia por motivações devidas aos usuários da língua, sobreposições da combinação sentido/forma geram ambiguidades, polissemias, que se traduziriam numa assimetria. Tal assimetria, por se constituir um problema comunicativo ao falanteouvinte, será resolvida pela reanálise e analogia que provocariam a paradigmatização da nova forma. Portanto, a movimentação do processo de Gramaticalização pode ser representada num continuum que tanto envolve a variação conceptual quanto a contextual. 69 4.3. MECANISMOS INTRÍNSECOS DE GRAMATICALIZAÇÃO O processo de emancipação envolve a gradual mudança dos padrões semânticos de uma estrutura. A linha de movimento, se assim pode-se dizer, é um continuum que marca inicialmente – considerando o contexto histórico em que a construção começa a ser analisada – o traço + movimento e + intenção que juntos levam a um processo de inferência do traço + futuro. Quadro 2: Linha temporal de traços semânticos *_________>_____________>_____________>____________META [ + MOVIMENTO ] ... [ + FUTURO ] [ + INTENÇÃO ] Quadro de representação das mudanças pelas quais os traços semânticos passam ao longo da trajetória de Gramaticalização. Essa linha temporal exemplifica a construção ir + v. infinitivo no estágio temporal durante os séculos, uma tendência natural expansão de sentidos, ou ainda de modificação dos mesmos. No contexto contemporâneo, o traço + futuro começa a se emancipar frente a um sentido anterior que denotava movimento no espaço, e o traço intenção que também estava presente devido à incidência exclusiva de sujeitos animados. Esse processo será detalhadamente explicitado adiante no capítulo pertinente à análise dos dados dos corpora da pesquisa. Evidenciando o continuum no processo de Gramaticalização, Traugott (1989) e Hopper e Traugott (1993) apontam para um importante mecanismo aplicado a essa mudança relativa aos parâmetros de uso, chamado inferência pragmática. Nesse processo, o locutor deve estar apto a julgar, ou seja, a inferir, quais os detalhes que o 70 interlocutor poderá estocar para formular sua asserção adequadamente, sendo que o mesmo deverá preencher os detalhes não fornecidos pelo falante. Esse processo de inferência foi devidamente elucidado acima, quando percebido que o traço + futuro começa a ser inferido pragmaticamente pelo contexto de uso. Outro fenômeno concernente aos parâmetros de Gramaticalização propostos por Heine (1993) é a extensão ou a generalização de contextos, no qual há o desenvolvimento de usos em novos contextos. Os elementos envolvidos no processo assumem, a partir da emancipação e da inferência pragmática, um novo conjunto de contextos de uso, assim como as características estruturais deles decorrentes. A extensão é um fenômeno gradual que envolve três componentes. São eles: Fator sociolinguístico – A partir desse traço, uma inovação na língua surge de um ato individual e se estende para outros falantes, considerando termos ideais, difundindo-se por toda a comunidade de fala. Fator discursivo-pragmático – envolve o espalhamento do item ou da construção para novos contextos discursivos ou pragmáticos. Fator semântico – Atribui ao elemento, por sua vez, um novo valor, que emerge dos novos contextos. Esse princípio de extensão de sentido para novos contextos relaciona-se com um outro princípio evocado por Werner e Kaplan (1963); o princípio da exploração de velhas formas ou meios para novas funções. De acordo com esse preceito, itens lexicais ou expressões da língua já utilizadas são reaproveitadas, não havendo, portanto, criação de um novo vocábulo ou estrutura complexa, o que determina um processo definitivamente raro e não produtivo nas línguas. 71 Portanto, é a partir desse continuum de extensão de sentidos, que o uso de ir + infinitivo ganha um novo sentido, diferente daquele de exibido pelas partes isoladas ir (verbo pleno) + verbo no infinitivo, tornando-se cada vez mais fixo e gramatical. O princípio de redução semântica propõe que as partes que formam a construção sofrem um contínuo processo de perda de conteúdo semântico, ou seja, seu valor representacional, e, ao assumir a nova função gramatical, adquirem funções de natureza pragmático-discursiva. No caso das construções ir + infinitivo, nota-se não apenas uma extensão de sentido da construção em si, mas um novo valor torna-se admissível em novos contextos. Quadro 3: Extensão de sentido das formas Ir ↓ redução semântica ↑ valor gramatical (auxiliar) ↓ redução representacional Ir + infinitivo ↑ carga semântica ↑ valor semântico-representacional ↑ valor representacional (ampliação do contexto de uso) Quadro de representaçãod as mudanças semânticas que o verbo ir sofre quando está presente na estrutura verbal. A mudança categorial representa a mudança de classe gramatical. É através desse processo que as estruturas tornam-se cada vez mais fixas no processo de Gramaticalização. A erosão, ou redução fonética, mais um princípio de Gramaticalização ocorre quando há a perda da substância fonética do elemento, havendo a coalescência e a condensação das formas. Toma-se como exemplo a construção perifrásica no inglês e no português be going to/ haver de ir. No inglês, a estrutura be going to se gramaticaliza ao ponto de chegar à forma atual gonna. Já no português a estrutura haver de ir perde sua composicionalidade: hey de ir > irei. 72 Importante notar que o Princípio da Quantidade, que dita que o tamanho de um item linguístico é proporcional à quantidade de informações que ele codifica, está intrisecamente ligado à erosão fonética como um mecanismo atuante na Gramaticalização para ajustar formas antes lexicais ao domínio das formas gramaticais, normalmente composto por palavras de curta extensão fonológica, como é o caso dos pronomes, preposições, conjunções, clíticos, afixos, etc. O mecanismo de erosão fonética liga-se, também, à frequência relativa de uso, uma vez que quanto mais presente no discurso, maior a possibilidade de desgaste de um item, em razão de sua previsibilidade em contextos discursivos apropriados. Bybee, (2010). A frequência textual das formas em Gramaticalização é um dos fatores mais notáveis no processo. A frequência dos itens gramaticais é notavelmente maior quando comparadas com a frequência das formas lexicais num contexto de uso. Entretanto, Bybee (2010) adverte que a frequência de uso não pode ser tomada como resultado da Gramaticalização, mas um fator que contribui para a identificação do processo, como uma força ativa na investigação envolvendo esse tipo de mudança. A Ritualização é um aspecto muito importante nas teorias de Bybee (2010) sobre o processo de Gramaticalização. A autora argumenta que a repetição frequente de uma forma desempenha um importante papel nas seguintes mudanças que ocorrem durante o processo: (1) a alta frequência de uso leva ao enfraquecimento de forças semânticas pela habitualidade – processo por meio do qual um organismo deixa de responder, com a mesma eficácia, a um estímulo repetido; 73 (2) mudanças fonológicas de redução e de fusão de construções gramaticalizadas são condicionadas por sua alta frequência e por seu uso em porções do enunciado que contêm informação velha ou de fundo; (3) o aumento da frequência leva a uma maior autonomia de uma construção, o que significa que componentes individuais da construção, tal como flexão em todos os modos e tempos, estrutura argumental, etc., enfraquecem ou perdem sua associação com outras ocorrências do mesmo item (os usos menos gramaticalizados); (4) a perda de transparência semântica que acompanha a separação entre os componentes da construção gramaticalizada e seus congêneres lexicais permite o uso da forma em novos contextos com novas associações paradigmáticas, levando à mudança semântica; (5) a autonomia da forma de uso frequente torna-a mais enraizada na língua e frequentemente condiciona a preservação de algumas das suas características morfossintáticas obsoletas. Desse modo, relativamente à correlação que envolve a redução fonológica e a dessemantização, o certo é que se, por um lado, é possível falar em “perda” de conteúdo semântico, por outro, é possível atribuir “ganho” funcional, próprio das categorias gramaticais. Heine (1991), sobre o processo de Gramaticalização, cita que neste atua um princípio cognitivo específico: o princípio de exploração de velhas formas para novas funções. Com base nesse princípio, pode-se dizer que conceitos concretos são mobilizados para o entendimento, explanação e descrição de um fenômeno menos concreto. Por meio desse princípio, conceitos concretos são empregados para entender, explicar ou descrever fenômenos menos concretos. Desse modo, entidades claramente delineadas e/ou claramente estruturadas são recrutadas para 74 conceitualizar entidades menos claramente delineadas ou estruturadas, experiências não físicas são entendidas em termos de espaço, causa em termos de tempo, ou relações abstratas em termos de processos cinéticos ou relações espaciais, etc. (Heine, 1991:150) Por essa razão, Heine (1991) defende que, para dar conta da gênese e desenvolvimento de categorias gramaticais, é necessário analisar a manipulação cognitiva e pragmática, razão pela qual a transferência conceptual e os contextos que favorecem uma reinterpretação devem ser observados. Esse processo envolve dois mecanismos: (A) a transferência conceptual (metáfora), que aproxima domínios cognitivos distintos; (B) a motivação pragmática, que envolve a reinterpretação induzida pelo contexto (metonímia). Por critérios metodológicos, a presente Dissertação se ocupa primordialmente de verificar o fenômeno de Gramaticalização da estrutura perifrástica andare a + infinito tomando como referência as motivações de ordem metafórica. Segundo os critérios de Heine, a Metáfora é um conceito que dá conta de exaurir as explicações pertinentes à mudança paradigmática que incide sobre a estrutura em estudo sem a necessidade de fazer referência a outro conceito, embora como se evidenciará a seguir, um está ligado a outro. Muitos linguistas argumentam que a mudança semântica que ocorre em processos de Gramaticalização é fortemente motivada por processos metafóricos, Heine (1991). A metáfora, em Gramaticalização, está associada a processos de (des)semantização, envolvendo a abstratização de significados, os quais, de domínios lexicais ou menos gramaticais, são extendidos metaforicamente para mapear conceitos de domínios gramaticais ou mais gramaticais. A abstratização referida diz respeito à forma como os seres humanos compreendem e conceituam o mundo que os cerca. E é a partir desse 75 sentido que coisas mais próximas são mais claramente estruturadas e delimitadas, menos abstratas, do que as que estão mais distantes. Segundo Heine et alii. (1993), a metáfora envolvida na Gramaticalização, diferente daquela relacionada às figuras da linguagem, seria pragmaticamente motivada e voltada para a função na gramática. A partir dela não se formam novas expressões; predicações preexistentes são introduzidas em novos contextos ou aplicadas a novas situações por meio da extensão de significados: é a “metáfora emergente”, cuja origem, que propicia a Gramaticalização, seria de natureza “categorial”. Isso permite entender que o desenvolvimento das estruturas gramaticais pode ser descrito em termos de algumas categorias cognitivas básicas e parte sempre, unidirecionalmente, do elemento à esquerda – mais concreto -, de acordo com a seguinte escala: pessoa > objeto > processo > espaço > tempo > qualidade. 