- Faculdade de Letras

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
A PERÍFRASE VERBAL ANDARE A + INFINITO EM DISCURSOS
POLÍTICOS ITALIANOS DA ATUALIDADE
FELIPE NICOLAO RODRIGUES GOMES
2013
A PERÍFRASE VERBAL ANDARE A + INFINITO EM DISCURSOS
POLÍTICOS ITALIANOS DA ATUALIDADE
FELIPE NICOLAO RODRIGUES GOMES
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa
de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos
Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana).
Orientadora: Profª. Drª. Annita Gullo
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2013
2
A PERÍFRASE VERBAL ANDARE A + INFINITO EM DISCURSOS
POLÍTICOS ITALIANOS DA ATUALIDADE
Felipe Nicolao Rodrigues Gomes
Orientadora: Profª. Drª. Annita Gullo
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos
Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana).
Examinada por:
_____________________________________________________________________________
Professora Doutora Annita Gullo – UFRJ / Neolatinas (orientadora)
_____________________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Luiza Braga – UFRJ / Linguística
_____________________________________________________________________________
Professora Doutora Sonia Cristina Reis – UFRJ / Neolatinas
_____________________________________________________________________________
Professora Doutora Ângela Maria Correa – UFRJ / Neolatinas (suplente)
_____________________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Franca Zuccarello – UFRJ / Neolatinas (suplente)
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2013
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FICHA CATALOGRÁFICA
Gomes, Felipe Nicolao Rodrigues
A perífrase verbal andare a + infinito em discursos políticos italianos da
atualidade/ Felipe Nicolao Rodrigues Gomes. – Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2013.
130, 130f. : il. 31cm.
Orientadora: Annita Gullo
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-graduação em Letras
Neolatinas, 2013.
Referências Bibliográficas: f. 118 - 123.
1. Perífrase Verbal. 2. Gramaticalização. I. Gullo, Annita. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em
Letras Neolatinas – Estudos Linguísticos. III. Título.
4
AGRADECIMENTOS
Dedico esse texto aos meus pais, Jorge Luis e Maria Arlete, as pessoas mais importantes
em minha vida. Sem dúvidas, essas pessoas maravilhosas foram os grandes
responsáveis por ter alcançado mais essa etapa.
Agradeço a Deus pela força de ter me mantido firme ao longo desses dois anos e de ter
permitido que eu finalizasse esse trabalho, e espero que de alguma forma possa ser útil
para os estudos linguísticos neolatinos, e para outros colegas estudiosos da língua
italiana.
Agradeço a todos os meus professores, especialmente à Annita Gullo, Sonia Cristina
Reis, Andrea Lombardi, Maria Lizete dos Santos e Maria Luiza Braga que foram minha
base, e que muito auxiliaram para o meu crescimento enquanto pesquisador e
profissional no campo das Letras.
Agradeço a Wil e Sophia por estarem presentes em minha vida.
5
RESUMO
A PERÍFRASE VERBAL ANDARE A + INFINITO EM DISCURSOS
POLÍTICOS ITALIANOS DA ATUALIDADE
Felipe Nicolao Rodrigues Gomes
Orientadora: Profª. Drª. Annita Gullo
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação
em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras
Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana).
A Dissertação de Mestrado intitulada A Perífrase Verbal andare a + infinito em
Discursos Políticos Italianos da Atualidade traça um estudo dos parâmetros atuais de
uso da estrutura perifrástica em questão no italiano contemporâneo. Pauta-se nos
pressupostos teóricos da Gramaticalização, de Heine (1991, 1993), e no amplo estudo
sobre as perífrases verbais no italiano, de Bertinetto (1991, 2003). Esse estudo, apoiado
na teoria Funcionalista e na Gramática de Construções aborda a hipótese de que a
estrutura verbal andare a + infinito esteja passando por um processo de ampliação nos
padrões de uso na atualidade, que o fenômeno da Gramaticalização explica por meio de
seus princípios e mecanismos. A pesquisa busca comprovar esse novo padrão de uso,
em um viés sincrônico, por meio de corpora atuais de discursos de políticos italianos da
atualidade nas duas principais mídias jornalísticas italianas – La Repubblica e Il
Corriere della Sera – em suas versões on-line. O parâmetro que se busca evidenciar
consiste no uso de andare a + infinito como forma alternativa de expressão de
futuridade no italiano, como forma concorrente do futuro simples do indicativo, o que já
consta presente no uso e nos estudos descritivistas de outras línguas neolatinas,
inclusive no português. Os dados dos Corpora foram analisados e quantificados pelo
programa WordSmith versão 6.0.
PALAVRAS – CHAVE: Andare a + infinito; Perífrase-verbal; Gramaticalização;
Mídias jornalísticas.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2013
6
ABSTRACT
A PERÍFRASE VERBAL ANDARE A + INFINITO EM DISCURSOS
POLÍTICOS ITALIANOS DA ATUALIDADE
Felipe Nicolao Rodrigues Gomes
Orientadora: Profª. Drª. Annita Gullo
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação
em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras
Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana).
This Master’s Dissertation entitled The Verbal Periphrasis andare a + infinito in
current speeches of Italian politicians intends to make a study on the current parameters
of use concerning the periphrastic structure in Italian language targeted by this research.
The all study is based on the theoreticals assumptions on Grammaticalization of Heine
(1991, 1993), and even on the extensive study about the periphrastics structures in
Italian of Bertinetto (1991, 2003). This study supported by the Functionalist Theory and
the Construction Grammar address the hypothesis in which the verbal structure andare
a + infinito would be expanding its parameters of use currently. The phenomenon of
Grammaticalization explains theses changes through its main principles and
mechanisms. This essay finds to prove this new use standart through a synchronic bias
in corpora of current Italian politician speeches in the two most important Italian
journalistic medias – La Repubblica and Il Corriere della Sera – on its on-line versions.
The new parameter that this study is raising consists in the use of andare a + infinito as
an alternative form for the expression of future time in Italian, like a candidate form
alongside the simple future, that as a matter of fact is already present in the use and in
the descriptive studies of other neolatin languages like Portuguese. The Corpora data
were verified and quantified by the program WordSmith 6.0 version.
KEY-WORDS: Andare a + infinitive; Verbal-periphrasis; Grammaticalization;
Journalistic Medias.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2013
7
RIASSUNTO
A PERÍFRASE VERBAL ANDARE A + INFINITO EM DISCURSOS
POLÍTICOS ITALIANOS DA ATUALIDADE
Felipe Nicolao Rodrigues Gomes
Orientadora: Profª. Drª. Annita Gullo
Riassunto da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação
em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras
Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana).
La tesi di Master intitolata La Perifrasi Verbale andare a + infinito nei Discorsi
Politici Italiani dell’Attualità si propone a fare uno studio sui parametri attuali d’uso di
questa struttura perifrastica nell’italiano contemporaneo. Questo studio si basa nei
presupposti teorici di Grammaticalizzazione, di Heine (1991, 1993), e nell’esauriente
studio sulle perifrasi verbali in italiano, di Bertinetto (1991, 2003). Questo studio
sostenuto nella Teoria Funzionalista e nella Grammatica di Costruzioni tratta l’ipotesi
secondo la quale la struttura andare a + infinito stia attraversando uno stage di
allargamento dei parametri di uso nell’attualità, fenomeno spiegato dai principi e
parametri di Grammaticalizzazione. La ricerca cerca di attestare il nuovo parametro di
uso tramite uno sguardo sincronico attraverso corpora attuali di discorsi di politici
italiani dell’attualità nelle due più importanti medie on-line italiane – La Repubblica e Il
Corriere della Sera. Questo parametro che si cerca di mettere in evidenza consiste
nell’uso di andare a + infinito come forma alternativa di espressione di futuro prossimo
come forma concorrente accanto al futuro semplice, il che risulta già in evidenza
nell’uso quotidiano e negli studi descritivisti in altre lingue neolatine, come nel
portoghese. I dati dei Corpora sono stati verificati e quantificati dal programma
WordSmith versione 6.0.
PAROLE-CHIAVI: Andare a + infinito; Perifrasi verbali; Grammaticalizzazione;
Medie giornalistiche.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2013
8
SINOPSE
A análise dos parâmetros de uso da perífrase
verbal andare a + infinito no italiano na
atualidade. A tendência de uso dessa forma como
expressão de futuro em corpora atuais (a
transcrição da fala de políticos da atualidade).
Hipótese alcançada por meio dos princípios e
mecanismos de Gramaticalização.
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................13
2. A REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DA MÍDIA JORNALÍSTICA NO PROCESSO
DE FORMAÇÃO DA LÍNGUA ITALIANA.................................................................17
2.2. A EXPRESSIVIDADE DOS JORNAIS..................................................................18
2.3. A RELAÇÃO ENTRE A LÍNGUA E A SUA HISTÓRIA E A QUESTÃO DO
NACIONALISMO ITALIANO......................................................................................22
2.4. A LINGUAGEM JORNALÍSTICA DOS PRIMEIROS SÉCULOS.......................28
2.5. O NASCIMENTO DO JORNAL NA ITÁLIA PRÉ-UNIFICADA........................31
2.5.1. O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL DO FIM DO SÉCULO XVIII...............31
2.5.2. O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL DO SÉCULO XIX................................32
2.6. AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS JORNAIS ITALIANOS................33
3. OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS SOBRE O VERBO ANDARE E A CONSTRUÇÃO
PERIFRÁSTICA ANDARE A + INFINITO....................................................................37
3.1.
UMA
BREVE
ANÁLISE
DA
PERÍFRASE
IR
+
INFINITIVO
NO
PORTUGUÊS..................................................................................................................37
3.2.
A DESCRIÇÃO DO VERBO ANDARE E DA PERÍFRASE ANDARE A+
INFINITO NO ITALIANO.............................................................................................44
3.2.1. A CARACTERIZAÇÃO DO VERBO ANDARE.................................................45
3.2.2. PROPRIEDADES DOS PRINCIPAIS VERBOS DE MOVIMENTO.................46
3.3. A DESCRIÇÃO DA PERÍFRASE ANDARE A+ INFINITO NA LITERATURA
LINGUÍSTICA DO ITALIANO.....................................................................................49
4. REFERENCIAL TEÓRICO........................................................................................59
4.1. PRESSUPOSTOS FUNCIONALISTAS.................................................................59
10
4.2. GRAMATICALIZAÇÃO E FUNCIONALISMO...................................................61
4.3. OS MECANISMOS INTRÍNSECOS DE GRAMATICALIZAÇÃO.....................70
4.4. A UNIVERSALIDADE DO FENÔMENO DE GRAMATICALIZAÇÃO............76
5. FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA.....................................84
5.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PERÍFRASES VERBAIS NO ITALIANO........84
5.2. TRATAMENTO GERAL DOS DADOS DOS CORPORA....................................89
5.2.1.
A
INTERPOSIÇÃO
DE
MATERIAIS
LEXICAIS
NA
PERÍFRASE....................................................................................................................92
5.2.1.1. ADVÉRBIOS.....................................................................................................92
5.2.1.2. PRONOMES CLÍTICOS...................................................................................97
5.2.1.3. NEGAÇÃO.........................................................................................................99
5.2.1.4. ANIMACIDADE DO SUJEITO......................................................................100
5.3. DISTRIBUIÇÃO GERAL DOS DADOS DOS CORPORA E OS GRAUS DE
PERIFRASTICIDADE DA PERÍFRASE ANDARE A + INFINITO...........................108
6. CONCLUSÃO...........................................................................................................114
7. BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................118
8. ANEXOS...................................................................................................................124
ANEXO 1......................................................................................................................124
ANEXO 2......................................................................................................................126
ANEXO 3......................................................................................................................130
11
ÍNDICE DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS
QUADROS
Página
Quadro 1: Continuum de Gramaticalização (Heine, 1991)
64
Quadro 2: Linha temporal de traços semânticos
70
Quadro 3: Extensão de sentido das formas
72
TABELAS
Tabela 1: Os jornais mais populares do mundo na atualidade
30
Tabela 2: Os jornais mais antigos do mundo
31
Tabela 3: Pessoas verbais do verbo andare das perífrases
91
encontradas nos corpora
Tabela 4: Sujeitos animados e inanimados
100
Tabela 5: Traços semânticos de andare
109
Tabela 6: Distribuição geral dos dados
112
Tabela 7: Distribuição das perífrases nos corpora de análise
113
GRÁFICOS
Gráfico 1: A evolução dos jornais ao longo dos séculos
30
Gráfico 2: Graus de perifrasticidade
111
Gráfico 3: Interposição de outros constituintes na perífrase
112
12
1. INTRODUÇÃO
A pesquisa de Dissertação de Mestrado sobre a perífrase andare a + infinito no
italiano está fundamentada nos pressupostos da Gramática Funcional, nos mecanismos
de Gramaticalização de Heine (1991,1993), assim como nos estudos teóricos sobre as
perífrases verbais no italiano e seus graus de perifrasticidade, de Bertinetto (1991,
2003). Outros estudos acerca do fenômeno da Gramaticalização e da perífrase verbal em
estudo, como os de Durante (1981), Lima (2001), Amenta (2002), dentre outros, foram
de fundamental importância no alcance das conclusões dessa Dissertação.
Essa pesquisa pauta-se em orientações e conceitos da Gramática de Construções,
segundo a qual, a Gramaticalização se aplica em um contexto muito mais amplo do que
o de simples itens lexicais, ou seja, incide sobre construções em contextos muito
específicos. A frequência de uso (Bybee, 2010) e a Ritualização (Traugott, 2003) são
fatores fundamentais para prever quais estruturas estão mais vulneráveis à incidência da
Gramaticalização.
A Gramaticalização da estrutura “ir [verbo auxiliar] + verbo [forma nominal]” é
um fenômeno muito antigo na língua portuguesa, porém, apenas em meados do século
XX, o termo perífrase verbal foi utilizado numa tentativa de normatizá-lo. A Gramática
de Construções propõe um novo conceito de Gramaticalização, considerando que os
padrões linguísticos mais amplos e menos substantivos devem ser reconhecidos como
uma unidade de conhecimento linguístico tão fundamental quanto os itens lexicais
estudados individualmente, ou seja, as construções. Na língua italiana, os pressupostos
teóricos de Bertinetto (1991, 1993, 2003) acerca dos graus e da hierarquia de
perifrasticidade sustentam que a Gramaticalização de estruturas perifrásticas ocorre num
eixo gradual e contínuo.
13
O tema da Dissertação tem como foco a perífrase andare a + infinito, que
apresenta certos parâmetros de uso no italiano contemporâneo conforme se evidenciará
no decorrer do texto. Porém, através de um exaustivo exame da literatura linguística
italiana, é possível notar escassos estudos sobre o assunto. Pôde-se comprovrar nesses
raros estudos, sobretudo, a não referência ao traço de expressão de futuridade presente
em andare a + infinito, o que contrasta com os padrões de uso atuais em outras línguas
neolatinas – que apresentam uma tendência muito forte para a substituição da estrutura
verbal sintética de futuro simples por àquela de futuro perifrástico próximo – e,
também, na tendência de uso atual na língua italiana.
A Dissertação busca mostrar que a Gramaticalização da estrutura andare a +
infinito, tal como ocorreu no português com ir + infinitivo, tende a seguir uma direção
semelhante. A estrutura que detém no português o estatuto de forma concorrente ao
futuro do presente, no italiano ainda não detém reconhecidamente um traço associado à
expressão de futuridade, conforme evidências da literatura linguística. Esse uso aponta
para uma progressiva ampliação, ou ainda, uma provável mudança paradigmática. A
estrutura, que em meados do século XIX ainda estava muito limitada em seu uso ao
contexto literário, é evidenciada atualmente em novos contextos, como nos jornais, a
linguagem que podemos denominar como 1italiano do uso médio. Mais que um simples
termo, o italiano do uso médio é um conceito cunhado por Sabatini (1984). Esse
conceito concerne uma variedade da língua nacional que se distingue consideravelmente
tanto do uso standart (padrão) como das variantes regionais (incluindo qualquer nível
sócio-cultural). É um conceito que define um ideal de uma língua de uso médio, tanto
1
A expressão “italiano do uso médio” define nas palavras de Sabatini (1984), a expressão da língua viva
italiana.
14
oral como escrito do italiano, com status de uso padrão utilizado em geral pela
sociedade.
Os corpora da Dissertação constituem-se de discursos transcritos de políticos
italianos em mídias jornalísticas on-line, atuais, de grande veiculação na Itália: La
Repubblica e Il Corriere della Sera. Os dados foram analisados no período que
compreende julho de 2009 a julho de 2012, e o tratamento dos mesmos foi feito pelo
programa de análise e quantificação de dados WordSmith versão 6.0.
O segundo capítulo dessa Dissertação busca traçar o panorama dos jornais
italianos, desde o seu nascimento na Itália, apontando o seu importante papel no
processo de formação da língua italiana e na formação de leitores. Esse breve capítulo,
de caráter introdutório, justifica, de certo modo, a escolha dos corpora de análise para
demonstrar as evidências do processo de mudança linguística, e demonstra o motivo
pelo qual a mídia jornalística obtem um papel de destaque dentre os outros veículos de
transmissão de informação na Itália.
O capítulo 3 dessa Dissertação faz uma descrição da perífrase andare a + infinito
nos estudos linguísticos normativos e descritivos em língua italiana, tomando como
base, a mesma estrutura na língua portuguesa. A análise da estrutura perifrástica no
português do Brasil foi essencial para as hipóteses que serão demonstradas nos capítulos
finais.
No capítulo 4 desse texto é evidenciado o referencial teórico utilizado na
abordagem da temática da Gramaticalização, como um fenômeno que incide sobre o
léxico e sobre as construções gramaticais da língua. Esse estudo foi pautado nos
pressupostos funcionalistas, com o apoio teórico de Heine (1991, 1993) para os
conceitos referentes aos mecanismos de Gramaticalização, e em Bertinetto (1990,
2003), para os conceitos referentes aos graus e à hierarquia de perifrasticidade.
15
O capítulo 5 aborda a Fundamentação metodológica da pesquisa, traçando
considerações acerca das perífrases verbais no italiano. Faz um tratamento geral dos
dados dos corpora, por meio de uma gama de exemplos, e demonstra um panorama dos
graus de perifrasticidade de andare a + infinito no italiano.
O capítulo 6 traz as conclusões acerca desse estudo de corpora. A pesquisa aponta
para uma tendência clara de mudança linguística, que de acordo com o modelo
Funcionalista de estudo da linguagem, é gradual e lento. A Gramaticalização que incide
sobre a estrutura perifrástica em estudo mostra evidências de mudanças no padrão de
uso de andare a + infinito.
Os anexos finais desse estudo são formados por exemplos dos corpora de mídias
on-line. Esse volume único também contém um cd com a compilação dos exemplos dos
corpora.
16
2. A REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DA MÍDIA JORNALÍSTICA NO
PROCESSO DE FORMAÇÃO DA LÍNGUA ITALIANA.
2.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA MÍDIA JORNALÍSTICA E DE SUA
REPRESENTAÇÃO ON-LINE
Nessa era de revoluções, os meios de comunicação estão sofrendo profundas
mudanças relativas tanto à sua forma quanto ao seu conteúdo. O uso do computador, e
por meio deste a internet, levou a um modo revolucionário na forma de transmissão da
informação na atualidade. Essa revolução telemática aportou a uma necessidade latente
de adaptações da forma que antes era apenas física para o universo virtual. E não foram
somente a estrutura e a apresentação de conteúdo que passaram por essa profunda
revolução, mas também o modo de aquisição de informação pela sociedade, que vem ao
longo das últimas décadas sofrendo grandes mudanças. O fluxo de transmissão e o
consumo da informação são inéditos. Nunca antes fora observado tal acontecimento.
O caráter predominantemente icônico do sistema de transmissão telemático, de
fato, não desgasta a imagem social da escritura, mas exalta seu valor, ampliando
extraordinariamente as situações de uso, e criando, ao mesmo tempo, novas formas de
comunicação escrita, tanto pessoais (e-mail, sms, chats e fóruns de discussão), como
públicas (sites, home pages, motores de pesquisa, jornalismo on-line, etc.).
A imprensa é o principal meio de controle e influência das grandes massas, tanto
no que concerne à sua opinião quanto ao seu comportamento. Não é em vão que a mídia
também é denominada como o quarto poder. A linguagem da mídia é um objeto vivo,
sempre atual e expressivo, que está sempre em contato com a realidade, tendo como
função a descrição da mesma. E o processo de produção dessa mídia altamente
17
complexa requer uma grande quantidade e diversidade de pessoal responsável pela
publicação e constante atualização de conteúdo – a notícia.
2.2. A EXPRESSIVIDADE DOS JORNAIS
O título dos jornais é escrito com letras maiores, o que o destaca do restante da
informação. Este geralmente é utilizado em negrito e se caracteriza pela informação
principal. O título em si é o principal representante da especificidade da linguagem
jornalística, pois introduz a informação, que chamará ou não a atenção do leitor,
incitando-o a ler ou não a mensagem. Destaca-se por uma estrutura totalmente diferente
do que é ditado pelos cânones da boa escritura, apresentando uma sintaxe distinta
(sujeito - verbo - objeto), expondo o nome, ou o sujeito, como o foco principal da
informação. A tendência é o desaparecimento dos verbos, justamente para dar maior
realce ao agente da ação, sendo a frase, portanto, caracterizada como nominal ou
elíptica. Tais referências, no entanto, são características relevantes aos jornais italianos,
Il Corriere della Sera e o La Repubblica, não sendo aplicáveis necessariamente a todos
os outros periódicos.
Fonte: Il Corriere della Sera – 29 giugno 2012. (A tradução do título consta no rodapé da página)2
A esses títulos são atribuídas duas exigências: a maior expressividade possível, e
a atração do leitor. Devem ser interessantes à primeira vista e carregados de riqueza de
2
“Ratzinger: dom Puglisi será beatificado “A máfia o matou pela sua fé”.
18
informação, e, ao mesmo tempo, devem ocupar o mínimo espaço possível em papel
jornal ou na tela, no caso de um periódico on-line. Há muitos modos diversos utilizados
pelas mídias em estudo para o alcance de altos níveis de expressividade dos enunciados.
Abaixo estão exemplificadas algumas dentre as características de maior destaque
quando se trata dos gêneros discursivos crônica e reportagem, nos quais estão inseridos
os textos recolhidos como corpora da pesquisa, nos jornais italianos analisados.
Geralmente, as seguintes estratégias estão presentes:
1- As aspas (le virgolette):
As aspas, muito presentes nos jornais italianos, indicam os discursos diretos, e se
apresentam como uma das formas de tornar a linguagem mais viva e atrair o leitor à
leitura.
Outra característica das aspas é aquela de suavizar as notícias. Também são
usadas para alterar o sentido original das palavras.
2- Metáforas: o jogo com o leitor:
Existem muitos outros meios que ajudam a tornar a língua dos jornais mais
interessantes, tais como jogos de palavras (ironias) e metáforas.
Ex. « La « regina » di Sofia Coppola non trionfa ».
(“A “rainha” de Sofia Coppola não ganha destaque”.)
Nesse exemplo, a palavra hiperbólica demonstra a ênfase que se deseja dar a um
determinado enunciado.
Ex. « La candidata sindaco della Cdl chiede al governo di non sacrificare l’aeroporto
milanese a favore di Fiumicino: « scelta distruttiva » ».
19
(“A candidata à prefeita da Cdl pede ao governo que não sacrifique o aeroporto
milanês em favor de Fiumicino: “escolha destrutiva””).
Nos jornais italianos, a presença de “dois pontos” em uma frase é bastante
frequente e nem sempre introduz o discurso direto. Portanto, no exemplo mencionado,
há uma ambiguidade, de tal modo que não é possível identificar se o enunciado entre
aspas é emitido pela candidata, ou se trata de uma frase referida à mesma, voltada a
reforçar o significado e a gravidade da situação. Em outros exemplos, é possível notar
que os enunciados a que se deseja dar ênfase podem estar presentes tanto entre aspas
quanto sem as mesmas:
Ex. « Bonino: « Maggiore impegno a Kabul » ».
(“Bonino: “Maiores esforços em Kabul””.)
Ex. « Prodi: pronti alla fiducia su decreto ministeri ».
(“Prodi: prontos para o voto de confiança para o decreto ministerial”).
