dialogus - Centro Universitário Barão de Mauá

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CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ”
DIALOGUS
revista das graduações em licenciatura em
História, Geografia e Pedagogia
ISSN 1808-4656
Ribeirão Preto
v.7
n.2
2011
p.1-173
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DIALOGUS é uma publicação semestral dos
cursos de História e Pedagogia mantidos pelo
Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão
Preto, SP. Solicita-se permuta. As opiniões
emitidas são de responsabilidade dos autores.
É permitida a reprodução total ou parcial dos
artigos desde que citada a fonte.
Comissão Editorial
Prof. Ms. Cícero Barbosa do Nascimento
Profa. Esp. Cláudia Helena de Araújo Baldo
Profa. Dra. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa
Prof. Ms. Rafael Cardoso de Mello
Conselho Editorial
Andréa Coelho Lastória, profª Drª
Antônio Aparecido de Souza, prof. Ms.
Antônio Carlos Lopes Petean, prof. Ms.
Beatriz Ribeiro Soares, profª Drª
Charlei Aparecido da Silva, prof. Dr.
Dulce Maria Pamplona Guimarães, profª. Drª.
Edvaldo Cesar Moretti, prof. Dr.
EXPEDIENTE
Reitora
Profª. Me. Maria Célia Pressinatto
Pró-Reitoras de Ensino
Profª. Drª. Dulce Maria Pamplona Guimarães e
Profª. Drª. Joyce Maria Worschech Gabrielli
Diretores
Sr. José Favaro Júnior
Sr. Guilherme Pincerno Favaro
Sra. Neusa Pincerno Teixeira
Srª. Elizabeth M. Cristina Pincerno Favaro e Silva
Sr. Carlos César Palma Spinelli
Sr. Marco Aurélio Palma Spinelli
Departamento Didático Pedagógico
Profa. Esp. Dulce Aparecida Trindade do Val
Prof. Ms. Geraldo Alencar Ribeiro
Coordenadora da Graduação em História
Profa. Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa
Coordenador da Graduação em Pedagogia
Prof. Ms. Cicero Barbosa do Nascimento
Fábio Augusto Pacano, prof. Ms.
Fábio Fernandes Villela, prof. Dr.
Francisco Sergio Bernardes Ladeira, prof. Dr.
Ivan Aparecido Manoel, prof. Dr.
José William Vesentini, prof. Dr.
Aparecida Turolo Garcia, profª Drª
José Luís Vieira de Almeida, prof. Dr.
Lélio Luiz de Oliveira, prof. Dr.
Marcos Antonio Gomes Silvestre, prof. Ms.
Marilia Curado Valsechi, profª Drª
Maria Lúcia Lamounier, profª Drª
Nainora Maria Barbosa de Freitas, profª Drª
Pedro Paulo Funari, prof. Dr.
Renato Leite Marcondes, prof. Dr.
Robson Mendonça Pereira, prof. Dr.
Ronildo Alves dos Santos, prof. Dr.
Sedeval Nardoque, prof. Dr.
Silvio Reinod Costa, prof. Dr.
Solange Vera Nunes Lima D‟Água, profa. Dra.
Taciana Mirna Sambrano, profª Drª
Vera Lúcia Salazar Pessoa, profª Drª
FICHA CATALOGRÁFICA
DIALOGUS (Graduações em Geografia, em História e em Pedagogia – Centro Universitário “Barão de
Mauá”) Ribeirão Preto, SP – Brasil, v.7, n.2, ago/dez 2011. Semestral
16,0 X 21,0. 173p.
2011, 7-2
ISSN 1808-4656
1. Educação. 2. História. 3. Geografia
I. Centro Universitário Barão de Mauá.
II. Cursos de Graduação em Licenciatura em História, em Geografia e em Pedagogia.
CAPA: “Evolução da Educação”, autoria: Sandra Araújo
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PREFÁCIO
Prefaciar a Dialogus é sempre extremamente prazeroso pois é o
momento em que temos em mãos, concretamente, os desdobramentos e
os resultados da nossa produção acadêmica e a sua divulgação,
objetivos fundamentais da instituição universitária.
Abre este número uma entrevista concedida pela profª. drª.
Maria de Fátima C. G. de Matos sobre a história das artes visuais em
nossa cidade. Logo em seguida é apresentado um dossiê sobre a
educação brasileira no século passado. O primeiro artigo de autoria de
Ramires S. T. Carvalho, centra-se na formação docente destacando a
importância da construção de sua identidade profissional. O segundo da
professora Daniele M. Carvalho e profª. drª. Filomena E. P. Assoline
volta-se também à formação docente priorizando as suas memórias de
leitura. Compondo ainda este dossiê, contamos com o artigo de Luís
Fernando de Oliveira que traça uma correlação entre a crise dos valores
básicos no chamado mundo pós-moderno e a educação brasileira à luz
do pensamento de Nietzsche.
Outros dois artigos discorrem sobre aspectos da história da
religião católica em nosso país. O do esp. Rafael J. Silveira que se
debruça sobre a resistência católica diante das propostas da concepção
liberal de educação no período que vai de 1930 até o início da década de
1960 e o da profª. drª. Lilian R. de Oliveira Rosa que se propõe
compreender as estratégias de negociação entre a Igreja católica
brasileira, a Santa Sé e o Estado nos primeiros anos da República.
O prof. esp. Moreno, em seu artigo Descartes e sua descoberta
da substância espiritual, discute alguns aspectos, como o racionalismo, a
dúvida radical, o espírito e a matéria, na filosofia cartesiana. A nova lei
do aviso prévio, em uma perspectiva histórica, é abordada pelo Bel.
Marco Antônio Batista.
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Mais uma vez, portanto a Dialogus aprimora-se com trabalhos
de qualidade que nos trazem informações, provocam crítica, reflexão e, o
mais importante, impulsionam novas pesquisas.
Reitoria do Centro Universitário Barão de Mauá
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Apresentação do segundo número do sétimo volume
A cada vez que vemos materializados artigos, entrevistas e
demais textos em nossa revista, mais temos a certeza de que nosso
caminho foi bem trilhado, bem conduzido.
A entrega deste volume cristaliza a importância que a Revista
Dialogus adquiriu ao longo destes sete anos no Centro Universitário
Barão de Mauá, para não citar a região de Ribeirão Preto e o Brasil.
Assumimos estas esferas de importância na medida em que
nossos colaboradores advém das mais variadas Instituições de Ensino
Superior do país. São professores e pesquisadores provenientes de
universidades e faculdades públicas (estaduais e federais) e privadas,
participando efetivamente destes diálogos interdisciplinares – marca de
nosso periódico – das áreas de Educação, Epistemologia e História.
Destacamos neste segundo número de 2011 a entrevista de
Adriana Silva com Maria de Fátima Costa Garcia de Matos. Uma lição
sobre arte e sobre as relações da entrevistada com o universo artístico.
O nosso dossiê, desta vez, focou nas questões educacionais. “A
educação brasileira no século XX”, foi o tema que movimentou nossos
colaboradores. Iniciamos com Ramires Santos Teodoro Carvalho e a sua
produção sobre a trajetória da profissão professor, ao longo do último
século. Já Daniele Machado Carvalho e Filomena Elaine de Paiva
Assoline nos emprestaram suas ideias quanto as memórias de leituras e
a formação dos professores em sua fase inicial. Fechando o nosso
dossiê, Luis Fernando de Oliveira escreve sobre educação e ética no
Brasil, a partir dos preceitos da filosofia de Nietzsche.
Os demais artigos são igualmente ricos, cada qual com sua
temática, objeto e problematizações.
Rafael José da Silveira produz um interessante artigo sobre a
resistência católica frente ao discurso neoliberal. Outro texto que se fez
presente nesta edição se faz no campo da epistemologia – “Descartes e
a descoberta da substância espiritual”, do autor Luis Carlos Moreno.
Marco Antonio Batista analisa a urgente questão sobre o aviso prévio e a
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história do Direito do Trabalho, e, finalizando este segundo número do
ano de 2011, Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa avalia a complexa
relação entre o Estado brasileiro, a Santa Sé e a Igreja Católica durante
os idos de 1889 a 1991.
Comissão Editorial
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SUMÁRIO/SUMMARY
ENTREVISTA/INTERVIEW
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Um pouco da história das artes visuais de Ribeirão
Preto: entrevista com Maria de Fátima da Silva Costa
Garcia de Mattos.
A little bit of history of the visual arts of Ribeirão Preto:
interview wirh Maria de Fátima da Silva Costa Garcia de
Mattos.
Adriana SILVA
DOSSIÊ/SPECIAL
“A educação brasileira no século XX”
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Trajetória da profissão docente durante o século XX.
The trajectory of teaching profession during the twentieth
century.
Ramires Santos Teodoro CARVALHO
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Memórias de leituras e formação inicial de professores.
Memories of reading and initial teacher formation.
Daniele Machado CARVALHO
Filomena Elaine Paiva ASSOLINI
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A educação para a ética no Brasil fundamentada na
filosofia nietzschiana.
Education for ethics in Brazil from nietzschean philosophy.
Luis Fernando de OLIVEIRA
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ARTIGOS/ARTICLES
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A resistência católica ao avanço da concepção liberal da
educação no Brasil (1930-1961).
The Catholic resistance and advancement of the liberal
conception of education in Brazil.
Rafael José da SILVEIRA
103 Descartes e sua descoberta da substância espiritual.
Descartes and his discovery of spiritual substance.
Luís Carlos MORENO
123 A história do Direito do trabalho e a nova lei do aviso
prévio.
The history of the Labour Law and the new Law of prior notice.
Marco Antonio BATISTA
145 Estratégias de negociação entre a Santa Sé, o Estado
brasileiro e a Igreja Católica local entre 1889 e 1991.
Strategies and negotiations between the Holy See, the Brazilian
state and the local Catholic church between 1889 and 1991.
Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA
165 Índice de autores/Authors index.
166 Índice de Assuntos.
167 Subject Index.
169 Normas para publicação na revista DIALOGUS.
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ENTREVISTA/INTERVIEW
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UM POUCO DA HISTÓRIA DAS ARTES VISUAIS DE
RIBEIRÃO PRETO: ENTREVISTA COM MARIA DE
FÁTIMA DA SILVA COSTA GARCIA DE MATTOS *
Adriana SILVA*
Inicialmente a entrevista objetivava buscar informações sobre os
imigrantes italianos Bassano Vaccarini, Leonello Berti e Pedro Caminada
Manuel-Gismondi - os três artistas plásticos. Ao final, mostrou-se um
material interessante para o entendimento sobre a história das artes em
Ribeirão Preto. A professora Dra. Maria de Fátima, ao revelar sua
trajetória acadêmica, contribui com informações para uma maior
compreensão sobre o universo educacional.
Adriana Silva – Defina arte.
Maria de Fátima – É uma pergunta difícil para a gente que trabalha com
arte, mas vou te devolver com uma colocação. Quando eu comecei com
meus 17 anos, quando eu entrei na Faculdade, logo na primeira semana
de aula, eu perguntei ao então professor Pedro Caminada ManuelGismondi, como ele gostava que a gente se lembrasse sempre, o nome
completo dele. E eu sempre muito atrevida, muito falante, perguntando
muito, e ele falando sobre a contemplação sobre a fruição estética e eu
perguntei a ele: em resumo, o que é arte professor? E ele me respondeu:
que a arte era a expressão do sentimento contemplado,
1) E o que era uma definição dele, se tornou uma definição sua?
Maria de Fátima – Pra mim se tornou. Eu fiquei com isso, e você bem
pode observar, que hoje, 35, quase 40 anos depois, eu tenho isso vivo,
Entrevista feita com a Professora, Pedagoga e Doutra em Artes pela ECA-USP, Maria
de Fátima da Silva Costa Garcia de Mattos.
* Jornalista, escritora e Doutora em Educação pela UFSCar. Email para contato:
[email protected]
*
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mas aprendi com isso realmente que a expressão da arte vem
exatamente dessa contemplação que nós temos, que nós fazemos, uma
contemplação do objeto, a contemplação da ideia, a contemplação que
na verdade vai nutri o meu fazer artístico. Porque o fazer não nasce pelo
próprio impulso, pela própria criatividade, eu antes disso tenho aquele
processo platônico da ideação no momento em que eu vou colocando,
isso também vai me permitindo sentir fazer uma outra espécie de
trabalho interior comigo mesma. Eu acho que é nessa relação, talvez um
pouco catártica, que eu de repente me auto realizo, eu contemplo. E
quando eu contemplo o objeto, que é esta ideia formada, eu acredito que
aí também eu me contemplo como pessoa, como ser e, nesse sentido eu
entendo, aquilo é arte. Porque arte acima de tudo eu acho que ela não
faz esse caminho se ela não fosse exatamente no sentido literal dela.
Arte é sensibilidade. Eu acho que arte sem sensibilidade nós não temos
diálogo, nós não formamos dialogo sem sensibilidade. Então é por isso
que eu acredito que é um caminho realmente. Eu contemplo um objeto,
uma ideia, aquilo que eu venho formando para que ao contemplar eu
possa ter nessa fruição estética, eu consiga captar dela, via
sensibilidade, via criação, via outros elementos, que aí sim, eu me dou
conta: isso é arte.
2) A arte precisa ser entendida?