4.4. A UNIVERSALIDADE DO FENÔMENO DE GRAMATICALIZAÇÃO Esta subseção busca mostrar de modo sucinto que a Gramaticalização de um mesmo fenômeno em estudo nessa Dissertação, também está presente em outras línguas vivas do mundo, sendo que as mesmas acompanham as transformações sociais. Embora se perceba o fenômeno em estudo em todas as grandes línguas do mundo, e até mesmo em outras menos faladas e menos conhecidas, é de fundamental importância tratar do caso do inglês, a língua em que se encontram a grande maioria dos princípios teóricos e estudos de caso que aprofundam ainda mais a Gramaticalização como um fenômeno indiscutivelmente presente, sincronicamente ativo. Outras línguas como o espanhol e o francês, além do português (que apresenta um maior aprofundamento nessa tese) são aquelas que servem de referência para mostrar 76 que o futuro perifrástico, na atualidade, é uma forma alternativa variante do futuro simples e do presente do indicativo para expressar futuridade. No inglês, o verbo to go + infinitivo vem se implementando ao longo dos séculos como forma analítica de expressão de futuro. É um exemplo clássico de Gramaticalização, de um verbo pleno que vem se tornando ou que se tornou auxiliar, perpassando as etapas desse processo, os mecanismos interrelacionados propostos por Heine (2002). Ainda segundo Hopper & Traugott (2003), a estrutura préGramaticalização era composta por [be going] + [to + infinitivo] no âmbito sintático; posteriormente ocorre o fenômeno denominado reparentetização (rebracketing) e a estrutura é reanalisada como [be going to + infinitivo]. Em um outro estágio, já no âmbito morfológico e fonológico, going to se reduz a gonna. Poplack (1999) em um estudo sóciolinguístico amplo sobre as variantes na expressão de futuro simples do inglês do leste canadense, na ilha de Nova Escócia, constataram que há quatro formas distintas de expressão de futuro: a) a perífrase com be going to; b) o presente do indicativo; c) a forma clássica com o auxiliar will; e d) a forma perifrástica com gonna. Alguns exemplos dos corpora das autoras são evidenciados abaixo: (1) I’m goin’ to China again this year. (2) I go to China in September. (3) I think I’ll have a little ice cream. (4) Granny, you gonna have a lunch tonight? Essa análise sociolinguística considerou o fator etnia como o mais relevante dentre outros. Foram distinguidos brancos e negros, e suas respectivas distinções linguísticas para a pesquisa. Para o inglês dos brancos, foi selecionada a variável 77 [proximidade do futuro], sendo que a variante gonna é mais utilizada para a expressão do futuro imediato e a variante will + infinitivo é mais utilizada para a expressão de um futuro distante. Cognitivamente, no inglês utilizado pelos negros, não há uma estratificação das variantes e a forma gonna é empregada em todos os contextos, sem especificação temporal. Conclusivamente, pode-se dizer que essa variação não decorre de um fenômeno universal ou regional, mas é resultado de uma herança dos colonizadores da região. Seguindo os pressupostos teóricos desse estudo, o futuro com be going to é resultado da evolução de go como verbo de movimento no espaço para alcançar o estágio de verbo auxiliar. Esse processo é explicado como um caso de metáfora (Heine et alii, 1991), embora o autor não exclua que alguns fatores metonímicos são pertinentes e, portanto, possivelmente aplicáveis aos casos de Gramaticalização. Na língua inglesa, o processo de Gramaticalização do verbo em estudo já está no último estágio, em que, segundo Heine (1991), ocorre o mecanismo denominado erosão, ou redução fonética, quando já há perda de substância fonética da construção. No francês, a história atesta que o uso das formas de representação do futuro nas línguas neolatinas é bastante antigo, e são registradas tão logo essas línguas ganham reconhecimento oficial e seus estatutos de línguas literárias. O futuro sintético em francês detém registro bastante antigo, datando do século IX, com o primeiro documento registrado, o Serments de Strasbourg, no qual se encontram as formas derivadas do futuro analítico latino como cantare habeo: salvarai (port. salvarei) e prindrai (port. tomarei). A forma perifrástica com o verbo avoir (port. haver) + infinitivo atesta uma trajetória bastante par àquela do português. Segundo os estudos de Oliveira (2006) sobre a trajetória dessa construção no português, fazendo 78 uma breve exposição do fenômeno nas línguas neolatinas, no francês, num primeiro estágio, tratava-se do verbo habere (port. haver, fr. avoir) em seu sentido pleno de posse com uma nuance de obrigação: “j’ai une lettre à pôster” (“tenho uma carta a postar”). Num estágio sucessivo, essa forma perde o valor de posse e o de obrigação se acentua: “j’ai une lettre à écrire” (“tenho uma carta a escrever”). Num estágio seguinte, ocorre uma mudança da ordem dos constituintes da frase: “j’ai à écrire une lettre” (“tenho de/ que escrever uma carta”). Há, então, uma reanálise da estrutura e os dois verbos são vistos como uma unidade, por meio da reparentetização, permitindo o apagamento do objeto: “j’ai à écrire” (“tenho de/que escrever”). É nesse momento que nasce, de fato, o que se poderia denominar uma estrutura locucional ou uma estrutura perifrástica segundo a abordagem de cada autor. Fleischman (1982: 58-59) assere que nessa etapa do processo, que se pode dizer, de Gramaticalização, o traço de obrigação já mantém uma aproximação de um valor de futuro, que atualmente, no entanto, voltou a exprimir somente obrigação. No francês de hoje, o futuro apresenta três modalidades de expressão, representadas pela forma simples (futur simple), pelo presente do indicativo (présent) e pela forma perifrástica com o verbo aller (ir) + infinitif (futur proche), mostradas nos exemplos abaixo: (1) Il viendra demain. (2) Il vient demain. (3) Il va venir demain. Fleischman (1982:82) explicita que a forma perifrástica surge no francês (assim como no português e no espanhol) a partir dos séculos XIII e XIV, antes mesmo de ser atestada no inglês (apenas no século XV), tendo a mesma se generalizado no uso 79 coloquial durante o século XV e passando a registros mais formais apenas nos séculos XVI e XVII. Vet (1980), sobre o comportamento das estruturas que expressam futuro na língua francesa constata que aparentemente as diferenças concernentes a (4) e (5) (representadas abaixo) ocorrem somente quanto ao efeito de seus produtos. A partir desse conceito induz-se que sintaticamente não é feita distinção entre o futuro simples e o futuro próximo (futur proche) ou perifrástico. (4) Attention, tu vas tomber. (5) Attention tu tomberas. (Confais (1990: 280)) O autor cita ainda que a diferença entre as duas estruturas formais desaparece nos casos em que a frase contém um advérbio de tempo, como se evidencia nos exemplos abaixo: (6) Jean se mariera l’année prochain. (7) Jean vase marier l’année prochain. Evidencia-se, desse modo, que as duas formas expressam futuro, sendo possível para certos locutores que a idéia de proximidade de I (intervalo de verdade) em relação a S (ponto referencial) se expresse mais ou menos presente. O Le Bescherelle (1984), assim como todas as gramáticas normativas das línguas em estudo, trata apenas das formas tradicionais presente e futuro simples do indicativo para indicar futuridade, mas omite a construção perifrástica como uma modalidade de futuro. O autor considera que essa forma seria um presente com aspecto prospectivo, mostrando que a perífrase não indica futuridade, mas um projeto, uma decisão tomada pelo falante no momento da fala. No entanto, essa é uma definição que contrasta com o que consta em inúmeros outros estudos consistentes que apontam para uma substituição do futuro simples pelo perifrástico. O resultado das análises desses estudos mostra que o 80 processo de Gramaticalização da estrutura aller + infinitif em francês encontra-se mais avançado que a estrutura equivalente em português ir + infinitivo, ou até mesmo no inglês, pois dentre outras evidências, não há mais restrição (como no inglês) à combinação de aller auxiliar com aller pleno: (8) Je vais aller à la plage demain. (fr.) (9) *Vou ir à praia amanhã. (pt.) No espanhol, provavelmente, a Gramaticalização da estrutura em estudo se encontre em um estágio tão ou mais avançado que nas demais línguas em evidência. Esse fato pode ser confirmado através da análise descritiva das perífrases verbais nessa língua, que consta de um estudo muito vasto, e cujo uso tanto na fala quanto na escrita é muito produtivo. A perífrase ir + a + infinitivo no espanhol consta descrita inclusive em grande parte nos manuais de L2, um sinal de que há um movimento forte em direção à implementação dessa estrutura nas gramáticas. A expressão de futuridade no espanhol castelhano apresenta um sistema tão diversificado quanto o das diversas regiões geográficas nas quais esse idioma é utilizado. Os parâmetros de uso se distinguem nas diversas regiões, e não se pode afirmar com precisão que a utilização da perífrase vem a tornar-se o uso preferencial dos falantes, no entanto, pode-se afirmar com base nos estudos de (Mateo & Rojo Sastre, 1984. In: Oliveira, 2006), a existência dos três padrões de uso instituídos no universo da língua castelhana: a) o futuro do indicativo, um tempo pouco empregado na fala; b) a perífrase ir + a + infinitivo, que substitui a variante anterior na fala; e c) o presente futuro, que expressa ações das quais se tem segurança ou intenção de realizar. a) Mañana iremos a Madrid. b) Mañana vamos a ir temprano. 