3- Segmentação:
A Segmentação é um processo em que se cria uma sintaxe diferente da frase, de
modo hierárquico. O nome ou aquilo que se deseja destacar é colocado primeiro, de
modo que esse chame mais a atenção do leitor.
Ex. « Casini: Il mio partito correrà da solo ». « Ma poi possibile un’alleanza con il Pd ».
(“Casini: Meu partido dispiutará sozinho”. “Posteriormente uma possível aliança com
o Pd”.)
20
Nesse exemplo é possível observar até mesmo a ausência do sinal de pontuação
“ponto final”, característica muito comum nos jornais em estudo.
A maioria dos jornais em circulação apresentam regras jornalísticas muito
específicas que vigoram em suas redações, e que marcam o estilo de cada um desses.
No entanto, existem de fato, algumas regras gerais de redação jornalística que zelam
pela eficácia na transmissão de uma informação que seja compreendida pelo leitor, de
um modo geral.
As fronteiras entre o correto e o incorreto no uso da língua são de difícil
delimitação. No entanto, alguns princípios de escrita tornam a comunicação mais eficaz,
como a simplicidade, a brevidade, e a clareza. Esses princípios devem estar presentes no
ato de construção do discurso jornalístico.
A redação jornalística deve guiar-se pelos princípios da brevidade e da clareza, e
essa brevidade representa uma mais valia para o enunciado jornalístico. Deve-se evitar a
prolixidade, as orações e parágrafos longos e confusos. Contrariamente, são preferíveis
frases curtas, escritas na ordem direta – embora isso não constitua um paradigma na
construção dos títulos dos jornais italianos analisados. O enunciado jornalístico deve ser
vivo e deter um sentido humano da realidade. Na sua construção, deve-se empregar um
vocabulário simples (mas não simplório) e verbos escritos na voz ativa, se possível no
presente do indicativo. Cada frase não deve conter mais de dois conceitos para que não
se caia na armadilha de elaboração de um texto sem opinião ou que cause nós para a
compreensão do leitor.
A linguagem jornalística, dentre outros fatores, deve decodificar os termos
científicos e técnicos, não deve: recorrer a estrangeirismos pouco conhecidos, empregar
palavras rebuscadas e/ou sem sentido, utilizar adjetivos e advérbios excessivamente,
utilizar metáforas impropriamente e em excesso, expor mais de dois conceitos em uma
21
frase, utilizar abreviaturas (o que é muito comum nos jornais italianos), símbolos
abstratos, fórmulas, cifras, etc. Deve compor as frases respeitando, sempre que possível,
a ordem sujeito-predicado-complemento (excluindo-se essa regra nos títulos).
No texto jornalístico, é preferível a utilização de verbos que dêem a ideia de
movimento àqueles que exprimam estados. A utilização da voz ativa, no presente do
indicativo é adequado para expressar ideias de passado ou futuro, desde que isso seja
possível e pertinente. Os lugares comuns são evitados, para que não se crie uma
enunciação vulgar.
2.3.
A RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA E HISTÓRIA E A QUESTÃO DO
NACIONALISMO ITALIANO
A língua italiana, tão expressiva quanto aquelas de sua família linguística (o
português, o espanhol, o francês e o romeno - dentre tantas outras com um número
menos expressivo de falantes), tem sido foco de estudo no campo lexicológico quando
se trata da questão dos empréstimos linguísticos. A utilização de empréstimos é mais
facilmente observável quando os corpora para o estudo dessa questão são os jornais, ou
em âmbito mais geral, a mídia jornalística, um verdadeiro meio de comunicação
imediato, quase que em tempo real, e que pontua de modo muito claro as mudanças
pelas quais a língua passa.
Através desse meio de comunicação, é possível evidenciar o quão veloz a
mensagem linguística vem sofrendo sensíveis alterações, reflexo da revolução
tecnológica que os últimos séculos têm vivenciado.
Analisando o conturbado panorama do século XX, durante o qual grandes
revoluções e duas grandes guerras redefiniram rumos ideológicos, econômicos e
sociológicos, as questões linguísticas, diretamente ligadas ao equilíbrio de poder,
22
estiveram no centro das atenções de diversos estudos linguísticos, como aquele ligado à
questão cerne da influência da língua nacional e da língua estrangeira na construção
identitária e ideológica de uma sociedade.
Tomando como foco a questão abordada acima sobre a ideologia de poder ao
longo da história, é possível alcançar algumas questões facilmente identificáveis hoje,
relacionadas ao papel de cada língua em um cenário internacional cada vez mais
competitivo e dinâmico. Toda língua certamente vivenciou e vivencia seu processo de
transformações ligado a fatores de ordem social, de certo modo, intrinsecamente
atrelados à história, à ideologia específica de construção de cada sociedade falante de
uma língua e, recentemente, as transformações tecnológicas que implicam no modo de
viver da mesma.
A Itália de hoje não vive mais os longínquos tempos dos Setecentos (século
XVII), quando se trata da questão linguística. De fato, hoje é possível dizer que o
italiano é uma língua consolidada e dotada de um certo status perante a comunidade
linguística internacional. Outrora, o idioma itálico sofreu da chamada ansiedade do
déficit segundo Richard Helgerson - termo mais tarde utilizado pelo contemporâneo
Burke (2010), que trata justamente da pobreza dos vernáculos em comparação com o
latim na Baixa Idade Média.
Burke cita:
"No caso do polonês, um falante local se referiu, em 1566, à
"pobreza" da língua (niedostatek), ao passo que o poeta
Szymon Szymonowic expressou pesar pelo que chamou de "a
grande falta de palavras entre nós" (u nas brak wielki w
slowiech). (Backvis, 1958, p. 12n.) Outros exemplos, são
evidenciados como em Joachim Du Bellay, em sua famosa
apologia ao francês, a Deffense et illustration de la langue
françoyse (1549), na qual admite que a língua francesa não
era tão abundante e rica quanto o grego e o latim (nostre
langue n'est si copieuse et riche que la Grecque et le Latin).
23
"O humanista Claudio Tolomei descreveu o italiano em seu
diálogo Il Cesano (1546) como "mais rico" que o grego ou o
latim." (Burke, 2010: 34)
O debate sobre a vivacidade ou não de uma língua já não possui tanta relevância
nos dias de hoje quanto havia séculos XV e XVI, quando do debate dos humanistas
italianos, como expresso no Dialogo della lingua (1542), de Sperone Speroni, um
personagem que observou que o latim não era mais uma língua falada, mas
"simplesmente papel e tinta" (carta solamente ed inchiostro). O italiano, no panorama
das línguas neolatinas, durante seu processo de estabelecimento como língua nacional,
sofre da ausência de um império toscano que permitiria à língua se espraiar como
aconteceu com o latim. E esse topos 3 imperial foi vinculado à ideia antiga de que tudo
na Terra passa por uma sequência de estágios, do começo ao fim, ou da infância à
velhice.
O poeta e estudioso sueco Georg Stiernhielm concordou: "Como as pessoas, as
línguas surgem, mudam, se diferenciam, crescem, amadurecem e morrem" (Cum
hominibus oriuntur, mutantur, differuntur, adolescunt, exolescunt, occidunt linguae).
Stiernhielm também argumentou que, com o tempo, alguns dialetos se desenvolvem
para formar línguas, enquanto algumas línguas se fragmentam para formar dialetos.
Sobre o relativismo linguístico, um personagem no diálogo de Speroni, citado
anteriormente, declarou:
"Estou convencido de que todas as línguas, incluindo o árabe
e o hindu, assim como o latim e o grego, têm o mesmo
mérito” // (Io ho per fermo, che le lingue d'ogni paese, così
l'Arabica e l'Indiana, come la Romana e l'Ateniense, siano
dun medesimo valore) (Speroni, 1975: 116).
3
topos – palavra de origem grega que indica uma característica ou uma propriedade de uma determinada
coisa ou de um assunto específico. Literalmente pode significar também “lugar”.
24
Em séculos passados, mais pontualmente no início da Era Contemporânea,
quando outras abordagens de estudos linguísticos ainda não haviam chegado ao
consenso de que todas as línguas são formalmente iguais, não merecendo destaque uma
perante a outra, as línguas detinham suas próprias imagens, masculinas ou femininas.
"Por exemplo, era lugar-comum a ideia de que as línguas germânicas eram
especialmente masculinas. Em seu ensaio-discurso On the Excellency of the English
Tongue, o estudioso e poeta inglês Richard Carew descreveu o que chamou de
"holandês" (provavelmente o alemão) como viril. O escritor galês James Howell
descreveu tanto o alemão como o inglês como línguas masculinas. Outras línguas
também podem ter sido ocasionalmente descritas dessa forma: Montaigne, por exemplo,
chamou o gascão (gascon) de - uma língua falada no sudoeste da França - de "un
langue mascle et militaire" (uma língua masculina e militar), ao passo que o historiador
João de Barros argumentou de forma similar em relação ao português, alegando que o
francês e o italiano "mais parecem uma conversa de mulheres do que uma língua séria
para homens" (A francesa como a italiana mais pareçem fala para mulheres que grave
para homens). (Barros, 1959, p. 78-9)
O italiano era por vezes considerado uma língua feminina, descrita como "suave e
afeminada" segundo Pasquier (Bouhours, 1962, p.41). Para Klopstock, o italiano era
uma língua "suave e voluptuosa". (apud Fishman, 1972, P.65) Voltaire concordava,
descrevendo o italiano como uma língua que, graças à frequência das vogais, se
adaptava à "música afeminada", enquanto o jornalista francês Antonie Rivarol declarou
que o italiano era "presque insupportable dans une bouche virile" (quase insuportável
numa boca viril) (Voltaire apud Folena, 1983, p.223; Rivarol, 1930, p.197)
Esses conflitos foram essenciais para o estímulo da crescente conscientização de
que a diversidade entre as línguas são tão ou mais vivas quanto a diversidade de dialetos
25
ou socioletos dentro de uma mesma língua. Através do debate registrado pela
historiografia italiana como la questione della lingua, Alessandro Manzoni, grande
escritor e homem político de sua época atuou de forma contundente na história da
unificação linguística italiana, instigando a classe política e literária de sua época a
rejeitar o movimento então presente na península, denominado Purismo, que pregava
todas as formas de rejeição de estrangeirismos, tecnicismos, neologismos.
Segundo (Vitale, 1986, p. 37), o termo Purismo, nascido de uma polêmica, indica
em princípio "uma aversão e uma intolerância de todas as formas de inovação,
influência estrangeira, tecnicismo, neologismo". "Uma aversão ditada ora por motivos
literários, ora retóricos, ora nacionalistas e políticos". O mito do Purismo só veio por
terra após muitos anos de discussões entre intelectuais de ideologias distintas, entre
aqueles que defendiam o ideal de uma língua intocável e pura, sem a influência de
estrangeirismos, como Cesari, e os manzonianos que buscavam trazer à tona o fato de
que a língua de que falavam os puristas se tratava meramente de um ideal - assim como
a chamavam "uma língua morta" -, muito distante da realidade de fato, do uso, ou
melhor dizer, da falta de uso da língua nacional.
"Fatta l'Italia, ora bisogna fare gli italiani", a célebre frase de Massimo
d'Azeglio era o retrato do que se evidenciava no pós-unificação italiana. Uma nação
politicamente unida cuja identidade de povo, um verdadeiro pan-italianismo não existia
de fato.
A conturbada história italiana, de séculos de isolamento interno entre burgos,
cidadelas, principados, reinos, além de disputas em âmbito internacional e invasões de
outros povos europeus, provocou uma fragmentação sobretudo identitária na península.
Não havia nada então presente na região que justificasse a união entre povos e línguas já
tão distintas, que não se identificavam, pois a história os desuniu apesar de um passado
26
de glórias de um Império que não mais existia. A unificação italiana foi basicamente
calcada em interesses político-ideológicos, de um retorno, ou por assim dizer, da
retomada de um passado em que a região viveu sua época de glórias.
Então, a língua italiana, também foi de certo modo, uma ideologia imposta, que
graças à persistência de muitos, tornou-se realidade e passou a vigorar como fator
principal de difusão identitária em uma sociedade politicamente recriada. Por isso, o
discurso político é tão essencial, tão importante na história, no processo de fundação da
Itália como nação que se agregou graças a um idealismo.
4
« Al momento dell'Unità politica italiana, nel 1861,
non si può certo dire che il nostro paese avesse già raggiunto
una corrispondente unità culturale e linguistica. I territori
degli ex-stati nazionali che entravano nel nuovo organismo
erano caratterizzati da differenze profonde, a volte
sconvolgenti, relative a tradizioni, abitudini, modo di vivere,
livello di sviluppo economico e sociale. Le differenze
linguistiche erano un segno vistoso di tutto quanto stava
dietro la lingua, la quale è sempre il risultato della storia e
della tradizione dei popoli. In comune, tra i vari stati italiani,
c'era soltanto un modello di italiano letterario, elaborato dalle
élites. Mancava quasi completamente una lingua comune
della conversazione, la quale si può sviluppare solo attraverso
scambi fitti, in un'omogenea vita civile e sociale. In Italia
questo non c'era mai stato, né era possibile improvvisare,
colmando d'un colpo le lacune del passato. » (Migliorini,
200: 360)
4
“No momento da Unificação política italiana, em 1861, não era possível dizer que o nosso país tivesse
já alcançado igual unidade cultural e linguística. Os territórios dos ex-estados nacionais que começavam a
fazer parte da nova unidade eram caracterizados por profundas diferenças, por vezes impressionantes,
relativas à tradições, hábitos, modo de vida, nível de desenvolvimento econômico e social. As diferenças
linguísticas eram um sinal claro de tudo o que estava por trás da língua, que é vista sempre como o
resultado da história e da tradição dos povos. Em comum entre os vários estados italianos, havia somente
um modelo de italiano literário, elaborado pelas elites. Faltava quase que completamente uma língua
comum da conversação, a qual só se pode desenvolver através de trocas de fato, em uma homogênea vida
civil e social. Na Itália, isso nunca foi possível, nem erav possível improvisar, preenchendo com golpes as
lacunas do passado”.
27
2.4. A LINGUAGEM JORNALÍSTICA DOS PRIMEIROS SÉCULOS
A origem dos jornais não consta de uma data certa. Não se sabe ao certo qual foi
o primeiro jornal publicado no mundo e qual teria sido sua motivação. Em geral, os
historiadores atribuem ao lendário imperador romano Júlio César essa invenção. Esse
renomado general, que se tornou líder do maior império então já visto no mundo,
detinha a fama de excelente estrategista, e excelente profissional de marketing, embora
o termo ainda não tivesse sido cunhado àquela época. Acabou por criar a Acta Diurna,
um forte meio de comunicação da época, que deu origem aos jornais atuais.
Por meio deste veículo, a publicação oficial do Império Romano, as grandes
conquistas romanas eram enaltecidas nos diversos cantões da vasta região geográfica do
Império, por vezes com uma grande margem de atraso devido às grandes distâncias
alcançáveis somente fisicamente. A Acta Diurna foi criada no ano de 59 A.C., e servia
como uma interessante e brilhante estratégia de marketing do governo, que além de
divulgar as conquistas no campo militar, também tratava de assuntos como ciência e
política.
Talvez, o processo de criação da mídia tenha procedido à formação dos
profissionais de jornalismo, os chamados Correspondentes Imperiais, que foram
enviados até as mais remotas áreas do Império para acompanhar e escrever as notícias.
Foi durante a Idade Média que os jornais e o jornalismo obtiveram o seu grande
salto tecnológico por meio da prensa de papel, inventada em 1445, pelo alemão
Johannes Gutenberg. Esse meio tecnológico permitiu a definitiva difusão das mídias
impressas e do conhecimento científico, literário e de outras diversas áreas do
conhecimento humano com uma velocidade muito maior. Somente o telégrafo, criado
em 1844, veio a revolucionar novamente o processo de transmissão da informação, que
agora era transmitida entre longas distâncias quase que em tempo real.
28
Em pleno século XX, o jornalismo e os jornais alcançam o auge do prestígio e
popularidade. O período de 1890 a 1920 é conhecido como a Época de Ouro dos
jornais. Apenas com a concepção de um novo meio tecnológico de transmissão de
informação, o rádio, se dá o declínio da mídia impressa. O nascimento da televisão, um
meio de comunicação ainda mais forte, que lidera a preferência do público, na
atualidade, torna a mídia impressa um meio marginal de informação, ainda que
ferrenhamente resistente e presente no quotidiano. A Internet, um novo veículo da
contemporaneidade, surgiu como uma grande favorecedora da mídia escrita, do
jornalismo clássico, que então se reinventa, criando o chamado: Web Jornalismo, que
apresenta como principais características a agilidade da linguagem, a velocidade de
atualização e também o baixo custo de produção.
Apesar de ainda não ameaçar a TV como principal meio difusor de informação, a
Internet é o veículo de comunicação que mais cresce no mundo, alcançando uma
quantidade de sites que chegavam à casa dos 1.000 na década de 1990, e que hoje
chegam a casa dos bilhões.
Mesmo com o declínio da atividade de jornalismo clássico, este ainda é o
segundo principal veículo de comunicação da era moderna, atrás apenas da Televisão. A
WAN (World Association of Newspaper), a associação responsável pela atividade de
jornalismo no mundo, calcula que atualmente aproximadamente 900 milhões de pessoas
lêem jornais diariamente, principalmente no Japão e na China, onde o hábito de leitura
desse veículo é maior (7 entre os 10 jornais lidos no mundo são orientais).
O gráfico abaixo contempla de forma resumida o processo de evolução da mídia
jornalística impressa através do tempo:
29
Gráfico 1: A evolução dos jornais ao longo dos séculos
Consta abaixo a lista dos periódicos mais vendidos no mundo segundo dados da WAN
do ano de 2010:
Tabela 1: Os jornais mais populares do mundo na atualidade
Os 10 Jornais Mais Vendidos do Mundo
Nome do Jornal
País
Exemplares Vendidos por Dia *
(1.)
Yomiuri Shimbun
Japão
14.246.000 jornais
(2.)
The Asahi Shimbun
Japão
12.326.000 jornais
(3.)
Mainichi Shimbun
Japão
5.635.000 jornais
(4.)
Nihon Keizai Shimbun
Japão
4.737.000 jornais
(5.)
Chunichi Shimbun
Japão
4.571.000 jornais
(6.)
BILD
Alemanha
4.220.000 jornais
(7.)
The Sun
Inglaterra
3.461.000 jornais
(8.)
Sankei Shimbun
Japão
2.665.000 jornais
(9.)
USA Today
Estados Unidos 2.603.000 jornais
(10.)
Canako Xiaoxi Beijing
China
2.530.000 jornais
*valores médios aproximados e arredondados, inclui também os leitores que assinam o jornal, valores calculados com base no ano
de 2010. Fonte: WAN – World Association of Newspapers
30
Tabela 2: Os jornais mais antigos do mundo
O quadro abaixo contempla os 10 jornais mais antigos do mundo ainda em
circulação. Essa informação permite mostrar o quão rica é a tradição jornalística de
mídias impressas, visto que as mesmas estão na lista daquelas com maior tiragem em
seus países de origem:
Os 10 Jornais Mais Antigos do Mundo
Nome do Jornal
País
Ano de Fundação
Idade*
(1.)
Post och Inrikes Tidningar
Suécia
1645
356 anos
(2.)
Haarlems Dagblad
Holanda
1656
354 anos
(3.)
La Gazzetta di Mantova
Itália
1664
346 anos
(4.)
The London Gazette
Inglaterra
1665
345 anos
(5.)
Wiener Zeitung
Áustria
1703
307 anos
(6.)
Hildesheimer Allgemeiner Zeitung
Alemanha
1705
305 anos
(7.)
Worcester Journal
Inglaterra
1709
301 anos
(8.)
The Newcastle Journal
Inglaterra
1711
299 anos
(9.)
The Stamford Mercury
Inglaterra
1712
298 anos
Alemanha
1725
285 anos
(10.) Hanauer Anzeiger
*idade calculada com base no ano de 2010. Fonte: WAN – World Association of Newspapers
2.5. O NASCIMENTO DO JORNAL NA ITÁLIA PRÉ-UNIFICADA
2.5.1. O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL DO FIM DO SÉCULO XVIII
No fim do século XVIII, a Itália era uma referência geográfica para a região dos
Apeninos, da Padânia, da Sicília e Sardenha. Era formada por diversos reinos com
instituições, moedas, culturas e línguas distintas. Cerca de 80% da população de toda a
região era analfabeta, e a língua italiana, uma língua literária e de status entre nobres
que viviam nesse território era quase desconhecida pela grande maioria dos habitantes
31
peninsulares. O analfabetismo na região foi consequência de séculos de disputas
políticas, invasões e fragmentações territoriais que impediram uma política forte de
alfabetização de massa através da educação.
O jornal, nesse período histórico, contava com um prestígio somente da
população mais rica, os nobres locais, alfabetizados e consumidores de livros e
folhetins. Esse meio de comunicação era um fenômeno d’élite. O jornal era até a época
um produto de exportação do exterior, principalmente da França, da Alemanha e da
Inglaterra.
O modelo que se cria na Itália é muito próximo do modelo francês, a recém
emergida potência da época junto à Inglaterra. No entanto, esse modelo sofreu poucas
alterações em sua forma com o passar do tempo. O jornal manteve muito de sua
estrutura física, constando de uma quantidade razoavel de informação, impresso em
papel-jornal, assim denominado por ter se tornado característico e quase unânime para
esse tipo de veículo de informação.
2.5.2. O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL DO SÉCULO XIX
A primeira metade do século XIX caracterizou-se por uma abertura à influência
de inovações provenientes do jornalismo francês, inglês e alemão, apresentando
mudanças no léxico e na técnica expositiva. Embora essas mudanças se tornassem cada
vez mais presentes, essa linguagem era caracterizada por uma desorganização, com
alternações entre enunciados complexos e usos populares, conforme cita Serianni
(1989), que observou como a linguagem dos jornais populares não diferia daquela dos
jornais cultos, e como a presença de popularismos morfológicos como “stasse” no lugar
de “stesse” (congiuntivo v. Estar), ou sintáticos como o uso do “che” polivalente, ou
ainda, a presença de um estilo de pouca técnica e cuidado, pelo uso de repetições
32
lexicais, acompanhassem um período complexo e cansativo para o leitor, um estilo que
não se identifica com a velocidade do estilo jornalístico moderno.
Apenas na segunda metade do século XIX, que se começa a observar uma
verdadeira modernização desse meio de informação que se torna, então, um fenômeno
de massa. E foram muitos os fatores que contribuíram para o aumento da tiragem dos
jornais na Itália pré-unificação, tais como a alfabetização escolar da população
(principalmente a mais jovem) por meio de políticas internas e acordos que
providenciaram a fundação de escolas; posteriormente, na década de 60, a unificação
italiana, o que resultou na formação do Reino da Itália, com suas instituições mais fortes
e atuantes; o fortalecimento de um sentimento patriótico; e a necessidade de adquirir
informação, visto que o jornal torna-se uma febre na Europa, e o principal veículo de
informação de massa.
Outro fator que ajudou a fortalecer a instituição da língua italiana foi justamente a
influência da Accademia della Crusca, por meio do movimento Purista, evocado pela
classe intelectual e política. A ideologia do Purismo foi crucial para promover uma
uniformização na língua, evitando os dialetismos. Teve um papel muito forte sobre a
imprensa italiana, já que a língua escrita deveria permanecer intocável. No entanto, o
processo de transição para uma linguagem mais uniforme e alcançável a todos os
italianos foi longo, e só foi consolidado durante o século XX.
2.6. AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS JORNAIS ITALIANOS
Os jornais, mais especificamente na Itália, adquiriram uma ampla importância
apenas no século XIX. A princípio, em pleno século XVIII, os jornais eram
caracterizados por um fenômeno de élite. Apenas no século XIX, o jornalismo, sob
influência daquele estrangeiro, sobretudo francês e também inglês e alemão, apresenta
33
uma notável abertura a inovações tanto no léxico quanto na técnica expositiva. Nesse
período, proliferam jornais que pretendem alcançar um novo público, e portanto,
necessitam de uma linguagem nova, mais simples comparada àquela da tradição
literária. Serianni (1989a: 35 -36) observou como a língua dos jornais populares
diferiam daquela dos jornais "cultos", e como a presença de popularismos de ordem
morfológica, tais como "stasse" ao invés de "stesse", sintática tais como o "che"
polivalente, ou a utilização de um estilo omisso, caracterizado por repetições lexicais
que muitas vezes vinham acompanhados por períodos complexos e incômodos, que não
se identificavam com a prontidão e velocidade do estilo jornalístico moderno.
