Martin Hirsc:h é professor do Grupo de Asttopartlrulas e Ffsial de Altas Energias no IFIC. um centro conjunto pam física de pan.icul.as da Uni~dade de Val@ncia edo Conselho Sup!ri<x"de Pesquisas Cief,uTlcas da Espanha. Heinrich Plls é professor da UnM!rsidade Técnica de Dortmund, M Alemanha The perlec;t wcM, seu livro sobre neullinos. está para sair pela HaJVard University Press. Werner Porod é professor da Universidade de WGrzburg, na Alemanha. oucos FÍSIcos TIVERAM o PRIVI LÉGIO DE TRAZER UMA NOVA PARTÍCULA ELEMENtar ao mundo. Quando Wolfgang Pauli concebeu o neutrino em 1930, sentimentos de dúvida temperaram sua resposta. "Fiz algo terrível'', confessaria ele mais tarde a colegas, "postulei uma partícula que não pode ser detectada." O neuttino é realmente elusivo - sua natureza f;mtasmagórica lhe pemlite transpor quase tDdas as barreiras físicas, incluindo o material que os físicos usam em seus detectores de prutfculas. Na verdade. a maioria dos neutrinos passa tranquilamente através da Tena sem nem mesmo resvalar em outra partícula. Mas os temores de Pauli foram tun pouoo exagerados: o neutrino pode ser detectado, embora isso requeira esforço e engenho experimentais. Neutrinos são as pattículas fundamentais mais exóticas em outros aspectos também. Não formam átomos e não t.êm relação com a química. São as únicas partículas de matéria eletricamente neutras. Extremamente leves - menos de um milionésimo da massa da segunda mais leve prutfcuJaconstitutiva da matéria, o elétron. mais que as outras partículas, sofrem metamorfose; mutam entre tres variedades, ou "sabores': Essas minúsculas partículas mantêm flSicos em espanto hã mais de 80 anos. Ainda hoje~ questões fundamentais sobre o neutJino pe1maneccm sem resposta: hâ apenas três sabores de ncutri nos, ou existem mais? Por que todos os neutrinos são tão leves? Neut:Iinos são suas p1'6prias contrapartes de anti matéria? Por que os ncutrinos mudrun de personalidade com tanto entusiasmo? O neutrino é a espécie mais estranha de partkula fun- damental Nootrinos parecem desaf~ar todos os prece· dentes estabelecidos pelas variedades de partkulas mais bem compreendidas, como elétrons equarks. leves, mutáveiseextremanentedlía!is dedetettar,neu- 30 Scientific American Brasil I Maio 2013 No mundo todo- em aceleradores de pattículas, reatores nuclcru·es, e em minas abandonadas - novos e.xpe1imentos c..1.pazes de resolver esses enigmas estão surgindo. As respostas devem fornecer pistas essenciaissobre o funcionamento int.Jínseco da Naturc71l.. Os exotismos do neut1ino fazem dele uma estrela-gt.tia para os físicos de partículas na viagem rumo a uma grande teoria unjficada que descreveria todas as partículas c forças, exceto gravidade, em uma estrutura matemática consistente. O Modelo Padnio da fisica de partículas, a melhor teoria de partículas e fot'Çc;'lS atê o momento, não pode acomodar todas as complexidades do ncutrino. Ele deve ser decifrado. PESO - PENA , PORÉM FORTE maneira mais usual de construir o segmento dos ncutrinos no Modelo Padrão é com a introdução de novas entidades chrunadas neutrinos dext1'6giros ou "de mão direita:' (ou ainda destros). Alateralidade é uma va1iantc da CéU'ga elétrica que dctcnnina se umn partícula sente a interação fraca, a força responsável pelo decaimento radioativo; uma partfcula deve ser levógira ("de mão esquerda" ou canhota) para sentir a força fraca. Essas hipotéticas partícuA trinos têm iniado os ffsioos experimentais pordécadas. Ainda hoje, as propriedades fundamentais dos neutri· nos permanecem em debate. Algumas das principais questões dizem respeito à origem das suas minúsculas massas, à natureza da antimatéria do neutrino e ao número de espécies de neutrinos existentes, para nao mencionar sua propensao a mudar de identidade en· quanto voa. Descobrir a verdadeira natUreZa do neutrino pode pavi· mentAT ornminho para uma teoria mais unificada da flsK:a. B ÁS I C O Mudando de Identidade Durante o Voo Conforme os neutrinos se propagam. quase à velocidade da luz, através do espaço, da Terra ou do seu corpo, eles mudam de identidade frequentemente. oscilando entre os três tipos conhecidos. Seu comportamento é estranho, mas não totalmente aleatório- as propriedades dos neutrinos permitem que os ffsicos prevejam a probabilidade de sua oscilação em distâncias diferentes. 