O NEOPLATONISMO O Império Romano, em declínio no século III, divide-se em Ocidente e Oriente. É nesse panorama de crise que surge o neoplatonismo, formulado por Plotino (205-270 d.C.), corrente que daria nova vitalidade à filosofia. O neoplatonismo de Plotino não visa uma retomada do platonismo. Ele, na verdade, evita o dualismo de Platão, retomando a exigência clássica da filosofia, a de buscar um único princípio para tudo o que existe. Plotino é também um novo alento à filosofia, numa época em que ela parecia definhar, de um lado, em afirmações dogmáticas, de cunho moralizante, sem demonstrações racionais, e de outro num ceticismo radical que de tudo duvida. Deus é inefável, indefinível, superior a todo modo particular de ser, não é quantidade, nem qualidade, nem intelecto nem alma, não é móvel nem imóvel, não está no espaço nem no tempo. Unidade informe, a tudo ele é anterior. Sendo inefável, não lhe cabe nome nem definição alguma. É incognoscível, mas como precisamos nomeá-lo, chamo-o Plotino de Uno, ou Bem. Na impossibilidade de falar do Uno, como inefável que é, só nos resta dizer o que ele não é, definindo-o pela negação. Nasce, assim, com Plotino, ainda que de maneira parcial, um tipo de reflexão teológica, depois difundida, a teologia negativa, ou seja, um logos a respeito de Deus, construído sobre definições pelo aspecto negativo. Esse Uno-Bem indefinível não realiza uma ação criadora em relação ao mundo, pois esse ato voluntário implicaria um “antes” e um “depois”, isto é, uma mudança íntima divina, o que constituiria, para Plotino, uma imperfeição. Em lugar da criação, dá-se o processo de emanação (ou processão – proodos), assim como a luz se expande em volta do corpo luminoso ou como o calor se difunde do corpo aquecido. Esse processo de emanação é também, inevitavelmente, um processo de degradação, de constante imperfeição, tal como a luz vai sempre se enfraquecendo à medida que se distancia de sua fonte. Todos os seres, então, enquanto imperfeitos, estão hierarquizados, tendendo sempre mais para a imperfeição, à medida que se afastam da sua nascente perfeita, absoluta, una. A primeira emanação do Uno é o Intelecto, o Nous, o Logos, concebido por Plotino da mesma forma em Fílon, como sede das idéias platônicas e no meio entre Deus e o mundo. O segundo grau da emanação é a Alma do mundo, realidade bivalente, bifacial, participante do Nous de um lado e do outro da realidade que ele dirige e governa. O Uno-Bem, o Nous e a Alma do mundo constituem, conjuntamente, o mundo inteligível, contraposto ao mundo sensível onde a matéria – elemento negativo – predomina, com sua ausência de realidade e de bondade. O último estádio da emanação é a matéria, escuridão que se inicia precisamente onde termina a irradiação da luz. A matéria é dominada e governada pela Alma do mundo, a qual, por seu turno, produz sua beleza e ordem. Cada alma em particular é parte dessa Alma do mundo que é, por si mesma, única e imultiplicável. O corpo continua a ser concebido como um túmulo, uma prisão da alma, que aspira libertar-se dele para se reencontrar com a Alma do mundo e desta voltar de novo para o princípio emanante, o Uno-Bem. Deve, portanto, o homem recomeçar o caminho inverso na direção da verdade original, por meio de virtude embasada, principalmente, na vitória do espírito sobre o corpo, na libertação das amarras dos sentidos, na purificação gradual da matéria. Mas essa purificação figura apenas como condição prévia, como dever mínimo: não se chega ao Uno só pela virtude, mas pelo caminho da arte (pitagóricos), do amor e da filosofia (Platão).