Somente a partir da segunda metade do século XIX, que se começou a observar
um notável aumento das tiragens, o que acabou por provocar consequências práticas, ou
seja, a prosa dos jornais encontrou sua técnica adequada a caminho da modernização,
croncretizando-se como um fenômeno de massa. As bancas de jornais foram os
principais pontos de venda da imprensa periódica, primeiramente difusa sobretudo
através da venda por assinaturas. Ainda nesse período, se observa nos jornais a alteração
entre formas eruditas e formas populares, e são evitadas as formas dialetais mais
notáveis.
A sintaxe jornalística ganha coerência por meio da busca de um modelo diferente
daquele tradicional da literatura, desenvolvendo a tendência de uso de períodos breves e
o frequente uso de frases nominais. Outra forte característica da linguagem jornalística é
sua exposição ao novo, pois nessa é possível registrar a infiltração de neologismos e
estrangeirismos presentes na língua viva e falada, ou no léxico dos especialistas de
todos os ramos do saber. Estão presentes naquele período, na linguagem dos jornais,
termos como straripamento (transbordamento) de um rio, attrezzatura (de attrezzo
(utensílio, um termo francês que penetrou na língua na segunda metade do século XVI
34
(crf. Dardi 1992: 114-116)), confisca, delibera, importo, etc. (crf. Masini 1990a).
Também surgem, nesse mesmo período, nos jornais, termos relacionados ao novo meio
de transporte que ganha cada vez mais espaço, o trêm, tais como ( i carri (os vagões),
gli scompartimenti (os compartimentos), le rotaia (os trilhos) (cfr. De Stefanis Ciccone
1990: 101). Entre os estrangeirismos, é possível encontrar tecnicismos como batello a
vapore (barco a valor), batteria galvanica (bateria galvânica), dagherrotipo
(daguerreótipo), disinfettante (desinfetante), feldspato (crf. De Stefanis Ciccone
1990:309 ss.; Masini 1990b: 547-589).
O jornal do século XIX é linguisticamente tão interessante quanto o de hoje por
sua composição em diversas partes: a linguaguem de cada uma dessas partes são bem
distintas e direcionadas a temáticas bem específicas como cultura, economia, esportes,
literatura, política, dentre tantas outras. A publicidade também está presente no jornal
como um modo de incentivar as massas ao consumo, e considerando-se um importante
veículo de comunicação para as massas, seu uso é muito eficaz para esse fim.
No século XX, a linguagem dos jornais continuou a desenvolver um importante
papel junto às novas mídias de transmissão aéreas, como o rádio e a televisão. O que se
reivindica é o papel do jornal como um modelo difusor de língua qualitativamente
muito mais alto. Segundo Mengaldo (1994:66), os jornais "talvez representem uma
pequena barreira contra a baixa qualidade da linguagem televisiva média, que utilizam
estereotipias de poder e um negligenciamento popular".
Os jornais estão constantemente buscando reviver por meio de sua constante
atualização e modificação. O advento dos meios digitais de informação foi um grande
aliados dos jornais, que continuam mais vivos do que nunca, e isso é evidenciado pelo
número crescente de leitores, principalmente na modalidade virtual dos jornais.
Portanto, o advento dessa nova mídia deve ser tomado como um fator positivo para um
35
modelo de sociedade que busca cada vez mais estar atualizada e bem informada sobre
todos os assuntos.
A abordagem de um corpus atual nessa pesquisa busca mostrar como o papel da
mídia é fundamental no processo de difusão de novas linguagens e até mesmo no
controle do comportamento linguístico dos falantes. Esse capítulo buscou mostrar a
importância do jornal Itália, seja ele impresso ou digital. A discussão aqui tratada busca
mostrar que uma estrutura específica na língua, como é o caso das perífrases verbais –
assunto que será amplamente abordado no próximo capítulo –, pode vir a ganhar força
no quotidiano dos falantes, mediante a frequência de uso das mesmas. O jornal como
qualquer outra mídia, e tão importante quanto, apresenta um papel de difusor de
costumes, cultura e novas informações linguísticas.
36
3.
OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS SOBRE O VERBO ANDARE E A
CONSTRUÇÃO PERIFRÁSTICA ANDARE A + INFINITO.
3.1. UMA BREVE ANÁLISE DA PERÍFRASE IR + INFINITIVO NO
PORTUGUÊS
A presente seção faz referência à primeira etapa dos estudos ligados a essa
pesquisa, a partir da análise de verbos plenos no infinitivo e das perífrases verbais mais
recorrentes na língua portuguesa. Essa proposta inicial da pesquisa levou à investigação
de estruturas mais complexas, e as evidências de que uma forma analítica perifrástica
como forma de expressão alternativa ao tempo verbal futuro do presente estaria
difundida no uso do português foram o ponto de partida para a investigação do padrão
andare a + infinito.
Já nas primeiras abordagens desse estudo foram observados pontos de
discordância entre os mais diversos autores que tratam a perífrase verbal no português.
Eunice Pontes (1973: 15) apresenta um mosaico de definições oferecidas pelos diversos
autores sobre Tempos Compostos (TC) e Conjugações Perifrásticas (CP), as atuais
perífrases verbais. Segundo a autora, as conjugações perifrásticas ou locuções verbais
são caracterizadas por alguns autores como qualquer sentença verbal com certa coesão
interna, de tal modo que funcione como um verbo simples; outros separam certas
sequências verbais que denominam Tempos Compostos, e consideram as restantes como
locuções. Tanto na acepção mais ampla como na mais restrita, Locução verbal costuma
ser sinônimo de Conjugação perifrástica até mesmo em alguns estudos descritivistas
mais atuais.
De acordo com Pontes (1973: 18), é muito difícil encontrar quem se preocupe em
justificar a distinção entre Tempo Composto e Conjugação Perifrástica, talvez porque a
37
maioria de nossas gramáticas se destine ao ensino médio. A gramática para o ensino
superior de Silveira Bueno (cf. 1968, p. 142, 194, 195), também se omite nesse ponto.
Porém, em Gladstone Melo (1968, p.166-167) encontra-se a seguinte explicação
que aponta para uma primeira distinção entre Tempos Compostos e Locuções Verbais:
“A razão é que os tempos compostos fazem parte da
conjugação normal, têm cada qual seu nome (v.g. “pretérito
perfeito composto”, “pretérito perfeito do subjuntivo”) dentro
da conjugação, ao passo que as locuções verbais constituem
cada uma sua conjugação inteira e nascem das necessidades
de expressão mais complexa, em que se busca traduzir o
aspecto verbal.” (Melo, 1968: 166-167)
Melo (1968) foi um dos primeiros autores a discutir os problemas envolvendo as
locuções verbais, caracterizando-as não como um simples tempo composto, mas como
uma estrutura dotada de um significado mais amplo a partir do aspecto que estaria
presente no verbo auxiliar.
Na obra de outros grandes gramáticos da língua portuguesa, é importante ressaltar
a atenção dada ao uso dos verbos no infinitivo. Rocha Lima, em sua Gramática
Normativa da Língua Portuguesa (2007, p.411-415), esclarece que o infinitivo, assim
como o particípio e o gerúndio vêm sendo considerados pelos autores modernos como
formas nominais do verbo, ou ainda verboides, como prefere Rodolfo Lenz.
Rocha Lima (2007) menciona que o infinitivo, justamente por ser um verboide,
carece de flexão. Porém, no caso específico da língua portuguesa, no universo das
línguas neolatinas, verifica-se uma particularidade, que é o fato de que nessa, o
infinitivo pode referir-se a determinado sujeito, graças às desinências de númeropessoa: amar eu, amares tu, amar ele, amarmos nós, amardes vós, amarem eles. Dessa
forma, ao lado de um infinitivo impessoal, sem sujeito e, portanto, sem flexão,
possuímos um infinitivo pessoal, que referido a um sujeito, pode, ou não, flexionar-se.
38
Rocha Lima (2007, p.413, 414) cita os contextos nos quais se podem usar as
variantes do Infinitivo flexionado e não-flexionado. Dentre todos os casos mostrados,
aqueles que merecem maior atenção serão explicitados aqui por sua relevância:
“Quando precedido da preposição a, equivale a um
gerúndio que, em locução com um verbo auxiliar, indica
modo ou fim.” (p.413) Esse uso, expresso na gramática,
equivale à modalidade preferencial utilizada na variante
lusitana do Português. “Quando se agrega, como verbo
principal, a um auxiliar, forma com ele uma unidade
semântica.” (p.413)
Esse ponto ilustra a definição clara de uma perífrase verbal, embora esse termo
não tenha sido utilizado pelo autor.
Rocha Lima (2007) afirma também que, no português, os chamados verbos
auxiliares que mais habitualmente regem outro verbo são os seguintes: poder, saber,
querer e dever; denominados auxiliares modais. Os auxiliares acurativos são aqueles
que se juntam a um verbo principal a fim de indicarem noções subsidiárias de começo,
de ação, duração, repetição, continuação, terminação, etc.
Said Ali em Dificuldades da língua portuguesa (1966: 60) afirma que o sujeito da
oração é indicado pela desinência dos verbos auxiliares, ao passo que o verbo principal
que os acompanha é uma forma nominal, de todo desprovida de sujeito. O mesmo autor
menciona ainda que há alguns verbos, como ousar, desejar, gostar de, vir, etc., que,
sendo completados por outro verbo, não admitem a existência de um sujeito neste novo
verbo e, portanto, só se empregam com o infinitivo impessoal. Por fim, é importante
citar a seguinte contribuição de Ali (1966) quanto aos verbos auxiliares citados, como
ousar, desejar, gostar de, vir, dentre outros:
“Não os podemos, entretanto, os acomodar em nenhum dos
grupos de auxiliares; mas isto é de somenos importância para
a conclusão a que até agora temos chegado e que vem a ser
infinitivo sem sujeito, que é o mesmo que infinitivo sem
flexão.” (Ali, 1966)
39
Essa conclusão ilustra a instabilidade dessas formas verbais que podem ou não vir
a ser denominadas perífrases, de acordo com seu grau de Gramaticalização na língua.
Mira Mateus (1987: 84,85) acrescenta, ao infinitivo, outras funções, além
daquelas apresentadas pelos outros autores mencionados até o presente momento. A
autora afirma que o infinitivo em sua forma composta exprime a simultaneidade do
estado de coisas descrito na oração em que ocorrem relativamente ao estado de coisas
descrito na oração de que dependem, a exemplo da oração: “Gostei de ter ido à festa.”
Já as formas simples do infinitivo exprimem, em geral, a simultaneidade ou a
posterioridade do estado de coisas descrito na oração de que dependem. Na oração:
“Vejo os miúdos a esconderem-se da polícia”, o estado de coisas descrito pela oração
infinitiva é simultâneo.
A expressão do futuro verbal na Língua Portuguesa e a evolução das formas
correlatas ao longo dos séculos é um fenômeno que pode ser observado tanto
diacronicamente quanto sincronicamente. Esse processo é variável e característico não
apenas do português, mas também de outras línguas neolatinas. Segundo Oliveira
(2006), ao longo da história da língua portuguesa, há pelo menos quatro formas
variantes para a expressão do futuro verbal, embora o futuro simples seja ainda a forma
preferida na escrita. E essas formas são o futuro simples do indicativo, a perífrase haver
de + infinitivo, o presente do indicativo e a perífrase ir + infinitivo.
O presente estudo não busca, no entanto, fazer uma descrição diacrônica
detalhada dessas formas, que variaram quanto à freqüência de uso ao longo dos séculos.
Em estudos como o de Oliveira (2006) é possível depreender de modo claro e detalhado
como se deu a alternância e a freqüência de uso dessas estruturas ao longo dos séculos.
Pontes (1973) afirma que o verbo ir junto a um infinitivo se distingue daquele
complementado por um adjunto adverbial de lugar. Essa distinção ocorre não apenas no
40
nível semântico, mas também a nível sintático, pois ir + infinitivo indica futuridade e o
ir + adjunto adverbial de lugar indica movimento (locomoção). A distinção realizada
por Pontes, no entanto, contempla a estrutura como um verdadeiro componente
gramatical, deixando bastante vaga a definição de perífrase verbal, criando ainda um
contexto de ambiguidade com a estrutura de Tempos Compostos.
Sobre a distinção entre o uso do verbo ir como verbo pleno que mantém suas
funções gramaticais autênticas, ir (1) e ir como um verbo auxiliar junto a um infinitivo,
Pontes (1973) afirma:
“... ir (1) e ir (2) têm restrições de seleção diferentes,
significados diferentes e, além disso, traços contextuais
diferentes. Ir (2) será marcado como um verbo intransitivo,
como parecer, que tem uma oração como sujeito. Ir (1) será
marcado como verbo que não admite sujeito abstrato (nem
oracional, portanto) e pode ter como complemento um
adjunto adverbial de lugar (direção). Esse adjunto adverbial
que complementa ir (1) é daqueles, ao que parece, que
devem ser colocados dentro do SV e não fora, porque ir (1)
não é verbo que ocorra sozinho... Na verdade ir (1) não é
intransitivo, pois não ocorre sem um complemento. Este pode
ser a locução formada de uma preposição (a, para) mais um
SN. Se na Estrutura Perifrástica considerarmos que só existe
SN (e não SPrep), um traço contextual marcará que ir (1)
pode ser complementado com SN. Além disso, ir (1) também
pode ter como complemento uma oração, pois uma oração do
tipo: João vai estudar; é ambígua: o verbo ir, aí, pode
significar locomoção ou futuro.” (Pontes, 1973)
Nota-se, a partir da citação acima, que há ainda uma ambigüidade relacionada aos
traços (movimento)/(futuridade). No entanto, é interessante pontuar que este foi um dos
primeiros estudos a distinguir os usos de ir pleno de sua vertente perifrástica ir +
infinitivo, e a arrolar seus principais traços distintivos associados a cada emprego.
Segundo (Santos, 1997; Lima, 2001; Silva, 2002; Oliveira, 2006), a perífrase ir +
infinitivo se gramaticaliza como futuro perifrástico em concorrência com o futuro
simples em português. O processo de auxiliarização do verbo de movimento ir pode ser
41
explicado pela passagem do sentido espacial que está contido nessa forma verbal, para
um sentido prospectivo temporal. A teoria da Gramaticalização de Heine (1991) mostra
que, no português, o processo de Gramaticalização dessa estrutura está quase completo.
De fato, a estrutura perifrástica em questão está consolidada na língua em uso, tanto na
modalidade falada quanto na escrita.
A hipótese de auxiliarização do verbo ir pressupõe uma relação cognitiva entre as
categorias de espaço e tempo (Bybee & Pagliuca, 1987; Hopper & Traugott, 1993,
2003) aliada à perspectiva metafórica defendida pela corrente funcionalista de Heine et
alii. (1991, 1993).
Segundo estudos de Lima (2001) e Oliveira (2006) sobre a gênese e a posterior
difusão da forma perifrástica ir + infinitivo no português do Brasil, - embora essa forma
seja documentada em textos do século XIV- a mesma parece ganhar espaço apenas no
decorrer do século XIX, passando a ser mais popularizada no século XX, ao menos na
língua falada, ocupando o espaço antes preenchido pela perífrase com haver de +
infinitivo, principal concorrente de futuro simples até o século XIX (Oliveira, 2006).
A perífrase verbal ir + infinitivo no português, analisada num contexto linguístico
amplo, se apresenta como um fenômeno recente que, aos poucos, vem sendo descrito e
tendo suas propriedades analisadas pelos estudiosos da área. Cunha e Cintra (2001), em
sua Nova Gramática do Português Contemporâneo fazem uma breve abordagem sobre o
uso da estrutura no português moderno, pontuando-a no tópico: Substitutos do futuro do
presente simples; o que de fato remete a um processo de mudança linguística.
Estudos recentes como o de Oliveira (2006) comprovam, no entanto, que a noção
de “substituição” pode ser equivocada, visto que a nova forma em disseminação, tanto
no contexto de língua falada quanto escrita, apresenta contextos de uso bem definidos.
Entretanto, é interessante considerar o espraiamento dessa forma a contextos antes
42
nunca alcançados pela perífrase. Considerando estudos como o de Lima (2001), Malvar
(2003), Oliveira (2006) et alii sobre o futuro perifrástico em português, o tempo
presente do indicativo da perífrase com ir + infinitivo expressa um maior grau de
certeza quanto à realização do estado de coisas no futuro. E a maior probabilidade ou
possibilidade da ocorrência factual está em grande parte ligada ao envolvimento ou
comprometimento do falante em relação ao enunciado que profere. Acrescenta-se a essa
hipótese que os sujeitos de primeira pessoa favoreceriam o uso dessas formas, que
expressariam uma maior chance de concretização da ação futura.
Os dados dos corpora dessa pesquisa, em grande parte representados por
perífrases na primeira pessoa do singular, vêm a comprovar a preferência, quase
absoluta, da utilização perifrástica em contextos de comprometimento com o que é
proferido, ou seja, há um desejo de realização da ação em um momento breve em
relação àquele da enunciação.
Segundo Cunha e Cintra (2001), em sua Nova Gramática do Português
Contemporâneo, as perífrases com o verbo ir acrescentadas de um infinitivo, conforme
já explicitado, seriam uma forma de substituição do futuro simples do indicativo, não
sendo levada em consideração a questão aspectual que envolve a construção verbal
complexa da perífrase:
Na língua falada o futuro simples é de emprego relativamente raro. Preferimos, na
conversação, substituí-lo por construções constituídas:
a)
do Presente do Indicativo do verbo haver + preposição de + infinitivo do verbo
principal, para exprimir a intenção de realizar um ato futuro;
b)
do Presente do Indicativo do verbo ter + preposição de + infinitivo do verbo
principal, para indicar uma ação futura de caráter obrigatório, independente, pois, da
vontade do sujeito;
43
c)
do Presente do Indicativo do verbo ir + infinitivo do verbo principal, para
indicar uma ação futura imediata.
De acordo com Cunha e Cintra (2001), nota-se o primeiro caso, a estrutura haver
de + infinitivo, é uma alternante do futuro simples do indicativo, e nem mesmo se
sustenta enquanto estrutura com um uso vivo na língua atual. O uso de haver de +
infinitivo, segundo Oliveira (2006), declina ao longo dos séculos. Esse declínio é
comprovado nos diversos estudos empíricos, como o de Oliveira (2006), o que
demonstra que na atualidade, o emprego dessa forma, em praticamente todos os gêneros
textuais, é pouco significativa, em relação a outras formas concorrentes com o futuro
simples do indicativo, ou até mesmo nula.
O segundo caso, representado pela estrutura ter de + infinitivo, ainda se mantém
na fala, e também na escrita, embora seu uso não seja tão significativo quando
comparado com as outras estruturas concorrentes.
O terceiro caso (a estrutura ir + infinitivo) se revela como o mais significativo, e
aquele com potencial para “substituir” a forma verbal de futuro simples. É a forma que
mais apresentou crescimento de uso no português do Brasil quando analisada
paralelamente junto às outras formas concorrentes em outros estudos, como em Oliveira
(2006).
3.2. A DESCRIÇÃO DO VERBO ANDARE E DA PERÍFRASE ANDARE A +
INFINITO NO ITALIANO
Considerando os estudos mais recentes sobre as construções perifrásicas por
gramáticos e teóricos na língua italiana, como Bertinetto (1991), é possível definir as
perífrases como construções formadas por um verbo modificador que promove
mudanças gramaticais e por um verbo principal que mantém o seu significado lexical.
44
Segundo essa perspectiva a perifrasticidade de uma construção depende diretamente do
grau de auxiliaridade alcançado pelo verbo modificador, e pela consequente
organicidade semântica e sintática dos constituintes. O conceito de auxiliaridade, assim
como aquele de perifrasticidade, pode ser considerado escalarmente. Em outras
palavras, diversos verbos dentre os quais andare (ir), compartilham, mais ou menos, os
mesmos traços prototípicos dos auxiliares temporais propriamente ditos essere/ser e
avere/ter, os quais passaram pelo processo de dessemantização e de perda da autonomia
sintática.
Estudos preliminares mostraram a Gramaticalização de verbos plenos em
auxiliares, em âmbito geral; no entanto, esse estudo, mais focado, busca analisar apenas
o verbo andare na estrutura perifrásica andare a + infinito.
3.2.1. A CARACTERIZAÇÃO DO VERBO ANDARE
Segundo a Enciclopédia Treccani Italiana em sua versão on-line, o verbo andare
é definido como um verbo de movimento. Essa categoria de verbo exprime de diversas
formas a mudança de posição de uma entidade de um ponto a outro no espaço, ou
metaforicamente, no tempo.
É um dos verbos cuja definição precisa é mais árdua, tal como é igualmente
difícil delimitar o campo semântico do movimento. De fato, até mesmo as gramáticas
abordam frequentemente os verbos de movimento como uma categoria à parte.
Em 1990, foi elaborada uma Gramática do Italiano, de origem dinamarquesa, por
Back & Schmitt Jensen (1990: 641), na qual há um capítulo dedicado aos auxiliares
temporais com a exposição, em ordem alfabética, dos seguintes verbos de movimento:
(1) affondare, andare, approdare, arrivare, ballare, balzare,
cadere, camminare, cavalcare, correre, emigrare, entrare,
giungere, nuotare, partire, passare, passeggiare, penetrare,
pervenire, rincasare, ritornare, riuscire, salire, saltare,
45
sbvarcare, scappare, sendere, scivolare, scorrere, spartire,
tornare, uscire, venire, viaggiare, volare.
Dardano & Trifone (1997: 123, 353 seg.) listam em seus exemplos os seguintes
verbos que indicam o lugar para o qual alguém ou alguma coisa se dirige:
(2) andare, arrivare, cadere, correre, dirigersi, entrare,
fuggire, girare, giungere, partire, passare, rimettere, ritornare,
salire, scendere, tornare, trasferirsi, uscire, venire.
Deve ficar claro que é possível acrescentar outros verbos a esses, como por
exemplo: sedersi e alzarsi, avvicinarsi e allontanarsi. Essas listas, portanto, estão
abertas, não formando um inventário completo.
Dentre os verbos que foram até agora mencionados, existem muitos que
apresentam uma frequência de uso muito alta. O C-ORAL ROM, de Cresti & Moneglia
(2005:105) aponta, dentre os cem verbos mais frequentes na língua italiana, o verbo
andare, como se mostra abaixo:
(3) andare, venire, partire, arrivare, portare, entrare, passare,
riuscire, tornare, seguire, uscire.
Por meio dessas listas, podemos evidenciar que o verbo ir é um dos verbos mais
utilizados na língua italiana. Essa alta frequência de uso é determinante para que a
estrutura com o verbo andare tenha sido direcionada para o fenômeno da
Gramaticalização.
3.2.2. PROPRIEDADES DOS PRINCIPAIS VERBOS DE MOVIMENTO
Os verbos andare e venire, que estão presentes nas três listas mencionadas dos
verbos mais frequentes no italiano, descrevem movimento no espaço de referência.
Ambos os verbos são de movimento dêitico, e, enquanto andare expressa um
movimento em direção a um lugar distante do falante ou do interlocutor, venire expressa
direção a um lugar próximo. Tanto andare quanto venire possuem um papel de destaque
46
na morfologia verbal, enquanto operam como auxiliares da voz passiva, que no italiano,
ao contrário da forma sintética latina, é sempre representada por formas analíticas com a
presença de um auxiliar.
O significado de base de andare é aquele de “mover-se, deslocar-se”, incluindo
meios de transporte (carros, trens, aviões), de um lugar a outro; frequentemente com um
complemento locativo, explicitando-se a direção do movimento, como em 5*:
1. perché non andiamo in città, qualche volta? (Ginzburg, 1961, p.85 apud Enciclopedia
Treccani, 2011) // porque não vamos até a cidade qualquer hora?
2. era stato il medico libanese a chiedere di andare a Beirut (Maggiani 1995, p.247 apud
Enciclopedia Treccani, 2011) // tinha sido o médico libanês a pedir para ir a Beirute.
Em muitos casos, ocorrem inclusive com um complemento de modo indicando o
meio de locomoção (a pé, de trem, a cavalo, de avião, etc.):
3. vado, di solito, con l’autobus (Ginzburg 1961, p.25 apud Enciclopedia Treccani,
2011) // Costumo ir de ônibus.