Maria de Fátima – Não. Eu acho que talvez como a gente costuma
ensinar, arte é uma linguagem universal. Ela está presente em tudo, em
todos e acho que em qualquer lugar do mundo. Independe da nação, da
língua falada, ou da maneira mais inteligível possível de se adequar e
conviver com o social. A arte está presente em tudo. Então eu acredito
que a arte é muito a sua maneira de olhar, a sua maneira de ver e,
principalmente hoje, depois de tantos anos trabalhando com arte, eu
muitas vezes me questiono se muitas vezes não é somente o olhar da
gente que é muito mais artístico que o próprio fazer. Eu acredito que o
olhar é mais artístico. Você vê, você olha determinado local, com um
olhar mais sensível àquilo que o local lhe oferece e você obviamente ao
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vê-lo você o interpreta artisticamente. E você é capaz de ver como se
fosse uma paisagem, uma coisa que modifica, você olha e você vê aquilo
e ninguém mais enxerga. Esse olha eu acho que faz parte desse
sensível que todos nós internalizamos, temos conosco e que eu acho
que é isso que a gente vê quando abre os olhos. A gente abre essa
câmara do sensível que nós temos. Por isso que eu não vejo a arte, eu
aprendo a ler a arte. Eu aprendo a ler artisticamente um produto, uma
figura, uma ideia. Aquilo que eu na verdade tenho na minha frente. Eu
acho que a arte faz parte de uma leitura.
3) É Possível haver arte naquilo que não é belo, logo naquilo que é feio?
Maria de Fátima – Talvez a gente devesse fazer uma regressão
exatamente ao conceito de gosto, ao conceito do que é belo e do que é
feio. Na verdade o belo para mim é o belo platônico, é o ideal de beleza.
O belo para mim se concentra na perfeição., que era aquele belo
platônico. Ele é a perfeição em si, mas ele é a perfeição alcançada pelo
trabalho. Ele é a perfeição alcançada pela visão do artista na obra. Ele é
essa perfeição que me leva a um trilhar de uma maneira mais adequada
naquela concepção. Na concepção artística. Na concepção daquilo que
está sendo realizado. Se é feio, eu volto na resposta anterior, ele é um
critério do olhar de quem vê. Para quem vê muitas vezes o feio é de
uma beleza incomensurável. E o gosto, eu acho que na verdade se eu
gosto mais porque acho isso belo ou se gosto menos porque acho isso
feio, ao mesmo tempo eu penso um pouco em Bourdieu quando ele fala
da distinção, quando ele fala sobre o gosto. E na verdade ele vai buscar
um parâmetro. Muitas vezes eu não tenho como desenvolver o gosto se
eu não consegui trilhar o meu lado do olhar sobre o social. E
dependendo de onde eu venho, de como eu me porto e onde eu me
insiro. O meu gosto, eu posso moldá-lo. Eu posso vir a conquistá-lo
porque eu tenho que ter essa definição, esse discernimento. Na verdade
eu acho que não existe o belo e o feio. Entre a doçura da bela e a fera
eu acho que é só a beleza que se aprimora não a máscara da fera.
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4) Fale sobre o Bassano Vaccarini como professor.
Maria de Fátima – Como professor o Vaccarini era um encanto. Eu me
lembro dele já nos anos 1970, eu fui aluna dele entre 1973, 1980.
Sempre muito perfeccionista, exigente. A quantidade de telas, de
exercícios, que propostas que ele nos pedia era uma coisa quase que
feita de maneira industrial. Eram dez para a próxima aula, eram quinze
para a próxima aula, e ele não tinha medida, mas eu acho que isso era
muito do espírito artístico dele. Ele era um artista que a ente percebia
que no contato com o fazer artístico não tinha medida. Ele se dedicava
como um todo. A gente percebia a força com que ele colocava aquela
bisnaga na tela, e a gente percebia que ele também não tinha medida.
Como ele também não tinha medida na escultura. Eu digo isso porque
ele não tinha horário. Ele não era aquela pessoa disciplinada que
dependia de determinados momentos para poder fazer. Ele se imbuia
desse fazer, que na verdade esteticamente é o grande prazer. Era onde
ele ia fazendo cada vez mais e eu acho que isso ele tinha em relação
aos seus alunos. Ele cobrava na mesma violência de solicitação. Mas
como professor ele era perfeito. A lembrança que me traz uma paixão
muito gostosa foram as duas especializações que eu fiz com ele: do
Laboratório Vivencial do Artista no Teatro e a sobre Cenografia e
Indumentária. Nunca pensei em viver o aprendizado de alguma coisa
que fosse cênica e composição cênica ao mesmo tempo e chegávamos
ao ponto como de fato chegamos, eu encenei naquela época Damas das
Camélias, eu fazia o papel da Margarida e ele uma vez brincando comigo
falou: eu só lhe dou dez se você chorar. Eu tinha uma terrível ansiedade
e preocupação com aquilo. Eu ensaiava com meu pai e com minha mãe
todas as noites, televisão era pouca naquela época, eu ensaiava o texto
de maneira que meu pai e minha mãe pudessem ser meu crivo principal.
E um belo dia, falando naquela empolgação eu esbocei uma emoção e
eu vi que nos olhos do meu pai ele ficou muito vaidoso vendo sua filha
encenar alguma coisa. E eu levei tudo aquilo para a peça. A minha mãe
ajudou, naquela época tinha um cristal japonês que a gente usava para
tratar a enxaqueca e, naquela época eu usava e me ajudou muito eu
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poder chorar. Mas eu livremente conseguia a emoção. E ele me deu
dez. Só que na verdade o que foi muito legal, que eu acho que o curso
trouxe muita contribuição para nós, eu fui a terceira turma do Curso de
Educação Artística, é que nós montávamos as pranchas, desenhávamos
os cenários, desenhávamos os personagens em aquarela, na verdade
naquela época, na Língua Portuguesa a “ecoline” a tinta francesa que a
gente comprava naquela época, nós pintávamos de uma forma liquida,
transparente, que ele dizia que era essa a sutileza que ele queria de nós,
essa sensibilidade, essa leveza que ele queria de nós no palco. Então as
tintas com que eu fazia as pranchas no desenho tinham que ficar bem
liquida. Eu guardei isso dele. Era uma forma muito elegante que ele tinha
de passar para nós esse fundamento das Artes Cênicas. Utilizei bastante
enquanto professora do Ensino Fundamental.
5) Apesar de morar em Ribeirão Preto, Vaccarini sempre se manteve
italiano?
Maria de Fátima – Italianíssimo. Poucas palavras ele falava em
português. Era um Italiano aportuguesado, e sempre falante,
estabanado, da mesma forma que o Pedro, e da mesma forma que o
Berti, ainda que esse mais contido. Eram professores que a gente
percebia que tinha um espírito tão grande que eu acho que o fato de ser
aquela grandeza italiana, aquela grandeza romana como a gente vê na
arte italiana de uma maneira geral. Eles eram uma presença contínua no
prédio onde a gente tinha aula. O que eu quero dizer com isso? Que o
espírito deles era tão grande, que preenchia o local. Quando acabava a
aula e o professor saia, parecia que ficava tudo vazio e a minha turma
tinha cento e vinte alunos.
6) Fale um pouco sobre sua experiência artística e de convivência com o
Pedro Manuel
Maria de Fátima - Eu tinha uma admiração muito grande, em primeiro
lugar, pela aula que ele dava. Eu acho que é onde o professor
normalmente vai, era uma um espelho. A gente vai se afeiçoando a
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algumas coisas e depois um dia, a gente vai buscando naquela imagem
e naquela pessoa, alguma coisa que você fala: um dia eu quero ser
como ele. Eu tinha dele uma imagem docente muito bonita, muito boa.
Ele tinha uma aula extremamente difícil, era uma aula difícil de conteúdo,
de fala, porque você imagina uma sala de 120 alunos, uma italiano
falando pouco português, e na medida em que a gente perguntasse, nem
sempre ele gostava. Uma vez ele pediu o projetor de slides e o rapaz
demorou para trazer e quando o funcionário trouxe, a lâmpada estava
falhando. Eu sentava na primeira fileira, claro, e eu sentada ao lado do
tripé de madeira usado para projetar lá na lousa. Quando o projeto foi
ligado, a lâmpada estava com meia vida, e a lâmpada falhou uma vez,
falhou a segunda, o Professor Pedro muito intempestivo, até o chamar o
rapas de novo ele ficou irritado e chutou com o pé aquele tripé e eu senti
o peso da lâmpada do projetor de slides no meu dedão. E aquilo me
deixou, que eu não sabia como fazer, eu tinha de chorar, doeu muito.
Era a intempestividade dele. Isso era muito próprio dele. Ele ficou bravo
com uma aluna, uma amiga inclusive, ele ficou bravo com ele e tirou os
óculos e arremessou porque ela tinha feito uma pergunta que era meio
fora de hora para ele. E ele então arremessou e a perna do óculos
quebrou. E ele passou até o final do ano com a perna do óculos
embrulhadinha num esparadrapo branco que quando ela caia ele
colocava em cima da mesa e quando precisava do óculos, ele o colocava
sem a alça e segurava com a mão e continuava dando aula para nós
gesticulando somente com a outra mão. Eu acho que esse critério todo,
na verdade, essa intempestividade toda dele, eu acho que era o seu lado
artista. Esse não era o lado docente. O lado docente era aquele que
queria que a gente aprendesse. Era aquele que eu tenho certeza que eu
herdei. Era aquele lado que a gente fica possessa, porque a gente
ensina com prazer, a gente se doa, a gente mostra obra, volta na obra, lê
a obra como todo, explica, disseca a obra toda em planos, em linhas, em
cores, em volume, e você está passando aquele conteúdo com a alma e
você percebe que a recíproca não é verdadeira.
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Hoje, tantos anos passados, eu entendo os acessos que ele tinha. Ele
era uma artista. Num pais recém chegado, principalmente que nos anos
70, nós não tínhamos essa herança, principalmente no interior. Que
herança nós tínhamos de cultura artística? Então se deparar com um
grupo de italianos, educados na própria Itália, educados em uma escola
italiana, numa escola italiana, veja bem, eu te digo, aquele menino
escolar cuja a história corre na veia, que sabe contar pedra por pedra da
rua, do paralelepípedo porque Le tem a história no sangue,
diferentemente de nós brasileiros. Então eles trazendo isso, nós
tínhamos assim, uma veneração em poder vê-los trabalhar. Eu pensava
sempre, como ele consegue dar aula e ele não lê nada. Isso eu
incorporei.
7) E a arte do Pedro?
Maria de Fátima – Eu acho que a arte do Pedro não era meiga, não era
doce. Eu acho que ele tinha a singeleza artística no próprio
temperamento dele, nos dois lados que todos nós temos, mas era muito
mais expressiva, mais expressionista, era mais pastosa, talvez a maneira
de ver dele fosse mais atenta, mais agressiva, naquilo que ele fazia.
Uma coisa que me chama a atenção, quando o Pedro teve um derrame e
eu fui visitá-lo, é a quantidade de obra que ele tinha do ateliê dele.E foi
uma pessoa que dentro de Ribeirão Preto ficou muito lembrada como o
professor de todos, mas a sua obra especificamente eu acho que foi
pouco comentada. Talvez porque ele também fosse uma pessoa nesse
sentido mais introspectiva.
8) Além do universo acadêmico, como foi sua relação com o professor
Gismondi?
Maria de Fátima – Ele tinha uma monitora fixa, que era uma monitora de
aula, que era a professora Maria Elizia Borges e posteriormente se
tornou uma docente no curso. Eu monitorava as provas que nós
chamávamos do corredor da morte, porque ficávamos todos enfileirados
e era prova oral. Nós entrávamos nas saletas de cada um dos docentes
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e aí então ele passava aqueles famigerados dez slides, o que eu
também fiz durante muito anos na minha depois como professora. Ele
passava e nós tínhamos que saber e era zero ou dez. Ou eu sabia ou eu
não sabia. E tinha uma lista extensa das coisas que nós tínhamos que
saber que tinha naqueles slides; século, data, quem era o pintor, nome
de obra, que técnica era... Então era um aprendizado mais consistente.
Eu era então aquele que monitorava todos os carretéis dele e montava, a
cada aluno que entrava, dez diferentes. Ele não admitia sequer que a
gente dissesse: dá licença, eu queria usar o sanitário. Ele respondia.
Não, você não pode, você fica. Primeiro nós temos que cumprir a prova,
depois você vai. Pra surpresa minha, eu comecei a lecionar no ensino
superior em 77 em outra cidade e em Ribeirão Preto em 81, quando foi
criada a Faculdade de Arquitetura de Ribeirão Preto. Foi convidado um
corpo docente de elite, professoras Daici, Maria Elizia, Prof. Pedro,
Francisco Amêndola, como professor de fotografia e outros excelentes
professores que a memória falha. E o professor Pedro teria que ter
alguém para revezar, porque ele estava em uma fase que ele não queria
mais assumir aulas todas as semanas num curso, era uma cara horária
muito extensa. E ele então disse que tinha uma pessoa que trabalhava
ali que poderia dividir com ele a disciplina ele disse: a Maria de Fátima
pode ser uma boa companheira. Isso me enobreceu demais. Isso foi em
81. Nós chegamos a preparar algumas aulas juntos. Eu tinha muita
vergonha, muito respeito, muito medo mesmo de falar algum impropério,
que tivesse alguma coisa que não estava da maneira correta e que ele
me repreendesse, porque ele faria isso com a maior facilidade,
duramente, na frente de qualquer pessoa. Tenho ainda alguns slides
com a letrinha dele que eu guardei, porque eram slides que ele mesmo
catalogou e ele revezava comigo uma semana cada um, só que na aula
dele eu sempre ia para assistir. Para mim era um prazer poder ouvir a
aula dele. Apos dois anos ele viajou para a Itália. Ele tinha um
compromisso, ele tinha uma exposição. Ele ficou mais de seis meses lá e
quando ele retornou ele trouxe um mimo para mim com um cartão escrito
que eu já ensinei o que eu tinha para te ensinar e agora você já pode
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ficar sozinha. E realmente com bastante medo eu continuei com os meus
carretéis de 180 slides como era o sistema dele e fiz isso por mais de 20
anos até que a tecnologia me ensinou a passar para as transparência e
hoje para o sistema de multimídia. Por uns 15 anos eu fiz o mesmo
sistema, inclusive com o corredor da morte. Hoje eu tenho um prazer que
esse eu agradeço ao Pedro Gismondi, que é quando um aluno meu
viaja, assim como uma aluna esses dias me postou no facebook;
professora, muito obrigada por ter me educado em História da Arte. Isso
eu acho que não tem preço. Isso é a escola do Pedro Gismondi.
