Introdução à Antropologia

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Introdução à Antropologia
Márcia Merlo
Por que Antropologia na Moda?
Fundamentos antropológicos para a Moda.
“Como os poemas e as hipóteses, as
etnografias só podem ser julgadas depois
que alguém as cria. Mas, apesar de tudo,
parece provável que seja qual for o uso
que os textos etnográficos terão no futuro,
se realmente tiverem algum, eles
permitirão o diálogo entre linhas societais
– de etnicidade, religião, classe, sexo,
linguagem, raça – que se desenvolverão
com detalhes cada vez mais sutis, mais
imediatos e mais irregulares (...).
O que se faz necessário é ampliar a possibilidade de um diálogo inteligente
entre pessoas que diferem consideravelmente entre si em interesses,
perspectivas, riqueza e poder, e no entanto estão limitadas em um mundo onde,
envolvidas em interminável conexão, fica cada vez mais difícil sair uma do caminho
da outra.”
CLIFFORD GEERTZ
(Works and Lives: The Anthropologist as Author, p. 147.)
Fonte: www.antropologiamilano.it/page.asp?/1=8&id=8. Acesso: 01/07/2005.
Foto intitulada: ANTROPOLOGIA DELLA CONTEMPORANEITÀ: ETNOGRAFIA DELLE
DIVERSITÀ E DELLE CONVERGENZE CULTURALI.
Assim como há diversos caminhos que nos levam, às vezes, a um único ou
mesmo objetivo, são diversos os motivos que justificam a Antropologia na Moda.
O primeiro é o mais simples, talvez: porque somos homens e mulheres e
estamos aqui, existimos. Isso já quer dizer algo.
Existimos como? É uma pergunta, à primeira vista, um tanto ingênua, porém
pressupõe um milhão de coisas. A resposta: porque estamos no mundo. Mas,
como estamos no e para o mundo, recai em um outro desdobramento da mesma
questão que, de imediato, remete-nos a outros lugares. Poderíamos iniciar de
uma outra maneira: por que somos entre nós e em relação a outros povos e
sociedades tão diferentes ainda que habitando o mesmo “mundo”?
Introdução à Antropologia / Anhembi Morumbi
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Diria o antropólogo Marc Augé (1999) que a Antropologia trata do sentido
que os homens, em coletividade, dão à sua existência. Isso nos leva a pensar
que se reconhece tal diversidade existencial e que os antropólogos tratam de
compreender o porquê de sentidos tão diversos a situações tão singulares. Para
se chegar a tais repostas, também foram diversos, tortuosos, instigantes,
polêmicos e conflitantes os caminhos, desde as abordagens teóricas escolhidas
para tal proeza científica até os recursos metodológicos adotados. Sem dúvida
alguma, tais escolhas propiciaram considerações mais coerentes e consistentes
e outras não. O que ficou de mais marcante nesse processo e que vem nos
apoiar em Cultura de Moda, além do próprio conceito de cultura e suas nuances
em relação ao comportamento de Moda são as ferramentas teóricometodológicas, principalmente o trabalho desenvolvido em relação à pesquisa
antropológica, como suporte para se conhecer comportamento social e o uso e
desuso de elementos societais para e a partir da abrangência de situações que
se quer atingir e compreender, ou também transformar.
Com diz o próprio Marc Auge (1999, p.9-10), se a Antropologia é, em primeiro
lugar,uma antropologia da antropologia dos outros, é porque não existem
sociedades que não tenham, de maneira mais ou menos estrita, definido uma
série de relações “normais (instituídas e simbolizadas) entre gerações, entre
idosos e jovens, entre homens e mulheres, entre aliados, entre linhagens, entre
faixas etárias, entre homens livres e cativos, entre indígenas e estrangeiros, etc.
A primeira tarefa do antropólogo é a de estabelecer essa carta de identidade e
alteridade relativas.