4. da Firenze va in macchina, va in auto (LIP 1993: FC 5 apud Enciclopedia Treccani,
2011) // vem de carro de Firenze, vai de carro.
Andare também é metaforicamente utilizado para expressar o transcorrer do
tempo e o desenrolar de um evento:
5. per molti anni le cose andarono bene (Maraini 2004, p.77 apud Enciclopedia
Treccani, 2011) // por muitos anos as coisas estiveram bem.
Unido a um complemento de finalidade (a ou per + infinito), andare possui
também o sentido de “deslocamento com uma determinada finalidade para fazer algo”:
6. il Purillo andò a chiamare un medico (Ginzburg 1961, p.42 apud Enciclopedia
Treccani, 2011) // o Purillo foi chamar um médico.
5
Todos os exemplos apresentados foram retirados da Enciclopedia Treccani dell’Italiano, e suas
traduções foram realizadas de forma livre pelo autor desse texto na íntegra.
47
Em outros contextos, tanto andare quanto venire possuem a mesma função de
verbo auxiliar, junto ao particípio passado, gerúndio ou infinitivo.
Em combinação com o particípio passado, tanto andare quanto venire se
apresentam como auxiliares nas construções da voz passiva. Como auxiliar da passiva,
andare possui duas acepções, uma modal e uma aspectual. Nos próximos exemplos, o
uso modal 7., expressa necessidade e obrigação, já no aspectual 8., expressa um aspecto
resultativo. Esse último uso é possível apenas com um número limitado de verbos,
pertencentes à esfera semântica de perda e destruição. Estilisticamente, o uso aspectual
pertence a um nível bastante elevado da língua, enquanto o uso modal também aparece
no uso oral:
7. poi ho fatto quello che andava fatto (Maggiani 1995, p.258 apud Enciclopedia
Treccani, 2011) // então fiz aquilo que deveria ser feito.
8. sono andati persi, li ho bruciati, sono marciti (Maggiani 1995, p.283 apud
Enciclopedia Treccani, 2011) // foram perdidos, os queimei, não servem mais.
Tanto andare quanto venire + gerundio formam perífrases verbais, e indicam
ações que se repetem ou que possuem continuidade: é a chamada perifrasi continua
(Bertinetto 1991, p.138):
9. i libri che andavo consultando ai tempi delle mie ricerche su Pascal (Maggiani 1995,
p.246 apud Enciclopedia Treccani, 2011) // os livros que consultava no período de
minhas pesquisas sobre Pascale.
Andare e venire também formam construções perifrásicas com a + infinito:
andare a + infinito significa “stare per, essere sul punto di”:
10. proprio su quest’ultima area si concentra il commento di Elia, nostro collaboratore
che ora andiamo a sentire (www.ecn.org apud Enciclopedia Treccani, 2011)
48
//
exatamente sobre essa última área é que os esclarecimentos de Elia se referem, nosso
colaborador que agora vamos ouvir.
11. e tu lo sai come va a finire, vero? (Maggiani 1995, p.276 apud Enciclopedia
Treccani, 2011) // e você sabe como isso vai terminar, concorda?
Segundo dados da própria Enciclopedia Treccani, enquanto a estrutura andare a
finire é definida como uma construção lexicalizada, andare a sentire com sentido de
futuro imediato apresenta uma conotação um tanto quanto burocrática e retórica. A
partir dessa observação, é possível concluir previamente que embora o uso seja atestado,
não apresenta plena aceitação.
É notável um certo preconceito quanto ao uso dessa forma para a expressão de um
futuro imediato, no entanto é atestada enquanto uso em um manual de referência da
língua italiana, o que contribui para corroborar com as hipóteses que serão
posteriormente evidenciadas nesse trabalho.
Tanto andare quanto venire são verbos utilizados na formação de diversas
construções idiomáticas da língua, como por exemplo: andare via (ir embora), andare
avanti (seguir adiante), venire in mente (vir à mente), dentre outras.
Um traço comum de alguns verbos de movimento, incluindo andare é o fato de
pertencerem ao grupo de verbos denominados em restruturação (Enciclopedia Treccani,
2011), ou seja, permitem o deslocamento do clítico à direita do verbo no infinitivo vado
a prenderlo, mas também à sua esquerda lo vado a prendere.
3.3. A DESCRIÇÃO DA PERÍFRASE ANDARE A + INFINITO NA
LITERATURA LINGUÍSTICA DO ITALIANO
As perífrases verbais no italiano encontram seu principal e mais aprofundado
desenvolvimento teórico em Bertinetto (1991). O autor, em seu exaustivo trabalho,
49
busca uma definição minimamente satisfatória sobre os critérios de identificação e
hierarquia de perifrasticidade, considerando insuficiente, por assim dizer, a compilação
bibliográfica anterior de trabalhos sobre o assunto. É notável citar que o autor busca em
seu trabalho, expor um estudo amplo sobre os critérios de perifrasticidade que muito se
assemelham aos mecanismos de Gramaticalização num continuum, evidenciados por
Heine (1991).
Por meio de uma vasta lista, embora considerada não plenamente suficiente pelo
autor para precisar uma definição dos critérios de perifrasticidade, Bertinetto expõe um
ponto de vista detalhado, respaldando-se em estudos prévios como o de Dietrich (1973).
Abaixo são elencados alguns critérios descritivos que buscam expor quais os
processos que influem para a distinção paradigmática das perífrases verbais no contexto
do sistema verbal do italiano:
(A)
Integração semântica: Uma perífrase expressa um significado complexo que não
pode ser vislumbrado a partir da soma dos significados individuais dos lexemas que a
compõe. Esse é um critério universal de perifrasticidade.
(B)
Estrutura morfológica: Toda construção perifrástica é expressa pela presença de
um verbo modificador ou auxiliar conjugado em algum tempo verbal finito aliado a um
verbo principal, não conjugado em uma forma verbal não-finita (gerúndio, particípio ou
infinitivo). Segundo Bertinetto, a presença de um elemento de ligação entre esses
elementos é uma característica variável, podendo ser na maioria dos casos uma
preposição, e em outros raros casos conjunções. Esse é também considerado um critério
geral, embora nem sempre seja explícito.
(C)
Número restrito de modificadores: É uma discussão que envolve muitos
estudiosos da área. Em cada lista elaborada verifica-se uma quantidade distinta de
50
verbos que são colocados na lista de modificadores. (Dietrich, 1973, p.9 In: Bertinetto,
2003) aponta a seguinte lista:
- verbos de estado: essere, stare, sedersi,...
- verbos de movimento: andare, venire, tornare, volgersi,...
- verbos de posse: avere, tenere,...
- verbos que indicam uma ação direcionada ao objeto: prendere, portare,...
- verbos que indicam uma fase do evento: começar, continuar, terminar,...
(D)
Dessemantização
dos
modificadores:
Os
modificadores
também
atuam
autonomamente com um sentido pleno. Esse sentido, no entanto, revela-se
comprometido quando o verbo se encontra na construção de uma estrutura perifrástica,
sendo notável seu esvaziamento semântico. (Martin, 1971. In: Bertinetto, 2003),
(Dietrich, 1973. In: Bertinetto, 2003), (Coseriu, 1976. In: Bertinetto, 2003), (Böckle,
1980. In: Bertinetto, 2003), (Schemann, 1983. In: Bertinetto, 2003) falam sobre
subducção ao tratar desse argumento.
É pertinente evidenciar que um desdobramento desse critério seria chamado por
(Schemann, 1983:5. In: Bertinetto, 2003), de subordinação semântica do modificador
(E).
(F) Organicidade sintática: Esse é um critério unânime entre os estudiosos dos
fenômenos de Gramaticalização, e prevê que as perífrases, como unidades
sintaticamente compatíveis, não podem ter seus elementos constituintes separados por
um número muito amplo de elementos outros, restringindo-se inclusive a certos
parâmetros. A interposição de alguns elementos gramaticais na perífrase andare a +
infinitivo, como advérbios locativos, provocam um ressurgimento do sentido pleno do
verbo andare na construção.
51
(G) Organicidade semântica: Quando as perífrases são modificadas por um advérbio,
por exemplo, todo o conjunto sofrerá alteração de sentido, conforme expresso pelo
critério acima. (Dietrich,1973: 153-154. In: Bertinetto, 2003) cita os seguintes
exemplos:
- comincia rapidamente a dire ( = é veloz na ação de iniciar a falar)
- quer decididamente vir ( = está decididamente intencionado a vir)
- Il veut biêntôt rentrer ( = deseja retornar logo)
Apenas o primeiro enunciado, respeitando o critério em questão, se qualificaria
como uma possível perífrase. Nos dois exemplos posteriores, o advérbio modifica tanto
o modificador quanto o verbo principal.
(H) Oposição funcional: Esse critério é uma reunião conceitual dos critérios (A, D, E e
F). Este aponta assim como àqueles, que as autênticas perífrases são submetidas a testes
de comutação somente no caso de integridade, não sendo considerados, portanto,
individualmente cada elemento que compõe a estrutura.
(I) Relevância tempo-aspectual: Bertinetto, com base nas considerações de
(Coseriu,1976: 99. In Bertinetto, 2003) afirma que as perífrases verbais envolvem as
noções de Schau e/ou Phase. Essa última sugere valências semânticas dos tipos:
iminencialidade, incoatividade, continuatividade, egressividade, etc. Já a primeira noção
envolve o ponto de vista que é assumido em relação ao desenvolvimento de um
processo referindo-se, desse modo, diretamente à dimensão aspectual.
(J) Generalização: É um conceito que implica à própria aplicabilidade da estrutura no
contexto de cada língua. Por certo, a incompatibilidade será evidente em certos casos,
no que concerne a transferência de uma língua à outra. A Generalização implicará, por
vezes, em uma insuficiência conceitual, visto que uma mesma estrutura nem sempre se
52
aplicará a outro contexto, no que tange, por exemplo, a questão mencionada acima
relacionada à transferência entre línguas.
Bertinetto (2003) discorre sobre as diferentes nuances de possibilidades de uso de
uma mesma estrutura formal em diversas línguas neolatinas que não seguem
necessariamente os mesmos parâmetros do italiano. Segundo as observações de
(Rohrer, 1977 e Schmitz, 1982. In: Bertinetto, 2003), a perífrase progressiva espanhola
e do português do Brasil aceita um acompanhamento de verbos estativos, enquanto que
(Fente et alii., 1983. In: Bertinetto, 2003) mencionam que, no francês, é possível a
ocorrência de locuções do tipo je vais aller.”
O tratamento teórico dado às formas perifrásticas na maior parte dos estudos
italianos apresenta um posicionamento carregado de preconceitos e abstrações
derivado de um sistema nocional de matriz estruturalista e, portanto, incapaz de dar
conta de matizes de sentido das diversas formas perifrásticas em relação ao contexto ao
qual estão inseridas. O autor em seu posicionamento cita: 6« ... certo, non v’è dubbio
che ogni perifrasi acquista un senso preciso in relazione al contesto; e tuttavia la
descrizione grammaticale deve potersi fondare su un ragionevole livello di astrazione. »
(Bertinetto, 1988: 335)
Nesse sentido, é clara a postura do autor em defesa de um critério nocional que
incida no contexto, ou seja, nas nuances que o mesmo pode soerguer através de matizes
semânticos.
(Martin e Blücher, 1973 In: Bertinetto, 2003) falam sobre a presença de vazios de
conjugação em alguns padrões de perífrases, sugerindo que esses vazios em relação ao
paradigma verbal comum seriam um fator de não identificação com esse padrão,
tratando-se então de um autêntico status perifrástico. Desse modo, poder-se-ia
6
“... por certo, não há dúvidas que cada perífrase adquire um sentido preciso em relação ao contexto,
portanto a descrição gramatical deveria abrir caminho para um possível nível de abstração.”
53
considerar que a perífrase progressiva stare + gerundio teria um status +perifrástico que
andare + gerundio, visto que este último se conjuga segundo todos os tempos verbais e
o outro não.
Bertinetto é adepto dessa visão quando afirma que a manifestação de um
fenômeno de desvios parece indicar que algumas perífrases estão tão integradas ao
sistema morfológico, que algumas categorias aspectuais seriam preponderantes a outras.
Conclusões extraídas a partir do estudo exaustivo de Bertinetto sobre os critérios
de perifrasticidade, de um modo amplo, mostram que os critérios expostos não são por
si mesmos discriminantes, e não definem o fenômeno, embora os mesmos forneçam
questões de caráter fundamental. E, segundo ele, as perífrases, pelo fato de
representarem instrumentos gramaticais com efeitos relativamente ambíguos e evasivos,
as mesmas são analisadas como um fenômeno dificilmente delimitável, embora
presente.
As constatações acerca de um mecanismo cíclico, no que tange à trajetória que
hoje é observada quando se toma em questão o fenômeno das perífrases verbais, são
muito plausíveis e demonstram uma lógica segundo a qual os Tempos Verbais
Compostos são nada mais que uma forma plenamente gramaticalizada que, hoje, é parte
integrante da morfologia verbal das línguas em termos gerais. Segundo Bertinetto, esse
é um exemplo paradigmático no sentido de que as Perífrases Verbais percorreram ao
longo do tempo um longo caminho que, teoricamente, está aberto a qualquer locução.
No que se pode denominar, uma escolha teórica, Bertinetto inclui os tempos verbais
compostos tecnicamente como Perífrases gramaticalizadas.
Esse estatuto, no entanto, deve ser cuidadosamente verificado para que se evite
uma generalização acerca da definição de Perífrase Verbal. Essa estrutura formal
apresenta algumas fronteiras delimitáveis que, conforme já apontado em outros estudos
54
teóricos, tal como em Pontes (1973) e Cunha e Cintra (2001), devem ser levadas em
consideração, a despeito de possíveis divergências teóricas. No entanto, em relação às
suas ideias supramencionadas, Bertinetto (1988: 342) afima:
7
« ... sarebbe irragionevole aspettarsi che ogni locuzione
perifrástica riesca a raggiungere questo medesimo traguardo,
e quand’anche fosse, il nostro punto di osservazione, legato
ad um particolare stadio sincronico, ci porterebbe comunque
a constatare livelli diversi di grammaticalizzazione da parte
dei vari candidati allo status di perífrase pienamente
realizzata»
Os fenômenos linguísticos, como um todo, não são redutíveis a meros critérios de
identificação rígidos e absolutos, e isso pode ser averiguado em relação a quase todos os
fenômenos lingüísticos macroscópicos. Nesse sentido, a Gramática de Construções
dentro de uma visão funcionalista propõe que as mudanças, ou seja, as estruturas mais
vulneráveis às mudanças pragmáticas são justamente aquelas que mantém as
freqüências de uso mais elevadas (Hopper & Traugott, 2003).
Ainda seguindo a linha de raciocínio bertinettiana, o mais adequado modo de
delimitar o âmbito desses fenômenos, consistiria em dispô-los em um sistema escalar,
de crescente nível de pertinência. Em sua teoria, Bertinetto sustenta que quanto mais
rico e articulado o número de parâmetros de análise, maior será a capacidade cognitiva,
e consequentemente a definição. Essa é uma tendência de estudo que não se distingue
7
“... seria insensato considerar que toda locução perifrástica alcance um mesmo padrão, e, ainda que
assim o fosse, o nosso ponto de observação, ligado a um estágio sincrônico particular, levar-nos-ia, de
qualquer modo, a constatar níveis distintos Gramaticalização quando considerados os vários candidatos
ao estatuto pleno de perífrase.”
55
muito de grandes linhas teóricas mundo afora, quando nos referimos a Moura Neves
(1997), Martelotta (2010, 2011), Hopper & Traugott (2003), Heine (1991, 2002) et alii.
Baseando-se nessa perspectiva, os estudos de Keenan (1985) consistem na
desfragmentação da noção unitária de sujeito, em uma gama de parâmetros, cuja
múltipla ativação nas diversas línguas consente uma definição de um grau específico de
atualização dessa noção sintática em cada sistema lingüístico abordado.
O mesmo é aplicável a (Ramat, 1987, In: Bertinetto, 2003), que lista um conjunto
de critérios para fixar o variável nível de auxiliaridade que compete aos verbos
candidatos a assumir o papel de auxiliar nas línguas naturais.
Dentre os critérios que foram analisados, alguns podem ser interpretados em
termos absolutos. Os critérios referentes à Integração Semântica (A) e aos Números
restritos de modificadores (C) são tidos como indispensáveis no processo de
identificação de uma estrutura perifrástica, e considerados como requisitos mínimos do
grau de perifrasticidade. Como pontua Bertinetto (1988), todos os demais critérios são
facilmente reinterpretados em sentido escalar. O autor elaborou uma exemplificação
feita em escala, pautada em dados de pesquisas pessoais sobre as perífrases no italiano.
Os graus variam de maior a menor perifrasticidade da esquerda para a direita, ou seja,
quanto mais se desloca para a direita, menor a escala, até o alcance de uma ausência
total de conotação perifrástica.
Considerando a maior ou menor relevância de um ou outro caso, essa dissertação
buscou apontar os casos principais, que implicariam para as conclusões finais, sendo
que os critérios mais preponderantes além dos outros dois apontados, seriam a Escala de
Dessemantização e de Endocentrismo, critérios (D) e (E), a Escala de Organicidade
Sintática (F) e a Escala de Pertinência Tempo-Aspectual (L).
56
Em (D – E), nota-se:
« Stare + Gerundio » > « Cominciare a + Infinito » > « Scoppiare a + Infinito » >
« Riuscire a + Infinito »
Os verbos modificadores representados possuem, cada um, suas devidas
caracterizações morfossintáticas, no entanto, suas caracterizações icônicas, ou suas
marcas semânticas são fatores que distinguem contextos de maior ou menor grau de
perifrasticidade.
Em (F), nota-se:
« Sta studiando » > « sta in camera, studiando accanitamente » (“Está estudando” >
“está no quarto, estudando ferozmente”)
Esse exemplo é um clássico. A partir de uma análise cuidadosa, é possível
depreender que quanto maior é a distância entre os elementos constituintes da
construção, maior será, também, sua possibilidade de desagregação, de perda da
concepção de um sentido unitário.
Em (L), a hierarquia indicada entre as duas seguintes perífrases se justifica com
base no fato de que a noção de ponto de vista aspectual (Schau) é mais central que a
noção de fase no domínio semântico considerado:
« Andare + Gerundio » > « cominciare a + Infinito» > « andare + Part. Perfetto »
A questão da hierarquia de perifrasticidade, conforme cita Bertinetto, requer uma
união das escalas expostas acima. Isso equivaleria a traçar um critério para avaliar o
nível de Gramaticalização alcançado por cada uma das estruturas ao papel de uma
verdadeira perífrase.
Detalhamentos acerca da hierarquia de perifrasticidade não cabe a esse estudo,
visto que aqui, almeja-se tratar de uma única estrutura que alcança, de certo modo, os
57
principais critérios, segundo as teorias funcionalistas, de um estatuto perifrástico. Em
outros estudos, tais como os de Amenta (2002) e Van Hecke (2005), constata-se que
Andare a + Inf., – que não ganha um amplo espaço nas considerações de Bertinetto –
possui um estatuto perifrástico, ainda que essa mesma estrutura mantenha parâmetros de
uso perceptivelmente variáveis no italiano atual, tal como se poderá observar com um
maior detalhamento no capítulo 5 dessa Dissertação.
58
4. REFERENCIAL TEÓRICO
4.1. PRESSUPOSTOS FUNCIONALISTAS
A Teoria Funcionalista concebe a linguagem como um fenômeno mental e
primariamente social (sócio-cognitivo); uma Entidade não autônoma (“não existe em si
e por si”; “existe em virtude de seu uso para o propósito de interação social”) –
correlacionada e determinada por fatores sócio-comunicativos e/ou sóciocognitivos.
Nessa corrente teórica, importa explicar as regularidades observadas no uso com base
no exame das circunstâncias discursivas em que se dão as estruturas linguísticas e seus
contextos prototípicos. Dessa forma, tudo na língua pode ser explicado basicamente
pela referência ao modo como é usada/funciona.
A Gramática Funcionalista também se interessa pela descrição de tendências
gerais identificadas em diferentes línguas, visto que nela se encontram o geral e o
específico. A Gramática Funcional Holandesa de Dik (1989), por exemplo, mostra-se
preocupada com o estudo tipológico das línguas, com a descrição de universais de
funcionamento das línguas. Por tal motivo, que a Gramática Funcional pode ser
entendida como uma teoria geral da organização das línguas.
Essa Dissertação leva em consideração as teorias do linguista (Martinet, 1994:
14), que afirma que o que deve constantemente guiar o linguista é a preocupação com a
competência comunicativa:
“toda língua se impõe (...), tanto em seu funcionamento como
em sua evolução, como um instrumento de comunicação da
experiência”, entendendo-se como experiência “tudo o que [o
homem] sente, o que ele percebe, o que ele compreende em
todos os momentos de sua vida”. (Martinet, 1994: 14)
O objetivo de qualquer abordagem funcionalista de uma língua natural resulta na
verificação de como se obtém a comunicação em uma determinada língua, ou seja,
como os usuários desta se comunicam linguisticamente de modo eficiente.
59
A caracterização do Funcionalismo não é uma tarefa fácil, visto que a maior parte
dos rótulos que se conferem aos estudos ditos “funcionalistas” mais representativos,
geralmente se ligam diretamente aos nomes dos estudiosos que os desenvolveram, não
às características definidoras da corrente teórica em que eles se colocam. É importante
considerar que, nessa corrente, por outro lado, embora se distingam peculiaridades que
marcam os diferentes modelos, há que se destacar uma série de similaridades
compartilhadas com esses diferentes modelos.
Givón (1995), em sua obra Funcionalismo e Linguagem afirma que a língua (a
gramática) não pode ser descrita como um sistema autônomo, já que a mesma não pode
ser entendida sem referência a parâmetros como cognição e comunicação,
processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação, aquisição e
evolução. Ainda segundo aponta Nichols, (1984: 97), a gramática funcional, embora
analise a estrutura gramatical, inclui na análise toda a situação comunicativa: o
propósito do evento de fala, seus participantes e seu contexto discursivo.
O caráter dinâmico da língua talvez seja a conceituação chave que caracteriza a
linguagem segundo a teoria funcionalista. O dinamismo da língua consiste justamente
na instabilidade da relação entre estrutura e função, força que está por detrás do
constante desenvolvimento da linguagem.
As teorias Funcionalistas convergem sobre as considerações de que a atividade
comunicativa não se estabelece ao acaso, mas é regida por algumas normas, regras, que
constituem o sistema linguístico. Para tal estudo, esta dissertação se fundamenta na
conjugação de orientações de enfoques funcionalistas. Pauta-se na proposta dos
Parâmetros e Mecanismos de Gramaticalização de Heine (1993), no amplo estudo sobre
as Perífrases Verbais de Bertinetto (1988, 1991, 1993, 2003), além de buscar em outros
60
estudos funcionalistas propostas similares àquelas dos fundamentadores das bases
teóricas dessa pesquisa.
4.2. GRAMATICALIZAÇÃO E FUNCIONALISMO
Ainda hoje, leigos e até mesmo alguns estudiosos de fenômenos lingüísticos
crêem erroneamente na concepção de Gramaticalização como um caso linguístico
relativamente novo. No entanto, esse é um fenômeno tão antigo quanto os próprios
lingüistas, e o termo foi cunhado apenas em 1912, por Meillet.
Estudos modernos em Gramaticalização surgiram apenas na década de 70, com os
trabalhos de Givón, que argumentou que para a compreensão da estrutura de uma
língua, seria necessário o conhecimento de como a mesma se desenvolveu. A sua
icônica frase “A morfologia de hoje é a sintaxe de ontem” abriu uma nova perspectiva
para a compreensão da gramática. E estudos descritivos e novas teorias linguísticas se
desenvolveram abrindo espaços para novos campos lingüísticos tais como a linguística
de corpora, os estudos fonológicos, os estudos em aquisição de linguagem e a
sociolinguística.
A Gramaticalização fundamentou-se como um campo independente de estudo
inserido na órbita da linguística com os trabalhos de Heine, Claudi e Hünnemeyer
(1991) e Hopper and Traugott (1993), e, desde então, inúmeros outros estudos
posteriores têm contribuído para as definições desse princípio, e aberto possibilidades
de visões acerca das mudanças pelas quais passam as línguas. Trata-se de um fenômeno
amplo, e atualmente, tendo ampliadas suas possibilidades teórico-conceituais, não mais
se restringe a um estudo histórico-diacrônico local, ou seja, de um determinado item
lexical, mas se estende também à sincronia, à visão de como um modelo lingüístico,
seja um item lexical ou uma estrutura, e suas possíveis variações de formas se
61
comportam na língua em uso, podendo expandir seus contextos ou se extinguir segundo
um comportamento pautado no uso dos falantes.