9) Fale sobre o Leonello Berti.
Maria de Fátima – O Berti era de todos acho que o mais tímido conosco
na sala de aula. Falava pouco, trabalhava muito bem, mas era muito
rápido, muito lépido para poder fazer as coisas conosco, principalmente
as tintas, o manuseio. Ele era uma pessoa muito querida. Ele foi o
paraninfo da minha turma, que infelizmente no 14 de fevereiro daquele
ano não colou grau porque ele faleceu. Suspendemos a nossa festa de
formatura, voltamos posteriormente e colocamos grau na sala do doutor
Eletro e não tivemos festa. Ele era o nosso paraninfo. Era um querido,
era uma pessoa especialíssima, tinha uma delicadeza e uma coisa que a
gente sempre memorava, a delicadeza com que ele lidava com a cor, ele
não tinha delicadeza para lidar com o pincel , era a técnica . Ele tinha
uma delicadeza para lidar com a cor. Parece que ele escolhia aquilo que
de mais elegante, cativo, aquilo que mais adoçasse aquele trabalho que
a gente estava fazendo. A gente tinha um afeto muito grande por ele.
10) As cores fortes que ele usava em seus quadros tinha explicação?
Maria de Fátima – Talvez esse lado totalmente expressivo da Escola
Italiana. A gente percebe que o próprio temperamento deles muitas
vezes contracenava na obra ao mesmo tempo que eu tinha uma sutileza
de cor , mais clara, mais fria, eu tinha aquele violência da cor mais forte,
mais sobrecarregada. Eu tinha nisso, um ímpeto, um espírito criativo,
artístico dele. Nós víamos muito disso na obra dele. Obra que ele puxava
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a cor no centro do quadro e você não distinguia a figura você só via
como se fossem lambidas de pincel. E ali estava o que ele queria dizer e
não na figura que ele compunha. Poucas vezes ele ensinava para nós a
compor através da forma. Nós não tínhamos a forma rosto para que eu
pudesse compor , mas através das cores, o contorno que me era dado
pela cor eu definia o rosto de quem eu estava fazendo e a maneira como
eu estava vendo.
11) Qual a importância desses três professores de artes italianos?
Maria de Fátima – Eu acho que eles são os personagens importantes
dessa história de formação artística para a cidade de Ribeirão Preto.
Acho que todos que vêem desse ensino de artes de Ribeirão Preto,
desde as primeiras turmas, são ainda devedores desse conceito, desse
ensinamento, que de maneira ou outra nós pudemos absorver de cada
um deles. Eles foram para nós uma escola artística e eu não tenho
medo de dizer, principalmente por mim, eles foram uma escola de vida.
Nós aprendemos com eles a matéria, a lição. Não passávamos
realmente sem mérito. Eles tinham um crivo impressionante que hoje
seria improvável de se utilizar na sistemática que nós temos hoje nas
escolas. Mesmo no ensino superior, na formação dos professores de
arte, seria hoje improvável de podermos utilizar, mas eles nos educaram
artisticamente e nos educaram, acho, que principalmente naquilo que
posteriormente, dez anos depois, nós viemos a conhecer como o
movimento da escolhinhas de artes. Eu aprendi a olhar a obra de arte.
Eu aprendi a fazer a leitura da obra de arte. Eu aprendi a doutrinar o
olhar. Eu aprendi a filtrar o olhar e hoje quando eu busco em um aluno,
ensinar exatamente que quando ele olhe um ornamento da arquitetura,
que ele olhe em especial um trecho somente de uma escultura, ou a
cabeça ou a análise daquele braço ou quando eu olho em uma tela eu
espero que ele lembre filtre o olhar. A minha maior paixão hoje é quando
no ensino superior eu dou um exercício depois de um ano e meio de
curso, e eu consigo que o aluno olhe duas linguagens diferentes, artes
visuais e arquitetura, por exemplo, e que ele consiga ver, aquela casa,
21
uma obra de arte de uma mesma época e que estejam extremamente
dialógicas. Que ele consiga ver através do ponto, da linha, da luz e da
cor. Que ele consiga fazer esse exercício. E aí normalmente ele vira para
mim e diz: mas era tão óbvio e porque eu não enxerguei antes? E
naquele dia para mim eu ganhei o ano. Porque? Por que é quando o
olhar dele casou, é quando ele não percebeu, mas ele aprendeu. Então
eu acho que nesse sentido a nossa escola foi muito boa. Eles foram
realmente de uma escolarização acho que do futuro na cidade de
Ribeirão Preto.
SILVA, Adriana. A little bit of history of the visual arts of Ribeirão
Preto: interview wirh Maria de Fátima da Silva Costa Garcia de
Mattos. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, p.11-21.
22
23
DOSSIÊ/SPECIAL
“A Educação brasileira no século XX”
24
25
TRAJETÓRIA DA PROFISSÃO DOCENTE DURANTE O
SÉCULO XX
Ramires Santos Teodoro Carvalho*
RESUMO: O texto apresenta saberes necessários para os profissionais
da educação, a formação da identidade do professor (reflexivo e
pesquisador), apreender as concepções acerca do ensino e a
importância em desenvolver competências para ensinar. Analisar as
práticas docentes como caminho para repensar a formação inicial e
contínua de professores e sua identidade profissional, tendo como base
teórico-metodológico a questão dos saberes que constituem a docência
e o desenvolvimento dos processos de reflexão docente sobre a prática.
PALAVRAS-CHAVE: Formação Inicial e Contínua; Professor Reflexivo;
Identidade; Saberes da Docência.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo a contextualização do
problema, dificuldades, erros, acertos durante o século XX e no terceiro
milênio que adentramos, cujo cenário encontra-se marcado pela
progressividade da revolução científica, pela agilidade das
transformações socioculturais, faz-se necessário um ensino científico
objetivo para todos. Nesse caso, torna-se obrigatório uma visão para
aquele que ensina: o professor, para suas compreensões acerca do
ensino e do ser professor de profissão, isto é, aproximar-se dos
mecanismos que lhe permitam abordar o ensino e todo o seu contexto
circunstancial.
Graduação em Pedagogia, Especialização em Metodologia de História e Geografia pelo
Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail do autor
[email protected]. Orientador: Cleide Augusto.
*
26
Portanto, em face ao que foi exposto, justifica-se direcionar o
nosso olhar a esta problemática, visando atentar a ruptura e visão
externa, do conjunto de reproduções criadas em sua pluralidade a partir
de ideias estereotipadas, rebaixando a atuação do professor como um
mero técnico reprodutor de conteúdos e esquemas de aprendizado.
1 CONCEITO DE PROFESSOR REFLEXIVO
A definição de „Professor reflexivo‟ vem sendo extensamente
discutido nos meios educacionais de diversos países, inclusive no Brasil,
a partir dos anos 90, do século XX.
O professor norte-americano John Dewey (1859-1952),
caracteriza o pensamento reflexivo como elemento impulsionador da
melhoria de práticas profissionais docentes.
O pensar reflexivo compreende uma condição de dúvida,
hesitação, ambiguidade, ato de pesquisa e requer indagação, buscando
constatar a resolução da dúvida. Para Dewey (1979, p. 24) “a
necessidade da solução de uma dúvida é o fator básico e orientador em
todo o mecanismo da reflexão”.
Segundo Holec (1979, p.26), o conceito de aprendizagem
autônoma é a competência para administrar a própria aprendizagem o
que implica em: “Ser capaz de definir objetivos pessoais, organizar e
gerir tempos e espaços auto-avaliar e avaliar processos, controlar ritmos,
conteúdos e tarefas na sua relação com os objetivos a seguir, procurar
meios e estratégias relevantes”.
Podemos observar que a partir da discussão e reflexão anexa
começam a emergir novas propostas para a reconstrução da prática
pedagógica. Segundo Freire (1996), a formação permanente dos
professores é fundamental para a reflexão crítica sobre a prática. “É
pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode
melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1996, p. 44).
Importante salientar que para a melhoria do ensino e suas
bases estão assentadas na formação dos professores. São eles os
27
responsáveis pela ação educativa e pelo desenvolvimento do processo
de ensino-aprendizagem.
A formação do professor por meio da prática reflexiva tem como
objetivo crucial trazer a consolidação da autonomia profissional.
Alarcão (1996) mostra-nos que os pensamentos do professor
Donald Schön ajudaram para que a efígie do professor fosse mais ativo,
autônomo e crítico e pudesse fazer suas escolhas questionando aquela
do profissional cumpridor de ordens que procedem da sociedade.
Neste sentido, o professor reflexivo se caracteriza como um ser
humano criativo, capaz de refletir, analisar, questionar sobre sua prática
para agir, e agindo, não seja mero reprodutor de ideias e práticas que lhe
são exteriores. Consequentemente, espera-se que o professor reflexivo
seja capaz de forma autônoma agir com inteligência e flexibilidade,
buscando construir e reconstruir conhecimentos.
As estratégias de formação reflexiva fazem referências com
princípios de formação que Vieira e Moreira (1993) definem como
enfoque no sujeito, enfoque nos processos de formação,
problematização do saber e da experiência, integração teoria e prática e
introspecção metacognitiva.
Professor Schön (1995), considera a prática profissional como
oportunidade para construção do conhecimento que se realiza por meio
da reflexão, análise e problematização. Para o pesquisador, a atuação
do educador envolve conhecimento prático (conhecimento na ação,
saber-fazer); a reflexão-na-ação (metamorfosear o conhecimento prático
em ação); e reflexão-sobre-ação e reflexão-na-ação (que é o nível
reflexivo).
Zeichner (1993) diz que a reflexão otimizada por Schön
emprega-se a profissionais individuais, cujas metamorfoses que
conseguem operar são emergentes: os professores não conseguem
modificar as situações além das salas de aula. Para alguns autores
Schön tinha consciência das limitações dos profissionais reflexivos, por
não especificar os pensamentos sobre a linguagem, sistemas de valores,
método de compreensão e a forma de definição do conhecimento. Os
28
princípios fundamentais para que os professores consigam mudar a
produção do ensino, segundo ideais de igualdade e de justiça. Portanto,
não basta apenas à reflexão, é necessário ao professor, competência
para intervir nas situações concretas e reduzir tais problemas. Os
professores não refletem sobre a metamorfose, pois, são condicionados
ao contexto em que atuam. Nesse sentido, considera-se que a óptica de
Schön é reducionista e limitante por evitar contextos institucionais e
conjecturar a prática reflexiva de modo individual.
Os professores exercem um papel eminente na estruturação e
produção do conhecimento pedagógico e estas ações refletem na
instituição, na escola, no aluno e na sociedade em geral. Desta maneira,
o professor tem papel ativo na educação e não um papel simplesmente
técnico que se limita à execução de normas e receitas ou à aplicação de
teorias exteriores à sua própria identidade profissional. Isso nos mostra
que a profissão docente é uma tarefa exímia para intelectuais e implicam
num saber fazer (Santos, 1998).
2. REFLETIR NA AÇÃO, SOBRE A AÇÃO E SOBRE A REFLEXÃO NA
AÇÃO
As ações para formação continuada de professores no Brasil
intensificaram-se na década de 1980 (BRASIL, 1999). A partir da década
de 1990 a formação continuada passou a ser analisada como uma das
estratégias indispensáveis para o processo de construção de um novo
perfil profissional do professor (NÓVOA, 1991; GARCIA, 1994,
PIMENTA, 1994, ESTRELA, 1997; GATTI, 1997; VEIGA, 1998).
Baseado nos estudos desenvolvidos por Schön (1995), Alarcão
(2003) Perez-Gómez (1992), foi possível organizar as operações que
envolvem o modelo reflexivo a partir de quatro conceitos e/ou
movimentos básicos: o conhecimento na ação; a reflexão na ação; a
reflexão sobre a ação; e a reflexão para a ação.
29
Por isso, a postura reflexiva do professor não só requer o saber
fazer, como também saber educar de forma consciente, para que suas
práticas e decisões sejam tomadas para o favorecimento da
aprendizagem do aluno. Segundo Perrenoud (2002), ensinar é, antes de
tudo, agir na urgência, decidir na incerteza.
Para o educador Paulo Freire (2001) a reflexão nada mais é
que: fazer e o pensar, entre o pensar e o fazer, ou seja, no “pensar para
o fazer” e no “pensar sobre o fazer”.
Segundo Pimenta (1996) diretrizes e decisões políticocurriculares, direcionam para a magnitude do triplo movimento sugerido
por Schön, da reflexão na ação, da reflexão sobre a ação e da reflexão
sobre a reflexão na ação, à medida que o professor compreende-se
como profissional autônomo.
Refletindo sobre o tema, Pimenta (2000) nos mostra que o
saber docente não é constituído apenas da prática, mas também pelas
teorias da educação. A teoria tem magnitude crucial na formação dos
docentes, pois concede aos indivíduos diferentes pontos de vista para
uma ação contextualizada, propiciando perspectivas de análise para que
os professores conheçam os contextos históricos, sociais, culturais
organizacionais e de si próprios como profissionais.