81 c) El martes voy al teatro. Nos estudos de Parra (2005) está presente a hipótese de que há uma mudança em curso no castelhano no sentido de uma implementação do futuro perifrástico em detrimento do futuro simples. A autora afirma que o fato se comprova em estudos sobre o espanhol argentino, chileno, cubano, colombiano, mexicano e venezuelano. Mas ressalva que o espanhol peninsular ainda utiliza o futuro sintético como forma preferencial de expressão de futuro, em detrimento do que ocorre na Hispanoamérica. Bentivoglio & Sedano (1992) sobre o espanhol venezuelano afirmam que as formas mais correntes de expressão de futuro nessa comunidade são o futuro simples (“lo haré”) e o futuro perifrástico (“lo voy a hacer”), e constatam que, em termos gerais, o futuro perifrástico supera amplamente o simples e que esse último é mais empregado no estilo formal. Isso pode ser evidenciado inclusive nos estudos sobre a mesma estrutura na língua portuguesa. É importante mencionar a ressalva das autoras supramencionadas sobre o uso dessa estrutura. Elas constatam que há, na verdade, uma complementaridade no uso dessas variantes, sendo a perífrase utilizada para ações mais imediatas e em contextos mais informais, e a forma sintética indicando ações distantes no tempo e de realização duvidosa. Orozko (2005), em um estudo amplo sobre o futuro perifrástico no espanhol colombiano, menciona que a forma perifrástica é aquela preferida, com 46% dos casos de uso, seguida do presente, com aproximadamente 36% dos casos e o futuro simples, com 18% dos casos. O autor defende a hipótese do processo de auxiliarização do verbo ir em espanhol na Gramaticalização da construção perifrástica com infinitivo para indicação do tempo verbal futuro. Bertinetto (2003) sobre as perífrases verbais progressivas e contínuas no italiano, cita que essas construções são muito características do sistema verbal das línguas 82 românicas, manifestando que as mesmas apresentam-se com uma morfologia ainda mais rica no sistema verbal do espanhol, principalmente. No trecho da obra de Javier Marías (1994), na introdução do texto Le perifrasi Progressiva e Continua nella narrativa dell’Otto/ Novecento de Bertinetto (2003), nota-se a presença da perífrase verbal no espanhol formada por três verbos idênticos, o que é de possível ocorrência nesse idioma, diferindo da mesma possibilidade no italiano e no português. 9 “ – Es tarde. Voy a irme yendo. – ‘Tres veces el mismo verbo’, pense, ‘cómo matizan también nuestras lenguas, como las antiguas. “Voy a irme yendo” indica que no se va todavia, va a esperar todavia un poco, por lo menos hasta que se beba la mitad de su whisky...” (Javier Marías, Mañana en la batalla piensa em mí). 9 “ – Está tarde. “Voy a irme yendo” (Tradução livre: Já estou indo). – Três vezes o mesmo verbo, pensei, como distam nossas línguas, assim como as antigas. “Voy a irme yendo” quer dizer que ainda não se vai, mas que vai esperar um pouco, ao menos até que se beba metade de seu whisky...”. 83 5. FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA 5.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PERÍFRASES VERBAIS NO ITALIANO Segundo a definição de Bertinetto (1991, 1993), as perífrases verbais são construções gramaticais compostas por um verbo modificador conjugado em um tempo gramatical, que perde o seu significado lexical e passa a indicar tempo e aspecto, e por um verbo principal em um dos modos não finitos, que sustenta o significado de toda a construção. Considerando os aprofundamentos teóricos realizados nessa pesquisa, nota-se que a semântica, nesse caso, decorre dos constituintes da construção de perífrases como um todo, o que autoriza afirmar que esse tipo de construção andare a + infinito é dotada de autonomia no sistema da língua. É de fundamental importância considerar que a morfologia não é o único aspecto importante no processo de identificação de uma estrutura perifrástica. A princípio, um dos critérios mais importantes para defini-la é a forte relevância tempo-aspectual. Muitas das construções que aparentam ser perífrases com o verbo andare, são construções lexicais - considerando o paradigma verbal italiano - visto que o modificador não sofreu dessemantização, ou seja, não sofreu perdas semânticas, mantendo seu significado pleno. Deve-se evidenciar ainda que algumas perífrases também podem ser substituídas por tempos do imperfeito. A principal característica das perífrases verbais na língua italiana, é que as mesmas são formas muito mais específicas e transmitem muito mais informações em relação aos tempos gramaticais normais, os quais necessitam de outros meios linguísticos na frase para alcançar os níveis de informação, que podem ser transmitidos por uma única estrutura. As perífrases permitem a comunicação de informações 84 relevantes sobre o aspecto e sobre o contexto, o que não seria possível por meio do uso de um simples predicado verbal. É importante notar, sobretudo, que somente através do conhecimento das estruturas perifrásticas, e do código linguístico, que o interlocutor será capaz de reconstruir essas informações. É de fato nas perífrases verbais que se percebe a integração semântica de seus constituintes, formando um significado complexo que não é alcançável por meio da soma de seus lexemas componentes conforme expresso acima. As perífrases são estruturas complexas, e como tal, sua definição e seus parâmetros de uso são um tanto quanto complexos, podendo suscitar dificuldades no processo de transferência de uso da língua nativa (L1) para a língua alvo (L2), seja num processo tradutório ou no ensino de língua estrangeira. Muitas vezes essas dificuldades estão presentes até mesmo no uso do próprio idioma. O falante, no ato da enunciação, deve realizar escolhas pertinentes ao contexto de uso, e essas escolhas devem ser as mais precisas possíveis para que o processo comunicativo obtenha êxito. E considerando o estudo em questão, a escolha do falante entre o uso da perífrase verbal andare a + infinito (estando o verbo andare no presente), o tempo presente simples do indicativo e o futuro do indicativo, num determinado contexto, será determinante para demonstrar suas intenções no processo comunicativo. A perífrase em abordagem nesse estudo é aquela à qual se atribui menor atenção nos estudos em língua italiana, uma possível consequência de seu estatuto menos estável quando comparada com as formas com o gerúndio e o particípio, no que concerne sua organicidade sintática e semântica, ao menos na língua italiana. Muitos estudos na historiografia italiana, de fato, questionam a licitude de se tratar a estrutura andare a + infinito como uma construção perifrástica unitária, supondo que a mesma tenha sofrido uma interrupção em seu processo de Gramaticalização. 85 Durante (1981) cita um futuro prospectivo vado a fare (vou fazer) como um traço presente na língua dos Setecentos (700’10), que pode ter entrado no italiano por influência da língua francesa, que foi posteriormente banido pelo Purismo11 dos Oitocentos (800’). Posteriormente, o uso entra em declínio, conforme mostram registros literários de outras pesquisas, em trajetória oposta àquelas verificadas nas demais línguas neolatinas, inclusive no Português. As gramáticas italianas recentes omitem a existência da construção como forma de expressão de um futuro prospectivo, como em Serianni (1989), assim como tantas outras posteriores. A partir das investigações aprofundadas no assunto, foi possível concluir que a perífrase andare a + infinito é uma estrutura marginalizada, no que concerne à literatura linguística do italiano, tendo em vista os raríssimos estudos sobre a construção que, recentemente tem sofrido uma expansão no número de ocorrências, do italiano do uso médio12, ou seja, o uso não literário. Somente em meados do século XX, a perífrase em estudo vem ganhando espaço como é possível notar de modo recorrente no italiano do uso médio utilizado por praticamente todos os cidadãos da península. E é através das mídias televisivas, jornais e rádios e pelas mídias on-line, que se verifica concretamente esse incremento nas ocorrências de uso. Os corpora utilizados nesse estudo servem para comprovar a vivacidade da estrutura no uso do dia-a-dia, na língua italiana, visto que os exemplos analisados nesse 10 Na língua italiana, existe a possibilidade de se apresentar o tempo cronológico século também em algarismos árabes seguidos pelo símbolo (‘) plica. Então temos como correspondente a Século XVII a forma 700’ – Settecento. 11 O Purismo linguístico italiano foi um movimento amplo que rejeitava modelos externos ao que estava sendo proposto como um modelo nacional, de modo que todos os estrangeirismos existentes deveriam ser abolidos e deveriam ser evitados. 12 A expressão “italiano do uso médio” define nas palavras de Sabatini (1984), a expressão da língua viva italiana. 86 estudo são decorrentes do uso de políticos italianos, representantes da sociedade, que almejam através de seu discurso, uma aproximação com todas as camadas sociais. O uso linguístico, nesse sentido, é a ferramenta fundamental, ou seja, um vínculo mediador desse diálogo de classes. Como fora já afirmado, essa pesquisa adota os pressupostos teóricos de Gramaticalização de Heine (1991, 1993), e estudos posteriores que contribuem para exemplificar funcionalmente como se dá esse processo nas construções cognitivamente formadas, como é o caso das perífrases verbais. A respeito da construção ir + infinitivo para expressão de futuro no português, o estudo de Lima (2001) é uma referência dentre outros trabalhos em Gramaticalização. E, portanto, serão tratados aqui os estágios de mudança paradigmática que gradualmente essa estrutura alcançou no português, que servirá como modelo para abordar a questão referente à perífrase andare a + infinito no italiano. Segundo Heine (1991, 1993) et alii, os estágios de Gramaticalização alcançados variam em profundidade de língua para língua, e baseado nessa análise, é que o objeto de estudo em questão buscará mostrar que a Gramaticalização, embora um fenômeno comprovadamente existente nas distintas línguas naturais, pode se mostrar em estágios bastante variados (no eixo sincrônico) concernendo uma construção, havendo inclusive padrões de uso distintos de uma estrutura formal equivalente em línguas distintas. Levando em consideração que existem dois modelos para a verificação do fenômeno de Gramaticalização - as hipóteses metonímica e metafórica, esse estudo buscará mostrar que a hipótese metafórica, ainda que considerada por alguns estudiosos como “pouco consistente”, no que tange às evidências empíricas do processo evolutivo de andare de um verbo pleno até o seu estágio de verbo auxiliar, atravessando etapas diacrônicas de evolução, esse é o padrão mais adequado para