Uma das questões foco quando se abordam as perífrases verbais gira em torno do
grau de auxiliaridade dos verbos que formam essas estruturas. Geralmente os verbos
auxiliares mantêm-se à esquerda do verbo principal na estrutura, e, detém um papel
primordial na morfologia e na semântica dessas estruturas que junto a um verbo
principal em uma de suas formas não finitas podem provocar modificações
significativas em todo um determinado contexto de uso.
Tradicionalmente a indagação dos autores gira em torno da seguinte questão: Os
auxiliares seriam uma classe separada de verbos, ou pertenceriam à tradicional classe
dos verbos? Esse questionamento também concerne ao fato de ser ou não uma categoria
universal. No entanto, a questão de uma língua ter ou não auxiliar dependeria
crucialmente do tipo de critério adotado para se dizer que um verbo é auxiliar ou não.
A hipótese funcionalista sobre a auxiliaridade verbal gira em torno do fato da
inexistência de categorias discretas, não havendo, portanto, um limite separando os
auxiliares dos verbos plenos: os dois fazem parte de um continuum ou gradação.
Heine (1991) busca apontar como os auxiliares são formados nas línguas
sugerindo a existência de um continuum de Gramaticalização, que leva um verbo pleno
a ser utilizado como auxiliar. Segundo os pressupostos do autor, os auxiliares são
categorias que expressam conceitos gramaticais relacionados ao estado temporal
(tempo), o contorno temporal (aspecto) e o tipo de realidade (modalidade) de conteúdos
proposicionais. Para o autor, as expressões linguísticas para esses conceitos são
derivadas de formas de expressão para noções gerais que podem ser expressas
linguisticamente por alguns verbos, que são parte de um conceito complexo maior
chamado por Heine de esquema de eventos:
62
a. Lugar (onde alguém está): estar em, ficar em, viver em, permanecer em, etc.
b. Movimento (para / de / através de onde alguém se move): ir, vir, mover, passar, etc.;
c. Atividade (o que alguém faz): fazer, pegar, continuar, começar, terminar, agarrar, pôr,
etc.;
d. Desejo (o que alguém quer): querer, desejar, etc.;
e. Postura (a maneira como o corpo de alguém está situado): sentar, estar em pé, deitar,
etc.;
f. Relação (o que alguém parece; a que alguém está associado; alguém pertence a): ser
(como), ser (parte de), estar acompanhado por, estar como, etc.;
g. Posse (o que alguém possui): conseguir, possuir, ter, etc.
O esquema de movimento, que é especificamente o qual interessa a essa pesquisa,
envolve, sobretudo, os verbos ir e vir como predicados, mas podem ser acrescidos
outros como mover (-se), andar, passar, chegar e partir/deixar. Heine exemplifica esse
esquema com uma ocorrência clássica de Gramaticalização do inglês, a estrutura be
going to, que indica futuro no inglês moderno, e um caso do francês venir de, que indica
passado, e assim defende a ideia de que o esquema de movimento é mais comumente
associado às categorias de tempo. Referindo-se ao caso de Gramaticalização citado, do
inglês, Heine (1991) afirma que até o verbo to go apresenta características evidentes de
um elemento gramatical, tal verbo passa por diversos estágios, chegando à fase de
ambiguidade semântica, em que é possível interpretar um evento como um movimento
ou como um morfema de tempo futuro simultaneamente.
63
Quadro 1: Continuum de Gramaticalização de Heine (1991)
Estágio / Conceito:
(I)
John is going to town soon.
(II)
(III)
John is going to work soon.
John is going to get sick soon.
_____________________________________________________________________
Fonte
Fonte/Alvo
Alvo
(Quadro Continuum de Gramaticalização configurado pelos polos source (origem) e target (alvo) (Heine, 1993: 49)).
O modelo de transição supracitado pode ser analisado numa perspectiva
diacrônica, entendendo tal processo como um desenvolvimento ao longo do tempo, ou
sincrônico, entendendo que os três usos referentes aos estágios (I, II e III) convivem
numa mesma sincronia. Segundo o princípio de divergência descrito por Hopper &
Traugott (2003), os usos lexicais e gramaticais de uma mesma unidade linguística
podem coexistir. Esse argumento ratifica a ideia de que a Gramaticalização é um
processo de Mudança Linguística que pode tanto ser observado no eixo diacrônico,
como no sincrônico, ou em pancronia.
Heine (1993) descreve que os conceitos concretos ou esquemas de eventos são
tratados como itens de origem (source items), e os conceitos gramaticais formados a
partir daqueles são tratados como itens alvo (target items). Embora o autor proponha
estágios intermediários, a transição de um conceito de origem para um conceito alvo
não é um processo discreto, mas sim um continuum. Desse modo, a concepção que se
deve ter desses estágios intermediários é a de posições fluidas e graduais.
A Gramaticalização é um processo linguístico por meio do qual alguns elementos
de conteúdo lexical se desenvolvem, no decorrer do tempo, e se tornam elementos
gramaticais, passam a mais gramaticais ainda, apresentando-se mais previsíveis no que
diz respeito ao seu uso. Remete tanto à diacronia quanto à sincronia no processo de
64
organização categorial e de codificação, ainda que, em momentos anteriores remetesse a
um processo unicamente diacrônico8. No entanto, a orientação de Heine pende muito
mais para um estudo de caráter sincrônico do que para o modelo diacrônico. A sincronia
busca analisar o processo em si, em seu desenvolvimento, levantando a questão dos
mecanismos internos de mudança, que relacionados em estágios sucessivos, induzem à
mudança e à sobreposição de formas conforme expresso:
* O item A é recrutado para a Gramaticalização;
* Esse item adquire um segundo padrão de uso, B, de modo que há uma ambigüidade
entre A e B;
* Finalmente A é perdido, ou seja, somente B passa a existir.
A Gramaticalização de expressões linguísticas envolve 4 mecanismos, sendo que
cada um concerne a um aspecto diferente da estrutura da língua: (i) nível semântico, (ii)
nível pragmático, (iii) nível morfossintático, (iv) nível fonético:
1º Dessemantização (ou Bleaching) concerne ao processo de redução semântica, ou
seja, perda de conteúdo semântico. Os elementos envolvidos no processo de
Gramaticalização perdem valor representacional, e ao assumir uma nova função
gramatical, adquirem funções de natureza pragmático-discursiva.
2º Extensão (Generalização contextual) concerne ao uso em novos contextos. Nessa
etapa, o elemento tende a perder parte de seu sentido original ao ser utilizado em novos
contextos.
8
O recorte estabelecido pelos historicistas do final do século XIX resulta de uma visão predominante à
época, pois a grande escola que abria caminhos de pesquisa no ocidente obedecia a uma orientação
histórico-comparativista.
65
Subestágios:
I. O sujeito é tipicamente humano, o verbo expressa um conceito lexical e o
complemento, um objeto concreto ou um lugar.
II. O complemento passa a expressar uma situação dinâmica.
III. O sujeito não é mais associado com referentes humanos, e o verbo adquire uma
função gramatical. (Heine, 1993, p. 54).
3º Decategorização (Mudança categorial) concerne em perda de propriedades
morfossintáticas características das formas-fonte, incluindo perda do status de palavra
independente (cliticização, afixação). O processo de decategorização segundo Heine, é
o resultado da transposição de [sujeito – verbo complemento] para [sujeito – marcador
gramatical (auxiliar) – verbo principal]. Como consequência da decategorização, a
unidade linguística em processo de Gramaticalização ganha propriedades de um
marcador gramatical de tempo, aspecto ou modalidade. Nessa etapa, o item verbal passa
a ocupar uma posição adjunta ao verbo principal. Assim como os clíticos pronominais,
os auxiliares caracterizam-se por terem a aparência de um apêndice morfofonológico,
formando junto com o verbo principal, um único vocábulo fonológico.
4º Erosão concerne à redução fonética, ou seja, perda de substância fonética. De acordo
com Heine, essa erosão provoca perda do tom distintivo ou acento. O elemento tende a
sofrer coslescência (fusão de formas adjacentes) e condensação (diminuição de forma).
As perífrases verbais são estruturas que, indubitavelmente, estão sob o efeito do
processo de Gramaticalização, tanto que o fator primordial de identificação das mesmas
é o fato de terem alcançado, senão todos, ao menos alguns dos mecanismos
evidenciados por Heine.
66
Com base nesses quatro parâmetros que podem acompanhar um item verbal
durante seu processo de mudança, Heine (1993) elencou sete estágios de
Gramaticalização, designados como: Estágio A, Estágio B e assim por diante até o
Estágio G. Esses estágios foram formulados tendo em vista um continuum chamado
Verb-to-TAM, que é uma representação do percurso de mudança pelo qual as unidades
linguísticas passam de verbo a marcador de Tempo, Aspecto e Modalidade (TAM).
O Estágio A é o dos esquemas de origem (objetos concretos, processos ou
localizações). Os verbos apresentam seu significado lexical completo e possuem
complemento que configura algum esquema de eventos. Os exemplos apresentados por
Heine (1993, p. 59) representam respectivamente, localização, movimento, ação e
volição:
1. Judy está na estação.
2. O trem veio de Hamburgo.
3. Ele pegou o trem.
4. Meu amigo precisa de um ingresso.
No estágio B, há os primeiros sinais de auxiliaridade, pois se observa um evento
sob a forma não finita como complemento do verbo e a identidade do sujeito, entre o
verbo e o complemento, não é um requisito obrigatório. Heine (1993, p.59) apresenta os
seguintes exemplos:
5. Ele evitou pegar o trem.
6. Ele arrependeu-se de ter me magoado.
No Estágio C, o sujeito não está mais restrito a referentes humanos, e o verbo
passa a expressar apenas noções de tempo, aspecto ou modo. A ligação entre verbo e
67
complemento é tão significativa que ambos representam uma única unidade semântica e
fazem referência às mesmas entidades envolvidas na predicação (os termos projetados
pelo predicado).
7. Eu quero voltar.
No Estágio D, estão os verbos que perderam a capacidade de formar imperativos,
de ser nominalizados ou de integrar uma sentença na voz passiva. Seus complementos
são sempre um verbo ou no infinitivo ou no gerúndio.
8. Ele costuma reunir sua correspondência diariamente.
No Estágio E, o item não é mais considerado verbo. Ele perde a capacidade de ser
negado e de ser usado em diferentes posições na cláusula. Um item no Estágio E é
híbrido, porque perde propriedades verbais, mas ganha outras. Segundo Heine (1993,
p.63), os modais do inglês como can, may, should e would estão nesse estágio.
No Estágio F, o verbo perde as características verbais remanescentes. É um
elemento instrumental dentro da gramática e seu complemento passa a ser interpretado
como verbo principal. O item passa a ser um morfema preso, no entanto, os resíduos
morfossintáticos permitem recuperar a estrutura original.
O Estágio G é o final da Gramaticalização: o afixo torna-se uma flexão, não
apresentando tom ou acento diferentes do outro verbo.
Para Heine, o auxiliar é um item linguístico que codifica um conjunto de usos ao
longo do continuum verb-to-TAM (verbo > flexão). O auxiliar não é um elemento final
desse continuum, e sim, uma categoria intermediária, havendo a possibilidade de tornarse um afixo ou uma flexão. Sendo uma categoria intermediária, exibe características de
estágios intermediários entre o verbo pleno e a flexão:
(i) faz parte de um grupo de entidades usadas para expressar tempo, aspecto, modo,
número, pessoa, etc.;
68
(ii) apresenta morfossintaxe verbal;
(iii) o verbo principal, historicamente complemento, é uma forma invariável, enquanto o
auxiliar é responsável pelas marcas gramaticais de pessoa, número, negação, etc., desde
que não haja outro verbo auxiliar no complexo com essas marcas como na perífrase
(Vou ter escrito) em que ter é auxiliar canônico, no entanto, é ir que possui as marcas
gramaticais;
(iv) o auxiliar, como resultado do processo de decategorização, ocupa um lugar fixo na
cláusula e exibe um comportamento verbal reduzido, perdendo a capacidade de ser
apassivado, de apresentar-se de forma imperativa, etc.;
(v) como resultado da erosão, o auxiliar não apresenta acento próprio.
A Gramaticalização enquanto processo dinâmico reflete não somente o
movimento contínuo em torno da estrutura (nas relações estabelecidas), mas também
toda uma atividade cognitiva com reflexos na própria estrutura. Nesse processamento,
que se inicia por motivações devidas aos usuários da língua, sobreposições da
combinação sentido/forma geram ambiguidades, polissemias, que se traduziriam numa
assimetria. Tal assimetria, por se constituir um problema comunicativo ao falanteouvinte, será resolvida pela reanálise e analogia que provocariam a paradigmatização da
nova forma. Portanto, a movimentação do processo de Gramaticalização pode ser
representada num continuum que tanto envolve a variação conceptual quanto a
contextual.
69
4.3. MECANISMOS INTRÍNSECOS DE GRAMATICALIZAÇÃO
O processo de emancipação envolve a gradual mudança dos padrões semânticos
de uma estrutura. A linha de movimento, se assim pode-se dizer, é um continuum que
marca inicialmente – considerando o contexto histórico em que a construção começa a
ser analisada – o traço + movimento e + intenção que juntos levam a um processo de
inferência do traço + futuro.
Quadro 2: Linha temporal de traços semânticos
*_________>_____________>_____________>____________META
[ + MOVIMENTO ]
...
[ + FUTURO ]
[ + INTENÇÃO ]
Quadro de representação das mudanças pelas quais os traços semânticos passam ao longo da trajetória de Gramaticalização.
Essa linha temporal exemplifica a construção ir + v. infinitivo no estágio
temporal durante os séculos, uma tendência natural expansão de sentidos, ou ainda de
modificação dos mesmos. No contexto contemporâneo, o traço + futuro começa a se
emancipar frente a um sentido anterior que denotava movimento no espaço, e o traço
intenção que também estava presente devido à incidência exclusiva de sujeitos
animados. Esse processo será detalhadamente explicitado adiante no capítulo pertinente
à análise dos dados dos corpora da pesquisa.
Evidenciando o continuum no processo de Gramaticalização, Traugott (1989) e
Hopper e Traugott (1993) apontam para um importante mecanismo aplicado a essa
mudança relativa aos parâmetros de uso, chamado inferência pragmática. Nesse
processo, o locutor deve estar apto a julgar, ou seja, a inferir, quais os detalhes que o
70
interlocutor poderá estocar para formular sua asserção adequadamente, sendo que o
mesmo deverá preencher os detalhes não fornecidos pelo falante. Esse processo de
inferência foi devidamente elucidado acima, quando percebido que o traço + futuro
começa a ser inferido pragmaticamente pelo contexto de uso.
Outro fenômeno concernente aos parâmetros de Gramaticalização propostos por
Heine (1993) é a extensão ou a generalização de contextos, no qual há o
desenvolvimento de usos em novos contextos. Os elementos envolvidos no processo
assumem, a partir da emancipação e da inferência pragmática, um novo conjunto de
contextos de uso, assim como as características estruturais deles decorrentes. A
extensão é um fenômeno gradual que envolve três componentes. São eles:

Fator sociolinguístico – A partir desse traço, uma inovação na língua surge de
um ato individual e se estende para outros falantes, considerando termos ideais,
difundindo-se por toda a comunidade de fala.

Fator discursivo-pragmático – envolve o espalhamento do item ou da construção
para novos contextos discursivos ou pragmáticos.

Fator semântico – Atribui ao elemento, por sua vez, um novo valor, que emerge
dos novos contextos.
Esse princípio de extensão de sentido para novos contextos relaciona-se com um
outro princípio evocado por Werner e Kaplan (1963); o princípio da exploração de
velhas formas ou meios para novas funções. De acordo com esse preceito, itens lexicais
ou expressões da língua já utilizadas são reaproveitadas, não havendo, portanto, criação
de um novo vocábulo ou estrutura complexa, o que determina um processo
definitivamente raro e não produtivo nas línguas.
71
Portanto, é a partir desse continuum de extensão de sentidos, que o uso de ir +
infinitivo ganha um novo sentido, diferente daquele de exibido pelas partes isoladas ir
(verbo pleno) + verbo no infinitivo, tornando-se cada vez mais fixo e gramatical.
O princípio de redução semântica propõe que as partes que formam a construção
sofrem um contínuo processo de perda de conteúdo semântico, ou seja, seu valor
representacional, e, ao assumir a nova função gramatical, adquirem funções de natureza
pragmático-discursiva. No caso das construções ir + infinitivo, nota-se não apenas uma
extensão de sentido da construção em si, mas um novo valor torna-se admissível em
novos contextos.
Quadro 3: Extensão de sentido das formas
Ir


↓ redução semântica
↑ valor gramatical (auxiliar)
↓ redução representacional
Ir + infinitivo  ↑ carga semântica
 ↑ valor semântico-representacional
↑ valor representacional
(ampliação do contexto de uso)
Quadro de representaçãod as mudanças semânticas que o verbo ir sofre quando está presente na estrutura verbal.
A mudança categorial representa a mudança de classe gramatical. É através desse
processo que as estruturas tornam-se cada vez mais fixas no processo de
Gramaticalização.
A erosão, ou redução fonética, mais um princípio de Gramaticalização ocorre
quando há a perda da substância fonética do elemento, havendo a coalescência e a
condensação das formas. Toma-se como exemplo a construção perifrásica no inglês e
no português be going to/ haver de ir. No inglês, a estrutura be going to se gramaticaliza
ao ponto de chegar à forma atual gonna. Já no português a estrutura haver de ir perde
sua composicionalidade: hey de ir > irei.
72
Importante notar que o Princípio da Quantidade, que dita que o tamanho de um
item linguístico é proporcional à quantidade de informações que ele codifica, está
intrisecamente ligado
à erosão fonética como um mecanismo atuante na
Gramaticalização para ajustar formas antes lexicais ao domínio das formas gramaticais,
normalmente composto por palavras de curta extensão fonológica, como é o caso dos
pronomes, preposições, conjunções, clíticos, afixos, etc.
O mecanismo de erosão fonética liga-se, também, à frequência relativa de uso,
uma vez que quanto mais presente no discurso, maior a possibilidade de desgaste de um
item, em razão de sua previsibilidade em contextos discursivos apropriados. Bybee,
(2010).
A frequência textual das formas em Gramaticalização é um dos fatores mais
notáveis no processo. A frequência dos itens gramaticais é notavelmente maior quando
comparadas com a frequência das formas lexicais num contexto de uso. Entretanto,
Bybee (2010) adverte que a frequência de uso não pode ser tomada como resultado da
Gramaticalização, mas um fator que contribui para a identificação do processo, como
uma força ativa na investigação envolvendo esse tipo de mudança.
A Ritualização é um aspecto muito importante nas teorias de Bybee (2010) sobre
o processo de Gramaticalização. A autora argumenta que a repetição frequente de uma
forma desempenha um importante papel nas seguintes mudanças que ocorrem durante o
processo:
(1) a alta frequência de uso leva ao enfraquecimento de forças semânticas pela
habitualidade – processo por meio do qual um organismo deixa de responder, com a
mesma eficácia, a um estímulo repetido;
73
(2) mudanças fonológicas de redução e de fusão de construções gramaticalizadas são
condicionadas por sua alta frequência e por seu uso em porções do enunciado que
contêm informação velha ou de fundo;
(3) o aumento da frequência leva a uma maior autonomia de uma construção, o que
significa que componentes individuais da construção, tal como flexão em todos os
modos e tempos, estrutura argumental, etc., enfraquecem ou perdem sua associação com
outras ocorrências do mesmo item (os usos menos gramaticalizados);
(4) a perda de transparência semântica que acompanha a separação entre os
componentes da construção gramaticalizada e seus congêneres lexicais permite o uso da
forma em novos contextos com novas associações paradigmáticas, levando à mudança
semântica;
(5) a autonomia da forma de uso frequente torna-a mais enraizada na língua e
frequentemente condiciona a preservação de algumas das suas características
morfossintáticas obsoletas.
Desse modo, relativamente à correlação que envolve a redução fonológica e a
dessemantização, o certo é que se, por um lado, é possível falar em “perda” de conteúdo
semântico, por outro, é possível atribuir “ganho” funcional, próprio das categorias
gramaticais.
Heine (1991), sobre o processo de Gramaticalização, cita que neste atua um
princípio cognitivo específico: o princípio de exploração de velhas formas para novas
funções. Com base nesse princípio, pode-se dizer que conceitos concretos são
mobilizados para o entendimento, explanação e descrição de um fenômeno menos
concreto.
Por meio desse princípio, conceitos concretos são
empregados para entender, explicar ou descrever fenômenos
menos concretos. Desse modo, entidades claramente
delineadas e/ou claramente estruturadas são recrutadas para
74
conceitualizar entidades menos claramente delineadas ou
estruturadas, experiências não físicas são entendidas em
termos de espaço, causa em termos de tempo, ou relações
abstratas em termos de processos cinéticos ou relações
espaciais, etc. (Heine, 1991:150)
Por essa razão, Heine (1991) defende que, para dar conta da gênese e
desenvolvimento de categorias gramaticais, é necessário analisar a manipulação
cognitiva e pragmática, razão pela qual a transferência conceptual e os contextos que
favorecem uma reinterpretação devem ser observados. Esse processo envolve dois
mecanismos:
(A) a transferência conceptual (metáfora), que aproxima domínios cognitivos distintos;
(B) a motivação pragmática, que envolve a reinterpretação induzida pelo contexto
(metonímia).
Por critérios metodológicos, a presente Dissertação se ocupa primordialmente de
verificar o fenômeno de Gramaticalização da estrutura perifrástica andare a + infinito
tomando como referência as motivações de ordem metafórica. Segundo os critérios de
Heine, a Metáfora é um conceito que dá conta de exaurir as explicações pertinentes à
mudança paradigmática que incide sobre a estrutura em estudo sem a necessidade de
fazer referência a outro conceito, embora como se evidenciará a seguir, um está ligado a
outro.
Muitos linguistas argumentam que a mudança semântica que ocorre em processos
de Gramaticalização é fortemente motivada por processos metafóricos, Heine (1991). A
metáfora, em Gramaticalização, está associada a processos de (des)semantização,
envolvendo a abstratização de significados, os quais, de domínios lexicais ou menos
gramaticais, são extendidos metaforicamente para mapear conceitos de domínios
gramaticais ou mais gramaticais. A abstratização referida diz respeito à forma como os
seres humanos compreendem e conceituam o mundo que os cerca. E é a partir desse
75
sentido que coisas mais próximas são mais claramente estruturadas e delimitadas,
menos abstratas, do que as que estão mais distantes.
Segundo Heine et alii. (1993), a metáfora envolvida na Gramaticalização,
diferente daquela relacionada às figuras da linguagem, seria pragmaticamente motivada
e voltada para a função na gramática. A partir dela não se formam novas expressões;
predicações preexistentes são introduzidas em novos contextos ou aplicadas a novas
situações por meio da extensão de significados: é a “metáfora emergente”, cuja origem,
que propicia a Gramaticalização, seria de natureza “categorial”. Isso permite entender
que o desenvolvimento das estruturas gramaticais pode ser descrito em termos de
algumas categorias cognitivas básicas e parte sempre, unidirecionalmente, do elemento
à esquerda – mais concreto -, de acordo com a seguinte escala: pessoa > objeto >
processo > espaço > tempo > qualidade.
4.4. A UNIVERSALIDADE DO FENÔMENO DE GRAMATICALIZAÇÃO
Esta subseção busca mostrar de modo sucinto que a Gramaticalização de um
mesmo fenômeno em estudo nessa Dissertação, também está presente em outras línguas
vivas do mundo, sendo que as mesmas acompanham as transformações sociais.
Embora se perceba o fenômeno em estudo em todas as grandes línguas do mundo,
e até mesmo em outras menos faladas e menos conhecidas, é de fundamental
importância tratar do caso do inglês, a língua em que se encontram a grande maioria dos
princípios teóricos e estudos de caso que aprofundam ainda mais a Gramaticalização
como um fenômeno indiscutivelmente presente, sincronicamente ativo.