O professor encontra-se em processo contínuo de formação,
refletir sua formação significa pensá-la como um continuum de formação
inicial e contínua. “Entende, também, que a formação é, na verdade,
autoformação, uma vez que os professores reelaboram os saberes
iniciais em confronto com suas experiências práticas, cotidianamente
vivenciadas nos contextos escolares”. (PIMENTA, 1997, p. 11).
É nessa contenda de trocas de experiências e práticas que
docentes vão constituindo seus saberes como praticum, isto é, aquele
que imutavelmente reflete sobre a prática
Para Freire (2001, p. 53) a crítica é a curiosidade
epistemológica, resultante da transformação da curiosidade ingênua, que
criticizar-se. Corroborando com essa ideia Freire afirma:
30
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao
desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como
procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta
faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a
curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes
diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que
fizemos.
Segundo Lastória, (2004 apud MIZUKAMI et al. 2002), a
premissa básica do ensino reflexivo, é a questão de analisar as crenças,
valores e as hipóteses que os professores manifestam sobre seu ensino,
matéria, conteúdo do currículo que trabalham, sobre seus alunos e sobre
a própria aprendizagem que se pauta na prática docente.
A concepção de professor reflexivo não se exaure no contíguo
da sua ação docente. De acordo com Alarcão (1992, p. 24-35)
Ser professor implica saber quem sou, as razões pelas quais faço o
que faço e conciencializar-me do lugar que ocupo na sociedade. Numa
perspectiva de promoção do estatuto da profissão docente, os
professores têm de ser agentes ativos do seu próprio desenvolvimento
e do funcionamento das escolas como organização ao serviço do
grande projeto social que é a formação dos educandos.
Pérez-Gómez (1992), referindo-se a Habermas, pontua que a
transformação da prática dos professores deve dar-se, numa perspectiva
crítica. Assim, deve ser adotada uma postura cautelosa na abordagem
da prática reflexiva, evitando que a ênfase do professor não venha
operar, estranhamente a separação da sua prática do contexto
organizacional no qual ocorre. Fica, portanto, evidenciado a necessidade
da realização de uma articulação, no âmbito das investigações sobre a
prática docente reflexiva, entre práticas cotidianas e contextos mais
amplos, considerando o ensino como prática social concreta.
No começo do século XXI, a escola é acareada com a
necessidade de responder à democratização do sistema de ensino. Esse
31
aspecto amplia a concepção de saber escolar e coloca-o em diálogo com
o saber dos alunos e com a própria realidade nas quais as práticas
sociais se desenvolvem.
Quando refletimos sobre a formação da identidade do professor
nos reportamos a Pimenta (1999). A formação continuada, deve
fomentar a apropriação dos saberes pelos docentes, no sentido à
autonomia, para conduzir a prática crítico-reflexiva, contemplando o
cotidiano escolar e seus saberes oriundo da experiência docente.
Contudo, o conceito de formação continuada deve contemplar de forma
coesa:
(1) a socialização do conhecimento produzido pela humanidade; (2) as
diferentes áreas de atuação; (3) a relação ação-reflexão-ação; (4) o
envolvimento do professor em planos sistemáticos de estudo individual
ou coletivo; (5) as necessidades concretas da escola e dos seus
profissionais; (6) a valorização da experiência do profissional. Mas,
também: (7) a continuidade e a amplitude das ações empreendidas;
(8) a explicitação das diferentes políticas para a educação pública; (9)
o compromisso com a mudança; (10) o trabalho coletivo; (11) a
associação com a pesquisa científica desenvolvida em diferentes
campos do saber (ALVES, 1995 apud CARVALHO; SIMÕES, 1999,
p.4).
Desta forma, a escola será o ambiente de formação do
professor e a prática educativa o conteúdo dessa formação. A reflexão
do professor pautará um “um investigador da sala de aula, que formula
suas estratégias e reconstrói a sua ação pedagógica” (ALMEIDA, 2002
p.28), assim como afirma Silva (2005 p.28), “a prática transforma-se em
fonte de investigação, de experimentação e de indicação de conteúdo
para a formação”.
A formação contínua de professores é afrontada como um
continuum Lastória apud Mizukami et al. (2002). Dessa forma, a
formação continuada coloca no cerne das atenções, o desenvolvimento
32
pessoal e social dos formandos, desenvolvendo sua identidade
profissional conforme suas experiências de formação social.
Os fatores que interferem sobre a educação e a profissão
docente, apontam os principais desafios que o professor precisa vencer
para conquistar a autonomia profissional.
Conceitos de ciência interdisciplinar apontam os benefícios,
caso haja um dialogo entre as ciências, observando como as
representações sociais estão presentes e interferem significativamente
na prática educativa e na formação docente.
O principal objetivo do professor é buscar a consolidação da
autonomia profissional mais ativa, crítica e reflexiva, capaz de avaliar e
questionar a prática docente a fim de agir sobre ela e não como um mero
reprodutor de ideias e práticas que lhes são impostas, capaz de ser livre
para fazer escolhas e tomar decisões, contestando aquela do profissional
cumpridor de ordens que emanam de fora das salas de aula.
O professor de hoje não tem tempo para refletir suas ações na
sociedade, em contrapartida, a sociedade também não tem tempo para o
papel da profissão docente e a importância da mesma e, sobretudo,
porque a sociedade, pós-industrial, nem sequer reconhece a nobreza e a
complexidade do seu trabalho.
3. GÊNESE E CRITICA DE UM CONCEITO
Segundo Kemmis (1985) a sala de aula é o lugar de
experimentação e investigação, onde o professor é aquele que se dedica
a refletir a melhoria dos problemas numa compreensão limitada, pois há
influência da sociedade sobre suas práticas e ações, por conseguinte, o
conhecimento o torna produto de contextos sociais e históricos. Nessa
diretriz, Giroux (1997), afirma que a simples reflexão no labor docente
em sala de aula é escasso para poder compreender os elementos que
são regularizadores da prática profissional.
Uma identidade profissional se constrói a partir da significação
social, da revisão permanente dos significados sociais e das tradições da
33
profissão; assim como, da reafirmação de práticas ratificadas
culturalmente e que permanecem significativas.
Segundo Garrido (2006), as práticas que resistem às inovações,
estão repletas de saberes válidos da realidade; do confronto entre as
teorias e práticas, da análise sistêmica das práticas à luz das teorias
existentes. Portanto, a nova construção de teorias, significa que cada
professor, na qualidade de ator e autor, confere à atividade docente no
seu cotidiano a partir de seus valores, o modo a situar-se no mundo, de
sua história de vida, suas representações, de saberes, suas angústias e
anseios, do sentido que tem em sua vida: o ser professor.
O desafio, posto aos cursos de formação inicial é de contribuir
para o processo de “passagem dos alunos de seu ver o professor como
aluno ao seu ver-se como professor, isto é, construir a sua identidade de
professor”. (PIMENTA, 1996, p.19).
A influência da apropriação e produção das teorias para a
melhoria das práticas de ensino e dos resultados vem analisar a prática
dos professores, considerando não somente a pluralidade social,
heterogeneidade de saberes, como também a desigualdade nos sentidos
sociais, econômicos, culturais e políticos. Assim, Carr (1995) direciona a
transformação das características efêmeras das práticas dos professores
para uma perspectiva crítica.
Giroux (1997, p.37) desenvolve a partir das limitações de Schön
uma concepção de professor como intelectual-crítico, ou seja, a reflexão
é uma interação coletiva para incorporar a análise dos contextos
escolares no sentido da reflexão: “um compromisso emancipatório de
transformação das desigualdades sociais”.
A escola e professores deixam de ser homogêneos e passivos e
tornam-se agentes transformadores, assim, ao analisamos como estes
podem desempenhar processos de interação nas quais a escola
represente o lugar de reflexão crítica. As propostas educativas
apresentam um discurso para preparar para a vida adulta com a
capacidade crítica em uma sociedade pluralista. Em contrapartida, o
labor do professor e a contextualidade da escola se estruturam para
34
negar estas finalidades. Nesse paradoxo, os professores suportam as
pressões que o contexto social e institucional exercem sobre eles, com
isso suas preocupações e perspectivas se reduzem a análise da sala de
aula.
A centralidade do professor passou a ser a valorização do seu
pensar, do seu sentir, de suas crenças e valores como perspectivas
importantes para compreender o seu fazer. Os professores não se
reduziram às salas de aula, nem limitaram-se a executar currículos, ao
contrário, elaboram, definem e reinterpretam-nos. Assim, a priori de
elaborar pesquisas para a compreensão da atividade docente nos
processos de construção da identidade, personalidade e
desenvolvimento da profissionalização, para o desenvolvimento do status
e liderança.
Partindo da ótica conceitual levantada em torno do professor
reflexivo, empregamos a valorização e o desenvolvimento dos saberes,
quão a valorização como sujeitos intelectuais capazes de produzir
conhecimentos, colaborar nas decisões da gestão escolar, mediando à
compreensão para a reinvenção da escola democrática.
Ser professor exige a valorização de formação no trabalho
crítico-reflexivo, na práxis que realiza e nas experiências compartilhadas.
Nesse sentido, entende que a teoria proporciona pistas e chaves de
leitura, mas isto não expressa ficar ao nível dos saberes individuais.
Pimenta (1996) nos mostra que a primazia da formação inicial passa por
três tipos saberes: saberes de prática reflexiva, teoria especializada e
saberes de militância pedagógica.
O que coloca os elementos para produzir a profissão docente,
dotando-a de saberes específicos que não são únicos, no sentido de que
não compõem um corpo acabado de conhecimentos, pois os problemas
da prática profissional docente não são meramente instrumentais, mas
comportam situações problemáticas que requerem decisões num terreno
de grande complexidade, incerteza, singularidade e de conflito de
valores.
35
A análise realizada no texto nos mostra quão grande
contribuição à reflexão valoriza o exercício da docência, os saberes do
professor, o trabalho coletivo e das instituições escolares enquanto
espaço de formação contínua. Isso evidencia que o professor produz
conhecimento a partir da prática, desde que a sua investigação reflita
intencionalmente sobre a prática, sistematizando os resultados obtidos
com o suporte da teoria. Portanto, como pesquisador de sua própria
prática.
Os seguintes problemas apresentados criticam uma perspectiva
individualista da reflexão, ausência de criticidade potenciadores de uma
reflexão crítica, a demasiada ênfase nas práticas, a impossibilidade da
investigação nos espaços escolares e a limitação dessa, nesse contexto.
Essas críticas emergem das analises teóricas dos diferentes autores, a
partir delas é possível propor possibilidades de superação desses limites
sintetizados.
Fica evidente que estamos falando de uma política de formação
e exercício docente que engrandece os professores e as escolas como
capazes de pensar, que articulam os saberes científicos, pedagógicos e
do conhecimento na construção e na proposição das transformações
necessárias para as práticas escolares e às formas de organizar o
espaço de ensinar e aprender, responsabilidade com ensino de
resultados e qualidade social. Os professores não são meros executores
e cumpridores de deliberações técnicas e burocráticas gestadas de fora.
Dessa forma, investimento na formação inicial, no desenvolvimento
profissional e investimentos nas escolas, a fim de que formem ambientes
capazes de ensinar com qualidade. Segundo Garrido (2006), é
necessário à instituição escolar, ser local reflexivo-pesquisador e espaço
de análise crítica de suas práticas. A sólida formação, só poderá ser
desenvolvida pelas universidades compromissadas com a formação
inicial e o desenvolvimento de professores, capazes de aliar a pesquisa
nos processos formativos. Dessa maneira, exprimimos um projeto
emancipatório, comprometido com a responsabilidade de tornar a escola
36
companheira na democratização social, econômica, política, tecnológica
e cultural, para que seja mais justa e igualitária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conceito de professor reflexivo delineada no texto, permite
uma análise crítica contextualizada de superar as limitações, afirmando
como um conceito que requer o acompanhamento de políticas públicas
coerentes para sua efetivação.
Neste sentido, a intervenção no processo de formação dos
professores em que as escolas, como instituição principal, desenvolvam
ambientes democráticos e crítico, busquem a reflexão e a prática com a
missão de educar os alunos para que sejam cidadãos reflexivos e ativos.
Corroborando com essa ideia, Freire (2002, p.68) afirma:
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se
educam entre si, mediatizados pelo mundo”.
Finalizamos destacando a formação dos professores apenas
para podermos ter uma premissa sobre a necessidade de investir cada
vez mais em situações que promovam a qualidade na Educação,
abrangida aqui como a melhoria da formação dos professores Enfim,
outro mundo é apetecível e possível para a Educação brasileira.
CARVALHO, Ramires Santos Teodoro. The trajectory of teaching
profession during the twentieth centur. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7.,
n.2., 2011, pp. 25-39.
ABSTRACT: The text presents the necessary knowledge for
professionals in education, the formation of the identity of the teacher
(reflective and researcher), seize the conceptions on the teaching and the
importance in developing skills to teach. Analyze the teaching practices
as a way to rethink the initial and in-service training of teachers and their
professional identity, based on methodological questions of knowledge
37
that constitute the teaching and the development of the processes of
reflection on teaching practice.
KEYWORDS: Initial and continuing training; Reflective Teacher; Identity;
Knowledge of Teaching.