1•n ('t 11 dt :, m' .., Neutrinos vêm em pelo menos três sabores: o elétron, o múon e o tau. (Alguns frskns suspeitam da existência de um quarto neutrino também.) Ográfico iiiJStrcl a probabilidade de que tm neutrioodo móon, tendo atJõVeSSado determinada distância, alternará ossabores. Na prática, as distâncias de oscilaçao dependem da energia do neutrino. 100% neutrlno do mtíon Neutrino do múon Neutrioo do elétron 50% neutrino de múon, 50% net.ttrino de outro tipo Neutrino do tau Quarto tipo de neutrino 100%neutrino de outro tipo 10 Distancia percorrida (quilômetros) 1 'lm·fi um dú ....it·n Experimentos de oscilaçao de neutrinos medem a d'ivergência de sabor entre as partículas emitidas por uma fonte de neutrino e aqueles capturados em um detector distante. A nustraçao mostra os padrões idealizados de oscilações fonte-ao-detector para experiências com aceleradores de pardcu1as e reatores nucleares. TIPO DE NEUTRJNO FONTE I DISTÃNOAPERCORRJDA- - - - - - - - - - - - - - -+ Quase totalmente tau I Acelerador de particu las Neutrino de múon na fonte 250km 500km 750km 1.000km Maior parte elétrons, em porções iguais de múon e tau I Reator nuclear I Antineutrino do elétron na fonte O,Skm las de>..trógiras seriam ainda mais escorregadias que suas oonlrapattidas lcvógiras, os ncutrinos cxpcrimcnt.ahnentc detectados do Modelo Padrão. Thdos os neut:linos são classificados como léptons - a família estendida de partículas que também inclui o elétron - . o que significa que eles não sentem a forc:.a forte que mantém prótons e nêut:l'Ons no núcleo atômico. Sem carga elétlica, os neutrinos também não sentem diretamente as forças eletromagnética.<>. lsso deixa apenas a força da gravidade e a interação fraca para os lrês sabores conhecidos de ncutrinos, mas um neut:lino dc.'\trógiro sétia insensível até mesmo à força fraca, Se um ncutrino destro existir, esse fato dru·ia uma explicação ~ muito razoável para outro enigma dessa partícula.: a razão por que ~ as Lrês variedades canhotas - o neutlino do elétron, do m6on e do ~ tau - todas têm mass.c1S rt:duzidas. ~ A maioria das prutículas elementares ganha massa interagindo ~ com o onípresente ~unpo de Higgs. (Higgs tomou-se nome muito ~ conhecido ano passado. quando os físicos no Lcuge Hadron Colli~ 1,0 km 1,5km 2,0km der, ou LHC, no CERN. perto de Genebra, anunciaram que haviam identificado uma nova partícula ootTCSpondcntc à descrição do então muito procurado bóson de Higgs. Esse bóson é a prutícula correspondente ao campo de Higgs, assim como o fóton é a contrapartida do campo clctromagnétko.) No processo, o Higgs leV'a embora a versão da força fraca da cat~<telêtrica das partículas. Pelo fato de os neut1inos de>..trógiros não exibirem carga, a massa deles não depende do campo de Higgs. Em vez disso, ela pode emergir de um mecanismo completamente diferente nas energias extremamente elevadas da grande tmificação, o que tomru·ia o neutrino destro enormemente pesado. Efeitos quânticos poderiam vincular neutrinos dextrógiros aos seus irmãos Jevógiros de uma fom1a que faria com que a enonne massa de um "contaminasse" o outro. O contágio seria muito fraco, entretanto - comparativamente, se o neutrino dextrógiro perecesse com pneumonia, um levógiJO pegruiaapenas wn resfriado -, o que