Microbiologia geral Aula 9 MECANISMOS DE RESISTÊNCIA A SUBSTÂNCIAS ANTIBACTERIANAS 1. Introdução Na prática médica define-se como resistente um organismo que não será inibido (droga bacteriostática) ou destruído (droga bactericida) por um agente antimicrobiano em concentrações da droga atingíveis no organismo após a dosagem normal. Aumentar a dosagem, neste caso, seria perigoso porque poderia não ser eficaz contra o microorganismo e ainda ser tóxico para o indivíduo. Paralelamente ao rápido desenvolvimento de uma gama muito ampla de agentes antibacterianos desde a década de 1940, as bactérias têm demonstrado uma espantosa capacidade de desenvolver resistência a cada novo agente que surge grande ameaça ao tratamento de doenças Resistência X Novos agentes. Figura: utilização de antibiótico e efeitos Dia 1 = início da terapia com antibióticos Dias 2 e 3 = efeito esperado: queda do nº de microorganismos Dia 4 = parada da terapia com antibióticos Dias 5 a 11 = aumento do nº de bactérias e de bactérias resistentes! 2. Origem da resistência a fármacos 2.1) Origem não genética: É uma adaptação do microorganismo, não é efetivo contra a ação de antibióticos. Microorganismos que estão metabolicamente inativos (que não estão em fase de multiplicação) podem ser resistentes aos fármacos. Ex: micobactérias latentes no hospedeiro, elas ficam anos no organismo esperando um ambiente ótimo para desenvolver a doença. Os microorganismos podem perder a estrutura do alvo específico para um fármaco em várias gerações, tornando-se, assim, resistentes. Ex: organismos com parede celular sensível a penicilina podem perder a sua parede e, por conseqüência, passam a ser resistentes a este antibiótico. Neste caso, ocorre alguma modificação na membrana plasmática destas bactérias que as tornam viáveis mesmo sem a parede celular. Os microorganismos podem infectar o hospedeiro em locais onde os agentes antimicrobianos são excluídos ou não são ativos. Ex: os aminoglicosídicos não são eficazes contra a Salmonella (BGN intracelular). Esta bactéria “se esconde” dentro da célula do hospedeiro, e o agente é incapaz de penetrar nas células. 2.2) Origem genética: Ocorre a partir de mutações viáveis. * Resistência cromossômica – desenvolve-se em conseqüência de mutação espontânea em um lócus que controla a suscetibilidade a determinado agente antimicrobiano. A presença do antimicrobiano atua como mecanismo seletivo só os mutantes resistentes ao fármaco são capazes de crescer. * Resistência extracromossômica – as bactérias quase sempre contêm elementos genéticos extracromossômicos denominados plasmídeos, que contêm genes de resistência. O material genético e os plasmídeos podem ser transferidos pelos seguintes mecanismos: A) Transdução: o DNA do plasmídeo é incorporado num vírus bacteriano e transferido pelo vírus para outra bactéria da mesma espécie; Célula doadora infectada com vírus bacteriófago citólise: vírus liberado vírus infecta novas células: DNA bacteriano integra-se ao DNA receptor B) Transformação: o DNA passa de uma célula de uma espécie para outra, alterando assim o seu genótipo uso comum na biologia molecular; Célula doadora citólise: fragmentos de DNA liberados DNA atravessa a parede celular e integra-se ao DNA do receptor C) Conjugação: durante este processo, ocorre transferência unilateral do material genético entre bactérias de um mesmo gênero ou de espécies diferentes – pili sexuais. Transferência plasmidial: plasmídeos doadores atravessam a ponte citoplasmática e penetram no receptor Transferência cromossômica: um plasmídeo integrado pode provocar transferência de alta freqüência do DNA genômico que se integra ao DNA receptor D) Transposição: ocorre transferência de pequenas seqüências de DNA (transposons – “genes saltadores”) entre um plasmídeo e outro ou entre um plasmídeo e uma porção do cromossoma bacteriano no interior da célula bacteriana. Os transposons podem se deslocar de um sítio para outro do DNA: eles inativam o gene receptor ao qual foram inseridos. Os transposons frequentemente contêm genes de resistência aos antibióticos. 