Alteridade = é a saída da onipotência de identificar a nossa cultura (povo,
província) como a humanidade e deixar de rejeitar, excluir, tornar invisível
o outro colocado para fora de nós mesmos, pois este é o outro pensado
a partir do mesmo, ou melhor, só é o outro porque não é o mesmo (igual a
mim) e, portanto, considerado inferior, selvagem, arcaico. Roger Bastide
escreve algo que define bem a alteridade: “Eu sou mil possíveis em mim;
mas não posso me resignar a querer apenas um deles. “Assim a
antropologia começa a sua trajetória de crítica ao pensamento evolucionista
e inaugura o relativismo cultural.
Ao pensar em como essa primeira tarefa antropológica pode fundamentar
uma pesquisa em Moda, afirmamos que ela aponta para uma crítica ao uso de
tipologias, classificações, às quais freqüentemente se recorre, para enquadrar o
outro, o desconhecido, o diferente, o desigual, o que chamamos de exótico,
aberrante, esdrúxulo, ou seja, tais classificações constroem um tipo ideal sujeito
ou situação que, muitas vezes, não revela o que se apresenta mais intrínseco e
sugere mensagens que lemos superficialmente. Em contrapartida, a pesquisa
etnográfica sugere um contato com o sujeito que se deseja conhecer e/ou com a
situação que se pretende aprofundar a fim de propiciar mais argumentos e
elementos para, uma vez ampliando nosso repertório, podermos nos tornar mais
criativos e menos preconceituosos - o que, de imediato, limitaria nossa
imaginação e, portanto, nossa criatividade.
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Introdução à Antropologia / Anhembi Morumbi
Também, uma vez que concordamos ser a moda uma linguagem e não haver
linguagem fora do tempo e espaço, ou seja, ser uma construção simbólica de
uma “comunidade” de homens e mulheres que vão dando vida a sua existência
social, compreendemos que moda é cultura, expressão cultural de uma época,
por comunicar, dar sentido, estruturar identidades em torno de algo comum e
diferente. Portanto, forma, informa, transmite, cria/recria, inventa/reinventa, imita,
estratifica, diferencia/indiferencia, veste/reveste, revela e silencia, esconde,
escancara, é memória, é e produz representação social. Roland Barthes afirmou
em seu livro Sistema da Moda que o ato de vestir-se é profundamente social.
Mas afinal, o que estuda a Antropologia?
O que mais ouço ao fazer tal pergunta aos iniciantes em tal disciplina é:
“estuda o Homem”; “é o estudo dos índios”; “estuda povos que estão extintos”;
“estuda a evolução cultural do homem” e, mais raramente, “é um estudo atual
das relações humanas”, ou ainda, “é estudo das culturas e da diferença”.
Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, ANTROPOLOGIA é a
Ciência que reúne várias disciplinas cujas finalidades comuns são descrever o
homem”e analisá-lo com base nas características biológicas (antropologia física)
e culturais (antropologia cultural) dos grupos em que se distribui, dando ênfase,
através das épocas, às diferenças e variações entre esses grupos.
Ou ainda, em um outro livro de terminologias acerca de teorias culturais, a
Antropologia como o estudo do homem e da humanidade, aparece,
historicamente, dividida em duas ramificações: física (ou biológica) e cultural.
A antropologia física preocupa-se com a variação física da forma humana.
Enquanto no século XIX essa variação era entendida em termos evolucionários
absolutos, e freqüentemente usado para justificar a superioridade da forma branca
européia sobre as outras formas, supostamente mais primitivas, hoje a
antropologia física destaca apenas a diversidade da forma humana (como
adaptação a ambientes variados). Uma mudança similar ocorre na antropologia
cultural, uma vez que ela amadureceu e se tornou uma ciência social respeitável
(e de fato fundamental) no início do século XX. Uma preocupação inicial com o
progresso da sociedade e da cultura humana (ainda refletida no uso ocasional
de sociedade “primitiva”) foi então substituída pelo reconhecimento da diversidade
da cultura humana e pelas estruturas e lógicas distintas, mas igualmente
complexas e válidas, que apóiam essas culturas. (EDGAR;SEDGWICK, 2003,
p.27)
Só por essa rápida abordagem de Edgar e Sedgwick, é possível notar as
imbricações conceituais ligadas à história da Antropologia e, ao pensar na
diversidade da cultura humana, percebe-se, de antemão, a multiplicidade de
assuntos e a urgência de aprofundamentos. Para não incorrermos em antigos
equívocos conceituais e metodológicos na realização da análise cultural hoje e
aqui, também, insere-se o pensar os fundamentos antropológicos no universo
da moda.