significa que a massa do levógiro seria muito pequena. Essa relação W\\1'\V.sciam.com.br 31 EVID~NCIA O coração da antimatéria Uma série de experiências ao redor do mundo foi projetada para observar um fenômeno raro da física nuclear chamado decaimento beta duplo. Essas experiências têm por objetivo testar a hipóte· se de que. dentro do domfnío dos neutrinos. matéria e antimatéria são uma e I'TleSma coisa. Se, de fato, os neutrinos são suas próprias antipartículas, eles poderiam alterar o equilíbrio de matéria e antimatéria, explicando potencialmente como a matéria passou a dominar o Universo. • Bt•(·aimt•utu Ut•lêl lm ·u Núcleos radioativos podem assumir em configurações mais estáveis por meio do decaimento beta.Aqui, o trítio (um isótopo do hidrogênio) decai em Mlio 3 transmutando um ~utron em próton,liberando. no processo. um elétron e um antineutrino. Trrtio Héfio3 k ·e~imc nlo Bd 1 Our.lu Isótopos nudearcs pode sofrerdois decaimentos beta de uma vez. tra~rmando dois nêutrons em prótons, com emissao de dois elétrons e dois antineutrinos. é conhecida como mecanismo de gangon-a, porque uma grande massa aumenta, ou eiCV'cl, uma massa menor. Uma explicação altemativa para a massa dos neutrinoo surge da supersimetria, um dos principais candidatos prua a nova física além do Modelo Padrão. Na hipótese da supersim(.>tli<l, cada partícula do Modelo Padrão tem um parceiro ainda desconhecido. As chamadas paatfculas superparceir'cJS, que devem ser extremamente massivas para terem escapado da detecção até agora, dobrariam (pelo menos) o número de partículas elementares instantaneamente. Se as partículas supersimétJicas existirem, o LHC pode ser capaz de produzi-las e medir suas propriedades. Uma das características mais atraentes da supersimctria é que uma superprutícula oonhecida oomo neutralino seria um bom candidato para a rnatélia escura- a massa nas galáxias e nos aglomeradas de galáxias que exerce força gravitacional, mas não emite luz nem se revela por outras maneiras óbvias. O neutralino daria conta da matéria escura somente se fosse estável durante longos períodos de tempo, em v~ de decair rapidamente em alguma outra partícula. Um neutralino (particula elementar hipotética predita pela supersimetria] de vida curta, portanto, enviaria os pesquisadores da matéria escma de volta à prancheta, mas pode~ia ser wna bênção para os ftSicos envolvidos oom neuttinos. A estabilidade do neutra· li no depende de uma propriedade hipotética chamada p<u;dade R, que impede os superparceíros de decaírem em qualquer outra par· tícula oomum do Modelo Padrão. Se a paridade R não for válida, no entanto, o neutralino seria instável - e seu decaimento dependeria, em parte, da massa do neutlino. Dois de nós (Hirsch e Porod). em colaboração com José Valle, da Universidade de Valência, na Espanha. e Jorge C. Rornão, da Universidade Tccnica de Lisboa, em Portugal, mostraram que a ligação entre neutrino e neutralino poderia ser testável no LHC. Se a estabilidade do neutralino realmente depender dos neutrinos a duray;lo da vida do neutralino seria previsfvel a partir das propriedades conhecidas dos neuttinos. E apenas por sorte a superpartícula existitia por um tempo suficiente para os físicos acompanharem seu tempo de vida - da produçào ao decaimento dentro dos detectores do LHC. O QUE~ A ANTIMAT~RIA? Germ4nio76 Sel&io 76 )t••·a · a~wllld ~t't<t htplu l ' i t l ' •u t'Íitu' Se os neutrinos saosuas próprias antipartlculas, a parte do neutrino nos decai· mentos poderia se anular- em um decaimento, um neutrino seria absorvido em vez de um antineutrino ser emitido. Um decaimento sem neutrinos como esse ainda nâo foi convincentemente observado. Antineutrino muda para neutrino Thdas as explica.