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40
41
MEMÓRIAS DE LEITURA E FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES
Daniele Machado CARVALHO*
Filomena Elaine Paiva ASSOLINI**
Resumo: Essa pesquisa visa investigar a relação que os estudantes de
Licenciatura em Pedagogia estabeleceram com a leitura, durante o seu
percurso de escolarização, nos níveis fundamental e médio, com a
finalidade de compreendermos se e como tal relação ecoa e repercute
em seu processo de formação inicial, em particular no que diz respeito à
aprendizagem e à aquisição de conhecimentos científicos. As
investigações realizadas mostram a importância da memória discursiva,
no que diz respeito à compreensão dos ecos e repercussões no
processo de aprendizagem dos estudantes universitários, decorrentes de
sua relação com a leitura na Educação Básica. Cumpre mencionar,
assim, que a formação do docente não começa quando ele se matricula
em um curso de Ensino Superior ou em formação continuada, mas sim a
partir de momento em que se insere no processo formal de
escolarização.
Palavras chave: Leitura. Formação Inicial. Memória Discursiva.
Aprendizagem.
Introdução
A preocupação com a questão da leitura, particularmente no
curso de graduação em Pedagogia, despertou nosso interesse por essa
investigação. Nossas inquietações nasceram a partir de observações
Graduada em Pedagogia pela FFCLRP-USP, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail
da autora: [email protected].
** Docente do Departamento de Educação, Informação e Comunicação, FFCLRP-USP,
Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail da autora: [email protected].
*
42
feitas em nossa própria sala de aula. Sentimo-nos incomodados pelo fato
de ouvirmos alguns estudantes, nossos colegas de curso, afirmarem ora
que não gostam de ler, ora que não têm tempo para ler o que de fato
gostariam, ora que gostariam de mudar as metodologias e práticas
pedagógicas desenvolvidas por alguns professores do Ensino
Fundamental, em escolas nas quais realizaram seus estágios.
Nossas análises partem das relações que estudantes do curso
de Licenciatura em Pedagogia estabeleceram com a leitura, durante todo
o seu período de escolarização formal, Ensino Fundamental e Médio.
Questionamos se e como tais relações reverberam, hoje, quando
ocupam a posição de sujeitos-universitários, além de investigarmos a
influência dessas relações para a apropriação de conhecimentos
científico-acadêmicos.
Para alcançar nossos objetivos, fundamentamo-nos nos
aparatos teóricometodológicos da Análise de Discurso de matriz
francesa, nos postulados do referencial Histórico-Cultural, proposto por
Chartier e colaboradores e nos estudos e pesquisas sobre a formação
inicial de professores.
Queremos destacar que para o desenvolvimento desta
pesquisa, contamos com o apoio da Pró-Reitoria de Graduação da
Universidade de São Paulo, a partir de nossa inserção no Programa
Ensinar com Pesquisa / 2010.
Fundamentação teórica: conceitos definições
Para iniciarmos apresentaremos uma breve exposição dos
conceitos da Análise de Discurso de matriz francesa – teoria à qual nos
filiamos e que embasa nossos estudos e investigações.
Fundamentada na teoria semiótica, a Análise de Discurso
estuda não a frase ou a palavra isoladamente, mas o funcionamento dos
textos e dos sentidos considerando as condições sócio-históricoculturais, sendo assim, “no discurso temos o social e o histórico
indissociados” (ORLANDI, 2006, p. 14).
43
Destacamos, aqui, que quando estamos falando de discurso,
referimo-nos ao “efeito de sentidos entre locutores” (PÊCHEUX, 1969),
ou seja, é um instrumento de comunicação que tem seu funcionamento
através da relação entre os locutores e, essa relação, é afetada pela
formação discursiva, pelo contexto histórico, pela posição que os
locutores ocupam. Portanto, a Análise de Discurso (A.D.) trabalha e
estuda essa relação entre o discurso e a exterioridade, entre o discurso e
suas condições de produção.
Contra as práticas conteudistas, a A.D. não questiona o seu
objeto de análise com questões como: “o que o autor quis dizer?”, “qual a
mensagem central do texto?”. Para o analista de discurso, indagações
como estas não procuram compreender os sentidos que estão circulando
nos textos, “o discurso é assim palavra em movimento, prática de
linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando”
(ORLANDI, 2007, p. 15). Além disso, a A.D. atenta-se à opacidade
buscando perscrutar o que o incompleto e o disperso querem dizer, ou
seja, questiona o funcionamento da linguagem, “[...] para a Análise do
Discurso, a questão que se coloca não é descobrir o que o texto quer
dizer, mas trabalhar o texto para descobrir como ele significa”
(ORLANDI, 1987, p. 66).
Cumpre lembrar que, para a A.D., a linguagem não é neutra,
nem transparente, ou seja, é marcada e influenciada pela ideologia
dominante. A linguagem aqui referida não deve ser considerada como
algo exato, completo e que não está suscetível a falhas, mas como um
instrumento utilizado pelos sujeitos para se tornarem atuantes na
sociedade. Uma vez aceita essa característica, não podemos mais deixar
de estudar a linguagem fora do contexto social em que ela está inserida.
Dando prosseguimento, trazemos o conceito de interdiscurso
que, segundo Orlandi (2007), se trata de todas as formulações já ditas ou
vistas que foram esquecidas, mas que determinam e influenciam em
nosso discurso; irrepresentável, ele é constituído de todos os dizeres “já
ditos”. É ele que preside todo o dizer, fornecendo a cada sujeito sua
44
realidade enquanto sistema de evidências e de significações percebidas,
experimentadas (ORLANDI, 1987, 2001, 2006).
Ao pensarmos no papel do interdiscurso na formulação de um
novo discurso, podemos nos aprofundar e pensarmos que não existem
sentidos que não possuam relações com outros, uma vez que, ao
falarmos estamos sendo influenciados, inconscientemente, por vozes já
ditas antes em outro contexto e, possivelmente em outra formação
discursiva: “[...] um sujeito não é homogêneo, e sim heterogêneo,
constituído por um conjunto de diferentes vozes” (FERNANDES, 2005, p.
13).
É válido salientar que o discurso do sujeito – o intradiscurso –,
aquele que o sujeito acredita ter originado em si, constitui-se pelo
interdiscurso, o que contraria e desmonta a crença do sujeito como fonte
e origem do sentido. Paula (2008) lembra que a relação que o sujeito do
discurso mantém com o interdiscurso nos remete ao processo de
constituição do sujeito (do inconsciente), da forma como nos ensina a
psicanálise lacaniana (LACAN, 1957, 1998).
Um outro conceito que permeia essa pesquisa é o que se refere
à memória discursiva, que segundo Pêcheux (1997, 1999), é a memória
dos sentidos constituídos pela relação dialética que se estabelece entra
e Língua e a História. É um tipo de memória que se busca a partir de
indícios deixados pelos acontecimentos histórico-linguísticos, nas
superfícies dos arquivos a serem lidos.
Com relação ao referencial Histórico-Cultural nos embasamos
nos postulados de Chartier (1999) e colaboradores no que se refere às
práticas de leitura no decorrer da história da humanidade, as concepções
de leitura, a sua significância sócio-cultural e as diversas maneiras para
sua prática.
Em suas pesquisas, Chartier procura compreender como se
deram as práticas de leitura, sem deixar de levar em consideração
especificidades e condições que levaram o homem a realizá-las. Para o
autor, não podemos estudar essa prática sem nos atentarmos, também,
45
às condições históricosociais que a influenciaram. Segundo Chartier
(1990),
a história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objecto
identificar o modo como em diferentes lugares e movimentos uma
determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler (p.
16- 17).
É fundamental lembrar que, no enfoque discursivo, os sentidos e
os sujeitos não são entendidos como estáticos, mas como movimento e
historicidade. Historicidade, em nova perspectiva teórica,
[...] não se define pela cronologia, nem por seus acidentes, nem é
tampouco evolução, mas produção de sentidos [...] não há história
sem discurso. É aliás, pelo discurso que a história não é só evolução,
mas sentido, ou melhor, é pelo discurso que não se está só na
evolução, mas na História (ORLANDI, 1990, p. 14).
De um ponto de vista discursivo, portanto, história é entendida
como trama de sentidos, que não se confunde com a cronologia de fatos,
mas que se define como produção de sentidos sobre o real, que
determina essa cronologia, intervindo na constituição dos sujeitos e no
funcionamento da linguagem. Concordando que a historicidade é que
constitui o funcionamento das práticas de leitura, não podemos deixar de
citar a influencia da ideologia numa dada sociedade.
O filósofo Foucault (1979), ao problematizar a noção de
ideologia, instiga-nos a pensar como são produzidos, historicamente,
efeitos de verdade no interior de discursos. Tais efeitos não são, em si,
nem verdadeiros, nem falsos. Eles permitem considerar a ideologia em
seu funcionamento, no jogo discursivo em que se travam pequenas e
cotidianas batalhas pelos jogos de verdade.
Com base nos estudos nietzschianos, Foucault (1979 e 1988)
afirma que a verdade não pode ser entendida como única, fixa, estável,
mas como verdades que são constantemente construídas e postuladas
46
para certos momentos, em dados lugares; se existem escolhas, a
verdade já não pode ser uma. Foucaut (1979 e 1988) explica que a
verdade está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem
e a apoiam e também, está relacionada a efeitos de poder que ela induz
e produz.
Com relação à questão da interpretação, que na perspectiva
discursiva, é uma injunção, o que significa que, face a um objeto
simbólico, o sujeito se encontra na necessidade de dar sentido, é
relevante explicarmos que o Discurso Pedagógico Escolar – D.P.E. –
pode silenciar os sentidos através da paráfrase ou incentivar que os
educandos exponham seus pontos de vistas e interpretações possíveis
através da polissemia.
Isso nos faz entender que a leitura de um texto permite que os
sentidos ecoem e sejam estabelecidos conforme a historicidade do
sujeito-leitor e as múltiplas posições que pode estar inserido. Cumpre
lembrar que os sentidos caminham de maneira tortuosa e que quem
estabelece esse caminho percorrido são as condições de produção as
quais o indivíduo se encontra.
Para encerramos esse momento trabalharemos agora com a
questão da Formação Inicial de professores, o que queremos destacar é
que durante o período de graduação as vivências e experiências
escolares que fizeram parte da história de vida do futuro professor não
podem e não devem ser desconsideradas, uma vez que, mesmo que ele
não se dê conta disso, as marcas e os ecos dessas vivências, que
constituem a sua memória discursiva, irá reverberar em sua futura
atuação profissional.
Concordamos com Coracini (2000), quando afirma que a
formação do docente não começa quando ele se matricula em um curso
de ensino superior ou em formação continuada, mas sim a partir do
momento em que o futuro professor passa a ter contato com o ambiente
escolar, ou seja, quando ingressa na educação infantil ou nas séries
iniciais do ensino fundamental. São essas primeiras relações entre
47
professor-aluno e aluno-escola que influenciarão, inconscientemente, na
forma como o docente em formação irá ministrar e formular suas aulas.
Tendo em vista, portanto, que a leitura constitui-se em
ferramenta basilar para a formação docente e, considerando que as
histórias de leituras dos estudantes não devem ser desconsideradas,
assinalamos que: “ler é fazer-se ler e dar-se a ler” (GOULEMOT, 1996, p.
116). Em outros termos, ler é produzir sentidos a partir de diferentes
posições que podemos ocupar ao longo de nossa história de vida. Essa
produção de sentidos sustenta-se e alimenta-se de nossas leituras
anteriores ou, como diz Goulemot (1996), na nossa “biblioteca vivida” (p.
116). Portanto, quanto mais rico o arquivo do futuro professor, quanto
mais bem nutrida sua memória discursiva, quanto mais bem constituída
sua biblioteca, maiores condições e recursos ele terá para exercer sua
profissão. Ou, como diz Assolini (2009, 2010), permitir a emergência da
subjetividade do sujeito. De acordo com a autora, a valorização da
subjetividade do educando e do próprio educador poderia contribuir
positivamente, no sentido de que o imaginário acerca do educador
(docente) pudesse ser deslocado, possibilitando aos educandos
(estudantes universitários) compreender melhor o docente, enquanto
sujeito que ocupa, em determinadas condições de produção, a posição
de um sujeito a quem cabe não a simples transmissão de conhecimento,
a de um sujeito que detém o saber, mas sim um docente-pesquisador,
mediador, entre a cultura e os conhecimentos científicos disponibilizados
e os estudantes.
Com relação a isso entendemos que a Universidade deve abrir
espaços para que os estudantes possam realizar leituras e
interpretações que não se restrinjam à paráfrase, ou seja, à reprodução
de sentidos estabilizados, cristalizados. Consideramos que, ao ampliar
as condições de produção, para que os estudantes possam realizar
leituras que não as acadêmicas, propriamente ditas, a Universidade e,
especialmente os cursos de licenciatura, podem contribuir para ampliar e
aprimorar a criatividade do estudante.
48
Entendemos que o curso de licenciatura em Pedagogia poderia,
desde os semestres iniciais do curso, oferecer aos estudantes
oportunidades para se inscreverem em formações discursivas que
admitissem a diversidade de sujeitos-leitores, bem como para realizarem
leituras intertextuais. A noção de intertextualidade implica a relação que
um texto tem com outros textos. Indurky (2001, p. 29-30) tratando dessa
questão, define a intertextualidade como a retomada, releitura que um
texto produz sobre outro texto, aproximando-se para transformá-lo ou
assimilá-lo. Assim, o processo de intertextualidade lança o texto a uma
origem possível.
Nessa perspectiva, Assolini (1999, 2003, 2006, 2008, 2009,
2010) vem desenvolvendo estudos que mostram que, quando o
estudante não pode ocupar a posição-sujeito de intérprete-historicizado,
dificilmente ele poderá ou conseguirá ocupar a posição-autor. Assim,
quando a instituição escolar silencia a produção de outros sentidos, de
outras leituras, de outras interpretações, ela impede a criação de reais
espaços interpretativos que poderiam possibilitar aos alunos se
inscreverem no interdiscurso, criarem sítios de significância e
historicizarem os sentidos.