Outras línguas como o espanhol e o francês, além do português (que apresenta um
maior aprofundamento nessa tese) são aquelas que servem de referência para mostrar
76
que o futuro perifrástico, na atualidade, é uma forma alternativa variante do futuro
simples e do presente do indicativo para expressar futuridade.
No inglês, o verbo to go + infinitivo vem se implementando ao longo dos séculos
como forma analítica de expressão de futuro. É um exemplo clássico de
Gramaticalização, de um verbo pleno que vem se tornando ou que se tornou auxiliar,
perpassando as etapas desse processo, os mecanismos interrelacionados propostos por
Heine (2002). Ainda segundo Hopper & Traugott (2003), a estrutura préGramaticalização era composta por [be going] + [to + infinitivo] no âmbito sintático;
posteriormente ocorre o fenômeno denominado reparentetização (rebracketing) e a
estrutura é reanalisada como [be going to + infinitivo]. Em um outro estágio, já no
âmbito morfológico e fonológico, going to se reduz a gonna.
Poplack (1999) em um estudo sóciolinguístico amplo sobre as variantes na
expressão de futuro simples do inglês do leste canadense, na ilha de Nova Escócia,
constataram que há quatro formas distintas de expressão de futuro: a) a perífrase com be
going to; b) o presente do indicativo; c) a forma clássica com o auxiliar will; e d) a
forma perifrástica com gonna.
Alguns exemplos dos corpora das autoras são evidenciados abaixo:
(1) I’m goin’ to China again this year.
(2) I go to China in September.
(3) I think I’ll have a little ice cream.
(4) Granny, you gonna have a lunch tonight?
Essa análise sociolinguística considerou o fator etnia como o mais relevante
dentre outros. Foram distinguidos brancos e negros, e suas respectivas distinções
linguísticas para a pesquisa. Para o inglês dos brancos, foi selecionada a variável
77
[proximidade do futuro], sendo que a variante gonna é mais utilizada para a expressão
do futuro imediato e a variante will + infinitivo é mais utilizada para a expressão de um
futuro distante. Cognitivamente, no inglês utilizado pelos negros, não há uma
estratificação das variantes e a forma gonna é empregada em todos os contextos, sem
especificação temporal. Conclusivamente, pode-se dizer que essa variação não decorre
de um fenômeno universal ou regional, mas é resultado de uma herança dos
colonizadores da região.
Seguindo os pressupostos teóricos desse estudo, o futuro com be going to é
resultado da evolução de go como verbo de movimento no espaço para alcançar o
estágio de verbo auxiliar. Esse processo é explicado como um caso de metáfora (Heine
et alii, 1991), embora o autor não exclua que alguns fatores metonímicos são pertinentes
e, portanto, possivelmente aplicáveis aos casos de Gramaticalização. Na língua inglesa,
o processo de Gramaticalização do verbo em estudo já está no último estágio, em que,
segundo Heine (1991), ocorre o mecanismo denominado erosão, ou redução fonética,
quando já há perda de substância fonética da construção.
No francês, a história atesta que o uso das formas de representação do futuro nas
línguas neolatinas é bastante antigo, e são registradas tão logo essas línguas ganham
reconhecimento oficial e seus estatutos de línguas literárias.
O futuro sintético em francês detém registro bastante antigo, datando do século
IX, com o primeiro documento registrado, o Serments de Strasbourg, no qual se
encontram as formas derivadas do futuro analítico latino como cantare habeo: salvarai
(port. salvarei) e prindrai (port. tomarei). A forma perifrástica com o verbo avoir (port.
haver) + infinitivo atesta uma trajetória bastante par àquela do português. Segundo os
estudos de Oliveira (2006) sobre a trajetória dessa construção no português, fazendo
78
uma breve exposição do fenômeno nas línguas neolatinas, no francês, num primeiro
estágio, tratava-se do verbo habere (port. haver, fr. avoir) em seu sentido pleno de
posse com uma nuance de obrigação: “j’ai une lettre à pôster” (“tenho uma carta a
postar”). Num estágio sucessivo, essa forma perde o valor de posse e o de obrigação se
acentua: “j’ai une lettre à écrire” (“tenho uma carta a escrever”). Num estágio seguinte,
ocorre uma mudança da ordem dos constituintes da frase: “j’ai à écrire une lettre”
(“tenho de/ que escrever uma carta”). Há, então, uma reanálise da estrutura e os dois
verbos são vistos como uma unidade, por meio da reparentetização, permitindo o
apagamento do objeto: “j’ai à écrire” (“tenho de/que escrever”). É nesse momento que
nasce, de fato, o que se poderia denominar uma estrutura locucional ou uma estrutura
perifrástica segundo a abordagem de cada autor. Fleischman (1982: 58-59) assere que
nessa etapa do processo, que se pode dizer, de Gramaticalização, o traço de obrigação já
mantém uma aproximação de um valor de futuro, que atualmente, no entanto, voltou a
exprimir somente obrigação.
No francês de hoje, o futuro apresenta três modalidades de expressão,
representadas pela forma simples (futur simple), pelo presente do indicativo (présent) e
pela forma perifrástica com o verbo aller (ir) + infinitif (futur proche), mostradas nos
exemplos abaixo:
(1) Il viendra demain.
(2) Il vient demain.
(3) Il va venir demain.
Fleischman (1982:82) explicita que a forma perifrástica surge no francês (assim
como no português e no espanhol) a partir dos séculos XIII e XIV, antes mesmo de ser
atestada no inglês (apenas no século XV), tendo a mesma se generalizado no uso
79
coloquial durante o século XV e passando a registros mais formais apenas nos séculos
XVI e XVII.
Vet (1980), sobre o comportamento das estruturas que expressam futuro na
língua francesa constata que aparentemente as diferenças concernentes a (4) e (5)
(representadas abaixo) ocorrem somente quanto ao efeito de seus produtos. A partir
desse conceito induz-se que sintaticamente não é feita distinção entre o futuro simples e
o futuro próximo (futur proche) ou perifrástico.
(4) Attention, tu vas tomber.
(5) Attention tu tomberas. (Confais (1990: 280))
O autor cita ainda que a diferença entre as duas estruturas formais desaparece nos
casos em que a frase contém um advérbio de tempo, como se evidencia nos exemplos
abaixo:
(6) Jean se mariera l’année prochain.
(7) Jean vase marier l’année prochain.
Evidencia-se, desse modo, que as duas formas expressam futuro, sendo possível
para certos locutores que a idéia de proximidade de I (intervalo de verdade) em relação
a S (ponto referencial) se expresse mais ou menos presente.
O Le Bescherelle (1984), assim como todas as gramáticas normativas das línguas
em estudo, trata apenas das formas tradicionais presente e futuro simples do indicativo
para indicar futuridade, mas omite a construção perifrástica como uma modalidade de
futuro. O autor considera que essa forma seria um presente com aspecto prospectivo,
mostrando que a perífrase não indica futuridade, mas um projeto, uma decisão tomada
pelo falante no momento da fala. No entanto, essa é uma definição que contrasta com o
que consta em inúmeros outros estudos consistentes que apontam para uma substituição
do futuro simples pelo perifrástico. O resultado das análises desses estudos mostra que o
80
processo de Gramaticalização da estrutura aller + infinitif em francês encontra-se mais
avançado que a estrutura equivalente em português ir + infinitivo, ou até mesmo no
inglês, pois dentre outras evidências, não há mais restrição (como no inglês) à
combinação de aller auxiliar com aller pleno:
(8) Je vais aller à la plage demain. (fr.)
(9) *Vou ir à praia amanhã. (pt.)
No espanhol, provavelmente, a Gramaticalização da estrutura em estudo se
encontre em um estágio tão ou mais avançado que nas demais línguas em evidência.
Esse fato pode ser confirmado através da análise descritiva das perífrases verbais nessa
língua, que consta de um estudo muito vasto, e cujo uso tanto na fala quanto na escrita é
muito produtivo. A perífrase ir + a + infinitivo no espanhol consta descrita inclusive em
grande parte nos manuais de L2, um sinal de que há um movimento forte em direção à
implementação dessa estrutura nas gramáticas.
A expressão de futuridade no espanhol castelhano apresenta um sistema tão
diversificado quanto o das diversas regiões geográficas nas quais esse idioma é
utilizado. Os parâmetros de uso se distinguem nas diversas regiões, e não se pode
afirmar com precisão que a utilização da perífrase vem a tornar-se o uso preferencial
dos falantes, no entanto, pode-se afirmar com base nos estudos de (Mateo & Rojo
Sastre, 1984. In: Oliveira, 2006), a existência dos três padrões de uso instituídos no
universo da língua castelhana: a) o futuro do indicativo, um tempo pouco empregado na
fala; b) a perífrase ir + a + infinitivo, que substitui a variante anterior na fala; e c) o
presente futuro, que expressa ações das quais se tem segurança ou intenção de realizar.
a) Mañana iremos a Madrid.
b) Mañana vamos a ir temprano.
81
c) El martes voy al teatro.
Nos estudos de Parra (2005) está presente a hipótese de que há uma mudança em
curso no castelhano no sentido de uma implementação do futuro perifrástico em
detrimento do futuro simples. A autora afirma que o fato se comprova em estudos sobre
o espanhol argentino, chileno, cubano, colombiano, mexicano e venezuelano. Mas
ressalva que o espanhol peninsular ainda utiliza o futuro sintético como forma
preferencial de expressão de futuro, em detrimento do que ocorre na Hispanoamérica.
Bentivoglio & Sedano (1992) sobre o espanhol venezuelano afirmam que as
formas mais correntes de expressão de futuro nessa comunidade são o futuro simples
(“lo haré”) e o futuro perifrástico (“lo voy a hacer”), e constatam que, em termos gerais,
o futuro perifrástico supera amplamente o simples e que esse último é mais empregado
no estilo formal. Isso pode ser evidenciado inclusive nos estudos sobre a mesma
estrutura na língua portuguesa. É importante mencionar a ressalva das autoras
supramencionadas sobre o uso dessa estrutura. Elas constatam que há, na verdade, uma
complementaridade no uso dessas variantes, sendo a perífrase utilizada para ações mais
imediatas e em contextos mais informais, e a forma sintética indicando ações distantes
no tempo e de realização duvidosa.
Orozko (2005), em um estudo amplo sobre o futuro perifrástico no espanhol
colombiano, menciona que a forma perifrástica é aquela preferida, com 46% dos casos
de uso, seguida do presente, com aproximadamente 36% dos casos e o futuro simples,
com 18% dos casos. O autor defende a hipótese do processo de auxiliarização do verbo
ir em espanhol na Gramaticalização da construção perifrástica com infinitivo para
indicação do tempo verbal futuro.
Bertinetto (2003) sobre as perífrases verbais progressivas e contínuas no italiano,
cita que essas construções são muito características do sistema verbal das línguas
82
românicas, manifestando que as mesmas apresentam-se com uma morfologia ainda mais
rica no sistema verbal do espanhol, principalmente. No trecho da obra de Javier Marías
(1994), na introdução do texto Le perifrasi Progressiva e Continua nella narrativa
dell’Otto/ Novecento de Bertinetto (2003), nota-se a presença da perífrase verbal no
espanhol formada por três verbos idênticos, o que é de possível ocorrência nesse
idioma, diferindo da mesma possibilidade no italiano e no português.
9
“ – Es tarde. Voy a irme yendo. – ‘Tres veces el
mismo verbo’, pense, ‘cómo matizan también nuestras
lenguas, como las antiguas. “Voy a irme yendo” indica que
no se va todavia, va a esperar todavia un poco, por lo menos
hasta que se beba la mitad de su whisky...” (Javier Marías,
Mañana en la batalla piensa em mí).
9
“ – Está tarde. “Voy a irme yendo” (Tradução livre: Já estou indo). – Três vezes o mesmo verbo, pensei,
como distam nossas línguas, assim como as antigas. “Voy a irme yendo” quer dizer que ainda não se vai,
mas que vai esperar um pouco, ao menos até que se beba metade de seu whisky...”.
83
5. FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA
5.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PERÍFRASES VERBAIS NO ITALIANO
Segundo a definição de Bertinetto (1991, 1993), as perífrases verbais são
construções gramaticais compostas por um verbo modificador conjugado em um tempo
gramatical, que perde o seu significado lexical e passa a indicar tempo e aspecto, e por
um verbo principal em um dos modos não finitos, que sustenta o significado de toda a
construção.
Considerando os aprofundamentos teóricos realizados nessa pesquisa, nota-se que
a semântica, nesse caso, decorre dos constituintes da construção de perífrases como um
todo, o que autoriza afirmar que esse tipo de construção andare a + infinito é dotada de
autonomia no sistema da língua.
É de fundamental importância considerar que a morfologia não é o único aspecto
importante no processo de identificação de uma estrutura perifrástica. A princípio, um
dos critérios mais importantes para defini-la é a forte relevância tempo-aspectual.
Muitas das construções que aparentam ser perífrases com o verbo andare, são
construções lexicais - considerando o paradigma verbal italiano - visto que o
modificador não sofreu dessemantização, ou seja, não sofreu perdas semânticas,
mantendo seu significado pleno. Deve-se evidenciar ainda que algumas perífrases
também podem ser substituídas por tempos do imperfeito.
A principal característica das perífrases verbais na língua italiana, é que as
mesmas são formas muito mais específicas e transmitem muito mais informações em
relação aos tempos gramaticais normais, os quais necessitam de outros meios
linguísticos na frase para alcançar os níveis de informação, que podem ser transmitidos
por uma única estrutura. As perífrases permitem a comunicação de informações
84
relevantes sobre o aspecto e sobre o contexto, o que não seria possível por meio do uso
de um simples predicado verbal.
É importante notar, sobretudo, que somente através do conhecimento das
estruturas perifrásticas, e do código linguístico, que o interlocutor será capaz de
reconstruir essas informações. É de fato nas perífrases verbais que se percebe a
integração semântica de seus constituintes, formando um significado complexo que não
é alcançável por meio da soma de seus lexemas componentes conforme expresso acima.
As perífrases são estruturas complexas, e como tal, sua definição e seus
parâmetros de uso são um tanto quanto complexos, podendo suscitar dificuldades no
processo de transferência de uso da língua nativa (L1) para a língua alvo (L2), seja num
processo tradutório ou no ensino de língua estrangeira. Muitas vezes essas dificuldades
estão presentes até mesmo no uso do próprio idioma. O falante, no ato da enunciação,
deve realizar escolhas pertinentes ao contexto de uso, e essas escolhas devem ser as
mais precisas possíveis para que o processo comunicativo obtenha êxito. E
considerando o estudo em questão, a escolha do falante entre o uso da perífrase verbal
andare a + infinito (estando o verbo andare no presente), o tempo presente simples do
indicativo e o futuro do indicativo, num determinado contexto, será determinante para
demonstrar suas intenções no processo comunicativo.
A perífrase em abordagem nesse estudo é aquela à qual se atribui menor atenção
nos estudos em língua italiana, uma possível consequência de seu estatuto menos
estável quando comparada com as formas com o gerúndio e o particípio, no que
concerne sua organicidade sintática e semântica, ao menos na língua italiana. Muitos
estudos na historiografia italiana, de fato, questionam a licitude de se tratar a estrutura
andare a + infinito como uma construção perifrástica unitária, supondo que a mesma
tenha sofrido uma interrupção em seu processo de Gramaticalização.
85
Durante (1981) cita um futuro prospectivo vado a fare (vou fazer) como um traço
presente na língua dos Setecentos (700’10), que pode ter entrado no italiano por
influência da língua francesa, que foi posteriormente banido pelo Purismo11 dos
Oitocentos (800’). Posteriormente, o uso entra em declínio, conforme mostram registros
literários de outras pesquisas, em trajetória oposta àquelas verificadas nas demais
línguas neolatinas, inclusive no Português.
As gramáticas italianas recentes omitem a existência da construção como forma
de expressão de um futuro prospectivo, como em Serianni (1989), assim como tantas
outras posteriores. A partir das investigações aprofundadas no assunto, foi possível
concluir que a perífrase andare a + infinito é uma estrutura marginalizada, no que
concerne à literatura linguística do italiano, tendo em vista os raríssimos estudos sobre a
construção que, recentemente tem sofrido uma expansão no número de ocorrências, do
italiano do uso médio12, ou seja, o uso não literário.
Somente em meados do século XX, a perífrase em estudo vem ganhando espaço
como é possível notar de modo recorrente no italiano do uso médio utilizado por
praticamente todos os cidadãos da península. E é através das mídias televisivas, jornais
e rádios e pelas mídias on-line, que se verifica concretamente esse incremento nas
ocorrências de uso.
Os corpora utilizados nesse estudo servem para comprovar a vivacidade da
estrutura no uso do dia-a-dia, na língua italiana, visto que os exemplos analisados nesse
10
Na língua italiana, existe a possibilidade de se apresentar o tempo cronológico século também em
algarismos árabes seguidos pelo símbolo (‘) plica. Então temos como correspondente a Século XVII a
forma 700’ – Settecento.
11
O Purismo linguístico italiano foi um movimento amplo que rejeitava modelos externos ao que estava
sendo proposto como um modelo nacional, de modo que todos os estrangeirismos existentes deveriam ser
abolidos e deveriam ser evitados.
12
A expressão “italiano do uso médio” define nas palavras de Sabatini (1984), a expressão da língua viva
italiana.
86
estudo são decorrentes do uso de políticos italianos, representantes da sociedade, que
almejam através de seu discurso, uma aproximação com todas as camadas sociais. O
uso linguístico, nesse sentido, é a ferramenta fundamental, ou seja, um vínculo
mediador desse diálogo de classes.
Como fora já afirmado, essa pesquisa adota os pressupostos teóricos de
Gramaticalização de Heine (1991, 1993), e estudos posteriores que contribuem para
exemplificar funcionalmente como se dá esse processo nas construções cognitivamente
formadas, como é o caso das perífrases verbais.
A respeito da construção ir + infinitivo para expressão de futuro no português, o
estudo de Lima (2001) é uma referência dentre outros trabalhos em Gramaticalização.
E, portanto, serão tratados aqui os estágios de mudança paradigmática que gradualmente
essa estrutura alcançou no português, que servirá como modelo para abordar a questão
referente à perífrase andare a + infinito no italiano.
Segundo Heine (1991, 1993) et alii, os estágios de Gramaticalização alcançados
variam em profundidade de língua para língua, e baseado nessa análise, é que o objeto
de estudo em questão buscará mostrar que a Gramaticalização, embora um fenômeno
comprovadamente existente nas distintas línguas naturais, pode se mostrar em estágios
bastante variados (no eixo sincrônico) concernendo uma construção, havendo inclusive
padrões de uso distintos de uma estrutura formal equivalente em línguas distintas.
Levando em consideração que existem dois modelos para a verificação do
fenômeno de Gramaticalização - as hipóteses metonímica e metafórica, esse estudo
buscará mostrar que a hipótese metafórica, ainda que considerada por alguns estudiosos
como “pouco consistente”, no que tange às evidências empíricas do processo evolutivo
de andare de um verbo pleno até o seu estágio de verbo auxiliar, atravessando etapas
diacrônicas de evolução, esse é o padrão mais adequado para explicar o processo em sua
87
sincronia, visto que os corpora de estudo estão restritos a um breve período de tempo,
que aponta para os usos da língua apenas na atualidade.
A hipótese metafórica, defendida dentre outros, por Heine (1993), consiste na
projeção de contextos espaciais para contextos temporais, isto é, uma conceituação do
futuro como: o estar depois no tempo, em termos espaciais, como um estar à frente.
Lima (2001) exemplifica o caso do verbo to go em inglês, como auxiliar de futuro, um
caso clássico do inglês: I’m going to write a letter – a ação designada pelo infinitivo
seria concebida como estando à frente numa linha temporal percorrida pelo sujeito.
Numa perspectiva metonímica, Hopper & Traugott (2003) defendem que não foi
o item lexical go sozinho, o responsável pela Gramaticalização, mas sim uma forma de
be going to em contextos muito particulares, nomeadamente aqueles em que essa forma
vem seguida de um sintagma iniciado pela partícula to com valor final, intencional.
Seria a coincidência desses dois fatores, ou a contiguidade num mesmo enunciado, que
propiciaria as condições para a evolução de be going to de expressão de movimento
para auxiliar de futuro.
No português, segundo Lima (2001), a origem da construção ir + verbo infinitivo
consta em contextos em que se encontra uma forma do verbo de movimento ir seguida
de oração infinitiva final. Segundo pesquisa do autor no CIPM (Corpus Informatizado
do Português Medieval), há ocorrências da estrutura com relativa frequência já em
documentos do século XIII.
No italiano, a despeito dos raríssimos estudos sobre o argumento de que trata a
presente pesquisa, Sornicola (1976) afirma que a construção com o infinitivo possui um
uso bastante antigo, vertendo para um valor final em meados do século XVIII, e que
apenas posteriormente passa a admitir um valor ingressivo. Durante (1981: 220) cita o
futuro prospectivo vado a fare como um dos traços sintáticos observados no italiano do
88
século XVIII, por influência do modelo francês, sendo posteriormente banido pelo
Purismo do século XIX.
Sobre o processo de Gramaticalização da estrutura no português, nota-se a
presença de três traços que estão intrinsecamente envolvidos, sendo “movimento” e
“intenção”, veiculados pelo significado próprio de ir, e o traço “futuro”, que é inferível
pragmaticamente a partir da presença simultânea de ir e da oração que exprime o objeto
desta ação. Embora o presente estudo não busque desdobramentos históricos do
processo de evolução da estrutura ir + verbo infinitivo, nem mesmo de andare a +
verbo infinito, são importantes as exposições de base diacrônica de Lima (2001) acerca
de como a estrutura se modificou até se tornar uma variante de expressão de futuro no
português atual. Segundo o autor, a história do futuro com ir pode ser encarada como o
processo pelo qual a construção ir + verbo infinitivo, que inicialmente apresentava três
traços importantes, já mencionados, sendo dois semânticos (movimento e intenção) e
um inferível no processo comunicativo (futuro), passa por um processo gradual de
demoção dos dois primeiros traços - semânticos, até seu desaparecimento, enquanto que
há progressiva promoção do traço inferível, o que leva a que, no português atual, seja
possível encontrar ir apenas como auxiliar de futuro na construção ir + verbo infinitivo.
5.2. TRATAMENTO GERAL DOS DADOS DOS CORPORA
A análise dos dados da pesquisa foi realizada por meio de ferramentas
importantes de quantificação dos dados, como o programa WordSmith versão 6.0, e as
próprias ferramentas de busca de dados dos websites corriere.it e repubblica.it. Os
dados foram coletados nos arquivos documentais dessas mídias on-line com o propósito
de formar os corpora. O período de análise concerne dois anos, período em que a
pesquisa foi desenvolvida. A escolha dos sites jornalísticos italianos foi fundamentada
89
na importância e na força que esses periódicos apresentam não apenas na Itália, mas
mundialmente. São jornais de referência, sendo os mais veiculados e lidos na Itália e no
exterior. O jornalismo mundial usa o Corriere della Sera e o La Repubblica como
mídias de referência e fonte para veicular as notícias da sociedade italiana e da Curia
Romana, situada na capital italiana, no exterior.
Os dados coletados nos corpora dessa pesquisa foram as estruturas com o verbo
de movimento andare, conjugado no tempo verbal presente do indicativo, seguido da
preposição a e do verbo principal da estrutura em sua forma infinitiva. Essa escolha não
foi aleatória, tendo sido previamente observado, em pesquisas como a de Lima (2001),
Oliveira (2006) et alii, que esse padrão de uso é quantitativamente muito superior aos
demais, no universo de andare a + infinito. O motivo para que essas formas apareçam
em sua grande maioria no presente do indicativo pode ser uma consequência do próprio
processo comunicativo pertinente a uma entrevista, o gênero textual no qual se observa
um discurso direto e objetivo.
O escopo de uma entrevista é o de induzir – nesse caso, especificamente – o
interlocutor a manifestar-se brevemente sobre um fato que aconteceu ou que ainda irá
acontecer, propiciando uma resposta breve. Portanto, o tempo verbal mais encontrado
nas ocorrências perifrásticas com o verbo andare é o presente do indicativo.