çôes plausíveis para as minúsculas massas do neutlino apontam para donúníos inexplorados da física No entanto, uma dessas explicações, o mecanismo de gangona,também pode tocai' no mistério de como a matéria dominou a antimatélia triunfo que permitiu a form;1çâo da estrutura cósmica e, em última instância, o desenvolvimento da vida Cada pattícula no Modelo Padrão tem uma contraparte de antimatêiia, wna espécie de versão BizmTo [personagem BiL'UTO. das histótias em quachinhos, uma versão esrx,>eular do Super-Homem, publicada primeiro em Super Boy, em 1958] do mundo com uma carga oposta à contrapartc de matéria O elétron, por exemplo, tem carga elétrica de ·1, e o antielétron, também chamado de pós i· tron, carga de +1. Quando um elétron e um pósitron colidem suas cc.u'gaS se anulam c as pa1tículas se aniquilam em uma e>:plosão de ~ i radiação. A completa falta de carga do neutrlno dextrógiro pode ter um::t importante consequência: poderia significar que, pam "' neutJinos, matéria e anti matéria são uma e mesma coisa. Na ter- ~ minologia da física o elétron e o pósitron são conhecidos como ~ partículas de Dirac. Uma partícula que é o seu próprio homólogo ~ ! Germ4nio76 82 Scientilk American Brasil Maio 2013 Selênio76 de anti matéria., por outro lado, é uma prutícula de M~orana [híb•·ido de partícula e antipartícula]. Se a temia da gangon"a refletir oom precisão o funcionamento do mundo das partículas, os neutrinos levógiros não est...'\o permeados pela massa, mas também pela "MC\ioranicc'' dos neutrinos dcxtrógiros. Em outras palavras, se alguns neutrinos são suas próptias anti partículas, então todos os neutrinos exibem essacamcterfstica O fato de os ncutlinos e suas antipartfculas serem uma e a mesma coisa tetia várias implicações interessantes. Neuuinos poderiam, por exemplo, desencadear tmnsições entre partículas e antiprutículas. Na mai01ia das reações entre partfculas o número leptônico, ou seja, o número de léptons menos o número de antiléptons, é oonservado - não se altera. Neuninos, no entanto, podem violar essa regra, criando um desequilíb•io entre matéria e anti matéria. Para nós, humanos, o desequilíbrio é, digamos, conveniente, porque se matéria e anti matéria tivessem existido em igualdade no rescaldo do Big nang, teriam sido completamente aniquiladas uma pela outra e nada haveria parc1 construir galáxias, planetas e fom1as de vida. A explicação parao domínio da matéria sobre a antim~tia há muito tem escapado aos fisicos e cosmólogos. A próxima AÇÃO QUE DESAPARECE experimentais devem reunir grandes quantidades de gcrmânio, ou oubus materiais aná1ogos, para ter uma esperança de documentar a variedade de decaimento sem neutlinos. Para piorar a situação, o fluxo constante de partículas subalômicas sobre a Tena, criado pelos rc1ios cósmicos, tende a confundir o sinal fraquíssimo do dcec"limento beta duplo. Desse modo, expe1imentalistas devem enterrar os seus detectores a grandes profundidades, em antigas minas ou em outros laboratórios subterrâneos, onde a rocha sobrejaccnte filtra quase toda radiação cósmica. Lamentavelmente, o único relato até hoje de um decaimento beta sem neutrinos, do Heidelberg·Moscou Double Beta. Decay E.xpcriment, na Itália, tem sido vigorosamente contestado por outl'OS fisicos. A próxima geração de detectores, alguns apenas começando a tomar dados, ou que estão atualmente em construção, realizará. uma busca mais completa nessa área Urn experimento no Novo Mé:\1co, chrunado EX0-200, e outro no Japão, o KamLAND-Zen, recentemente public.:u-an1 os primeiros dados de suas buscas pelo decaimento beta duplo sem ncutrinos, o que causou fricçfio com a alei:,ração anterior, mas não a descattou de fotma inequívoca. O experimento GERDA, na Itália. que entrou em operação em 20ll, utiliza o mesmo isótopo que a configuração Heidelbcrg-Moscou, em um projeto melhorado, que visa confrontar diretamente o contl'Overso achado de seu antecessor. Tanto o experimento EXC>-200 oomo o KamLANDZcn continuam suas operações e um aparelho conhecido como CUORE está progra· mado para começar a tomar dados na Itália em 2014. O número de experimentos avançados, agora a caminho, proporciona uma esperança muito •v.