Aspectos metodológicos
O processo metodológico da presente pesquisa envolveu,
inicialmente, a realização de dez entrevistas semiestruturadas com
graduandos, de períodos diversos, do curso de Pedagogia de uma
universidade pública do Estado de São Paulo. Essas entrevistas
resultaram em recortes que serão analisados e discutidos – as
sequências discursivas de referência, S.D.R. (Courtine, 1981).
Cumpre enfatizar que procuramos entender, através das
entrevistas, as relações que os graduandos de Pedagogia tiveram com a
leitura em toda formação escolar e como essas marcas históricas
interferem na maneira como eles lidam com a leitura hoje.
49
Utilizamos de entrevistas semiestruturadas a fim de que
pudéssemos realizar outras perguntas pertinentes ao tema. Além disso,
entendemos que, em concordância com Authier-Revuz (1998), através
do discurso oral os indivíduos não possuem pleno controle da dispersão
dos sentidos, da falha e do equívoco, o que nos permite compreender e
interpretar a discursividade, os traços deixados em sua produção, o dito
e o não dito, traços que se manifestam pelo equívoco, pelas falhas, pelas
rupturas da língua em relação ao sujeito, possíveis de serem capturados,
na relação intradiscurso e interdiscurso. Nessa relação recai a ênfase
metodológica de nosso trabalho.
Como diz Authier-Revuz (1998): “[...] o texto oral, em que não se
podem suprimir as reformulações, deixa mecanicamente, no fio do
discurso, os traços do processo de produção (p. 97); portanto, todas as
entrevistas foram gravadas e transcritas literalmente pela própria
estudante bolsista e, a partir delas, buscamos compreender as histórias
de leitura que os estudantes tiveram em sua formação básica e o que
isso trouxe como consequência para a forma como lidam com a leitura.
Além disso, através da utilização de entrevistas semiestruturadas, os
estudantes narram e descrevem sobre suas vidas, de forma que sua
subjetividade então emerja.
Segundo Guedes-Pinto, Gomes e Silva (2008), ao falar de si, de
suas experiências passadas, os indivíduos resgatam de seus arquivos de
memória não só aquilo que realmente aconteceu, mas também o que
poderia ter acontecido e aquilo que eles gostariam que acontecesse.
Nosso trabalho, então, foi verificar essas nuances presentes no discurso,
referentes ao que o sujeito pensa sobre a leitura e o que realmente se
passou em sua história de vida, pois
assumir que a memória também pode ser uma possibilidade de
mudança, uma alternativa para as situações já vividas ou em curso
significa assumir também que, ao construirmos um trabalho de
pesquisa pautado nos pressupostos teóricos da História Oral,
estamos diante de um grande mosaico (GUEDES-PINTO, GOMES e
SILVA, 2008, p. 22).47
50
Ou seja, tanto a memória discursiva do sujeito quanto as
diversas interpretações que podemos fazer delas vão se interligando e
formando nosso objeto de estudo. A realização das entrevistas e a sua
transcrição literal consiste no primeiro passo, rumo ao tratamento dos
fatos linguísticos. Trata-se de um primeiro momento, no qual o analista
decide o que fará parte do corpus.
Para a constituição do nosso corpus, delimitamos alguns
recortes discursivos baseados em nosso objeto de estudo. Segundo
Fernandes (2008), “trata-se da seleção de fragmentos do corpus para
análise, ou seja, ele precisa ainda selecionar pequenas partes,
escolhidas por relações semânticas, tendo em vista os objetivos do
estudo” (p. 65), o que quer dizer que no caso dessa pesquisa, este
corpus está relacionado com a questão da leitura e a formação de
docentes.
Iremos, então, partir para as análises discursivas lembrando
que, devido às limitações para o presente artigo, optamos por cinco
recortes para o embasamento de nossas considerações finais.
Análises discursivas
Para analisarmos e discutirmos os recortes – as sequências
discursivas de referência, S.D.R., (Courtine, 1981) – obtidos através de
entrevistas realizadas com estudantes de Pedagogia devemos lembrar
que os consideramos como historicamente constituídos e, portanto,
permeados e influenciados pela ideologia em que estão inseridos, uma
vez que um está em constante processo de formação com o outro. Cabe
dizer que os gestos de interpretação que procedemos não escapam da
posição de sujeito-estudanteuniversitário(a) inserido em um lugar, em um
tempo, em um espaço em que a subjetividade da sua história de vida
entra inevitavelmente na interpretação.
O primeiro recorte se refere à questão: As leituras que você
realizou, ou não, na infância e na adolescência, contribuíram para se
51
aprendizado acadêmico? Como foram essas leituras? Como elas
aconteceram? Onde? Com que pessoas?
(1) Na infância? Não. Não contribuíram. Eu não li muito na infância e
também, é ... as pessoas não leram para mim. Também ... então, não!
Na infância mesmo eu não tive, não que eu me lembre acho que se eu
tivesse tido alguma experiência marcante eu me lembraria mas acho
que não teve nada marcante. Aí um pouco foram os professores, mas
eu também não considero que eles tenham sido significativos. Acho
que foi uma outra situação. Na verdade a situação foi assim, é ...
posso ir falando assim? É ... depois que eu saí do colegial, do colegial
né? Antes era colegial. Eu ... eu comecei a ler outras coisas, li gibi, aí
eu me senti livre, eu não tinha que ler aquelas coisas que eram
obrigatórias que os professores exigiam, então eu senti uma certa
liberdade, agora eu vou ler tudo o que eu quiser. Comecei a ler gibi, na
verdade o gibi do Batman e aí eu comecei a gostar muito mais de
leitura do que eu gostava quando tava na escola né. Aí do Batman
passou para outras coisas como o ... acho que uma das coisas que
marcantes foram o Sidney Shaldon (aí eu li vários livros do Sidney
Shaldon), achava muito legal. Aí eu cansei e fui pra outra coisa como
Agatha Christie, então assim, mais na literatura internacional e daí ...
aí que eu comecei a gostar muito mais de outras coisas assim,
inclusive coisas brasileiras é Machado de Assis, então só depois que
eu saí do colegial que eu comecei a gostar, por exemplo, de literatura
brasileira, e lá era obrigado. (Posição de sujeito estudante universitário
“A”)
Podemos notar que, a partir das sequências discursivas de
referência – S.D.R. – destacadas, que o sujeito “A” não considera que as
leituras realizadas na infância tenham tido significativa importância em
sua vida. Percebemos que não é atribuída às instituições de ensino a
responsabilidade pelo gosto, hoje, com a leitura: “aí um pouco foram os
professores, mas eu também não considero que eles tenham sido
significativos” (Sujeito A).
52
Podemos observar que o sujeito “A”, em seu processo de
escolarização, realizou diversas leituras, concebidas por ele como
“obrigatórias”, que ocasionaram o não estímulo e não gosto por tal
prática, sendo elas vistas por ele como uma “prisão”. Nesse contexto,
trazemos o conceito da leitura parafrástica tal como é postulado por
Assolini (1999) em que, o professor, através do Discurso Pedagógico
Autoritário, D.P.A., estabelece as leituras e a interpretação, única, do
texto trabalhado, desestimulando a atuação do educando,
sendo assim, a „verdade‟ é imposta pela voz do saber que fala no
professor, autoridade convenientemente titulada, aceita e reconhecida
como legítima, no espaço escolar. Lembremo-nos de que a imagem
social do aluno é a de um sujeito que não possui conhecimento algum,
cabendo-lhe, assim, submeter-se ao discurso e às imposições da
posição-professor, que, supostamente, exerce o domínio exclusivo do
conhecimento e, na maior parte das vezes, não admite discordâncias
ou contribuições diferentes e até mesmo imprevisíveis (ASSOLINI,
1999, p. 105).
É pertinente assinalar, também, que as leituras realizadas pelo
sujeito “A”, quando afirma “eu senti uma certa liberdade”, permitem-nos
pensar que, naquele momento de sua história de vida, ele consegue
estabelecer com a leitura uma relação prazerosa, posto que está inserido
em formações discursivas que lhe dão oportunidade de experimentar
“uma certa liberdade”. Segundo nosso gesto interpretativo, trata-se de
uma liberdade que lhe permitiria selecionar e escolher livros e textos,
neste caso gibis, que fazem vivenciar situações agradáveis com as quais
se identifica: “Comecei a ler gibi, na verdade o gibi do Batman e aí eu
comecei a gostar muito mais de leitura do que eu gostava quando tava
na escola né”.
No que diz respeito à questão da obrigatoriedade da leitura, no
contexto escolar, quereríamos destacar que, em toda formação social, se
fazem presentes diferentes formas de controle da interpretação. Esse
controle advém, segundo Pêcheux (1995), de um lado da necessidade
53
que tem todo sujeito de dominar sua relação com o não sentido, ou como
diz o próprio filósofo, de ter um mundo “semanticamente normal” e, de
outro, da necessidade de toda sociedade de administrar a relação do
sujeito com os sentidos.
Lembramos aqui a imprevisibilidade decorrente da relação do
sujeito com os sentidos ou, como salienta Orlandi (2001),
[...] não é porque o processo de significação é aberto que não seria
regido, administrado. Ao contrário, é justamente pela abertura que
há determinação: lá onde, a língua, passível de jogo (ou afetada pelo
equívoco) se inscreve na história para que haja sentido (p. 20).
A instituição escolar enquanto aparelho ideológico, no dizer de
Althusser (1974), gerencia os sentidos que podem circular, ou seja,
circulam os sentidos que ela, a instituição escolar, julga adequados para
atingir os seus fins que, na maioria dos casos, não correspondem, na
prática, ao que consta nos projetos político-pedagógicos.
Ainda em relação ao recorte número 1, gostaríamos de nos
deter na seguinte sequência discursiva: “Aí um pouco foram os
professores, mas eu também não considero que eles tenham sido
significativos”. Como pode ser constatado, o sujeito “A”, nega a influência
de seus professores, em sua infância, negando as contribuições para a
sua formação como sujeito-leitor.
Ocupando-nos da marca linguístico-discursiva da negação,
trazemos Castro (1992, p. 5), que a entende como “[...] um momento
privilegiado no qual toda a multivocidade da linguagem se evidencia”.
É interessante salientar que Freud, já no início do século XX,
ensina-nos que, ao negar, o sujeito está afirmando. De acordo com o pai
da Psicanálise, “[...] a negação constitui um modo de tomar
conhecimento do que está reprimido; com efeito, já é uma suspensão da
repressão, embora não, naturalmente, uma aceitação do que está
reprimido” (FREUD, 1925, p. 296).
Em diálogo com o autor acima citado, trazemos Indursky (1997)
que nos esclarece que “a negação revela, embora tente camuflar, o que
54
é e não é dito ao mesmo tempo” (p. 68). Assim, embora o sujeito “A” não
se dê conta, ao negar, traz à tona uma verdade como bem coloca
Castro, com quem compartilhamos: “[...] a negação é um modo de a
verdade, vale dizer, a verdade do inconsciente, se revelar e se ocultar ao
mesmo tempo” (CASTRO, 1992, p. 5).
Com relação às experiências com a leitura durante o ensino
fundamental e médio, destacamos os seguintes recortes:
(2) Bom no fundamental ... é o que eu falei: os livros eu achava mais
interessantes, porque os professores se preocupavam com livros que
se adequavam à faixa etária que eu estava. Quando foi pro Ensino
Médio, no sistema de só pensando no vestibular, então, tinha
professor que nem dava o livro completo; já dava o resumo pronto
porque você tinha que saber o que tava no livro só pra fazer prova.
(Posição de Sujeito estudante universitário “B”)
(3) No Ensino Fundamental não tinha tanto aquela obrigação de ler,
né? Era uma coisa mais livre. Eu pegava livro porque eu gostava
mesmo de ler e não era aqueles livros difíceis igual no Ensino Médio e
na graduação, mas eu lia. Era assim com menos frequência do que no
Ensino Médio. Agora no Ensino Médio tinha que ler mais aquelas
leituras obrigatórias, principalmente de português, redação, literatura e
história. Tinha muitos textos – aí já era mais obrigatório ler. (Posição
de Sujeito estudante universitário “C”)
Nos recortes escolhidos, notamos que durante todo o processo
de escolarização os estudantes não tiveram outra relação com a leitura
que não fosse através da imposição, da obrigatoriedade. Observa-se que
essa característica se agrava durante o Ensino Médio devido às
exigências dos vestibulares.
É importante destacar que o sujeito-professor, para que seus
educandos obtenham bons resultados nessas avaliações, acaba
procurando alternativas como os “resumos”, para que eles possam
compreender rapidamente a mensagem central da obra. Atitude essa
que inibe as diversas interpretações que podem ser formuladas através
de uma leitura atenta da obra, pois “a interpretação é sempre regida por
55
condições de produção específicas que, no entanto, aparecem como
universais e eternas. Disso resulta a impressão do sentido único e
verdadeiro” (ORLANDI, 2006, p. 25).
Além disso, esse apagamento da interpretação própria do leitor
não permite que o estudante ocupe e exercite seu gesto de autoria.
O fato de o ensino da leitura estar sustentado pela ilusão de sentido
literal ou do efeito referencial traz como conseqüência o entendimento
de que compreender o texto significa simplesmente ir ao código
lingüístico e buscar „o‟ sentido que estaria colado à palavra. Sendo
assim, a atividade de compreensão textual, isto é, saber como um
objeto simbólico produz sentidos, saber como as interpretações
funcionam, reduz-se à transcrição de respostas dadas pelo próprio
professor (que as copiou do manual didático), antes mesmo de o aluno
refletir sobre o texto (ASSOLINI, 1999, p. 222).