explicar o processo em sua 87 sincronia, visto que os corpora de estudo estão restritos a um breve período de tempo, que aponta para os usos da língua apenas na atualidade. A hipótese metafórica, defendida dentre outros, por Heine (1993), consiste na projeção de contextos espaciais para contextos temporais, isto é, uma conceituação do futuro como: o estar depois no tempo, em termos espaciais, como um estar à frente. Lima (2001) exemplifica o caso do verbo to go em inglês, como auxiliar de futuro, um caso clássico do inglês: I’m going to write a letter – a ação designada pelo infinitivo seria concebida como estando à frente numa linha temporal percorrida pelo sujeito. Numa perspectiva metonímica, Hopper & Traugott (2003) defendem que não foi o item lexical go sozinho, o responsável pela Gramaticalização, mas sim uma forma de be going to em contextos muito particulares, nomeadamente aqueles em que essa forma vem seguida de um sintagma iniciado pela partícula to com valor final, intencional. Seria a coincidência desses dois fatores, ou a contiguidade num mesmo enunciado, que propiciaria as condições para a evolução de be going to de expressão de movimento para auxiliar de futuro. No português, segundo Lima (2001), a origem da construção ir + verbo infinitivo consta em contextos em que se encontra uma forma do verbo de movimento ir seguida de oração infinitiva final. Segundo pesquisa do autor no CIPM (Corpus Informatizado do Português Medieval), há ocorrências da estrutura com relativa frequência já em documentos do século XIII. No italiano, a despeito dos raríssimos estudos sobre o argumento de que trata a presente pesquisa, Sornicola (1976) afirma que a construção com o infinitivo possui um uso bastante antigo, vertendo para um valor final em meados do século XVIII, e que apenas posteriormente passa a admitir um valor ingressivo. Durante (1981: 220) cita o futuro prospectivo vado a fare como um dos traços sintáticos observados no italiano do 88 século XVIII, por influência do modelo francês, sendo posteriormente banido pelo Purismo do século XIX. Sobre o processo de Gramaticalização da estrutura no português, nota-se a presença de três traços que estão intrinsecamente envolvidos, sendo “movimento” e “intenção”, veiculados pelo significado próprio de ir, e o traço “futuro”, que é inferível pragmaticamente a partir da presença simultânea de ir e da oração que exprime o objeto desta ação. Embora o presente estudo não busque desdobramentos históricos do processo de evolução da estrutura ir + verbo infinitivo, nem mesmo de andare a + verbo infinito, são importantes as exposições de base diacrônica de Lima (2001) acerca de como a estrutura se modificou até se tornar uma variante de expressão de futuro no português atual. Segundo o autor, a história do futuro com ir pode ser encarada como o processo pelo qual a construção ir + verbo infinitivo, que inicialmente apresentava três traços importantes, já mencionados, sendo dois semânticos (movimento e intenção) e um inferível no processo comunicativo (futuro), passa por um processo gradual de demoção dos dois primeiros traços - semânticos, até seu desaparecimento, enquanto que há progressiva promoção do traço inferível, o que leva a que, no português atual, seja possível encontrar ir apenas como auxiliar de futuro na construção ir + verbo infinitivo. 5.2. TRATAMENTO GERAL DOS DADOS DOS CORPORA A análise dos dados da pesquisa foi realizada por meio de ferramentas importantes de quantificação dos dados, como o programa WordSmith versão 6.0, e as próprias ferramentas de busca de dados dos websites corriere.it e repubblica.it. Os dados foram coletados nos arquivos documentais dessas mídias on-line com o propósito de formar os corpora. O período de análise concerne dois anos, período em que a pesquisa foi desenvolvida. A escolha dos sites jornalísticos italianos foi fundamentada 89 na importância e na força que esses periódicos apresentam não apenas na Itália, mas mundialmente. São jornais de referência, sendo os mais veiculados e lidos na Itália e no exterior. O jornalismo mundial usa o Corriere della Sera e o La Repubblica como mídias de referência e fonte para veicular as notícias da sociedade italiana e da Curia Romana, situada na capital italiana, no exterior. Os dados coletados nos corpora dessa pesquisa foram as estruturas com o verbo de movimento andare, conjugado no tempo verbal presente do indicativo, seguido da preposição a e do verbo principal da estrutura em sua forma infinitiva. Essa escolha não foi aleatória, tendo sido previamente observado, em pesquisas como a de Lima (2001), Oliveira (2006) et alii, que esse padrão de uso é quantitativamente muito superior aos demais, no universo de andare a + infinito. O motivo para que essas formas apareçam em sua grande maioria no presente do indicativo pode ser uma consequência do próprio processo comunicativo pertinente a uma entrevista, o gênero textual no qual se observa um discurso direto e objetivo. O escopo de uma entrevista é o de induzir – nesse caso, especificamente – o interlocutor a manifestar-se brevemente sobre um fato que aconteceu ou que ainda irá acontecer, propiciando uma resposta breve. Portanto, o tempo verbal mais encontrado nas ocorrências perifrásticas com o verbo andare é o presente do indicativo. A tabela abaixo mostra as ocorrências numéricas das pessoas verbais da perífrase andare a + infinito, e, demonstra que a primeira e a terceira pessoas verbais do presente do indicativo apresentam uma frequência de uso que se destaca entre as outras: 90 Tabela 3: Pessoas verbais do verbo andare das perífrases encontradas nos corpora Tabela quantitativa (Pessoas verbais em andare a + infinito) Presente do Indicativo Pessoa verbal Conjugação no Conjugação no Ocorrências Ocorrências italiano português numéricas percentuais 1ª p. sg. Vado + a + inf. Vou + inf. 44 31% 2ª p. sg. Vai + a + inf. Vais + inf. 8 6% 3ª p. sg. Va + a + inf. Vai + inf. 41 29% 1ª p. pl. Andiamo + a + Vamos + inf. 25 18% Ides + inf. 6 5% Vão + inf. 16 11% 142 100% inf. 2ª p. pl. Andate + a + inf. 3ª p. pl. Vanno + a + inf. TOTAL O modelo de análise dos dados foi baseado em outras pesquisas, como a de Amenta (2002), que investiga igualmente a perífrase verbal andare a + infinito, realizando um estudo comparativo dessa estrutura no italiano e no siciliano, usando os seguintes critérios que foram tomados como base para as investigações dessa pesquisa, tais como: * a interposição de outros materiais na perífrase; * a presença de clíticos; * a possibilidade de negação dessas estruturas; * a animacidade do sujeito. Esse estudo se deteve em uma análise sincrônica dos dados, tendo em vista o breve período temporal de análise, e sua atualidade. 91 Esse é um assunto que, como fora já mencionado, é pouco explorado por estudos em língua italiana. Esse trabalho apresenta como proposta, então, uma reanálise da estrutura perifrástica andare a + infinito, analisando as especificidades e os parâmetros de uso da mesma dentro dos corpora que são universais – websites de domínio público na internet –, e cuja linguagem é acessível, ou, ao menos, é a intenção de seus veiculadores de que a mesma alcance um número amplo de leitores. Abaixo, estão presentes os critérios de análise dos corpora supramencionados, com os respectivos dados que fazem a exemplificação dos conceitos e hipóteses que se almeja mostrar. Os critérios abordados para a análise dos corpora são aqueles mais relevantes, que apresentam os reais traços distintivos identificadores das perífrases verbais. Esses critérios foram inspirados na pesquisa, já mencionada, de Amenta (2002), cujo tema se assemelha com o da presente pesquisa. 5.2.1. A INTERPOSIÇÃO DE MATERIAIS LEXICAIS NA PERÍFRASE 5.2.1.1. ADVÉRBIOS A construção andare a + infinitivo constitui-se pela ordem fixa dos elementos, com o verbo de movimento que precede obrigatoriamente o verbo no infinitivo, segundo Bertinetto (1991), Amenta (2002). Do ponto de vista sintático, a perífrase com o infinitivo parece compatível essencialmente com advérbios temporais e modais enquanto que locativos comprometeriam a perifrasticidade da estrutura no italiano moderno. Através da análise dos dados dos corpora constituídos pela trancrição da fala de políticos em mídias italianas on-line, é possível comprovar a presença de casos em que há a interposição de outros elementos entre o verbo andare e o infinitivo, tais como advérbios. Abaixo serão exemplificados esses dados com suas respectivas traduções: 92 1.«...il Carroccio non solo va a conquistare oggi per la prima volta il voto...». // “...Caroccio não vai conquistar hoje pela primeira vez o voto, simplesmente...”. Il Corriere della Sera (Pg.1 – Il 30 marzo 2010). 2. «...Infatti, chi si reca alle urne e vota bianco o annulla la scheda, va espressamente a mettere nell' urna il proprio disagio». // “...De fato, quem vai às urnas e vota em branco ou anula o voto, vai explicitamente pôr na urna a insatisfação própria”. Il Corriere della Sera (Pg. 9 – L’11 maggio 2012). 3. «In campo non va più a cercarsi l' ombra». // “Sobre esse assunto não vai mais buscar um refúgio”. Il Corriere della Sera (Pg. 38 – Il 1 luglio 2012). 4. «Potrei andarmene in America, ci vado spesso a insegnare, mio figlio è nato là». // “Eu poderia ir para a América, vou sempre ensinar, o meu filho nasceu lá”. Il Corriere della Sera (Pg. 18 – Il 18 giugno 2012). O primeiro exemplo ilustra o padrão de uso mais utilizado segundo os dados do corpora, ou seja, o parâmetro de ordem fixa dos elementos na estrutura, constituído pelo verbo andare flexionado em uma das pessoas verbais do presente do indicativo, junto à preposição a, seguida por um verbo em sua forma infinitiva. A presença de advérbios locativos, como antes expresso, ainda que não necessariamente interpostos, faz emergir o sentido lexical do verbo andare, e pressupõe um deslocamento real. Portanto, dificilmente pode-se atribuir um estatuto perifrástico a esse tipo de construção, conforme se observa abaixo: 93 5. «...fare un mestiere, come fanno i giovani americani che, se vogliono fare gli attori, intanto vanno a Los Angeles a fare i camerieri.» // “...ter uma profissão, como as têm os jovens americanos que, quando querem ser atores, vão a Los Angeles trabalhar como camareiros.” Il Corriere della Sera (Pg. 19 – Il 14 aprile 2012). 6. «...siamo ancora in grande emergenza, e l' Italia non può andare sul mercato a chiedere soldi con il nostro livello di debito pubblico». // “...ainda estamos em grande perigo, e a Itália não pode ir ao mercado para pedir dinheiro com o nosso nível de débito público”. Il Corriere della Sera (Pg.15 – Il 9 giugno 2012). 