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Só por essa rápida abordagem de Edgar e Sedgwick, é possível notar as
imbricações conceituais ligadas à história da Antropologia e, ao pensar na
diversidade da cultura humana, percebe-se, de antemão, a multiplicidade de
assuntos e a urgência de aprofundamentos. Para não incorrermos em antigos
equívocos conceituais e metodológicos na realização da análise cultural hoje e
aqui, também, insere-se o pensar os fundamentos antropológicos no universo
da moda.
Em outras palavras, algumas perguntas se fazem centrais e bastante antigas,
por sinal, são: “Que homem?” e “Que cultura?”. Tal problemática amplifica-se
ainda mais quando tentamos qualificar tal abordagem: “Como caracterizar o
brasileiro?” e “Como definir a cultura brasileira?” “Existe uma cara brasileira
para a Moda?”
A Antropologia pode resolver tais questões? Diria, resolver não! Contribuir
para pensá-las, ampliá-las, seguramente! Também, por isso mesmo, torna-se
de fundamental importância iniciarmos com suas trajetórias teóricometodológicas para depois focarmos mais em tais fundamentos para se pensar
a Moda, já que partimos do pressuposto de que, para se chegar no tal homem,
precisamos antes contextualizá-lo.
As ciências humanas são mais recentes que as ciências da natureza.
Mesmo que, inicialmente, os cientistas sociais tenham seguido o modelo
das ciências da natureza (exatas) para a análise e sistematização do
conhecimento do mundo humano; quando se trata das ciências do
homem, com efeito, “o sujeito é, para ele mesmo, seu próprio objeto, e
a subjetividade é o próprio meio do conhecimento. O observador é, ao
mesmo tempo, juiz e parte; o desinteresse torna-se difícil.”
(LABURTHE-TOLRA, Philippe ; WARNIER, Jean Pierre. Etnologia –
Antropologia, 1997. p. 16)
O sujeito do conhecimento, nos séculos XIX e XX, no caso o antropólogo,
preparava-se para compreender o outro, além dos resquícios colonialistas do
contato/percepção/concepção ocidental que o classificou, geralmente, como
“primitivo”, “arcaico”, “subdesenvolvido”, “tribal”, ou seja, que o inferiorizou diante
de uma pretensa superioridade étnica. Esse passado, no entanto, deixou marcas
visíveis/invisíveis, situações que emergem pacifica e/ou violentamente por meio
das lembranças, das guerras por territórios, na luta pela preservação de
identidades étnicas, nos atos, inclusive, nos modos de se vestir que significam
o que se quer revelado no presente. Também aqui se encontra o que se pretende
capturado pela Antropologia, que tem por especificidade o estudo do outro, a
reflexão sobre a diferença cultural, por meio da observação minuciosa, análise e
interpretação das relações sócio-político-culturais em torno das fronteiras
identitárias, ontem e hoje.
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Uma tarefa e tanto já que o pesquisador de “outras culturas ou povos” não se
encontrava em outra esfera da existência humana, mundana, era membro de
uma sociedade que se alicerçava na “modernidade” (como motor para o
progresso e tudo o que esse termo carrega em si).
Nesse envoltório de relações humanas complexas, encontra-se o antropólogo
e há aqueles, como a antropóloga Carmen Junqueira1, que insistem em dizer:
compreender o outro é uma tarefa da antropologia e para isso é preciso ser
adulto.
Ser adulto pode ser entendido aqui como:
•
•
Ter capacidade de prestar maior atenção ao comportamento dos outros;
Sair da onipotência infantil e se abrir para o conhecimento do mundo, do
outro e de si mesmo;
• E isso só se adquire no convívio social associado a outras virtudes e
vontades.
Como Peter Berger2 aponta, somos socializados desde o nosso nascimento.