Em relação a isso e levando em consideração a contribuição da
História Cultural através dos postulados de Chartier (1999), destacamos
que a leitura é uma prática histórica, que se deve levar em conta a
historicidade tanto de locutor quanto do interlocutor para que se
produzam gestos de interpretação. As práticas de leitura não são algo
estático, mas relacionam-se ao momento histórico e às condições de
produção. Quanto ao caráter histórico da leitura, concordamos que “[...]
na história da leitura, se pensarmos na leitura como uma prática, há a
cada dia milhões de indivíduos que realizam milhões de atos de leitura”
(CHARTIER, 2001, p. 101).
Acreditando na importância da historicidade do sujeito para a
aquisição positiva da prática de leitura, analisaremos, agora, a influência
do professor, visto como um modelo no que se refere a essa questão, na
vida desses estudantes.
O recorte número quatro é referente à questão: Você lembra de
algum (a) professor (a) que tenha sido um modelo, uma referência, no
que se refere a leitura de maneira ampla? Teve algum professor que te
marcou?
56
(4) Então, modelo de leitura assim, não! Eu lembro que tinha um
professor de biologia. As aulas dele eram muito boas e por causa da
forma com ele ministrava a matéria, eu comecei a ler por conta livros e
revistas sobre paleontologia, sobre fitologia; ele não indicava, a
matéria dele que era muito boa! Eu gostei, despertei o interesse por
causa do jeito que ele dava a aula, como ele trabalhava com a matéria
e eu, por conta, comecei a ir atrás, mas da escola mesmo não tinha
muita, muita coisa não. (Posição de Sujeito estudante universitário “D”)
O que nos chama a atenção é que, quando se pensa em
incentivo à leitura, logo se estabelece que essa tarefa é, somente, do
professor de literatura e língua portuguesa. Como podemos notar, esse
incentivo é responsabilidade de toda escola e, consequentemente, de
todo corpo docente.
Decorre daí a importância da formação profissional docente,
pois, mais do que nunca, o estudante da sociedade atual – quer seja da
Educação Básica, quer seja do Ensino Superior – tem a expectativa por
situações de ensino não mais fundamentadas na simples e inócua
“transmissão de conhecimentos”, mas sim a partir de situações que lhe
assegurem possibilidades de investigação e pesquisa; associação e
relação entre teoria e prática e, sobretudo, elaboração de um
conhecimento em que se coloque como autor de seu próprio dizer.
Iremos nos dedicar, agora, à análise de recortes referentes à
relação que os estudantes universitários do curso de Pedagogia
estabelecem com a leitura durante a graduação. A questão formulada foi:
Como você pretende trabalhar com a leitura, quando ocupar a posição
professor(a)?
(5) Eu pretendo incentivar a leitura, e eu pretendo assim, é... mostrar
para os alunos como é gostoso ler e apresentar pra eles vários tipos
de literatura. Porque, muitas vezes, a criança pode não se interessar
pela leitura porque é imposto a ela algo (de) que ela não gosta, mas
de repente você mostra, dá opções pra ela: “olha você pode ler isso,
não só o livro você pode ler história em quadrinhos, você pode ler
57
poesia”, eu acho que o interessante, a chave (a partir de) que você
pode atrair o leitor, é dar as opções pra ele ler. (Posição de Sujeito
estudante universitário “E”)
Para a análise dessa última questão, deter-nos-emos
primeiramente, na sequência discursiva “Eu pretendo incentivar a leitura,
eu pretendo assim, é... mostrar para os alunos como é gostoso ler e
apresentar pra eles vários tipos de literatura” relacionada à formação
imaginária, por parte do estudante “E”, de que, no futuro, quando ocupar
a posição professor, trabalharia a leitura considerando diversos gêneros
textuais.
É válido lembrar que as formações imaginárias são constitutivas do
discurso, uma vez que todo discurso é direcionado (inconscientemente)
em função da imagem que o sujeito faz de si, do outro e do objeto do
qual fala.
No que concerne às sequências discursivas, “porque muitas vezes
a criança pode não se interessar pela leitura porque é imposto a ela algo
(de) que ela não gosta, mas de repente você mostra, dá opções para ela”
e “eu acho que o interessante, a chave (a partir de) que você pode atrair
o leitor, é dar as opções para ele ler”, nossos gestos de interpretação
levam-nos a compreender que o sujeito “E” está falando de si, de suas
próprias experiências – logicamente que de maneira indireta, camuflada,
oblíqua. Ao dizer “porque é imposto a ela algo (de) que ela não gosta”, o
sujeito-estudante-universitário “E” está falando que lhe foram impostas
situações pedagógicas com a leitura das quais não gostou ou com as
quais não concordou.
Compreendemos “história de vida”, tal como propõe Coracini
(2003a) em seu texto “A subjetividade na escrita do professor”, não como
um monumento capaz de ser construído – história verídica, capaz de ser
rememorada, mas sim como “fragmentos de discursos que carregam
consigo fragmentos de uma realidade sócio-histórica” (p. 03) .
Como já observado em outros capítulos, temos como base teórica a
noção de um sujeito cindido, atravessado pelo inconsciente, cujo
discurso, no vão desejo de controlar os sentidos exibe falhas, furos,
58
desejos, ficando a linguagem entendida como o lugar do equívoco ou,
como explica Orlandi (1999, 2001, 2006), para a língua fazer sentido é
preciso a história intervir e com ela o equívoco, a ambiguidade, a
espessura material do significante.
O sujeito não tem acesso ao modo como os sentidos se constituem
nele, uma vez que é afetado pela memória discursiva, pelas suas
filiações, que vão historicizando a trajetória de cada um.
No caso acima, parece-nos que o sujeito “E” é impingido a entrar
em formações discursivas nas quais predominam alguns traços de
autoritarismo no processo de ensino-aprendizagem. Ele parece não
concordar nem se identificar com essas formações discursivas.
Lembremos que a identidade do sujeito é afetada enquanto sujeito do
discurso, pois de acordo com Pêcheux (1995), a identidade resulta de
processos de identificação, segundo os quais o sujeito deve inscrever-se
em uma (e não em outra) formação discursiva para que suas palavras
tenham sentido.
Sendo assim, o significante “opções”, que aparece duas vezes no
recorte acima, nos permite perscrutar o desejo do sujeito de levar para a
sala de aula metodologias de ensino diferentes das quais vivenciou em
sua historia.
Em suas formações imaginárias, ele projeta sua futura atuação com
base no entendimento de que o trabalho pedagógico com diferentes
gêneros textuais constitui-se em alternativa vigorosa para o
desenvolvimento de uma prática pedagógica escolar diferenciada com a
leitura.
Nesse trabalho, gênero está sendo tomado na perspectiva de
Bakhtin, que nos ensina que a linguagem deve ser pensada na relação
com as diferentes esferas de atividades humanas. Ao fazer uso da
linguagem nas diversas atividades sociais, o homem se insere em um
gênero; dessa relação entre a vida e a linguagem originam-se as
coerções genéricas sobre as práticas discursivas (Cf. BAKHTIN, 1992,
1997).
59
Avançando com as nossas interpretações, concordamos com os
estudos de Eckert-Hoff (2008) ao observar que:
[...] está instituído, no imaginário – construído pelos cursos de
formação – que o sujeito professor deve inovar, o que o leva a
enfatizar, no seu dizer, a questão do novo, [...] o que denuncia a
constante busca pela completude (p. 82).
Como vimos procurando mostrar, o sujeito, tal como concebido
na perspectiva da A.D., é historicamente determinado pelo interdiscurso,
pela memória do dizer e também marcado por determinações
inconscientes. As marcas dessa memória irão influenciar sua atuação,
quando no exercício do magistério. Sendo assim, é importante que, de
fato, os estudantes possam apropriar-se dos conhecimentos que lhes
são apresentados, saboreá-los, ocupando o lugar de intérpreteshistoricizados, desde o início do curso. Para nós, ocupar tal posição é
condição imprescindível para que possam proporcionar aos alunos, que
estarão sob sua responsabilidade, situações de ensino-aprendizagem
que os coloquem como sujeitos históricos capazes de questionar e
estranhar sentidos que a instituição escolar insiste em apresentar como
óbvios e evidentes, como bem mostra Assolini (1999, 2003, 2008), em
seus estudos e pesquisas sobre o discurso pedagógico escolar.
A partir de todas essas análises e conceitos apresentados nos
capítulos anteriores, iremos agora, na próxima sessão apresentar as
conclusões obtidas através desse estudo. Vale destacar que para a A.D.
as interpretações nunca estão sedimentadas. Há sempre um vir a ser,
fazendo com que os sentidos estejam a todo momento disponíveis para
outras análises.
Considerações finais
Tendo em vista que o objetivo geral do curso de Pedagogia é
60
Formar profissionais críticos que poderão atuar como professores na
educação infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, como
gestores nas funções de gestão e de suporte pedagógico nos sistemas
educacionais e em processos educativos escolares, na produção e
difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional
e, em contextos educativos nos quais sejam previstos conhecimentos
pedagógicos [...] (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE
GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA – LICENCIATURA – FFCLRP –
CURRÍCULO 59051 – Vigente até 2013),
consideramos que o processo de formação de futuros professores, deve
compreender situações de ensino-aprendizagem às quais a memória
discursiva dos sujeitos estudantes universitários possa ser acionada,
pois todo sujeito possui um corpo social discursivo, que lhe forma uma
memória de leitura.
No caso do presente estudo, mostramos que os ecos da relação
estabelecida com a leitura pelos estudantes universitários, durante a
Educação Básica repercutem na formulação e apropriação de seus
conhecimentos acadêmico-científicos. Como bem esclarece Orlandi
(1999): “[...] as palavras falam com outras palavras, toda palavra é
sempre parte de um discurso. E todo discurso se delineia na relação com
outros: dizeres presentes e dizeres que se alojam na memória” (p. 43).
É pertinente esclarecer que, ao afirmarmos que vestígios de
memória discursiva reverberam em nosso dizer atual (na formulação),
não estamos afirmando que o trabalho da memória é previsível, que
nada muda, nada se modifica. É preciso notar que:
[...] embora exista uma certa previsibilidade do „pensável‟, esta é
abalada frequentemente, seja pelo surgimento de acontecimentos que
vão deslocando os sentidos já produzidos, seja pela ressignificação de
acontecimentos já fixados pela memória histórica (GRANTHAM, 2009,
p. 55).
Pêcheux (1999) traz a ideia de memória como “[...] um espaço
móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos, de conflitos, de
61
regularização” (p. 10). Sendo assim, aquele leitor que lê e apenas repete,
que tão somente reproduz sentidos cristalizados, movimentando-se
somente em espaços de interpretação restritos parece permanecer sobre
aquela “esfera plana e homogênea” da qual nos fala Pêcheux (1999, p.
56). Ou seja, ele não se inscreve em formações discursivas onde
deslocamentos e contradições podem instaurar-se. Alguns sujeitos de
nossa pesquisa ainda permanecem na condição de enunciador de
sentidos prefixados.
Nessa perspectiva, entendemos ser relevante que os cursos de
formação de professores de maneira ampla e o de Pedagogia, em
particular, cuidem para que os estudantes não permaneçam na condição
de sujeitos que apenas reproduzem sentidos cristalizados.
Como futuros professores, os estudantes que hoje ocupam as
salas de aula da universidade terão a responsabilidade de ensinar,
enfrentando toda a sorte de desafios que a sociedade contemporânea
lhes apresenta, ou em outras palavras:
[...] os problemas da prática profissional docente não são meramente
instrumentais, mas comportam situações problemáticas que requerem
decisões num terreno de grande complexidade, incerteza,
singularidade e de conflito de valores (PIMENTA e LIMA, 2000, p. 68).
A leitura, na formação inicial de professores, não é apenas
mediadora do acesso aos conhecimentos relativos ao ensino, à
organização da escola e às práticas profissionais, mas uma prática
constitutiva de uma identidade como sujeito leitor e como sujeito
professor, que é mediada pelos gestos de leitura dos docentes,
educadores, dentre outros profissionais, como elucida Assolini (2010).
Dando prosseguimento, gostaríamos de assinalar que os
sujeitos mencionam a falta de tempo para se dedicarem a leituras de
outra natureza, que não as acadêmicas, propriamente ditas. Estes
sujeitos tiveram experiências agradáveis, produtivas e prazerosas com a
leitura literária, antes de inserirem-se no curso de graduação.
Reconhecem que a leitura literária contribuiu para ampliar o seu arquivo,
62
o que traz implicações favoráveis para o seu aprendizado na atual vida
universitária.
Nessa perspectiva, salientamos a importância de o curso de
Licenciatura em Pedagogia proporcionar, nas diferentes disciplinas,
condições favoráveis de produção para que os estudantes possam
realizar, também, leituras literárias. Como bem esclarece Assolini (2008):
“[...] a literatura é veículo de libertação, pois, ao invés de nos impor lições
de certezas-estáticas, obtusas, intransitivas e unilaterais, a arte das
palavras, a literatura, gera inquietações, desconforto, subversão,
questionamentos” (p. 22).
Ressaltamos, mais uma vez, que as experiências e vivências
que os estudantes têm com a leitura, durante sua formação inicial
constituem seus saberes discursivos (sua memória) e, por isso mesmo,
os docentes por eles responsáveis, não podem deixar de reconhecer
quão influentes e constitutivos são para a construção da identidade
desse sujeito-leitor-universitário.