7. «...che cosa ci va a fare Berlusconi a Bruxelles? A farsi umiliare?» // “...o que Berlusconi vai fazer em Bruxelas? Ser humilhado? Il Corriere della Sera (Pg. 3 – Il 26 ottobre 2011). 8. «Fedele Confalonieri, amico di una vita, settimanalmente va a trovarlo a palazzo Grazioli» // “Fedele Confalonieri, amigo de uma vida, semanalmente, vai encontrálo no Palazzo Grazioli”. Il Corriere della Sera (Pg. 1/3 – Il 28 novembre 2009). 9. «Io è dal 1990 che vado a cantare in Giappone, ci sono abituato...» // “Eu, desde 1990 vou cantar no Japão, estou acostumado...”. Il Corriere della Sera (Pg. 15 – Il 27 marzo 2011). 10. «Vi andate a cacciare nell' inferno» // “Vão buscar no inferno” Il Corriere della Sera (Pg.16 – Il 13 luglio 2011). 94 11. «...Se vai ai mercati a mostrare quella di Vasto, la gente non sa neppure di che cosa stai parlando». // “...Se vai aos mercados para mostrar aquela de Vasto, as pessoas não saberão nem mesmo do que se está falando”. La Repubblica (10 maggio 2012). Os exemplos evidenciados acima apresentam locativos interpostos ou não na construção, o que segundo pressupostos dos estudos de Amenta e Strudsholm (2002) e Bertinetto (1991), fariam emergir o significado lexical do verbo andare. É evidente, então, que os estudos descritivistas italianos rejeitam estes casos como verdadeiras construções perifrásicas, sendo consideradas apenas locuções. Em um paralelo com os estudos realizados por Lima (2001), esse é um caso clássico das atestações do século XI e XII na língua portuguesa, em que ainda era evidente o sentido de movimento nesse tipo de construção. Trata-se de ir fisicamente a um lugar com a finalidade de realizar uma ação, estando o traço intenção igualmente presente na expressão do enunciado. Essas orações estão semanticamente em um nível muito próximo daquele observado nas atestações iniciais dessa estrutura no português, sendo um sinal de que, provavelmente, o processo de Gramaticalização no italiano manteve esses mesmos padrões, enquanto que no português, os usos expandiram-se para novos contextos. No início das atestações dessa estrutura no português, as orações infinitivas que seguiam o verbo ir tinham natureza final, coincidindo com o que podemos evidenciar nos casos de usos contemporâneos dos corpora em estudo. Lima (2001) afirma que desde os primórdios da língua portuguesa até o século XVI, é evidente que na construção ir + verbo infinitivo, o verbo no infinitivo era predominantemente um verbo de ação, e isso se explica facilmente pelo fato de ir ser utilizado nessa altura como verbo de movimento, com sujeito humano, seguido de oração de caráter final, sendo o paradigma semântico expresso como: 95 Alguém (sujeito) + ir fisicamente a um local (o que pressupõe movimento) + intenção de realizar algo. Escassamente, nas primeiras atestações do português foi possível encontrar o verbo ir seguido de um verbo de estado. E no italiano atual, é possível notar através do estudo dos corpora, que há total ausência desse tipo de construção na atualidade, confirmando as evidências expressas abaixo. Maiden e Robustelli (2000: 209) afirmam que a construção para a expressão de um significado futuro é considerado excluído em italiano, e também há a impossibilidade de andare ser conjugado junto a um verbo de estado: 13 “English has an alternative future form consisting of « be going to + verb » (e.g., « I’m going to stay here in bed »). No exact equivalent exists in Italian (unlike, for example, French Je vais rester ici au lit and Spanish Voy a quedarme aquí en la cama). An Italian sentence such as Vado a restare qui a letto is practically nonsence, since vado, a verb of motion, is incombatible with the immobility of « staying in bed ». Where andare a + infinitive is use, it indicates actual motion : Vado a comprare il giornale [...]. Maiden e Robustelli (2000 : 290) 13 “O inglês possui uma forma alternativa futura tal como “be going to + verbo” (ex. “I’m going to stay here in bed”). Uma construção similar não consta no italiano como se percebe em francês (Je vais rester ici au lit) e no espanhol (Voy a quedarme aquí en la cama). Uma sentença italiana como Vado a restare qui a letto não faz sentido, visto que vado, um verbo de movimento, é incompatível com a imobilidade de “permanecer na cama”. Uma sentença tal como: Vado a comprare il giornale [...] em seu uso habitual indica um movimento para concretizar uma ação.” 96 5.2.1.2. PRONOMES CLÍTICOS Os estudos de Amenta (2002) sobre a presença dos clíticos nas diversas variantes do italiano demostram que há uma imparcialidade no que concerne à posição pronominal no italiano. Segundo pesquisa realizada pela autora, há uma tendência prevalente à ênclise nas variantes regionais meridionais, enquanto que nas variantes setentrionais, a próclise é mais frequente, e ainda na Sicília, foram encontradas atestações exclusivamente proclíticas. Considerando que os dados dos corpora desse estudo – transcrições de discursos de potíticos – não apresentam uma variante linguística delimitada, abrangendo desse modo todo o terrítorio italiano, é possível concluir que a posição do pronome resulta, de fato, facultativa: a unidade da construção pode ser considerada apenas como tendencial, não sendo fruto, portanto, de uma reanálise. Com base na análise dos dados, foram encontradas 21 atestações de usos enclíticos, enquanto que os usos proclíticos foram numericamente inferiores, com apenas 10 atestações. Porém, não é lícito afirmar a preferência pela ênclise de um modo geral. Exemplos de usos enclíticos encontrados nos corpora: 12. «...adesso vado a godermi il Milan.» // “...agora eu vou desfrutar do Milan”. Il Corriere della Sera (Pg. 6 – Il 26 febbraio 2012) 13. «Figurarsi se vado a raccontarlo a lei». // “Imagine se vou contar isso a ela.” La Repubblica (12 ottobre 2010). 14. «Ma ciò che adesso balza all' occhio è che questa storia dei 300.000 euro da Berlusconi a Mora non può essere la stessa, e neppure quella dei 2 milioni e 450.000 97 euro, ma va a sommarsi ad essa.» // “Mas o que agora chama a atenção é que essa história dos 300.000 euros de Berlusconi a Mora não pode ser a mesma, e nem mesmo aquela dos 2 milhões e 450.000 euros, mas vai somar-se a essa”. Il Corriere della Sera (Pg. 21 – Il 17 marzo 2011) Exemplos de usos proclíticos encontrados nos corpora: 15. «Ho parlato con qualche deputato, eh... va buono, ci vado a parlare lunedì.» // “Falei com alguns deputados, ... está certo, vou falar com eles na segunda”. Il Corriere della Sera (Pg. 17 – L’11 luglio 2010). 16. «A chi lo va a trovare confessa la grande difficoltà di dover agire in un partito nel quale, se si è mai riconosciuto,...» // “Quem vai encontrá-lo, confessa a grande dificuldade de ter de agir em um partido em que nunca se é reconhecido, ...”. Il Corriere della Sera (Pg. 13 – Il 7 giugno 2012). 17. «Sono 300 milioni, che si vanno a aggiungere ai 100 milioni stanziati dalla Legge di stabilità.» // “São 300 milhões que vão se somar aos 100 milhões destinados pela Lei de estabilidade. Il Corriere della Sera (Pg. 14 – Il 17 febbraio 2011). 18. «Io, al di fuori della Lega, i voti li vado a prendere ovunque, anche nel Pdl». // “Eu, de fora da Lega, os votos, os vou buscar em todos os lugares, inclusive no Pdl”. Repubblica (23 marzo 2010). 98 La 5.2.1.3. NEGAÇÃO Em combinação com outro verbo, o verbo andare, na construção em questão, perde a possibilidade de ser negado separadamente. Estas atestações induzem a uma leitura unitária da construção, a partir do momento que não apenas o verbo andare é negado, mas a construção como um todo. A literatura linguística italiana nega atestações de perífrases resolutivas negativas, presente inclusive em Amenta (2002), e isso ocorre muito provavelmente pelo fato de ser pragmaticamente pouco possível negar uma ação iminente, ou da qual se deseja pontuar o alcance final. 19. «Questa figura, che ad oggi manca, sarà complementare a quella del liutaio, non va a sostituirsi, darà un supporto scientifico per ottenere il massimo.» // “Esse personagem que hoje falta, será complementar àquela do fabricante, não vai ser substituída, dará um suporte científico para obter o máximo. Il Corriere della Sera (Pg.16 – Il 22 maggio 2012). 20. «Dopo tanti anni di esperienza sono in grado di capire, ma non vado a indagare.» // “Após tantos anos de experiência não sou capaz de compreender, mas não vou questionar.” Il Corriere della Sera (Pg.23 – Il 26 maggio 2012). 21. «Domani lo farà se non andiamo a prenderla». // “Amanhã o fará, caso não formos buscá-la”. Il Corriere della Sera (Pg. 12/13 – Il 27 ottobre 2011). 22. «Vado ad autodenunciarmi a una caserma dei Carabinieri perché con il decreto approvato ieri notte è stata istituzionalizzata per legge l'illegalità». // “Vou autodenunciar-me a um quartel da Polícia pois, com o decreto aprovado ontem à noite, 99 foi institucionalizada por lei a ilegalidade”. La Repubblica (10 luglio 2012). 5.2.1.4. ANIMACIDADE DO SUJEITO Um dentre os principais critérios de identificação de uma perífrase é a integração semântica dos constituintes consequente ao grau de dessemantização do modificador. No italiano, no entanto, a perífrase com o infinitivo é estrutura menos gramaticalizada dentre aquelas com o verbo andare. De acordo com Bertinetto (1991), a construção mantém uma transparência semântica a partir do significado lexical do verbo andare, que é complementado com a posposição de verbos principais no infinitivo, cujo significado pressupõe um deslocamento no espaço. Esses fatores são confirmados nos estudos de Amenta (2002), que demonstram através de atestações do italiano antigo, que há uma grande superioridade dos casos em que o verbo ir vem seguido de verbos de movimento no espaço e de conotação processual. Tabela 4: Sujeitos animados e inanimados ANDARE A + INFINITO Contagem numérica Percentual de casos Sujeitos animados 124 87% Sujeitos inanimados 18 13% O presente estudo não buscará privilegiar dados de variantes do italiano que mantém, hoje, um certo status de autonomia, e por assim dizer, de autênticas línguas dotadas de gramática e literatura próprias, como é o caso do siciliano e do sardo, dialetos que embora compreensíveis, mantém variáveis que as distanciam sensivelmente. Por tal motivo, embora haja casos interessantes como é o do siciliano, que mantém características morfossintáticas pertinentes ao estatuto perifrástico de iri a 100 + inf. correspondente a andare a + inf. muito próximas às estruturas do português e do espanhol, as mesmas não serão aqui abordadas por motivos metodológicos. No entanto, é interessante mostrar um exemplo do siciliano, em que podemos notar que os verbos que formam a perífrase dividem o mesmo significado de direção espacial diferindo na perspectiva que é assumida pelo locutor na localização do processo: 14 Et standu accussì, vai a viniri Deyphebe, la figlia di Glaucu, sacerdotissa, et dissi ad Eneas kisti paroli (Ene., VI, 100, 1). [E stando così, va a venire Deifebe, la figlia di glauco, sacerdotessa, e disse a Enea queste parole]. Algumas atestações mostram um certo enfraquecimento dos traços semânticos do verbo modificador, como confirma a presença, no siciliano, de atestações em que o mesmo verbo ocorre também como principal no infinitivo. Caso o verbo andare mantivesse seu significado lexical, haveria uma evidente redundância semântica e a frase seria agramatical. 