Isso significa que “somos instituídos de” e só aos poucos tomamos consciência
do que somos e onde estamos. A cultura também molda o nosso ser, a nossa
visão de mundo e interfere na nossa existência. O tempo todo estamos recebendo
informações, códigos, idéias, valores; criando, recriando e repetindo hábitos,
costumes, tradições, leis e regras estabelecidos socialmente. Aqui entramos na
questão da identidade, já que esta pode ser compreendida como “a parte
socializada da individualidade”.3 Assim, também Junqueira define a cultura e o
ser humano:
O ser humano como ser social surge da cooperação (partilha), da coesão
interna do grupo e do ‘controle social’. Cada grupo ancestral do homem atual, a
sua maneira e possibilidades, foi trilhando caminhos, construindo sua história e
suas diferenças. (...) Cada cultura que se conhece é fruto desse longo percurso
que originou estilos de vida diferentes.4
E ainda afirma:
A cultura é transmitida socialmente. Desde o nascimento, a pessoa aprende
regras de conduta, formas de expressão, língua adotadas no contexto em que
vive. Pelo que sabemos até o presente, nenhum elemento cultural passa de uma
geração a outra através de mecanismos genéticos, biológicos. O ser humano é,
assim, moldado pela sociedade e assimila sua cultura desde o nascimento.
1
JUNQUEIRA, Carmen (1991). Antropologia Indígena. Uma introdução. São Paulo: EDUC.
BERGER, Peter (1977). “O que é uma instituição social?” In Sociologia e Sociedade:
leituras de introdução à Sociologia (compilação de textos por Marialice Mencarini
Foracchi e José de Souza Martins) Rio de Janeiro: LTC, p. 193-214.
3
BERGER, P., ibid., p. 212.
4
JUNQUEIRA, Carmen. Ibid., p. 20.
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Introdução à Antropologia / Anhembi Morumbi
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Como resultado, a cultura de determinada sociedade se torna tão familiar
aos indivíduos que fazem parte dela, que diante dos seus olhos tudo parece
natural, como se fosse um desdobramento da natureza humana. Em
contrapartida, a cultura de outros povos é vista com estranheza: costumes exóticos,
sem sentido, absurdos ou mesmo cômicos. (p.23-4)
Por cultura, podemos delinear:
• Ato de cultivar, o trabalho com a terra;
• Erudição/ grau de instrução;
• Valores materiais/ espirituais;
• Padrões de comportamento/ hábitos;
• Organização das instituições;
• Relações externas e internas;
Sobre o conceito de cultura, teremos uma aula para o aprofundamento e discussão,
na qual, inclusive, pensaremos também a cultura brasileira. Aqui é só uma abordagem
introdutória para entendermos, inicialmente, como a antropologia foi cunhando o
conceito e o trazendo para si na construção do repertório teórico-metodológico da
antropologia cultural e social (etnologia).
Toda cultura está permeada de símbolos e tradições. Nossa existência está
repleta de imagens, símbolos, valores, conceitos. Atribuímos valor e significado
a tudo que nos cerca, desde as coisas mais simples até as sensações, atitudes,
desejos etc. Nada escapa do crivo da valorização, que pode ser tanto positivo
como negativo. Os hábitos, costumes, leis são determinados pelas tradições
criadas pelos grupos sociais, em seu tempo e espaço. As próprias técnicas são
construções histórico-sociais, assim como as artes e qualquer forma de
expressão verbal ou não. O que são os símbolos então? De um modo objetivo,
poderíamos dizer:
• É o que a sociedade cria.
• É um processo, é ação e projeto.
• Significados atribuídos às coisas, atitudes, idéias etc.
• Representação de algo/ realidade complexa.
• Possui valor evocativo/ mágico/ místico.
• É arbitrário e histórico (mutável, transitório). É transitório porque é histórico:
•
•
altera-se por força dos arranjos sociais de cada época.
Aparece como/em manifestações diversas ligadas à tradição.
Produz cultura e está contido nela
Se pensarmos assim e estivermos atentos às diversas dimensões do real –
visível e invisível -, avançaremos muito na compreensão da vida social. Como
afirma Junqueira:
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Introdução à Antropologia / Anhembi Morumbi
O que anteriormente era visto como natural ganha outra dimensão.