3. Mecanismos de resistência A atividade de substâncias antimicrobianas pode ser dividida em três etapas: 1ª)as substâncias precisam associar-se às bactérias e penetrar seu invólucro; 2ª) precisam ser transportadas a seus sítios alvos bioquímicos específicos; 3ª) ligam-se a seus sítios alvos bioquímicos específicos. Em que etapa da ação dos antibióticos a resistência atua? Os mecanismos de resistência clinicamente relevantes incluem: A) Síntese de enzima que inativa a droga: O principal mecanismo de resistência aos β-lactâmicos é a síntese de enzimas inativadoras, as β-lactamases. Essas enzimas abrem e destroem o anel β-lactâmico, impedindo que ele se ligue na proteína ligadora de penicilina. Assim, a parede é produzida normalmente. A β-lactamase é produzida enquanto há estímulo – o próprio β-lactâmico. As bactérias Gram+, em geral, produzem β-lactamases extracelulares. A secreção destas enzimas no meio destrói o antibiótico (quebra os anéis β-lactâmicos) antes mesmo que ele entre em contato com a superfície bacteriana. Elas são produzidas em grandes quantidades após a indução pelo antibiótico. Nas bactérias Gram–, as β-lactamases são encontradas no periplasma ou ligadas à membrana interna. São frequentemente constitutivas, ou seja, produzidas a uma taxa constante. Sendo assim, a resistência pode “ocasionalmente” ser vencida por doses mais elevadas de antibiótico. B) Resistência por excreção da droga (mecanismo de efluxo): Como exemplos deste tipo de resistência, temos os que são voltados para as tetraciclinas ou para as quinolonas. Neste caso, as amostras resistentes não acumulam a droga no interior da célula, e o motivo não é pela não absorção e sim por um mecanismo de saída que excreta ativamente a droga. C) Resistência pela inativação da droga: Ocorre modificação da droga e inibição do seu efeito. Como exemplo, temos a resistência ao cloranfenicol. A droga é inativada devido a uma acetilação em sua estrutura, o que a torna inativa visto que o cloranfenicol acetilado não se liga ao ribossoma (ocorre modificação da estrutura e carga da molécula). Esta reação é catalisada pelas acetiltransferases, produzidas pelas bactérias resistentes. Embora intracelulares, estas enzimas mediadas por plasmídeos são capazes de inativar todo o cloranfenicol no ambiente imediatamente próximo da célula. OBS: a resistência a esta droga, mais a toxicidade potencial, acarretaram uma redução no uso da droga. D) Resistência pela modificação do sítio alvo: A droga perde seu local de ação na bactéria. - Parede celular (Ex: Vancomicina): desde o final da década de 1980, muitas amostras de enterococos adquiriram resistência a vancomicina através de genes localizados em plasmídeos, que atuam para produzir um precursor alterado do peptidoglicano da parede celular em lugar da terminação D-alanina-D-alanina, modificam para Dalanil-lactato, o que impede a ligação da vancomicina. - Ribossomas (Ex: Eritromicina): o sítio alvo desta droga pode ser modificado de forma particularmente interessante, pela simples metilação do RNA, o que torna a subunidade 50S resistente ao medicamento. E) Resistência por desenvolvimento de via metabólica alterada: Os microorganismos desenvolvem uma via metabólica alternativa que se desvia da reação inibida pelo fármaco. Um exemplo clássico são algumas bactérias resistentes às sulfonamidas, que passam a utilizar o ácido fólico pré-formado (à semelhança das células de mamíferos) do próprio hospedeiro, não necessitando, portanto, do PABA extracelular. 4. Conclusões As medidas defensivas tomadas contra microorganismos resistentes incluem o desenvolvimento contínuo de antibióticos mais eficazes. A história sugere que os micróbios jamais esgotarão os recursos para o desenvolvimento de resistência, mas nós podemos esgotar nossos recursos para a produção de antimicrobianos eficazes. A alternativa seria desistir daquilo que muitos médicos historiadores da ciência consideram a diferença entre a medicina moderna e a Idade das Trevas.