15 Tutti vannu ad andari adossu di li inimichi (Conq., 56, 1). [*Tutti vanno a andare adosso ai nemici]. Nos corpora dessa pesquisa, há ausência absoluta de casos em que o verbo principal seja o mesmo que o modificador. Isso demonstra que no italiano contemporâneo, o verbo modificador não sofreu uma total dessemantização. Os traços semânticos do verbo ainda permanecem vívidos, mantendo-se assim os traços movimento e intenção como nos exemplos abaixo: 14 Exemplo tirado do Corpora do Siciliano antigo, de Luisa Amenta e Erling Strudsholm, pg, 23 in Cuadernos de Filología Italiana. Vol. 9 (2002):11-29. 15 Exemplo tirado do Corpora do Siciliano antigo, de Luisa Amenta e Erling Strudsholm, pg, 23 in Cuadernos de Filología Italiana. Vol. 9 (2002):11-29. 101 23. «Io non sono d' accordo sui bombardamenti, gli americani, se vogliono bombardare, facciano loro anche perché dobbiamo pensare che se andiamo a bombardare poi dobbiamo ricostruire.» // “Eu não estou de acordo sobre os bombardeamentos, os americanos, se querem bombardear, que o façam, até porque devemos pensar que se formos bombardear, depois deveremos reconstruir”. Il Corriere della Sera (Pg. 5 – Il 27 aprile 2011). 24. «Io dico che non è possibile, e vado a cercare il danno che avrei provocato.» // “Eu digo que não é possível, e vou buscar o dano que provoquei”. Il Corriere della Sera (Pg.1 – Il 25 giugno 2012). 25. «Il nostro obiettivo è che l' Italia diventi una Repubblica Federale. Punto. Se poi uno va a dormire con un uomo o con una donna, questo influisce poco con il federalismo.» // “O nosso objetivo é que a Itália se torne uma República Federal. Ponto. Se a partir disso alguém vai dormir com um homem ou com uma mulher, é algo que não tem a ver com o federalismo.” Il Corriere della Sera (Pg. 5 – Il 31 agosto 2009). Essas construções são consideradas no italiano como locuções, em alguns casos, lexicalizadas como andare a cercare, andare a prendere, andare a trovare, andare a dormire, segundo Bertinetto (1991), em que os dois verbos presentes na construção mantém seus significados lexicais por uma contiguidade espaço-temporal das duas ações. Nesses casos, o verbo andare não está dessemantizado, e por consequência, é compatível apenas com sujeitos animados e mantém a possibilidade de reger argumentos próprios (como exemplo determinações espaciais). Essa construção mantém 102 a possibilidade de ser conjugada sem restrições de tempos e de modos, inclusive no imperativo, e não pode ser substituída pela correspondente forma sintética, visto que o traço pertinente ao movimento no espaço e a focalização do instante que antecede a ação não podem ser omitidos. Bertinetto (1991, 1993) cunha o termo perifrasi risolutiva, que veicula a ideia da ausência do traço movimento. A construção, então, se caracterizaria pela expressão de um sentido unitário, em que a ideia de movimento se deslocaria para o plano do alcance final, ou de realização da ação. Na noção de perifrasi risolutiva, ou, perífrase resolutiva (no português) de Bertinetto, o verbo andare apresenta sinais de dessemantização, e está sujeito a um processo de decategorização, como é possível notar pela abertura dos usos a sujeitos inanimados e pela possibilidade de vir acompanhado de verbos que pertencem à mesma esfera semântica. Esse uso, no entanto, apresenta algumas restrições sintáticas, tais como a rara possibilidade de interposição de outros elementos lexicais (exceto advérbios temporais) e a exclusão do imperativo. Essas restrições também constam na literatura linguística do português pertinente a essas construções perifrásticas. Nos exemplos abaixo, retirados dos corpora de análise, nota-se a presença dessas construções com uma noção de resolutividade: 26. «Questa manovra è iniqua perché colpisce chi ha un reddito fisso e i pensionati. È recessiva perché prevede soltanto aumenti di pressione fiscale, anche odiosi come quello sulla prima casa, che vanno a colpire il ceto medio...». // “Essa manobra é iníqua, pois atinge quem possui uma renda fixa e os aposentados. É recessiva, pois prevê apenas aumentos de pressão fiscal, também intoleráveis como àqueles sobre a primeira casa, que vão atingir a classe média...”. Il Corriere della Sera (Pg. 21 – Il 5 dicembre 2011). 103 27. «Ed è inutile andare a riesumare la preistoria, i mesi della formazione del primo governo Berlusconi...» . // “É inútil resumir a pré-história, os meses de formação do primeiro governo de Berlusconi...”. Il Corriere della Sera (Pg. 8 – Il 9 novembre 2011). 28. «Oggi a Roma con la riunione dei gruppi dirigenti delle confederazioni dell' artigianato e del commercio inizia la volata finale dell' «Operazione Capranica». Va a sparigliare gli stanchi meccanismi della concertazione triangolare e va a ridisegnare anche i rapporti tra economia e politica...». // “Hoje, em Roma, com a reunião dos grupos dirigentes das Confederações de Artesanato e do Comércio, se inicia a rodada final da “Operação Capranica”. Vai separar os velhos mecanismos da manobra triangular, e também, vai reformular as relações entre a economia e a política”. Il Corriere della Sera (Pg. 13 – Il 27 aprile 2010). Segundo Lima (2001), no português, o estágio de Gramaticalização já percorreu as quatro fases listadas a seguir: (a) Fase de incremento dos casos de ocorrência de ir com sujeito não-humano. (b) Fase de incremento dos casos de ocorrência de ir não envolvendo movimento. (c) Fase em que a construção passa a ser utilizada na voz passiva. (d) Fase em que há a expansão da classe dos verbos passíveis de ocorrer após ir, de verbos de ação para verbos de evento, até a extensão a verbos de estado. De acordo com as fases mencionadas acima, segundo o que Lima (2001) convencionou como as etapas progressivas do processo de Gramaticalização de ir + 104 infinitivo, as perífrases resolutivas do italiano seriam construções que já avançaram as primeiras três etapas do processo, ou seja, (a) seus sujeitos deixaram de ser humanos, e isso pressupõe ausência do traço intenção, já que não há um sujeito físico dotado de intencionalidade para concretizar a ação. Isso acarretaria, segundo o autor, a consequente promoção dos traços que podem, ou não, continuar presentes, ou seja, movimento e futuro. A ausência de um sujeito humano implica que estamos diante de um uso metafórico de andare, segundo os casos acima. Podemos prever ainda que o traço movimento está excluído, devido ao fato de que se tratam, nesses exemplos, de entidades não passíveis de movimento perceptível, ou seja, corresponderia à fase (b) do processo. Portanto, a presença de um traço futuro em andare a + infinito, e a percepção de Bertinetto (1991) de resolutividade, ou seja, da conclusão da ação, seriam as duas únicas possibilidades viáveis para explicar o fenômeno do qual estamos diante no italiano. De acordo com os exemplos em análise, podemos afirmar ainda que as construções também alcançaram o estágio em que passam a ser utilizadas na voz passiva (c). Nessa etapa, são evidentes os indícios de aprofundamento do processo de Gramaticalização, e a justificativa é de ordem semântico-pragmática. Sob tal ponto de vista semântico, é indiscutível que, nesse caso particular, a forma passiva implica também na demoção do traço intenção. O emprego da passiva sugere que, a estar presente uma intenção, ela estaria alheia ao sujeito expresso. Nesse caso, segundo Lima (2001), o traço futuro teria maior saliência sobre todos os outros possíveis. A fase (d), que remete à expansão do repertório de verbos infinitivos que podem ocorrer na construção perifrástica que passa a englobar, também, verbos de estado, é, talvez, a única etapa que ainda não se apresenta evidente na língua, tanto no que concerne a literatura linguística, segundo o que fora supracitado em Maiden e Robustelli (2000: 105 209), como nas evidências dos corpora, nos quais há ausência de construções com verbos de movimento. Os estudos em língua italiana descartam a hipótese de que a perífrase resolutiva possa expressar a noção de futuro, ainda que apresentem a mesma estrutura formal daquelas decorrentes em outras línguas neolatinas como no português, no espanhol e no francês. Squartini (1998) trata do uso de andar a + infinito em galego, ir (a) + infinitivo no português e no espanhol, em que a perífrase tem conotação tanto para expressão de um significado aspectual durativo, como para a expressão de uma ideia de futuro. Maiden e Robustelli (2000) afirmam que tanto a construção no francês, quanto no espanhol expressam formas analíticas de um futuro próximo. Amenta (2002: 25) afirma: "No italiano, ao invés, a construção é privada da acepção de futuridade. E o verbo andare não sofreu a partir da ideia espacial de movimento nenhum deslize semântico para o plano da temporalidade”. Ou seja, descarta-se a hipótese de projeção metafórica do espaço no tempo dos casos com o verbo andare. Essa privação de sentido futural, segundo alguns estudos, como Sornicola (1976) e Durante (1982), pode ser consequência de um processo de Gramaticalização interrompida decorrente de intervenções, na língua, do movimento Purista, ocorrido no século XIX junto às políticas linguísticas de promoção e afirmação do italiano como língua nacional. Esse fenômeno pode ter sido responsável por bloquear uma possível etapa de Gramaticalização da construção como expressão de futuro analítico como é evidenciado em línguas neolatinas próximas. Tomando novamente como referência a transformação sofrida pelo verbo de ação to go (ir) para expressar tempo futuro no inglês, Heine et al. (1991; 46) mostram 106 algumas das propriedades de um processo metafórico envolvido na sua Gramaticalização: (a) envolve um significado reconhecido como “literal” e outro que é o “transferido” ou “metafórico”; (b) envolve transferência ou projeção de um domínio conceitual (espaço) em