<»'tvcl de que o dedo.~. caimento beta duplo sem ncutrinos possa ser confirmado antes do final desta década de de neutrinos está sendo em colisorcs de partírulasi nUcleares e em minas A conexão entre neutrinos e suas rultipartículas não deve comprometer a tentadora, mas em última anâlise não estabelecida, teoria esperada nessa área. Muitas experiências, no passado e agora, procuram responder, em defmitivo, se ncuttinos são, de fato, suas próprias antiprutfculas ao procurar por um tipo de evento radioativo conhecido como decaimento nuclear beta duplo. Neutrinos e antineutrinos foram primeiro observados no decaimento nuclear beta, por meio do qual um átomo emite um elétron, jtmtamente com um antineut:Iino. Em vários isótopos nucleares dois dc.>Caimentos beta podem OCOITCr simultaneamente. Em circunstâncias normais eles emitem dois elétrons e dois antineutrinos. Mas se o neutrino for uma partícula Majorana, então o mesmo antineut1·ino emitido no primeiro decaimento pode ser absorvido no segundo. O resultado é um duplo decaimento beta que não libera nem neutrinos nem antineutrinos (r;er quadro na pág. ao {(.tdo). Em um instante, onde não havia anteriom1ente léptons, dois léptons (os elétrons) emergem sem seus habituais contrapesos de antiléptons (os antineutrinos). Em outras palavras, esse decaimento beta duplo sem neutrinos viola a conserv·a· y:l.o do número Jeptônico. Atualmente, a busca. pelo de<:aimcnto beta duplo sem neutrinos é o mellior teste para comprovar a ideia de neutrinos Majorana. em particull:u·, c Pt·:u a a violaÇ<t.o do número lcptônico em geral. Em principio, uma experiência de decaimento beta duplo sem neutrinos é simples: recolha um isótopo nuclear oomo o gennânio 76 em que decaimentos beta.simultâneos podem ooon·c.r, e aguarde o aparecimento de dois elétrons desacompanhados de neutJinos. Na prâtica, as experiências são muito difíceis. Decaimento beta duplo de qualquer espécie é extremamente raro, de modo que os ffsicos Eles devem pistas essenciais interno da Natureza. INTERRUPTORES DE LUZ Enconb-ar tml neutrino ainda desconheci- do ou provru· que os neutrinos e antineuttinos são uma e mesma coisa acrescentaria uma camada inteiramente nova de intriga a essas partículas já exasperantes. Mas ainda que os físicos procw·en'l por novas facetas dessas partículas continuamos a lutar com o mecanismo subjacente a um bem documentado, mas pouco compreendido, atributo dos ncutrinos - sua forte propensão a se metamorfosear. Na literatura, dizemos que a quantidade de violação do sabor leptônico, ou a mistura de neutrinos, é grande em comparação à mistur'a entre os sabores de quarks, as partículas elementares que compõem os prótons e nêutrons. Muitos grupos de pesquisa em tcxlo o mundo estão investigando como simetrias recém-concebidas da Natureza - características comuns importantes entre forças e particulas aparentemente distintas - poderiam explicar esse oomportament.o. Um exemplo disso seriam as simetrias inerentes aos caminhos pelos quais as partículas conhecidas se transformam umas nas outras. Gautam Bhatta.charyya, do Instituto Saha de Física Nuclear, em Calcutá. Philipp Lescr, da Universidade 1t'Cnica de Dortmund, na Alemanha, e um de nós (Pãs) descobiiram recentemente que essas simetrias afetam visivelmente o campo de Higgs. A interação de troca de sabor de quarks e neuninos oom o crunpo de Higgs se manifestaria em pro- www.sciam.com.br 33 M E DI N D O A MA SS A Os Segredos do Neutrino Gravados no Céu Por Sudeep Das