A tabela abaixo mostra as ocorrências numéricas das pessoas verbais da perífrase
andare a + infinito, e, demonstra que a primeira e a terceira pessoas verbais do presente
do indicativo apresentam uma frequência de uso que se destaca entre as outras:
90
Tabela 3: Pessoas verbais do verbo andare das perífrases encontradas nos corpora
Tabela quantitativa (Pessoas verbais em andare a + infinito)
Presente do Indicativo
Pessoa verbal
Conjugação no
Conjugação no
Ocorrências
Ocorrências
italiano
português
numéricas
percentuais
1ª p. sg.
Vado + a + inf.
Vou + inf.
44
31%
2ª p. sg.
Vai + a + inf.
Vais + inf.
8
6%
3ª p. sg.
Va + a + inf.
Vai + inf.
41
29%
1ª p. pl.
Andiamo + a +
Vamos + inf.
25
18%
Ides + inf.
6
5%
Vão + inf.
16
11%
142
100%
inf.
2ª p. pl.
Andate + a +
inf.
3ª p. pl.
Vanno + a + inf.
TOTAL
O modelo de análise dos dados foi baseado em outras pesquisas, como a de
Amenta (2002), que investiga igualmente a perífrase verbal andare a + infinito,
realizando um estudo comparativo dessa estrutura no italiano e no siciliano, usando os
seguintes critérios que foram tomados como base para as investigações dessa pesquisa,
tais como:
* a interposição de outros materiais na perífrase;
* a presença de clíticos;
* a possibilidade de negação dessas estruturas;
* a animacidade do sujeito.
Esse estudo se deteve em uma análise sincrônica dos dados, tendo em vista o
breve período temporal de análise, e sua atualidade.
91
Esse é um assunto que, como fora já mencionado, é pouco explorado por estudos
em língua italiana. Esse trabalho apresenta como proposta, então, uma reanálise da
estrutura perifrástica andare a + infinito, analisando as especificidades e os parâmetros
de uso da mesma dentro dos corpora que são universais – websites de domínio público
na internet –, e cuja linguagem é acessível, ou, ao menos, é a intenção de seus
veiculadores de que a mesma alcance um número amplo de leitores.
Abaixo, estão presentes os critérios de análise dos corpora supramencionados,
com os respectivos dados que fazem a exemplificação dos conceitos e hipóteses que se
almeja mostrar. Os critérios abordados para a análise dos corpora são aqueles mais
relevantes, que apresentam os reais traços distintivos identificadores das perífrases
verbais. Esses critérios foram inspirados na pesquisa, já mencionada, de Amenta (2002),
cujo tema se assemelha com o da presente pesquisa.
5.2.1. A INTERPOSIÇÃO DE MATERIAIS LEXICAIS NA PERÍFRASE
5.2.1.1. ADVÉRBIOS
A construção andare a + infinitivo constitui-se pela ordem fixa dos elementos,
com o verbo de movimento que precede obrigatoriamente o verbo no infinitivo,
segundo Bertinetto (1991), Amenta (2002). Do ponto de vista sintático, a perífrase com
o infinitivo parece compatível essencialmente com advérbios temporais e modais
enquanto que locativos comprometeriam a perifrasticidade da estrutura no italiano
moderno. Através da análise dos dados dos corpora constituídos pela trancrição da fala
de políticos em mídias italianas on-line, é possível comprovar a presença de casos em
que há a interposição de outros elementos entre o verbo andare e o infinitivo, tais como
advérbios. Abaixo serão exemplificados esses dados com suas respectivas traduções:
92
1.«...il Carroccio non solo va a conquistare oggi per la prima volta il voto...». //
“...Caroccio não vai conquistar hoje pela primeira vez o voto, simplesmente...”. Il
Corriere della Sera (Pg.1 – Il 30 marzo 2010).
2. «...Infatti, chi si reca alle urne e vota bianco o annulla la scheda, va espressamente a
mettere nell' urna il proprio disagio». // “...De fato, quem vai às urnas e vota em branco
ou anula o voto, vai explicitamente pôr na urna a insatisfação própria”. Il Corriere
della Sera (Pg. 9 – L’11 maggio 2012).
3. «In campo non va più a cercarsi l' ombra». // “Sobre esse assunto não vai mais
buscar um refúgio”. Il Corriere della Sera (Pg. 38 – Il 1 luglio 2012).
4. «Potrei andarmene in America, ci vado spesso a insegnare, mio figlio è nato là». //
“Eu poderia ir para a América, vou sempre ensinar, o meu filho nasceu lá”. Il Corriere
della Sera (Pg. 18 – Il 18 giugno 2012).
O primeiro exemplo ilustra o padrão de uso mais utilizado segundo os dados do
corpora, ou seja, o parâmetro de ordem fixa dos elementos na estrutura, constituído pelo
verbo andare flexionado em uma das pessoas verbais do presente do indicativo, junto à
preposição a, seguida por um verbo em sua forma infinitiva.
A presença de advérbios locativos, como antes expresso, ainda que não
necessariamente interpostos, faz emergir o sentido lexical do verbo andare, e pressupõe
um deslocamento real. Portanto, dificilmente pode-se atribuir um estatuto perifrástico a
esse tipo de construção, conforme se observa abaixo:
93
5. «...fare un mestiere, come fanno i giovani americani che, se vogliono fare gli attori,
intanto vanno a Los Angeles a fare i camerieri.» // “...ter uma profissão, como as têm os
jovens americanos que, quando querem ser atores, vão a Los Angeles trabalhar como
camareiros.” Il Corriere della Sera (Pg. 19 – Il 14 aprile 2012).
6. «...siamo ancora in grande emergenza, e l' Italia non può andare sul mercato a
chiedere soldi con il nostro livello di debito pubblico». // “...ainda estamos em grande
perigo, e a Itália não pode ir ao mercado para pedir dinheiro com o nosso nível de
débito público”. Il Corriere della Sera (Pg.15 – Il 9 giugno 2012).
7. «...che cosa ci va a fare Berlusconi a Bruxelles? A farsi umiliare?» // “...o que
Berlusconi vai fazer em Bruxelas? Ser humilhado? Il Corriere della Sera (Pg. 3 – Il 26
ottobre 2011).
8. «Fedele Confalonieri, amico di una vita, settimanalmente va a trovarlo a palazzo
Grazioli» // “Fedele Confalonieri, amigo de uma vida, semanalmente, vai encontrálo
no Palazzo Grazioli”. Il Corriere della Sera (Pg. 1/3 – Il 28 novembre 2009).
9. «Io è dal 1990 che vado a cantare in Giappone, ci sono abituato...» // “Eu, desde
1990 vou cantar no Japão, estou acostumado...”. Il Corriere della Sera (Pg. 15 – Il 27
marzo 2011).
10. «Vi andate a cacciare nell' inferno» // “Vão buscar no inferno” Il Corriere della
Sera (Pg.16 – Il 13 luglio 2011).
94
11. «...Se vai ai mercati a mostrare quella di Vasto, la gente non sa neppure di che cosa
stai parlando». // “...Se vai aos mercados para mostrar aquela de Vasto, as pessoas não
saberão nem mesmo do que se está falando”. La Repubblica (10 maggio 2012).
Os exemplos evidenciados acima apresentam locativos interpostos ou não na
construção, o que segundo pressupostos dos estudos de Amenta e Strudsholm (2002) e
Bertinetto (1991), fariam emergir o significado lexical do verbo andare. É evidente,
então, que os estudos descritivistas italianos rejeitam estes casos como verdadeiras
construções perifrásicas, sendo consideradas apenas locuções.
Em um paralelo com os estudos realizados por Lima (2001), esse é um caso
clássico das atestações do século XI e XII na língua portuguesa, em que ainda era
evidente o sentido de movimento nesse tipo de construção. Trata-se de ir fisicamente a
um lugar com a finalidade de realizar uma ação, estando o traço intenção igualmente
presente na expressão do enunciado. Essas orações estão semanticamente em um nível
muito próximo daquele observado nas atestações iniciais dessa estrutura no português,
sendo um sinal de que, provavelmente, o processo de Gramaticalização no italiano
manteve esses mesmos padrões, enquanto que no português, os usos expandiram-se para
novos contextos. No início das atestações dessa estrutura no português, as orações
infinitivas que seguiam o verbo ir tinham natureza final, coincidindo com o que
podemos evidenciar nos casos de usos contemporâneos dos corpora em estudo.
Lima (2001) afirma que desde os primórdios da língua portuguesa até o século
XVI, é evidente que na construção ir + verbo infinitivo, o verbo no infinitivo era
predominantemente um verbo de ação, e isso se explica facilmente pelo fato de ir ser
utilizado nessa altura como verbo de movimento, com sujeito humano, seguido de
oração de caráter final, sendo o paradigma semântico expresso como:
95
Alguém (sujeito) + ir fisicamente a um local (o que pressupõe movimento) +
intenção de realizar algo.
Escassamente, nas primeiras atestações do português foi possível encontrar o
verbo ir seguido de um verbo de estado. E no italiano atual, é possível notar através do
estudo dos corpora, que há total ausência desse tipo de construção na atualidade,
confirmando as evidências expressas abaixo.
Maiden e Robustelli (2000: 209) afirmam que a construção para a expressão de
um significado futuro é considerado excluído em italiano, e também há a
impossibilidade de andare ser conjugado junto a um verbo de estado:
13
“English has an alternative future form consisting of « be
going to + verb » (e.g., « I’m going to stay here in bed »). No
exact equivalent exists in Italian (unlike, for example, French
Je vais rester ici au lit and Spanish Voy a quedarme aquí en
la cama). An Italian sentence such as Vado a restare qui a
letto is practically nonsence, since vado, a verb of motion, is
incombatible with the immobility of « staying in bed ».
Where andare a + infinitive is use, it indicates actual
motion : Vado a comprare il giornale [...]. Maiden e
Robustelli (2000 : 290)
13
“O inglês possui uma forma alternativa futura tal como “be going to + verbo” (ex. “I’m going to stay
here in bed”). Uma construção similar não consta no italiano como se percebe em francês (Je vais rester
ici au lit) e no espanhol (Voy a quedarme aquí en la cama). Uma sentença italiana como Vado a restare
qui a letto não faz sentido, visto que vado, um verbo de movimento, é incompatível com a imobilidade de
“permanecer na cama”. Uma sentença tal como: Vado a comprare il giornale [...] em seu uso habitual
indica um movimento para concretizar uma ação.”
96
5.2.1.2. PRONOMES CLÍTICOS
Os estudos de Amenta (2002) sobre a presença dos clíticos nas diversas variantes
do italiano demostram que há uma imparcialidade no que concerne à posição
pronominal no italiano. Segundo pesquisa realizada pela autora, há uma tendência
prevalente à ênclise nas variantes regionais meridionais, enquanto que nas variantes
setentrionais, a próclise é mais frequente, e ainda na Sicília, foram encontradas
atestações exclusivamente proclíticas. Considerando que os dados dos corpora desse
estudo – transcrições de discursos de potíticos – não apresentam uma variante
linguística delimitada, abrangendo desse modo todo o terrítorio italiano, é possível
concluir que a posição do pronome resulta, de fato, facultativa: a unidade da construção
pode ser considerada apenas como tendencial, não sendo fruto, portanto, de uma
reanálise. Com base na análise dos dados, foram encontradas 21 atestações de usos
enclíticos, enquanto que os usos proclíticos foram numericamente inferiores, com
apenas 10 atestações. Porém, não é lícito afirmar a preferência pela ênclise de um modo
geral.
Exemplos de usos enclíticos encontrados nos corpora:
12. «...adesso vado a godermi il Milan.» // “...agora eu vou desfrutar do Milan”. Il
Corriere della Sera (Pg. 6 – Il 26 febbraio 2012)
13. «Figurarsi se vado a raccontarlo a lei». // “Imagine se vou contar isso a ela.” La
Repubblica (12 ottobre 2010).
14. «Ma ciò che adesso balza all' occhio è che questa storia dei 300.000 euro da
Berlusconi a Mora non può essere la stessa, e neppure quella dei 2 milioni e 450.000
97
euro, ma va a sommarsi ad essa.» // “Mas o que agora chama a atenção é que essa
história dos 300.000 euros de Berlusconi a Mora não pode ser a mesma, e nem mesmo
aquela dos 2 milhões e 450.000 euros, mas vai somar-se a essa”. Il Corriere della Sera
(Pg. 21 – Il 17 marzo 2011)
Exemplos de usos proclíticos encontrados nos corpora:
15. «Ho parlato con qualche deputato, eh... va buono, ci vado a parlare lunedì.» //
“Falei com alguns deputados, ... está certo, vou falar com eles na segunda”. Il Corriere
della Sera (Pg. 17 – L’11 luglio 2010).
16. «A chi lo va a trovare confessa la grande difficoltà di dover agire in un partito nel
quale, se si è mai riconosciuto,...» // “Quem vai encontrá-lo, confessa a grande
dificuldade de ter de agir em um partido em que nunca se é reconhecido, ...”. Il Corriere
della Sera (Pg. 13 – Il 7 giugno 2012).
17. «Sono 300 milioni, che si vanno a aggiungere ai 100 milioni stanziati dalla Legge
di stabilità.» // “São 300 milhões que vão se somar aos 100 milhões destinados pela Lei
de estabilidade. Il Corriere della Sera (Pg. 14 – Il 17 febbraio 2011).
18. «Io, al di fuori della Lega, i voti li vado a prendere ovunque, anche nel Pdl». // “Eu, de
fora da Lega, os votos, os vou buscar em todos os lugares, inclusive no Pdl”.
Repubblica (23 marzo 2010).
98
La
5.2.1.3. NEGAÇÃO
Em combinação com outro verbo, o verbo andare, na construção em questão,
perde a possibilidade de ser negado separadamente. Estas atestações induzem a uma
leitura unitária da construção, a partir do momento que não apenas o verbo andare é
negado, mas a construção como um todo. A literatura linguística italiana nega atestações
de perífrases resolutivas negativas, presente inclusive em Amenta (2002), e isso ocorre
muito provavelmente pelo fato de ser pragmaticamente pouco possível negar uma ação
iminente, ou da qual se deseja pontuar o alcance final.
19. «Questa figura, che ad oggi manca, sarà complementare a quella del liutaio, non va
a sostituirsi, darà un supporto scientifico per ottenere il massimo.» // “Esse personagem
que hoje falta, será complementar àquela do fabricante, não vai ser substituída, dará um
suporte científico para obter o máximo. Il Corriere della Sera (Pg.16 – Il 22 maggio
2012).
20. «Dopo tanti anni di esperienza sono in grado di capire, ma non vado a indagare.» //
“Após tantos anos de experiência não sou capaz de compreender, mas não vou
questionar.” Il Corriere della Sera (Pg.23 – Il 26 maggio 2012).
21. «Domani lo farà se non andiamo a prenderla». // “Amanhã o fará, caso não
formos buscá-la”. Il Corriere della Sera (Pg. 12/13 – Il 27 ottobre 2011).
22. «Vado ad autodenunciarmi a una caserma dei Carabinieri perché con il decreto
approvato ieri notte è stata istituzionalizzata per legge l'illegalità». // “Vou
autodenunciar-me a um quartel da Polícia pois, com o decreto aprovado ontem à noite,
99
foi institucionalizada por lei a ilegalidade”. La Repubblica (10 luglio 2012).
5.2.1.4. ANIMACIDADE DO SUJEITO
Um dentre os principais critérios de identificação de uma perífrase é a integração
semântica dos constituintes consequente ao grau de dessemantização do modificador.
No italiano, no entanto, a perífrase com o infinitivo é estrutura menos gramaticalizada
dentre aquelas com o verbo andare. De acordo com Bertinetto (1991), a construção
mantém uma transparência semântica a partir do significado lexical do verbo andare,
que é complementado com a posposição de verbos principais no infinitivo, cujo
significado pressupõe um deslocamento no espaço. Esses fatores são confirmados nos
estudos de Amenta (2002), que demonstram através de atestações do italiano antigo,
que há uma grande superioridade dos casos em que o verbo ir vem seguido de verbos de
movimento no espaço e de conotação processual.
Tabela 4: Sujeitos animados e inanimados
ANDARE A + INFINITO
Contagem numérica
Percentual de casos
Sujeitos animados
124
87%
Sujeitos inanimados
18
13%
O presente estudo não buscará privilegiar dados de variantes do italiano que
mantém, hoje, um certo status de autonomia, e por assim dizer, de autênticas línguas
dotadas de gramática e literatura próprias, como é o caso do siciliano e do sardo,
dialetos
que embora
compreensíveis,
mantém variáveis
que as
distanciam
sensivelmente. Por tal motivo, embora haja casos interessantes como é o do siciliano,
que mantém características morfossintáticas pertinentes ao estatuto perifrástico de iri a
100
+ inf. correspondente a andare a + inf. muito próximas às estruturas do português e do
espanhol, as mesmas não serão aqui abordadas por motivos metodológicos. No entanto,
é interessante mostrar um exemplo do siciliano, em que podemos notar que os verbos
que formam a perífrase dividem o mesmo significado de direção espacial diferindo na
perspectiva que é assumida pelo locutor na localização do processo:
14
Et standu accussì, vai a viniri Deyphebe, la figlia di Glaucu, sacerdotissa, et dissi ad
Eneas kisti paroli (Ene., VI, 100, 1).
[E stando così, va a venire Deifebe, la figlia di glauco, sacerdotessa, e disse a Enea
queste parole].
Algumas atestações mostram um certo enfraquecimento dos traços semânticos do
verbo modificador, como confirma a presença, no siciliano, de atestações em que o
mesmo verbo ocorre também como principal no infinitivo. Caso o verbo andare
mantivesse seu significado lexical, haveria uma evidente redundância semântica e a
frase seria agramatical.
15
Tutti vannu ad andari adossu di li inimichi (Conq., 56, 1).
[*Tutti vanno a andare adosso ai nemici].
Nos corpora dessa pesquisa, há ausência absoluta de casos em que o verbo
principal seja o mesmo que o modificador. Isso demonstra que no italiano
contemporâneo, o verbo modificador não sofreu uma total dessemantização. Os traços
semânticos do verbo ainda permanecem vívidos, mantendo-se assim os traços
movimento e intenção como nos exemplos abaixo:
14
Exemplo tirado do Corpora do Siciliano antigo, de Luisa Amenta e Erling Strudsholm, pg, 23 in
Cuadernos de Filología Italiana. Vol. 9 (2002):11-29.
15
Exemplo tirado do Corpora do Siciliano antigo, de Luisa Amenta e Erling Strudsholm, pg, 23 in
Cuadernos de Filología Italiana. Vol. 9 (2002):11-29.
101
23. «Io non sono d' accordo sui bombardamenti, gli americani, se vogliono bombardare,
facciano loro anche perché dobbiamo pensare che se andiamo a bombardare poi
dobbiamo ricostruire.» // “Eu não estou de acordo sobre os bombardeamentos, os
americanos, se querem bombardear, que o façam, até porque devemos pensar que se
formos bombardear, depois deveremos reconstruir”. Il Corriere della Sera (Pg. 5 – Il
27 aprile 2011).
24. «Io dico che non è possibile, e vado a cercare il danno che avrei provocato.» // “Eu
digo que não é possível, e vou buscar o dano que provoquei”. Il Corriere della Sera
(Pg.1 – Il 25 giugno 2012).
25. «Il nostro obiettivo è che l' Italia diventi una Repubblica Federale. Punto. Se poi uno
va a dormire con un uomo o con una donna, questo influisce poco con il federalismo.»
// “O nosso objetivo é que a Itália se torne uma República Federal. Ponto. Se a partir
disso alguém vai dormir com um homem ou com uma mulher, é algo que não tem a ver
com o federalismo.” Il Corriere della Sera (Pg. 5 – Il 31 agosto 2009).
Essas construções são consideradas no italiano como locuções, em alguns casos,
lexicalizadas como andare a cercare, andare a prendere, andare a trovare, andare a
dormire, segundo Bertinetto (1991), em que os dois verbos presentes na construção
mantém seus significados lexicais por uma contiguidade espaço-temporal das duas
ações. Nesses casos, o verbo andare não está dessemantizado, e por consequência, é
compatível apenas com sujeitos animados e mantém a possibilidade de reger
argumentos próprios (como exemplo determinações espaciais). Essa construção mantém
102
a possibilidade de ser conjugada sem restrições de tempos e de modos, inclusive no
imperativo, e não pode ser substituída pela correspondente forma sintética, visto que o
traço pertinente ao movimento no espaço e a focalização do instante que antecede a
ação não podem ser omitidos.
Bertinetto (1991, 1993) cunha o termo perifrasi risolutiva, que veicula a ideia da
ausência do traço movimento. A construção, então, se caracterizaria pela expressão de
um sentido unitário, em que a ideia de movimento se deslocaria para o plano do alcance
final, ou de realização da ação.
Na noção de perifrasi risolutiva, ou, perífrase resolutiva (no português) de
Bertinetto, o verbo andare apresenta sinais de dessemantização, e está sujeito a um
processo de decategorização, como é possível notar pela abertura dos usos a sujeitos
inanimados e pela possibilidade de vir acompanhado de verbos que pertencem à mesma
esfera semântica. Esse uso, no entanto, apresenta algumas restrições sintáticas, tais
como a rara possibilidade de interposição de outros elementos lexicais (exceto
advérbios temporais) e a exclusão do imperativo. Essas restrições também constam na
literatura linguística do português pertinente a essas construções perifrásticas.
Nos exemplos abaixo, retirados dos corpora de análise, nota-se a presença dessas
construções com uma noção de resolutividade:
26. «Questa manovra è iniqua perché colpisce chi ha un reddito fisso e i pensionati. È
recessiva perché prevede soltanto aumenti di pressione fiscale, anche odiosi come
quello sulla prima casa, che vanno a colpire il ceto medio...». // “Essa manobra é
iníqua, pois atinge quem possui uma renda fixa e os aposentados. É recessiva, pois
prevê apenas aumentos de pressão fiscal, também intoleráveis como àqueles sobre a
primeira casa, que vão atingir a classe média...”. Il Corriere della Sera (Pg. 21 – Il 5
dicembre 2011).
103
27. «Ed è inutile andare a riesumare la preistoria, i mesi della formazione del primo
governo Berlusconi...» . // “É inútil resumir a pré-história, os meses de formação do
primeiro governo de Berlusconi...”. Il Corriere della Sera (Pg. 8 – Il 9 novembre
2011).
28. «Oggi a Roma con la riunione dei gruppi dirigenti delle confederazioni dell'
artigianato e del commercio inizia la volata finale dell' «Operazione Capranica». Va a
sparigliare gli stanchi meccanismi della concertazione triangolare e va a ridisegnare
anche i rapporti tra economia e politica...». // “Hoje, em Roma, com a reunião dos
grupos dirigentes das Confederações de Artesanato e do Comércio, se inicia a rodada
final da “Operação Capranica”. Vai separar os velhos mecanismos da manobra
triangular, e também, vai reformular as relações entre a economia e a política”. Il
Corriere della Sera (Pg. 13 – Il 27 aprile 2010).
Segundo Lima (2001), no português, o estágio de Gramaticalização já percorreu
as quatro fases listadas a seguir:
(a) Fase de incremento dos casos de ocorrência de ir com sujeito não-humano.
(b) Fase de incremento dos casos de ocorrência de ir não envolvendo movimento.
(c) Fase em que a construção passa a ser utilizada na voz passiva.
(d) Fase em que há a expansão da classe dos verbos passíveis de ocorrer após ir, de
verbos de ação para verbos de evento, até a extensão a verbos de estado.
De acordo com as fases mencionadas acima, segundo o que Lima (2001)
convencionou como as etapas progressivas do processo de Gramaticalização de ir +
104
infinitivo, as perífrases resolutivas do italiano seriam construções que já avançaram as
primeiras três etapas do processo, ou seja, (a) seus sujeitos deixaram de ser humanos, e
isso pressupõe ausência do traço intenção, já que não há um sujeito físico dotado de
intencionalidade para concretizar a ação. Isso acarretaria, segundo o autor, a
consequente promoção dos traços que podem, ou não, continuar presentes, ou seja,
movimento e futuro. A ausência de um sujeito humano implica que estamos diante de
um uso metafórico de andare, segundo os casos acima. Podemos prever ainda que o
traço movimento está excluído, devido ao fato de que se tratam, nesses exemplos, de
entidades não passíveis de movimento perceptível, ou seja, corresponderia à fase (b) do
processo. Portanto, a presença de um traço futuro em andare a + infinito, e a percepção
de Bertinetto (1991) de resolutividade, ou seja, da conclusão da ação, seriam as duas
únicas possibilidades viáveis para explicar o fenômeno do qual estamos diante no
italiano.