termos de outro (tempo dêitico); (c) aparentemente envolve violação de regras e anomalias, como o caso de um verbo de movimento, que tipicamente requer um sujeito humano, vir a coocorrer com sujeito inanimado; (d) envolve conceitos que se associam ao mundo humano para referir-se a conceitos inanimados; (e) em contextos específicos, a expressão metafórica pode também ser entendida no sentido literal, não transferido, o que resulta em ambiguidade, principalmente homonímica. Todos esses processos metafóricos, sem excessão, incidiram sobre a estrutura perifrástica em estudo, ou seja, andare a + infinito, segundo os casos analisados nos corpora. E o que se observa na atualidade num processo de transferência linguística L1 para L2 é justamente essa ambiguidade semântica, tomando como base que o processo de Gramaticalização é variável e assimétrico. No capítulo 3, que aborda o tratamento da perífrase andare a + infinito na literatura linguística italiana, Bertinetto (1991, 1993) trata o tema das perífrases e seus níveis de perifrasticidade como um fenômeno escalar, ou seja, cada estrutura, considerando as assimetrias do processo de Gramaticalização, apresentaria um grau ou nível que varia em uma escala de (+) gramaticalizada a (–) gramaticalizada, tal como evidenciado por Heine (1991), quando trata da Gramaticalização como um fenômeno 107 escalar, que pode em uma linha sincrônica apresentar um item (lexical / gramatical) em diversos níveis de gramaticalidade. Lima (2001), em seu estudo sobre a gênese de ir + infinitivo no português, afirma que o comportamento de ir como auxiliar de futuro não difere substancialmente do seu comportamento enquanto verbo pleno, e que no português, a construção em questão não conheceu ainda um incremento apreciável de coesão sintagmática ou bondedness, o que se revela na possibilidade de intercalação, entre a forma finita de ir e o verbo no infinitivo, de outros elementos frásicos como foram abordados acima. Bertinetto (1991, 1993) afirma que quanto maior a interposição de material frásico entre os elementos constituintes da perífrase, menor é seu grau de coesão sintagmática e, portanto, de perifrasticidade. Nos exemplos dos corpora da pesquisa foram evidenciados inúmeros casos em que há a interposição de outro material frásico na perífrase, o que, de fato, destitui seu estatuto unitário de uma autêntica construção perifrástica. Lima (2001) também menciona essa impossibilidade de intercalação de outros materiais na construção no português, segundo regras gerais da língua. 5.3. DISTRIBUIÇÃO GERAL DOS DADOS DOS CORPORA E OS GRAUS DE PERIFRASTICIDADE DA PERÍFRASE ANDARE A + INFINITO Bertinetto (1991) e Amenta (2002) constatam a existência, no italiano, de três padrões de uso da estrutura andare a + infinito que se sobrepõem numa linha sincrônica, e que se distinguem significativamente: 1.andare (uso lexical) 2.andare (uso em perífrases resolutivas) 3.sintagma polirematico (construção lexical com andare) 108 Tabela 5: Traços semânticos de andare TRAÇO SEMÂNTICO ( + / - ) 1 + 2 - 3 - A tabela acima foi elaborada segundo o estudo dos dados dos corpora de estudo da pesquisa sobre a perífrase verbal andare a + infinito em italiano. Considerando o primeiro caso, não se trata de um uso perifrástico, segundo Amenta (2002), visto que o verbo andare não sofreu dessemantização, e como conseqüência, é compatível apenas com sujeitos animados, e mantém a possibilidade de reger argumentos próprios (por exemplo, determinações espaciais). A locução que é formada pela junção desses dois verbos pode ser conjugada sem restrições de tempos e modos, compreendendo também o imperativo. Não há possibilidade, no entanto, de substituição pela forma sintética correspondente, pois os traços relativos ao deslocamento + ou - real no espaço e aquele relativo à focalização do instante anterior à realização da ação não podem ser omitidos. Abaixo estão evidenciados alguns exemplos dos corpora: 29. «Non so se sia normale che i capannoni crollino così. Ma certo vedere morto uno che va a lavorare è una cosa che turba profondamente,... » // “Não sei se é comum que os galpões desmoronem dessa forma. Mas é claro que ver morrer alguém que vai trabalhar, é algo que incomoda profundamente,...” Il Corriere della Sera (Pg.6 – Il 30 maggio 2012) 109 30. «Spero di farcela, ma se non vado a votare non sarà per motivi ideologici» // “Espero realizar isso, mas se não vou votar, certamente não é por motivos ideológicos” Il Corriere della Sera (Pg.1 – Il 7 giugno 2011) O segundo caso corresponde às perífrases resolutivas conforme a acepção de Bertinetto, em que o verbo andare é dessemantizado (1˚ mecanismo de Gramaticalização de Heine (1991)), e é também sujeito ao processo de decategorização (2˚ mecanismo de Gramaticalização de Heine (1991)). Esse segundo processo explica a possibilidade de ocorrência de sujeitos inanimados e também a possibilidade de utilização de verbos que pertencem à mesma esfera semântica. No entanto, a construção apresenta algumas restrições sintáticas, tais como a rara possibilidade de interposição de outro material lexical (como advérbios temporais) e a exclusão do imperativo. Abaixo estão exemplificados casos de perífrases resolutivas retiradas dos corpora de estudo: 31. «Semplificando, sono due gli elementi che vanno a formare la tariffa: l' inflazione programmata e gli investimenti effettuati.» // Simplificando, são dois os elementos que vão formar a tarifa: a inflação programada e os investimentos realizados. Il Corriere della Sera (Pg.5 – Il 29 dicembre 2011) 32. «Ma ciò che adesso balza all' occhio è che questa storia dei 300.000 euro da Berlusconi a Mora non può essere la stessa, e neppure inGramaticalização quella dei 2 milioni e 450.000 euro, ma va a sommarsi ad essa.» // Mas aquilo que salta aos olhos agora é que essa história dos 300.000 euros de Berlusconi a Mora não pode ser a 110 mesma, e nem mesmo tem ligação com aquela dos 2 milhões e 450.000 euros, mas vão somar-se a essa.” Il Corriere della Sera (Pg.21 – Il 17 marzo 2011). No caso dos sintagmas polirematicos, o verbo andare, tem seu significado alterado no uso, tendo em vista a influência do verbo que o acompanha. Essas estruturas são formas lexicalizadas, sendo possível, portanto, a substituição do significado de toda a expressão por uma forma sintética, de sentido correspondente, fator que as distinguem das locuções verbais, apresentadas aqui como o primeiro caso. Exemplo de forma lexicalizada retirada dos corpora: 33. «Che cosa vai a fare con gente che coi valori cattolici c' entra ben poco?» // “Como vai lidar com gente que não compartilha dos valores católicos.” Il 28 novembre 2010 (Pg.9 – Il 28 novembre 2010) O gráfico abaixo sobre o grau de perifrasticidade evidencia a divisão percentual das construções analizadas nos corpora de discursos de políticos das mídias on-line, levando em conta um total de 142 exemplos: Gráfico 2: Graus de perifrasticidade Grau de Perifrasticidade 4% 19% Perifrasi Risolutiva Andare (lexical) 77% Construções lexicalizadas O gráfico apresentado acima foi elaborado segundo os resultados obtidos pelo estudo dos corpora da fala de políticos nas mídias jornalísticas italianas on-line Il Corriere della Sera e La Repubblica. 111 Gráfico 3: Interposição de outros constituintes na perífrase O gráfico a seguir mostra os resultados do estudo em que se investigam propriedades das construções nos corpora que foram analisados: 8% Ordem fixa dos elementos 7% 85% Interposição de outro material posição proclítica dos pronomes O gráfico apresentado acima foi elaborado segundo os resultados obtidos pelo estudo dos corpora da fala o de políticos nas mídias jornalísticas italianas on-line Il Corriere della Sera e La Repubblica. Tabela 6: Distribuição Geral dos Dados A partir de um total de 142 perífrases, distribuem-se os seguintes casos, considerando que sujeitos animados e inanimados foram contabilizados à parte: ANDARE A + Contagem numérica Percentual de casos 98 69% 10 7% 10 7% 21 15% 3 2% INFINITO Ordem fixa dos elementos sem a presença de outros materiais Interposição de outros elementos Posição proclítica dos pronomes Posição enclítica dos pronomes Negativas 112 Tabela 7: Distribuição das perífrases nos corpora de análise Corriere.it (Il Corriere della Sera) 120 ocorrências Repubblica.it (La Repubblica) 22 ocorrências A partir da tabela acima evidencia-se que os dados referente à mídia on-line corriere.it é quantitativamente superior aos dados da mídia referente aos dados investigados no repubblica.it. Em princípio, essa distinção numérica não pode ser justificada por uma diferença estilística das duas mídias referente à própria forma de organização textual. Em ambas as mídias é notável a transcrição da fala dos políticos, diretamente ou indiretamente. O fator que influi para essa superioridade de ocorrência de dados no corriere.it concerne à investigação prévia do mesmo. A pesquisa se iniciou com a investigação dos dados apenas no corriere.it, tendo posteriormente sido ampliado o recolhimento de dados na mídia repubblica.it. A ocorrência frequente dessa estrutura nos corpora investigados supõe que essa estrutura ganha destaque na língua italiana, tanto na fala dos políticos quanto na fala de outras classes ou castas sociais. O escopo dessa pesquisa foi o de mostrar que um fenômeno presente na fala pode possuir diversos níveis ou graus de gramaticalidade, ainda que os mesmos não sejam à primeira vista claramente perceptíveis aos falantes. Esses diversos níveis ou graus de gramaticalidade apontam justamente para as mudanças na língua que são lentas e graduais sendo, de certo modo, melhor compreendidas quando analisadas e reveladas comparativamente, porém, de fora do sistema. As análises comparativas que foram feitas a partir da mesma estrutura perifrástica na língua portuguesa justificam essa possibilidade de aplicar um método que foi verificado em um sistema anteriormente em um outro, nesse caso, na língua italiana. 