e Tristan L. Smith Medir a massa mint.'JSCUia dos neutrinos até agora se mostrou inviável, e não por falta de tentativas. Dezenas de experimentos de laboratório ao longo das últimas décadas cooseguiram apenas colocar limites vagos sobre as três massas de neutrinos. Temos razões convincentes para esperar que a melhor maneira de medir a massa dessas partículas minúsculas é. surpreendentemente, procurar por sua influência nas maiores escalas do Uni'v9'SO. Embora os neutrinos sejam praticamente desprovidos de massa, e quase Invisíveis, seus números- algo em tomo de 10S9 no Universo- fazem deles jogadores influentes no Cosmos. Nossa lógica é a seguinte: no início da história do Universo. quando wdo era muito quente e denso, as reações nudeares forjaram hélio a partir de hidrogênio,libefando um grande número de neutrinos como subproduto. Conforme o Universo evoluía, se expandia e se esfriava, pequenas flutuações na densidade dessa sopa primortlial de particulas foram amRadiaçao cósmica de plificadas; em regiões com densifundo em microondas dade acima da média, a gravidade tentava atrair material. A matéria escura, essencialmente invisível que representa boa parte da massa do Universo, c.olapsou em aglomerados primeiro porque eia só interage pela gravidade. Esses agrupamentos iniciais de matéria escura formaram as sementes das galáxias e dos aglomerados galáctícos vistos ainda hoje. Neutrinos. extremamente leves, começa- Matéria escura rama aglutinar-se um poooo mais A imagem observada tarde no desenvolvimento do Universo. Na verdade. por se moverem é distoccida pela matéria escura DEFOilltU. 0.1! a radiação cósmica de fundo em microondas coletada p<>r telescópios na Terra. e no espaço foi sutilmente distorcida. pela matéria escura. Ao traçar essas distorções os físicos podem mapear a eslrutw.t dtt. matéria. escura, moldada por neutrinos e, assim colocar Jimjles rigorosos sobre a..massa dos neutrino.~. Espaçonave doWMAP 1 dutos de decaimentos exóticos do bóson de Higgs, que devem ser observáveis no LHC. Esse sinal podcJia apontar para o m<.-canismo subjacente das transmutações hiperntivas dos neutrinos, o que certamente seria uma das mrus espetaculares descobertas do LHC. Enquanto isso uma famma diferente de experimentos pesquisa a frequência das trocas de identidades das partículas. &-perimentos como o T2K no Japão, o MINOS, em Minnesota, nos F.stados Unidos, e o OPERA, na Itália, detectam feixes de neutrinos que se originam em aceleradores de partículas hâ centenas de quilômetros de distância, para medir nmdanças de sabor conforme neuui- 34 Scientific American Brasil I ~!aio 201:1 tão livremente pelo Cosmos, os neutrinos realmente desaooleraram o acúmulo de matéria escura - efeito que deveria ser detectável hoje.. Quanto maior a massa dos neutrinos, maís eles terão impedido o acúmulo de matéria- em efeito, borrando as bordas na estrutura em grande escala do Universo. Medir como a matéria está distlibuída no Universo pode revelar quão massivos são os neutrinos. Mapear a distribuição de matéria - a maior parte dela matéria escura -é algo extremamente complexo. De qualquer maneira, pesquisadores perceberam que a radiação remanescente do Big Bang, conhecida corno radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB, na sigla em inglês), é levemente distorcida devido aos efeitos de deflexão da luz provocados pelos aglomerados de matéria escura que preenchem o espaço entre a CMB e nós. O exame dessa "lente" gravitacional da CMB é uma maneira promissora de medir a distribuição de matéria escura no Universo. NC7\Ia5 medidas de precisão da CMB, ainda em curso, permitirão tnedir o efeito das distorções das lentes oom precisão elevada, de forma a ma,pear a Invisível matéria escura. Se a distribuição de matéria escura estiver ronfinada a