De acordo com os exemplos em análise, podemos afirmar ainda que as
construções também alcançaram o estágio em que passam a ser utilizadas na voz
passiva (c). Nessa etapa, são evidentes os indícios de aprofundamento do processo de
Gramaticalização, e a justificativa é de ordem semântico-pragmática. Sob tal ponto de
vista semântico, é indiscutível que, nesse caso particular, a forma passiva implica
também na demoção do traço intenção. O emprego da passiva sugere que, a estar
presente uma intenção, ela estaria alheia ao sujeito expresso. Nesse caso, segundo Lima
(2001), o traço futuro teria maior saliência sobre todos os outros possíveis. A fase (d),
que remete à expansão do repertório de verbos infinitivos que podem ocorrer na
construção perifrástica que passa a englobar, também, verbos de estado, é, talvez, a
única etapa que ainda não se apresenta evidente na língua, tanto no que concerne a
literatura linguística, segundo o que fora supracitado em Maiden e Robustelli (2000:
105
209), como nas evidências dos corpora, nos quais há ausência de construções com
verbos de movimento.
Os estudos em língua italiana descartam a hipótese de que a perífrase resolutiva
possa expressar a noção de futuro, ainda que apresentem a mesma estrutura formal
daquelas decorrentes em outras línguas neolatinas como no português, no espanhol e no
francês.
Squartini (1998) trata do uso de andar a + infinito em galego, ir (a) + infinitivo
no português e no espanhol, em que a perífrase tem conotação tanto para expressão de
um significado aspectual durativo, como para a expressão de uma ideia de futuro.
Maiden e Robustelli (2000) afirmam que tanto a construção no francês, quanto no
espanhol expressam formas analíticas de um futuro próximo.
Amenta (2002: 25) afirma: "No italiano, ao invés, a construção é privada da
acepção de futuridade. E o verbo andare não sofreu a partir da ideia espacial de
movimento nenhum deslize semântico para o plano da temporalidade”. Ou seja,
descarta-se a hipótese de projeção metafórica do espaço no tempo dos casos com o
verbo andare.
Essa privação de sentido futural, segundo alguns estudos, como Sornicola (1976)
e Durante (1982), pode ser consequência de um processo de Gramaticalização
interrompida decorrente de intervenções, na língua, do movimento Purista, ocorrido no
século XIX junto às políticas linguísticas de promoção e afirmação do italiano como
língua nacional. Esse fenômeno pode ter sido responsável por bloquear uma possível
etapa de Gramaticalização da construção como expressão de futuro analítico como é
evidenciado em línguas neolatinas próximas.
Tomando novamente como referência a transformação sofrida pelo verbo de ação
to go (ir) para expressar tempo futuro no inglês, Heine et al. (1991; 46) mostram
106
algumas
das
propriedades
de
um
processo
metafórico
envolvido
na
sua
Gramaticalização:
(a) envolve um significado reconhecido como “literal” e outro que é o “transferido” ou
“metafórico”;
(b) envolve transferência ou projeção de um domínio conceitual (espaço) em termos de
outro (tempo dêitico);
(c) aparentemente envolve violação de regras e anomalias, como o caso de um verbo de
movimento, que tipicamente requer um sujeito humano, vir a coocorrer com sujeito
inanimado;
(d) envolve conceitos que se associam ao mundo humano para referir-se a conceitos
inanimados;
(e) em contextos específicos, a expressão metafórica pode também ser entendida no
sentido literal, não transferido, o que resulta em ambiguidade, principalmente
homonímica.
Todos esses processos metafóricos, sem excessão, incidiram sobre a estrutura
perifrástica em estudo, ou seja, andare a + infinito, segundo os casos analisados nos
corpora. E o que se observa na atualidade num processo de transferência linguística L1
para L2 é justamente essa ambiguidade semântica, tomando como base que o processo
de Gramaticalização é variável e assimétrico.
No capítulo 3, que aborda o tratamento da perífrase andare a + infinito na
literatura linguística italiana, Bertinetto (1991, 1993) trata o tema das perífrases e seus
níveis de perifrasticidade como um fenômeno escalar, ou seja, cada estrutura,
considerando as assimetrias do processo de Gramaticalização, apresentaria um grau ou
nível que varia em uma escala de (+) gramaticalizada a (–) gramaticalizada, tal como
evidenciado por Heine (1991), quando trata da Gramaticalização como um fenômeno
107
escalar, que pode em uma linha sincrônica apresentar um item (lexical / gramatical) em
diversos níveis de gramaticalidade.
Lima (2001), em seu estudo sobre a gênese de ir + infinitivo no português, afirma
que o comportamento de ir como auxiliar de futuro não difere substancialmente do seu
comportamento enquanto verbo pleno, e que no português, a construção em questão não
conheceu ainda um incremento apreciável de coesão sintagmática ou bondedness, o que
se revela na possibilidade de intercalação, entre a forma finita de ir e o verbo no
infinitivo, de outros elementos frásicos como foram abordados acima. Bertinetto (1991,
1993) afirma que quanto maior a interposição de material frásico entre os elementos
constituintes da perífrase, menor é seu grau de coesão sintagmática e, portanto, de
perifrasticidade.
Nos exemplos dos corpora da pesquisa foram evidenciados inúmeros casos em
que há a interposição de outro material frásico na perífrase, o que, de fato, destitui seu
estatuto unitário de uma autêntica construção perifrástica. Lima (2001) também
menciona essa impossibilidade de intercalação de outros materiais na construção no
português, segundo regras gerais da língua.
5.3. DISTRIBUIÇÃO GERAL DOS DADOS DOS CORPORA E OS GRAUS DE
PERIFRASTICIDADE DA PERÍFRASE ANDARE A + INFINITO
Bertinetto (1991) e Amenta (2002) constatam a existência, no italiano, de três
padrões de uso da estrutura andare a + infinito que se sobrepõem numa linha
sincrônica, e que se distinguem significativamente:
1.andare (uso lexical)
2.andare (uso em perífrases resolutivas)
3.sintagma polirematico (construção lexical com andare)
108
Tabela 5: Traços semânticos de andare
TRAÇO SEMÂNTICO ( + / - )
1
+
2
-
3
-
A tabela acima foi elaborada segundo o estudo dos dados dos corpora de estudo da pesquisa sobre a perífrase verbal andare a +
infinito em italiano.
Considerando o primeiro caso, não se trata de um uso perifrástico, segundo
Amenta (2002), visto que o verbo andare não sofreu dessemantização, e como
conseqüência, é compatível apenas com sujeitos animados, e mantém a possibilidade de
reger argumentos próprios (por exemplo, determinações espaciais). A locução que é
formada pela junção desses dois verbos pode ser conjugada sem restrições de tempos e
modos, compreendendo também o imperativo. Não há possibilidade, no entanto, de
substituição pela forma sintética correspondente, pois os traços relativos ao
deslocamento + ou - real no espaço e aquele relativo à focalização do instante anterior
à realização da ação não podem ser omitidos.
Abaixo estão evidenciados alguns exemplos dos corpora:
29. «Non so se sia normale che i capannoni crollino così. Ma certo vedere morto uno
che va a lavorare è una cosa che turba profondamente,... » // “Não sei se é comum que
os galpões desmoronem dessa forma. Mas é claro que ver morrer alguém que vai
trabalhar, é algo que incomoda profundamente,...” Il Corriere della Sera (Pg.6 – Il 30
maggio 2012)
109
30. «Spero di farcela, ma se non vado a votare non sarà per motivi ideologici» //
“Espero realizar isso, mas se não vou votar, certamente não é por motivos ideológicos”
Il Corriere della Sera (Pg.1 – Il 7 giugno 2011)
O segundo caso corresponde às perífrases resolutivas conforme a acepção de
Bertinetto, em que o verbo andare é dessemantizado (1˚ mecanismo de
Gramaticalização de Heine (1991)), e é também sujeito ao processo de decategorização
(2˚ mecanismo de Gramaticalização de Heine (1991)). Esse segundo processo explica a
possibilidade de ocorrência de sujeitos inanimados e também a possibilidade de
utilização de verbos que pertencem à mesma esfera semântica. No entanto, a construção
apresenta algumas restrições sintáticas, tais como a rara possibilidade de interposição de
outro material lexical (como advérbios temporais) e a exclusão do imperativo.
Abaixo estão exemplificados casos de perífrases resolutivas retiradas dos corpora
de estudo:
31. «Semplificando, sono due gli elementi che vanno a formare la tariffa: l' inflazione
programmata e gli investimenti effettuati.» // Simplificando, são dois os elementos que
vão formar a tarifa: a inflação programada e os investimentos realizados. Il Corriere
della Sera (Pg.5 – Il 29 dicembre 2011)
32. «Ma ciò che adesso balza all' occhio è che questa storia dei 300.000 euro da
Berlusconi a Mora non può essere la stessa, e neppure inGramaticalização quella dei 2
milioni e 450.000 euro, ma va a sommarsi ad essa.» // Mas aquilo que salta aos olhos
agora é que essa história dos 300.000 euros de Berlusconi a Mora não pode ser a
110
mesma, e nem mesmo tem ligação com aquela dos 2 milhões e 450.000 euros, mas vão
somar-se a essa.” Il Corriere della Sera (Pg.21 – Il 17 marzo 2011).
No caso dos sintagmas polirematicos, o verbo andare, tem seu significado
alterado no uso, tendo em vista a influência do verbo que o acompanha. Essas estruturas
são formas lexicalizadas, sendo possível, portanto, a substituição do significado de toda
a expressão por uma forma sintética, de sentido correspondente, fator que as distinguem
das locuções verbais, apresentadas aqui como o primeiro caso.
Exemplo de forma lexicalizada retirada dos corpora:
33. «Che cosa vai a fare con gente che coi valori cattolici c' entra ben poco?» // “Como
vai lidar com gente que não compartilha dos valores católicos.” Il 28 novembre 2010
(Pg.9 – Il 28 novembre 2010)
O gráfico abaixo sobre o grau de perifrasticidade evidencia a divisão percentual
das construções analizadas nos corpora de discursos de políticos das mídias on-line,
levando em conta um total de 142 exemplos:
Gráfico 2: Graus de perifrasticidade
Grau de Perifrasticidade
4%
19%
Perifrasi Risolutiva
Andare (lexical)
77%
Construções
lexicalizadas
O gráfico apresentado acima foi elaborado segundo os resultados obtidos pelo estudo dos corpora da fala de políticos nas mídias
jornalísticas italianas on-line Il Corriere della Sera e La Repubblica.
111
Gráfico 3: Interposição de outros constituintes na perífrase
O gráfico a seguir mostra os resultados do estudo em que se investigam propriedades
das construções nos corpora que foram analisados:
8%
Ordem fixa dos
elementos
7%
85%
Interposição de outro
material
posição proclítica dos
pronomes
O gráfico apresentado acima foi elaborado segundo os resultados obtidos pelo estudo dos corpora da fala o de políticos nas mídias
jornalísticas italianas on-line Il Corriere della Sera e La Repubblica.
Tabela 6: Distribuição Geral dos Dados
A partir de um total de 142 perífrases, distribuem-se os seguintes casos, considerando
que sujeitos animados e inanimados foram contabilizados à parte:
ANDARE A +
Contagem numérica
Percentual de casos
98
69%
10
7%
10
7%
21
15%
3
2%
INFINITO
Ordem fixa dos elementos
sem a presença de outros
materiais
Interposição de outros
elementos
Posição proclítica dos
pronomes
Posição enclítica dos
pronomes
Negativas
112
Tabela 7: Distribuição das perífrases nos corpora de análise
Corriere.it (Il Corriere della Sera)
120 ocorrências
Repubblica.it (La Repubblica)
22 ocorrências
A partir da tabela acima evidencia-se que os dados referente à mídia on-line
corriere.it é quantitativamente superior aos dados da mídia referente aos dados
investigados no repubblica.it. Em princípio, essa distinção numérica não pode ser
justificada por uma diferença estilística das duas mídias referente à própria forma de
organização textual. Em ambas as mídias é notável a transcrição da fala dos políticos,
diretamente ou indiretamente.
O fator que influi para essa superioridade de ocorrência de dados no corriere.it
concerne à investigação prévia do mesmo. A pesquisa se iniciou com a investigação dos
dados apenas no corriere.it, tendo posteriormente sido ampliado o recolhimento de
dados na mídia repubblica.it.
A ocorrência frequente dessa estrutura nos corpora investigados supõe que essa
estrutura ganha destaque na língua italiana, tanto na fala dos políticos quanto na fala de
outras classes ou castas sociais. O escopo dessa pesquisa foi o de mostrar que um
fenômeno presente na fala pode possuir diversos níveis ou graus de gramaticalidade,
ainda que os mesmos não sejam à primeira vista claramente perceptíveis aos falantes.
Esses diversos níveis ou graus de gramaticalidade apontam justamente para as
mudanças na língua que são lentas e graduais sendo, de certo modo, melhor
compreendidas quando analisadas e reveladas comparativamente, porém, de fora do
sistema. As análises comparativas que foram feitas a partir da mesma estrutura
perifrástica na língua portuguesa justificam essa possibilidade de aplicar um método que
foi verificado em um sistema anteriormente em um outro, nesse caso, na língua italiana.
113
6. CONCLUSÃO
Considerando a trajetória da construção andare a + infinitivo, em breve relato
nesse estudo, chega-se à conclusão de que sua Gramaticalização ocorre como um
processo contínuo. As considerações prévias realizadas por esse estudo com base em
Heine (1991, 1993), Bertinetto (1991, 1993, 2003), Amenta (2002), Bybee (2010),
Hopper & Traugott (2003) et alii demonstraram o fenômeno de Gramaticalização como
um continuum, observado em sincronia. Através desse continuum é possível notar que
uma mesma estrutura pode obter usos diversos a depender do contexto.
Por meio de um breve estudo da estrutura ir + infinitivo no português, foi possível
concluir que a estrutura atingiu um estágio de Gramaticalização no qual o verbo auxiliar
ou modificador encontra-se dessemantizado, sendo impossível, então, considerar o
significado disassociado de cada um dos componentes da estrutura, que só faz sentido
como uma unidade. O padrão representacional da estrutura verte para a expressão de
futuro na atualidade, em concorrência com o futuro simples do indicativo e o presente
do indicativo. No italiano, através dos estudos realizados, foi possível concluir que a
estrutura andare a + infinito apresenta diversos graus de perifrasticidade, desde os casos
em que o verbo andare apresenta seu sentido pleno na estrutura, ou seja, não
dessemantizado, passando pelos casos em que se apresenta como formador de uma
estrutura lexicalizada, até um padrão mais próximo do português, quando o verbo já
dessemantizado, é utilizado na estrutura com sujeito inanimado e há ausência do traço
movimento, as chamadas perífrases resolutivas. Como fora já exposto, as gramáticas
italianas e até mesmo os estudos descritivistas mais recentes omitem que essa estrutura
perifrástica possa verter para a expressão de um futuro próximo.
Ainda que a forma seja regularmente atestada tanto nos textos antigos quanto nos
modernos, a menor atenção que lhe é atribuída seria sugerida pelo fato de ser
114
evidenciada como a menos estável quando comparada com aquelas com o gerúndio e
com o particípio passado em termos de organicidade sintática e semântica. A um certo
ponto questiona-se inclusive a licitude de se tratar de uma construção perifrásica
unitária, tendo se direcionado para um processo de Gramaticalização, ou se é
questionável considerá-la como um caso de Gramaticalização interrompida.
Levando em conta seu caráter histórico, político e social, o italiano é uma língua
que apresentou algumas distinções básicas em relação ao português, espanhol e francês,
devido ao fato de ter sido oficializada como língua nacional tardiamente, apenas no
século XIX, de ter convivido ao longo da história com uma ampla variedade de dialetos
num mesmo espaço geográfico desde tempos remotos, de ter sido imposta como língua
de prestígio – o dialeto Fiorentino – levando em consideração fatores políticos e de ter
sido ao longo de muitos séculos, até o momento de unificação da Itália, uma língua
elitizada, conhecida por poucos, cerca de aproximadamente 10% da população da
península, restrita a um uso extremamente formal e voltado para a escrita, em
detrimento da fala, tendo consequentemente, um índice de analfabetismo que beirava
aproximadamente 90% da população já no final do século XIX, segundo De Mauro
(1993).
Todos esses fatores em convergência, talvez, tenham provocado um processo de
atraso em relação às mudanças que ocorreram naturalmente em outras línguas
neolatinas aqui abordadas, em particular o uso de andare a + infinito. Essas evidências
são baseadas nos estudos de De Sanctis (1870), Bertinetto (1985-93), Migliorini (2001),
dentre outros. E não está excluída pela historiografia linguística italiana que essa
estrutura tenha sofrido uma interferência em seu desenvolvimento natural por
interferência do Purismo linguístico italiano do século XIX (800’), movimento que
influenciou de forma contundente a implementação do italiano como língua nacional,
115
moldando por meio de grandes intervenções formais, a língua escrita, buscando eximir
o uso de estrangeirismos.
O estudo da perífrase verbal em questão mostra que os fenômenos de mudança
linguística e de Gramaticalização ocorrem de forma variável nas diversas línguas. A
Gramaticalização é um fenômeno gradual e contínuo, que porém não está imune a
intervenções de outra natureza. E o caso do italiano, é um exemplo evidente nesse
processo.
E a partir dos pressupostos de Gramaticalização envolvidos no desenvolvimento
dessas estruturas e a ampliação da frequência de uso das mesmas, é que esse estudo
busca mostrar que andare a + infinito passa por uma mudança paradigmática, e que
podemos notar um continuum no processo de Gramaticalização descrito por Heine
(1991, 1993) num contexto (língua) em que há fluidez, ou seja, em que há a co-presença
de formas com significados distintos, que caberão em contextos igualmente distintos.
A despeito das considerações de muitos estudos linguísticos italianos analisados,
nos quais se nota uma veemência retórica de rejeição absoluta apontando para a
incompatibilidade com um traço de futuridade na construção andare a + infinito, o que
essa pesquisa comprova, de fato, é que na atualidade os padrões de uso estão em
constante mudança – o que pode ser comprovado pelos dados dos corpora analisados – ,
que mostram que essa estrutura pode estar vertendo para um novo parâmetro de uso, ou
seja, para a expressão de futuridade. Portanto, os critérios de distinção dessa estrutura
no italiano atual frente ao mesmo modelo em outras línguas, converge de um modelo
conservador ainda muito forte que confere à língua o status de uma Instituição. Ainda
não houve por parte da Literatura Linguística italiana uma reanálise dos parâmetros
vigentes atualmente na língua.
116
As trocas linguísticas por meio da velocidade intensa que se observa na
atualidade nas mídias, principalmente, aquelas on-line, certamente favorecem que
aconteça no italiano de hoje, um forte influxo linguístico, em vários níveis. E, de fato,
as perífrases verbais, que sempre estiveram presentes na língua são estruturas que
mudam paradigmaticamente, e já é possível notar nas mídias, um forte apelo ao uso da
forma andare a + infinito como uma forma de expressão de futuridade em substituição
ao futuro simples.
117
7. BIBLIOGRAFIA
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123
8. ANEXOS
ANEXO 1
TEXTOS NA ÍNTEGRA DOS CORPORA DE ANÁLISE DA PESQUISA
Esse anexo compreende a apresentação de alguns textos dos corpora na íntegra
visando a ilustração dos mesmos. A descrição da fonte após a apresentação dos
exemplos no texto dessa Dissertação busca mostrar a veracidade dos textos. Os textos
referentes aos corpora, em sua íntegra, estão presentes no disco multimídia que
acompanha essa Dissertação de Mestrado.
TEXTO 1:
124
TEXTO 2:
125
TEXTO 3:
TEXTO 4:
126
127
ANEXO 2
Forum Wordreference.com
Thread: andare a + verbo infinito
USUÁRIOS
MEMBROS
Tópico/ domanda
Francisgranada
Ciao e buona sera a tutti,
La mia domanda è se sia corretto usare il verbo andare per indicare un
futuro prossimo o per esprimere l’intenzione di far qualcosa (incluso i
casi quando di fatto non bisogna “spostarsi” fisicamente).
Contesto/Esempi:
Domani vado a comprar un libro
Domani vado ad alzarmi presto
Ora vado a dirti che non mi sento bene
Adesso vado a leggere un libro (senza allontanarmi dal mio posto)
Vado a cantarvi una bella canzone (rimango seduto, non vado ad alcuna
parte)
Andiamo a vedere cosa c’è scritto nel dizionario (senza far un passo)
Grazie in anticipo.
Senior member
Tópico / resposta
ElFrikiChino
Contesto/ Esempi:
Domani vado a comprar un libro (OK) (ma è un presente con valore di
futuro, e andare significa andare, non perde il suo significato per indicare
solo un’azione futura)
Andiamo a vedere cosa c’è scritto nel dizionario (OK)
Però non so la regola che ammette l’uso di andare in senso di futuro
nell’ultima frase. Pensandoci un attimo ti dico però che “andare a
vedere” è una costruzione piuttosto usata e spesso ha valore di futuro, ma
non sempre.
Senior member
Tópico / resposta
128
Olaszinho
Risposta: Tutte le frasi sono scorrette, però due o tre di esse possono
avere un senso compiuto in italiano, se si sottintende uno spostamento
fisico. Domani vado a comprare un libro: uscirò ed andrò in un negozio.
In italiano non esiste il verbo andare + infinito come in spagnolo,
portoghese o francese. Per indicare un’azione imminente puoi usare il
presente semplice, o la perifrasi stare per + infinito o il futuro semplice.
Domani andrò / vado al mercato.
Sto per andare a letto: fra poco ci andrò.
Purtroppo però, debbo ammettere, questa costruzione perifrastica sta
sempre più prendendo piede anche in Italia, frasi del tipo: andrò a fare,
vado a discutere, senza implicare nessuno spostamento, sono sempre più
diffuse, sebbene siano ancora considerate scorrette dalla grammatica
normativa. A me pare, tuttavia, che quest’uso o abuso sia piuttosto
recente.
Senior member
Tópico / resposta
Annapo
Bé, insomma. Prova a guardare una delle trasmissioni di cucina che in
Italia oggigiorno impazzano tanto o la previsione del tempo. Io ho
sentito continuamente usare espressioni del tipo:
“e adesso andiamo a preparare una panna acida per la guarnizione”
“andiamo a ricavare una montagna con la farina, in cui andiamo a
mettere le uova, il lievito e il sale”
“e ora andiamo ad esaminare la situazione delle massime e minime per la
giornata di domani”
La verità è che questa forma, benchè oggettivamente antipatica nella sua
ridondanza (in pratica, non andiamo a fare un bel niente, lo faciamo e
basta) è usatissima in questo mondo che manda in diretta le azioni e i
pensieri mentre si formano.
Inúmeros blogs e sites sobre estudos linguísticos debatem a autenticidade da
perífrase andare a + infinito com valor de futuro próximo no italiano, devido ao seu
elevado aumento quantitativo no uso, tanto na oralidade, quanto na escrita. O site da
internet www.wordreference.com é um fourm on-line muito utilizado por tradutores e
linguistas que mantém uma plataforma de debates em rede, que permite, a partir de
inscrição prévia, a criação de threads / tópicos de discussão de determinados
129
argumentos e dúvidas que são compartilhados entre outros usuários do site igualmente
cadastrados.
Nesse site, foi possível encontrar o argumento de estudo dessa Dissertação no
tópico andare a + verbo in infinito, no qual foi possível encontrar um debate produtivo
entre estudiosos, tradutores e anônimos sobre o comportamento dessa estrutura no
italiano atual, que, de certo modo, contribuiu para corroborar as conclusões que foram
alcançadas com essa pesquisa. Alguns tópicos retirados do
thread foram
disponibilizados acima.
A partir do debate na íntegra, conclui-se que o uso dessa estrutura, ainda que não
formalmente admitida para a expressão de futuro, está presente no uso diário dos
italianos, e é veiculada intensamente pela mídia. É irrefutável que os meios de
comunicação atuam na sociedade como um ditador de padrões, e provavelmente, a
velocidade dessa difusão está associada ao bombardeamento midiático, considerando a
força que a mídia televisiva apresenta na Itália.
ANEXO 3
Esse anexo é um cd que consta junto do texto com a compilação dos exemplos
dos corpora.
130
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