113 6. CONCLUSÃO Considerando a trajetória da construção andare a + infinitivo, em breve relato nesse estudo, chega-se à conclusão de que sua Gramaticalização ocorre como um processo contínuo. As considerações prévias realizadas por esse estudo com base em Heine (1991, 1993), Bertinetto (1991, 1993, 2003), Amenta (2002), Bybee (2010), Hopper & Traugott (2003) et alii demonstraram o fenômeno de Gramaticalização como um continuum, observado em sincronia. Através desse continuum é possível notar que uma mesma estrutura pode obter usos diversos a depender do contexto. Por meio de um breve estudo da estrutura ir + infinitivo no português, foi possível concluir que a estrutura atingiu um estágio de Gramaticalização no qual o verbo auxiliar ou modificador encontra-se dessemantizado, sendo impossível, então, considerar o significado disassociado de cada um dos componentes da estrutura, que só faz sentido como uma unidade. O padrão representacional da estrutura verte para a expressão de futuro na atualidade, em concorrência com o futuro simples do indicativo e o presente do indicativo. No italiano, através dos estudos realizados, foi possível concluir que a estrutura andare a + infinito apresenta diversos graus de perifrasticidade, desde os casos em que o verbo andare apresenta seu sentido pleno na estrutura, ou seja, não dessemantizado, passando pelos casos em que se apresenta como formador de uma estrutura lexicalizada, até um padrão mais próximo do português, quando o verbo já dessemantizado, é utilizado na estrutura com sujeito inanimado e há ausência do traço movimento, as chamadas perífrases resolutivas. Como fora já exposto, as gramáticas italianas e até mesmo os estudos descritivistas mais recentes omitem que essa estrutura perifrástica possa verter para a expressão de um futuro próximo. Ainda que a forma seja regularmente atestada tanto nos textos antigos quanto nos modernos, a menor atenção que lhe é atribuída seria sugerida pelo fato de ser 114 evidenciada como a menos estável quando comparada com aquelas com o gerúndio e com o particípio passado em termos de organicidade sintática e semântica. A um certo ponto questiona-se inclusive a licitude de se tratar de uma construção perifrásica unitária, tendo se direcionado para um processo de Gramaticalização, ou se é questionável considerá-la como um caso de Gramaticalização interrompida. Levando em conta seu caráter histórico, político e social, o italiano é uma língua que apresentou algumas distinções básicas em relação ao português, espanhol e francês, devido ao fato de ter sido oficializada como língua nacional tardiamente, apenas no século XIX, de ter convivido ao longo da história com uma ampla variedade de dialetos num mesmo espaço geográfico desde tempos remotos, de ter sido imposta como língua de prestígio – o dialeto Fiorentino – levando em consideração fatores políticos e de ter sido ao longo de muitos séculos, até o momento de unificação da Itália, uma língua elitizada, conhecida por poucos, cerca de aproximadamente 10% da população da península, restrita a um uso extremamente formal e voltado para a escrita, em detrimento da fala, tendo consequentemente, um índice de analfabetismo que beirava aproximadamente 90% da população já no final do século XIX, segundo De Mauro (1993). Todos esses fatores em convergência, talvez, tenham provocado um processo de atraso em relação às mudanças que ocorreram naturalmente em outras línguas neolatinas aqui abordadas, em particular o uso de andare a + infinito. Essas evidências são baseadas nos estudos de De Sanctis (1870), Bertinetto (1985-93), Migliorini (2001), dentre outros. E não está excluída pela historiografia linguística italiana que essa estrutura tenha sofrido uma interferência em seu desenvolvimento natural por interferência do Purismo linguístico italiano do século XIX (800’), movimento que influenciou de forma contundente a implementação do italiano como língua nacional, 115 moldando por meio de grandes intervenções formais, a língua escrita, buscando eximir o uso de estrangeirismos. O estudo da perífrase verbal em questão mostra que os fenômenos de mudança linguística e de Gramaticalização ocorrem de forma variável nas diversas línguas. A Gramaticalização é um fenômeno gradual e contínuo, que porém não está imune a intervenções de outra natureza. E o caso do italiano, é um exemplo evidente nesse processo. E a partir dos pressupostos de Gramaticalização envolvidos no desenvolvimento dessas estruturas e a ampliação da frequência de uso das mesmas, é que esse estudo busca mostrar que andare a + infinito passa por uma mudança paradigmática, e que podemos notar um continuum no processo de Gramaticalização descrito por Heine (1991, 1993) num contexto (língua) em que há fluidez, ou seja, em que há a co-presença de formas com significados distintos, que caberão em contextos igualmente distintos. A despeito das considerações de muitos estudos linguísticos italianos analisados, nos quais se nota uma veemência retórica de rejeição absoluta apontando para a incompatibilidade com um traço de futuridade na construção andare a + infinito, o que essa pesquisa comprova, de fato, é que na atualidade os padrões de uso estão em constante mudança – o que pode ser comprovado pelos dados dos corpora analisados – , que mostram que essa estrutura pode estar vertendo para um novo parâmetro de uso, ou seja, para a expressão de futuridade. Portanto, os critérios de distinção dessa estrutura no italiano atual frente ao mesmo modelo em outras línguas, converge de um modelo conservador ainda muito forte que confere à língua o status de uma Instituição. Ainda não houve por parte da Literatura Linguística italiana uma reanálise dos parâmetros vigentes atualmente na língua. 116 As trocas linguísticas por meio da velocidade intensa que se observa na atualidade nas mídias, principalmente, aquelas on-line, certamente favorecem que aconteça no italiano de hoje, um forte influxo linguístico, em vários níveis. E, de fato, as perífrases verbais, que sempre estiveram presentes na língua são estruturas que mudam paradigmaticamente, e já é possível notar nas mídias, um forte apelo ao uso da forma andare a + infinito como uma forma de expressão de futuridade em substituição ao futuro simples. 117 7. BIBLIOGRAFIA * AMENTA, L., STRUDSHOLM, E. <<Andare a + infinito>> in italiano. Parametri di variazione sincronici e diacronici: In: Cuadernos de Filología Italiana. Vol.9, 2002. pp. 11-29. * BACH, S., SCHMITT J. Jørgen: Større italiensk grammatik. Køben-havn: Munsksgaard, 1990. * BATTAGLIA, S. Grande Dizionario della língua italiana. Vol.3. 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Os textos referentes aos corpora, em sua íntegra, estão presentes no disco multimídia que acompanha essa Dissertação de Mestrado. TEXTO 1: 124 TEXTO 2: 125 TEXTO 3: TEXTO 4: 126 127 ANEXO 2 Forum Wordreference.com Thread: andare a + verbo infinito USUÁRIOS MEMBROS Tópico/ domanda Francisgranada Ciao e buona sera a tutti, La mia domanda è se sia corretto usare il verbo andare per indicare un futuro prossimo o per esprimere l’intenzione di far qualcosa (incluso i casi quando di fatto non bisogna “spostarsi” fisicamente). Contesto/Esempi: Domani vado a comprar un libro Domani vado ad alzarmi presto Ora vado a dirti che non mi sento bene Adesso vado a leggere un libro (senza allontanarmi dal mio posto) Vado a cantarvi una bella canzone (rimango seduto, non vado ad alcuna parte) Andiamo a vedere cosa c’è scritto nel dizionario (senza far un passo) Grazie in anticipo. Senior member Tópico / resposta ElFrikiChino Contesto/ Esempi: Domani vado a comprar un libro (OK) (ma è un presente con valore di futuro, e andare significa andare, non perde il suo significato per indicare solo un’azione futura) Andiamo a vedere cosa c’è scritto nel dizionario (OK) Però non so la regola che ammette l’uso di andare in senso di futuro nell’ultima frase. Pensandoci un attimo ti dico però che “andare a vedere” è una costruzione piuttosto usata e spesso ha valore di futuro, ma non sempre. Senior member Tópico / resposta 128 Olaszinho Risposta: Tutte le frasi sono scorrette, però due o tre di esse possono avere un senso compiuto in italiano, se si sottintende uno spostamento fisico. Domani vado a comprare un libro: uscirò ed andrò in un negozio. In italiano non esiste il verbo andare + infinito come in spagnolo, portoghese o francese. Per indicare un’azione imminente puoi usare il presente semplice, o la perifrasi stare per + infinito o il futuro semplice. Domani andrò / vado al mercato. Sto per andare a letto: fra poco ci andrò. Purtroppo però, debbo ammettere, questa costruzione perifrastica sta sempre più prendendo piede anche in Italia, frasi del tipo: andrò a fare, vado a discutere, senza implicare nessuno spostamento, sono sempre più diffuse, sebbene siano ancora considerate scorrette dalla grammatica normativa. A me pare, tuttavia, che quest’uso o abuso sia piuttosto recente. Senior member Tópico / resposta Annapo Bé, insomma. Prova a guardare una delle trasmissioni di cucina che in Italia oggigiorno impazzano tanto o la previsione del tempo. Io ho sentito continuamente usare espressioni del tipo: “e adesso andiamo a preparare una panna acida per la guarnizione” “andiamo a ricavare una montagna con la farina, in cui andiamo a mettere le uova, il lievito e il sale” “e ora andiamo ad esaminare la situazione delle massime e minime per la giornata di domani” La verità è che questa forma, benchè oggettivamente antipatica nella sua ridondanza (in pratica, non andiamo a fare un bel niente, lo faciamo e basta) è usatissima in questo mondo che manda in diretta le azioni e i pensieri mentre si formano. Inúmeros blogs e sites sobre estudos linguísticos debatem a autenticidade da perífrase andare a + infinito com valor de futuro próximo no italiano, devido ao seu elevado aumento quantitativo no uso, tanto na oralidade, quanto na escrita. O site da internet www.wordreference.com é um fourm on-line muito utilizado por tradutores e linguistas que mantém uma plataforma de debates em rede, que permite, a partir de inscrição prévia, a criação de threads / tópicos de discussão de determinados 129 argumentos e dúvidas que são compartilhados entre outros usuários do site igualmente cadastrados. Nesse site, foi possível encontrar o argumento de estudo dessa Dissertação no tópico andare a + verbo in infinito, no qual foi possível encontrar um debate produtivo entre estudiosos, tradutores e anônimos sobre o comportamento dessa estrutura no italiano atual, que, de certo modo, contribuiu para corroborar as conclusões que foram alcançadas com essa pesquisa. Alguns tópicos retirados do thread foram disponibilizados acima. A partir do debate na íntegra, conclui-se que o uso dessa estrutura, ainda que não formalmente admitida para a expressão de futuro, está presente no uso diário dos italianos, e é veiculada intensamente pela mídia. É irrefutável que os meios de comunicação atuam na sociedade como um ditador de padrões, e provavelmente, a velocidade dessa difusão está associada ao bombardeamento midiático, considerando a força que a mídia televisiva apresenta na Itália. ANEXO 3 Esse anexo é um cd que consta junto do texto com a compilação dos exemplos dos corpora. 130