Costumes, regras, hábitos, leis, inclusive de nossa própria sociedade, longe de
serem determinações da natureza humana, passam a ser encarados como
criação de uma tradição específica. A visão para fora, para outras sociedades,
também se amplia e se enriquece, e o que era até então exótico, esdrúxulo
assume, igualmente, o caráter da obra humana. Se a nossa tradição valoriza a
monogamia, nem por isso povos polígamos, isto é, aqueles que adotam a
poliginia (casamento de um homem com várias mulheres ao mesmo tempo)
ou a poliandria (casamento de uma mulher com vários homens aos mesmo
tempo), são povos primitivos. 5
O antropólogo Claude Lévi-Strauss 6 debruçou-se
longamente nos estudos das formas de parentesco a fim
de compreender a diversidade entre os povos e concluiu
que quando se estuda o parentesco, a linguagem ou a
economia, estamos na realidade diante de diferentes
modalidades de uma única e mesma função: a
comunicação (ou a troca), que é a própria cultura, emergindo
da natureza para introduzir uma ordem em que esta última
não havia previsto nada.
Lévi-Strauss não ignora a diversidade das culturas, nem
a história, mas de um lado desconfia de um ‘ecletismo
apressado que confundiria as tarefas e misturaria os
programas’”, e “de outro, considera que para compreender
o movimento das sociedades é preciso não se situar em
nível da consciência que o Ocidente tem da história. Essa
consciência histórica do “progresso” não carrega consigo
nenhuma verdade, é um mito que convém estudar como
os outros mitos, isto é, estendendo no espaço aquilo que
o historiador percebe como escalonado no tempo.7
Em Tristes Trópicos8, um livro que
escreveu enquanto viveu no Brasil,
elucida sua trajetória de etnógrafo,
explicitando
críticas
às
abordagensevolucionistas
que
limitavam a compreensão da
diversidade das culturas e, também, a
partir dos estudos dos povos indígenas
no Brasil, foi construindo um rico
repertório etnográfico e etnológico que
contribuiu para a criação do método
estruturalista.
5
JUNQUEIRA, Carmen. Op. Cit, p. 15.
Lévi-Strauss nascido em 1908, em Bruxelas, Bélgica. Esteve no Brasil entre 1934-37
como professor de Sociologia da USP.
7
LAPLANTINE, François, (1997) Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, p. 138.
8
LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras.
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Introdução à Antropologia / Anhembi Morumbi
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Estruturalismo = todo estudo lingüístico baseado no pressuposto
metodológico de que qualquer ciência deve optar pela observação
rigorosa do maior número possível de fatos, com vistas a bem
fundamentar suas proposições e generalizações, viabilizando, assim, a
descoberta da estrutura. Assim, o estruturalismo pode ser descrito como
uma tentativa de elucidar as condições objetivas que constituem todas
as relações lingüísticas e sociais. Estudaremos isso em uma outra aula.
Nesta, só pretendi frisar que o processo de significação próprio da
linguagem pode ser compreendido como um sistema estrutural de
relações e é por essa via que inserimos a antropologia de Lévi-Strauss
e por meio da qual podemos pensar a Moda como linguagem.
Para tanto, apoiou-se na lingüística de Ferdinand de Saussure, em que
trabalha – o significado = o sentido, a idéia, o que se torna consciente (visível);
em Sigmund Freud - o inconsciente - significante = é a matéria do sentido, é a
mediação entre a coisa e o significado. O signo (diferente da palavra, do gesto,
do ícone, do sinal) é a junção do significante (a matéria do sentido, o objeto, a
coisa) com o significado (o sentido, a idéia estabelecida pelo grupo, cultura). É o
sentido imediato.
Assim, a Etno-antropologia procede de uma tradição erudita, que se interessa
de maneira privilegiada pelos fatos da cultura ou civilização, pela sua diversidade,
e pelas sociedades, grupos ou organização que são os suportes daqueles fatos.
(...) A humanidade fabrica a cultura e a diferença. As tradições são reinventadas.