estruwras bem delimitadas separadas por vazios. poderemos inferir que a massa dos • neutnnos e• pequena; mas se, em vez disso. as botUas forem borradas. saberemos que a massa dos neutrinos é maior. A nova geração de experimentos para a CMB deverá permitir que fixemos as massas 1 ca 1tbinadas dos três tipos de neutrinos dentro de 5 milionésimos da massa do elêtron A pclSSibilidade de medir a massa da mais leve e elusiva das partículas subatômicas pela observação do Universo inteiro é apenas um exemplo de como o estudo da física, em todas as escalas. continua a surpreender e inspirar J astroftsicos a mergulhar cada vez mais profundamente na investigaçao do mundo natural. Sudeep Das é p6s-dourorando de David Schramm no A19onne National Laboratory. Trlstan L Smlth é pós-doutorando no Center for Cosmological Physics da Univooiry oi Califomia em Berl<eley. nos atravessam longas distâncias através da 1erra. As escalas dessas experiências são tão grandes que os neutrinos podem atravessar fronteiras estaduais ou mesmo internacionais em suas viagens. (Em 2011, o OPERA foi notfcia quando os físicos da colaboração anunciaram que alguns neutrinos, em seu experimento, pareciam ter viajado do CERN para um laboratório .i taliano subterrâneo com velocidade supeJior à da luz- medição que se mostrou falha) Em complemento a esses experimentos com neuttinos de longa distância o projeto Double Chooz, na França, o Daya Bay Reactor Neutrino Experimenl, na Cllina, e o RENO. na Corei a do Sul, t1 s I ~ & ~.., todos medem a oscilação de curto alcance dos ncutrinos prove- milab, que começou a produzir rcsuttados científicos em 2007, nientes de reatores nucleares. também sugeriu conversões como essas. No entanto, as oscilações Só em 2012 esses experimentos, finalmente, determinaram o do LSND e do MinillooNE não se c.tiustaV'am perfeitamente na último e menor dos ângulos de mistura - os parâmetros que regem imagem padrão dos U'ês neutrinos. A mecânica quãntica pcm1ite que ncutrinos oSCilem entre saboas transições entre os sabores de neuttínos. O ângulo de mistum fmal a ser fixado, conhecido como o ângulo do reator, descreve a res apenas se tiverem massa - e só se cada sabor tiver uma massa probabilidade de conversão de um neutlino do elétron ou de um diferente. As várias massas dos neutrinos poderiam desencadear antincut1ino sobre um pequeno ponto de p(utida As medidas do conversão dos neutrinos parae>.rplicar as anomalias vistas no LSND ângulo do reator abriram a possibilidade de que expetimentos futu- e no MinillooNE, mas apenas se ouU"él diferença de massa existir ros de neutrinos possam ser capazes de comparar as prop1iedades em adição às já conhecidas - em outras palavras, apenas se existir de neutrinos e antineutrinos. Uma assimetlia entre partículas e os um quarto tipo de neulrino alêm dos três conhecidos. Um acoplaseus homólogos de anti matéria seria comento adicional do ncutrino com a força nhecida como violação CP e, juntamente fraca faria o bóson Z - portador da força com estudos sobre o decaimento beta fraca - decair muito rapidamente.. de modo duplo sem neutrinoo, poderia tocar no que essa partícula não interagíria <:om a mistério de haver mais matétia que antiforça fraca de modo algum. Daí a denomimatéria no Universo. nação "estéril": esse ncutrino hipotético Das pesquisas em curso, provavelseria quase total mente desacoplado do resmente o T2K tem a primeira chance de tante do zoológico de partículas. Detectores de um tipo completamente evidenciar indícios da violação CP. Mas a conida é entre a nova geração de expediferente, que captura neutrinos de reato, riências para responder a questões-{!have res nucleares próximos, também registrasobre os neutrinoo - e promete ser emoram resultados surpreendentes que podecionante. O experimento de lon~t linha