A etnologia é atual. (...) O trabalho de reflexão realizado pela pesquisa antropológica
é necessário tanto para análise da sociedade de hoje como para a do passado.9
Em que momento é possível recorrer à investigação etnológica e ao diálogo
entre diferentes povos e culturas? No momento em que se cessa a
consideração do outro como bárbaro, inferior etc. Mas, para isso, precisamos
questionar o etnocentrismo e o racismo:
- O racismo sustenta que existem raças distintas; que certas raças são
inferiores às outras; que essa inferioridade não é social ou cultural, mas inata
e biologicamente determinada.
- O etnocêntrico apela para a superioridade de sua própria civilização e de
suas normas sociais em relação às outras. Recai no nacionalismo, patriotismo,
na xenofobia, guerras étnicas e imperialistas (hegemônicas).
9
LABURTHE-TOLRA, Philippe ; WARNIER, Jean Pierre. Etnologia – Antropologia. 1997. p.
27-8.
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Pensando com Clifford Geertz, antropólogo que desenvolveu uma
Antropologia Interpretativa, a cultura de um povo é como um texto que se lê, ou
melhor, é um conjunto de textos, eles mesmos conjuntos, que o antropólogo
tenta ler por sobre os ombros daqueles a quem eles pertencem. Existem enormes
dificuldades em tal empreendimento, abismos metodológicos que abalariam
um freudiano, além de algumas perplexidades morais. Esta não é a única maneira
de se ligar sociologicamente com as formas simbólicas. O funcionalismo ainda
vive, e o mesmo acontece com o psicologismo. Mas olhar essas formas como
“dizer alguma coisa sobre algo”, e dizer isso a alguém, é pelo menos entrever a
possibilidade de uma análise que atenda à sua substância, em vez de formulas
redutivas que professam dar conta dela.
O funcionalismo foi o paradigma dominante na antropologia cultural e na
sociologia ao longo da 1ª.metade do século XX. Em sua forma mais básica,
ele tenta explicar qualquer dada instituição social ou cultural no que diz
respeito às conseqüências que aquela instituição específica tem para a
sociedade como um todo.”Ainda,”a explicação funcionalista supõe que
todas as instituições idealmente participem da manutenção da estabilidade
da sociedade, e, assim, da reprodução da sociedade de uma geração à
seguinte. A sociedade, de acordo com uma analogia com o organismo
biológico freqüentemente usada, deve ter a propriedade da homeostase, o
que significa dizer que as diversas partes da sociedade funcionam para
manter a sociedade como um todo. Daí, por exemplo, as funções da família
moderna serem de cuidados físicos e socialização dos mais novos. A
cultura (incluindo a moralidade, ou as normas e valores da sociedade) é
então transmitida, muitas vezes sem mudanças, de uma geração a outra, e
à economia é fornecido um suprimento de indivíduos capazes de
desempenhar papéis úteis.” (EDGAR ; SEDGWICK, 2003, p. 141). Em outras
palavras, qualquer aspecto da cultura, por mais estranho que seja, tem
uma função, assim como todo costume é funcional, funcionam em equilíbrio,
qualquer mudança pode perturbar tal equilíbrio próprio da cultura. Mas o
que se viu é que toda cultura é dinâmica e está em constante mudança,
algo não aceito pelos funcionalistas, que acabam criando, de certa forma,
o “mito do nativo intocado”, desdobramento do relativismo cultural.
Da mesma forma que nos exercícios familiares de leitura atenta, pode-se
começar em qualquer lugar, num repertório de formas de uma cultura, e terminar
em qualquer outro lugar. Pode-se permanecer, como eu, numa única forma,
mais ou menos limitada, e circular em torno dela de maneira estável. Pode-se
movimentar por entre as formas em busca de unidades maiores ou contrastes
informativos. Pode-se até comparar formas de diferentes culturas a fim de definirlhes o caráter para um auxílio mútuo. Entretanto, qualquer que seja o nível é o
mesmo: as sociedades, como as vidas, contêm suas próprias interpretações. É
preciso apenas descobrir o acesso a elas.10
10
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
Introdução à Antropologia / Anhembi Morumbi
99
Assim, e por enquanto, se a Antropologia é entendida, de forma geral, como
o estudo dos traços sociais e culturais da humanidade em seu conjunto, cabe,
aqui neste curso, a análise e a abrangência desses traços no emaranhado de
fios tecidos pela Moda na contemporaneidade para além de sua efemeridade, a
fim de captar suas multifaces, interfaces, ou seja, manifestações e expressões
diversas em seu contexto multicultural.