riam apontar para um ncuttinocstéril. Os de base NOvA, agora em construção, nos dados de vários experimentos indicam cosmó~os: um desaparecimento anômalo de antiEstados Unidos, também tem o potencial neulrinos do elélron em dist..lncias muito de revelar a violação CP em neutJinos. O curtas, o que, se interpretado em termos NOvA irá disparar um feixe de neutrinos através da Thrrn a partir do Fermi Natiode oscilações de neutrinos, implicruia a nal Accelerator Laboratory, em Batavia, existência de neutrinos estéreis. A anomalia tem estado por aí há algum tempo, lllinois, atravessando todo o estado de Wlsconsin e o topo do lago Superim~ para mas cálculos recentemente refeitos da tJm detector em Ash Rivcr, Minncsota, a safda de neutrinos de vários reatores re810 km de distância. Os neutrinos far-J.o a viagem em menos de 3 forçaram o caso de uma nova parúcul~L A evidência para neutrinoo estéreis pennane<:e esboçada, in~ milésimos de segundo. Entre seus objetivos de pesquisa, o NOvA também visa estabele- reta e conflituosa- tudo que é espemdo na busca por uma prutícula cer a hierarquia de massa do neullino - dctenninar qual entre eles notoliamentc evasiva e, possivelmente, inexistente. No entanto, o é o mais leve e o mais pesado. Atualmente. os físicos sabem apenas MíniBooNE e um experimento companheiro chamado MicroBooque pelo menos duas espécies de neutlinos têm massas diferentes NE, que agora está em constmção no Fernúlab, podem em breve ter de zero, mas, como em tantos outros aspectos dessas prutículas fan- algo mais consistente a diwr sobre o assunto. E uma nova safra de tasmagólicas. os detalhes nos escapam. experimentos propostos, que estudatin a anomalia do reator, também está em discussão. MISTÉRIOS PERSISTENTES É not..1.vel que o poderoso LHC e os e>.1>erimentos de compaCom tantos experimentos de ncutrinos em curso - com diferentes rativamente baixa energia sobre o humilde neuttino forneçam objetivoo, projetos e fontes de pa1tfculas - os va~iados dados rotas complementares paJ"él explorar o funcionamento interno emergentes em todo o mundo produzem, muitas vezes, interpre- da Natureza. Mais de 80 anos depois de Wolfgang Pauli conce1 tações conflitantes. Uma das mais tcntadorns e controversas ber essa pé\ltícula ' que não pode ser detectada': ncutrinos conpistas experimentais sugere a existência de wna nova partícula tinuam a proteger seus segredos com determinação. Ainda chamada neutrino estéril. assim, o g-anho potencial em desvendar esses segredos justifica Ecoando os t.etnores de P.auli em 1930 o neutrino estéril seriade- o esforço de décadas para bisbill'lotar cada vez mais fundo a tc<:távcl apenas indiretamente, da mesma maneira como o mais vida privada do neutrino. &I pesado neutrino dextrógiro do mec.:'lllismo da gangorl'a. (De um ponto de vista teórico, no entanto, as duas prutículas propostas são PARA CONHECER MAIS quase mutuamente exclusivas.) No entanto, duas cxpcliências Heutrino masses and parti ele physics beyond the Standard Model. H. Plls em podem ter sentido a presença do neuttino estéril O LSND, que deAnnaJen derPhysik. vol.11, nll 8, págs. 551 a sn,setembrode 2002. correu no Los Alamos NationaJ Laboratory, na d('(;(Wa de 90, enTesting neutrino mixing at future c:ollider experiments. W. Porod, M. Hirsch, J. controu a primeira, mas controversa, evidência de um elusivo tipo Romao e J.W.F. Valle em PhysicaJ Revicw D, vol. 63. n11 11, artigo oll115004, 30 de de conversão de sabor de neuttinos - antineutrinos doo múons se abril de 2001. transformando em anlineun·inos de elétrons. O Mi niBooNE do Fer- Qualquer assimetria entre neutrinos e seus homólogos de antimatéria poderia ser responsável por . . um m1steno que aflige físicos e por que existe mais matéria que antimatéria no. . . . . . . Universo? ww''~sciam.oom.br 35