Se não fosse isso, como poderíamos compreender os sentidos atribuídos
aos nossos objetos tão temidos, valiosos, odiosos etc., ou como interpretar
essa passagem encontrada em Lévi-Strauss sobre algumas crenças japonesas
em relação aos utensílios:
Os utensílios abandonados transformam-se em
espíritos sobrenaturais, mas convém queimar as coisas
velhas, ou pelo menos livrar-se delas. Um viajante, que
se tinha abrigado num templo desocupado, assistiu
durante a noite à dança de uma velha peneira, de um
pedaço de tecido (furoshiki, que serve para transportar
pacotes) e de um velho tambor: ‘Eis o que acontece
quando se esquece de jogar fora as velharias’. Entre
ontem e hoje, entre hoje e amanhã, é preciso traçar
fronteiras, como a dama japonesa de que me falaram
(mas o caso não é provavelmente excepcional), que
lavava roupa todos os dias por medo de deixar para trás
roupa suja, se morresse repentinamente.
Desfile em Nova Dheli
2005
Sempre estamos diante dessa escolha entre
romper com o passado, mesmo recente, ou conservar
– mas até quando? – velhas roupas e velhas coisas
que ocuparam um lugar em nossa existência e são
para nós como amigos defuntos. Baudelaire: “O mes
bottes! rentrez au fond de cette armoire/ Qui va vous
servir de cercueil” (Ó minhas botas ! entrai no fundo
desse armário/ Que vos servirá de caixão).11
Amonstro no Amni Hot Spot
BH 17/04/2005
E, ainda, pensando a Antropologia como uma
ciência da alteridade ou da crítica cultural, adentramos
em um vasto campo, onde além dos textos culturais,
em geral, analisaremos aqueles construídos pela
Moda em sua intrínseca relação com a
contemporaneidade, principalmente, quando se
insiste em afirmar que a moda é étnica e multicultural.
Esse é um assunto que desperta instigantes
discussões.
11
LÉVI-STRAUSS, Claude (1997). Olhar, escutar, ler. Tradução Beatriz Perrone-Moisés.
São Paulo: Companhia das Letras, p. 133.
10
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Em que momento torna-se possível pensar uma moda étnica? Um olhar
redimensionado para o outro além da concepção tão arraigada que nos faz
procurar o similar, o semelhante, o idêntico e afastar o diferente, que só é
aceito no momento em que se torna um “igual”, ou um outro idealizado, que
esteja ao nosso alcance e que já vem transformado pela conveniência do
nosso desejo? Como ultrapassar a concepção e atingir a percepção?
Como diz Laplantine (1997, p.33), a antropologia “é a ciência do homem por
excelência, pertence a todo o mundo. Ela diz respeito a todos nós.”
AUGÉ, Marc. O sentido dos outros. Atualidade da
antropologia. Petrópolis, Rio de Janeiro:Vozes, 1999.
JUNQUEIRA, Carmen. Antropologia Indígena. Uma
Introdução. São Paulo: EDUC, 1991. Série Trilhas.
LABURTHE-TOLRA, Philippe ; WARNIER, Jean-Pierre.
Etnologia. Antropologia. Tradução: Anna Hartmann Cavalcanti.
Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. Trad. MarieAgnès Chauvel, Prefácio: Maria Isaura Pereira de Queiroz, 10a.
reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 1997.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Olhar, escutar, ler. Trad. Beatriz
Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
_________________ . Tristes trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
EDGAR, A.; SEDGWICK. Teoria Cultural de A a Z: conceitoschave para entender o mundo contemporâneo. 2003.
Introdução à Antropologia / Anhembi Morumbi
1111
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