Outro ponto a ser considerado, nessa última etapa desse
trabalho de investigação, concerne às possibilidades que ofereceu para
os estudantes “falarem de si”, o que é considerado por pesquisadores
como Tfouni (1995), Coracini (2003b, 1999), Eckert-Hoff (2008), Assolini
(2009) uma singular oportunidade para que suas vozes sejam ouvidas.
Em concordância com Eckert-Hoff (2008) e Coracini (2003),
assinalamos: “não é apenas a voz do professor que se faz ouvir, mas
seus mais profundos desejos, recalques e divagações que encontram
espaços para aflorarem” (ECKERT-HOFF, 2008, p. 137), assim como
“[...] encontram lugar os sonhos, devaneios, recalques, frustrações
daquele que lê e aí se identifica” (CORACINI, 2003b, p. 4).
Esperamos que esse estudo, que tanto nos tocou possibilitandonos que nos inscrevêssemos em novas formações discursivas, possa
incitar algumas reflexões sobre a prática da leitura nos cursos de
formação inicial. Nossa expectativa é a de que os sujeitos-estudantesuniversitários de hoje possam, de fato, tornar-se professores, mestres,
educadores, capazes de provocar rompimentos com normatizações e
63
certezas, características próprias do “paradigma regulatório” (LEITE,
2001, apud BROILO et alii). Sujeitos capazes de desconfiar de um
“mundo semanticamente normal” (PÊCHEUX, 1990); educadores com
condições de (trans)formar e (res)significar a si mesmos, bem como seus
saberes e fazeres, intencionando uma educação de qualidade que
possa, de fato, proporcionar aos estudantes que estiverem sob sua
responsabilidade condições de emancipação, autonomia e senso crítico.
Através do caminho da pesquisa acadêmica que nos propiciou
compreender alguns dos importantes conceitos do aparato teóricometodológico ao qual nos filiamos e responder a algumas de nossas
perguntas, acreditamos que nos movimentamos, no sentido de discutir e
analisar a leitura e a formação inicial de professores.
Para “fechar” essas considerações finais, gostaríamos de lembrar que a
incompletude é uma propriedade do sujeito e do sentido. Sendo assim,
não se encerram aqui nossas interpretações, pois, certamente, haverá
outros indícios, pistas, vestígios que poderão ser reconhecidos na
materialidade discursiva dos recortes selecionados. Portanto, outras
análises poderão ser realizadas, por nossos leitores e avaliadores.
De nossa parte, empreendemos escutas que nos possibilitaram ouvir
para lá das evidências, compreendendo e acolhendo a opacidade da
linguagem, colocando o dito em relação ao não dito, pensando a
constituição do sujeito pela ideologia e pelo inconsciente.
CARVALHO, Daniele. Machado; ASSOLINI, Filomena Elaine Paiva.
Memories of reading and initial teacher formation. DIALOGUS. Ribeirão
Preto, v.7., n.2., 2011, pp. 41-67.
Abstract: This research aims to investigate the relationship that the
students of Pedagogy established with reading during the course of his
schooling in primary and secondary levels, in order to understand
whether and how this relationship echoes and reverberates in their initial
training In particular with regard to learning and acquiring scientific
knowledge. The investigations show the importance of discourse memory
64
in relation to the understanding of the echoes and reverberations in the
learning process for students, due to its relationship with reading in Basic
Education. It should be mentioned, so that the professor does not begin
when he enrolls in a course of higher education or in continuing
education, but from the moment they enter the formal schooling.
Keywords: Reading. Initial training. Discourse memory. Learning.
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68
69
A EDUCAÇÃO PARA A ÉTICA NO BRASIL
FUNDAMENTADA NA FILOSOFIA NIETZSCHEANA
Luis Fernando de Oliveira*
RESUMO: No mundo Pós-Moderno, vários paradigmas se desfizeram,
com isso temos a crise, uma dessas crises é a da ética. Valores básicos
estão se perdendo, o que causa grande mal estar social. Com base no
pensamento do filósofo que mais lutou para que a humanidade não
perdesse e sim evoluísse, tentamos propor algumas ideias para nos
fazer pensar sobre a atual realidade vivida na educação brasileira de
uma forma geral, passando por um breve histórico da Pedagogia no
Brasil, as discussões que se deram em torno dessas ideias pedagógicas
e algumas decisões tomadas a partir disso até chegarmos ao problema
ético proposto por anos de más administrações das políticas
educacionais.
PALAVRAS CHAVE: Educação; Nietzsche; História da Pedagogia;
Ética; Pós-Modernidade.
A educação é um dos principais pilares para o desenvolvimento
de uma nação e o crescimento de seu povo, mas não qualquer educação
ou de qualquer jeito, ela necessita ter qualidade, empatia, envolvimento
com a realidade que a circunda e estar diretamente ligada à cultura
nativa, desse modo, nos dias pós-modernos, nunca se falou tanto de
uma educação para ética; ética esta que envolve todos os campos
relacionados acima e em contrapartida, nunca testemunhamos tanto a
sua falta em nosso meio.
Graduado em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto
(CEARP), licenciatura plena em Pedagogia pelo Centro Universitário Barão de Mauá e
Pós-graduando em Docência no Ensino Superior também pelo Centro Universitário Barão
de Mauá.
*
70
Ética são aqueles valores fundamentais para que o ser humano
tenha uma vida digna e feliz, que é um dos pilares da filosofia da
educação em Nietzsche, e essa vida feliz é alcançada pela preservação
da cultura pela educação.
Não é de hoje que ocorre um descaso para com a educação,
fala-se de desenvolvimento, de progresso, de humanismo, mas esperase que algo caia magicamente do céu e promova tudo isso dentro da
sociedade.
A EDUCAÇÃO NO BRASIL NO SÉCULO XX: BREVE HISTÓRICO
No Brasil, a efervescência da discussão sobre os rumos da
educação estão a todo vapor, principalmente no período da Segunda
República, quando há uma consolidação do país no mundo capitalista o
que ocasiona grande incentivo à industrialização e isso trazia a
necessidade de mão de obra especializada e, como não podia deixar de
ser, a escola tem a função de preparar essa mão de obra, para tal, é
preciso investir na educação.
Sendo assim, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde
Pública e, em 1931, o governo provisório sanciona decretos
organizando o ensino secundário e as universidades brasileiras ainda
inexistentes. Estes Decretos ficaram conhecidos como "Reforma
Francisco Campos".
Em 1932 um grupo de educadores lança à nação o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e
assinado por outros conceituados educadores da época.
Em 1934 a nova Constituição (a segunda da República) dispõe, pela
primeira vez, que a educação é direito de todos, devendo ser
ministrada pela família e pelos Poderes Públicos.
Ainda em 1934, por iniciativa do governador Armando Salles Oliveira,
foi criada a Universidade de São Paulo. A primeira a ser criada e
organizada segundo as normas do Estatuto das Universidades
Brasileiras de 1931. (BELLO, 2001).
71
Percebemos que desde os primórdios da educação formal no
Brasil a preocupação fundamental sempre foi com o ensinar a fazer, o
importante é ensinar uma profissão para que a demanda do mercado
seja suprida e o ritmo desenvolvimentista seja mantido, vemos
claramente uma educação elitista, os responsáveis por pensar a
sociedade e os caminhos tomados pela nação e pela própria educação
tem sua formação galgada no exterior, nas grandes escolas e
universidades da Europa.
Dentro dessa filosofia educacional, no Estado Novo, as leis
orgânicas promulgadas dividem o ensino secundário em clássico e
científico e também cria o sistema de ensino em que as indústrias e as
empresas o ministra, ou seja, o Serviço Nacional da Indústria (SENAI) e
o Serviço Nacional do Comércio (SENAC). Com essas mudanças o
colegial deixa de ser propedêutico para o ensino superior e se preocupa
com a formação geral e dos dois modos predominantes a grande maioria
dos estudantes preferem o científico.
Foi feito um Manifesto dos Educadores no ano de 1959,
assinado por 185 educadores e em 1960 as primeiras iniciativas de
educação popular surgem com atenção especial também aos adultos
analfabetos tendo como grande expoente Paulo Freire, isso foi chamado
de Movimento de Educação Popular, uma iniciativa da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
De certa maneira há avanços na educação brasileira, mas todo
esse processo é freado com o Golpe Militar de 1964. De uma discussão
horizontal que estava sendo feita delineando os rumos da educação no
país, com a Ditadura Militar, o discurso passa a ser vertical. “Reformas
foram efetuadas em todos os níveis de ensino, impostas de cima para
baixo, sem a participação dos maiores interessados – alunos,
professores e outros setores da sociedade”. (PILETTI, 1995, p. 200).
Esse período dura 21 anos no Brasil, de 1964 a 1985.
Durante de período ditatorial, as questões educacionais
deixaram de ser pedagógicas e passaram a ser políticas, com isso,
vários pensadores de várias áreas do conhecimento passam a pensar a
72
escola e sua função. A educação passa ser novamente pensada, mas
com imensas defasagens, pois esses 21 anos de atraso não se
recuperam da noite para o dia. Esforços estão sendo feitos como a LDB
9394/96, os PCNs e outras políticas educacionais desenvolvidas pelos
governos pós-ditadura, que em sua maioria sempre patinam e nada
acrescentam a discussão, apenas maquiando os problemas e com isso a
educação vai sendo deixada de lado cada vez mais.
Concluindo podemos dizer que a História da Educação Brasileira tem
um princípio, meio e fim bem demarcado e facilmente observável. Ela
é feita em rupturas marcantes, onde em cada período determinado
teve características próprias. [...]
Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais estejam sendo usados
como norma de ação, nossa educação só teve caráter nacional no
período da Educação jesuítica. Após isso o que se presenciou foi o
caos e muitas propostas desencontradas que pouco contribuíram para
o desenvolvimento da qualidade da educação oferecida. (BELLO,
2001).
O nome pode até ser de “Nova República”, as políticas
educacionais, porém, continuam antigas, a Constituição coloca a
educação como direito de todos e dever da família e do estado,
princípios como igualdade, liberdade, gratuidade, valorização do
profissional, qualidade e gestão democrática devem ser defendidos pelo
Estado, que deve ser o grande mantenedor da educação, bem como
uma quantidade mínima de verba a ser destinado às escolas. No papel é
muito bonito, mas na prática a situação é completamente diferente.
PEDAGOGIA DA ESSÊNCIA E PEDAGOGIA DA EXISTÊNCIA
Dentro de sua obra, Saviani (2009), coloca esses dois termos
para designar o antagonismo existente entre a pedagogia tradicional e a
pedagogia nova, tendo como pano de fundo a filosofia essencialista e a
existencialista; para o autor essa é uma tese filosófico-histórica, que
73
pode ser entendida como “o caráter revolucionário da pedagogia da
essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência”.
(SAVIANI, 2009, p. 34).
[...] o que eu quero dizer com isso é, basicamente, o seguinte: nós
estamos hoje, no âmbito da política educacional e no âmbito do interior
da escola, na verdade nos digladiando com duas posições antitéticas
que, geralmente são traduzidas em termos do novo e do velho, da
pedagogia nova e da pedagogia tradicional. Essa pedagogia
tradicional é uma pedagogia que se funda numa concepção filosófica
essencialista, ao passo que a pedagogia nova se funda numa
concepção filosófica que privilegia a existência sobra a essência.
(SAVIANI, 2009, p. 35).
Como tudo na história, o pensamento educacional também sofre
modificações ao longo do tempo, em certos momentos algumas
mudanças vêm para melhorar a situação vigente, em outros apenas se
trocam nomenclaturas, mas a estrutura e os sistemas continuam os
mesmos e outras vezes, ainda, a mudança vem para pior. No Brasil,
como já discutido no subtítulo anterior, várias mudanças ocorreram ao
longo dos anos, nem sempre boas para a educação e esse antagonismo
entre o tradicional e o novo é uma discussão que não leva a nenhum fim,
pois ambas falam que a outra está errada, ao passo que, em ambas,
existem pontos positivos e negativos e devem ser respeitados e
trabalhados.
A pedagogia tradicional vem ao longo do tempo perdendo
espaço, pois ela não respondia mais aos anseios do país e ao seu
crescimento econômico, com isso, o ensino técnico ganha espaço e
passa a ter prioridade, isso se evidencia claramente na divisão do
colegial em técnico e científico.
De acordo com o pensamento nietzscheano, não é que não seja
importante o aprendizado da técnica, mas esta não pode ser sobreposta
à própria cultura, se isso ocorre é decretada a morte cultural e torna mais
74
fácil a manutenção do poder de uma forma mentirosa por quem finge
servir à verdade.
Para Nietzsche a situação desanimadora da educação de seu tempo
poderia ser percebida pela leitura dos pedagogos, da pobreza de sua
produção que mais pareceria uma brincadeira de crianças.
Exatamente na formação básica do ginásio, essencial, era onde
reinavam maus profissionais que não tinham a menor delicadeza para
o trabalho pedagógico, para a “mais delicada das técnicas que poderia
existir numa arte, a técnica da formação cultural” (NIETZSCHE, 2004.
p.67)
Não vemos esse abandono do ensino lamentado por Nietzsche
apenas na Alemanha do século XIX, mas igualmente no Brasil do século
XX, que em vista da manutenção de poder nas mãos de poucos não
engrena mudanças estruturais fortes para que o avanço na educação
seja sentido, pelo contrário, apenas formulam-se projetos, leis e planos
que maquiam a realidade e, no fundo, tudo continua como está.
Traça-se um caminho a ser percorrido e este é abandonado em
pouco tempo como e a evolução da educação ou do sistema educacional
fosse algo que magicamente possa ser feito de um dia para o outro.
Brinca-se da fazer políticas educacionais.
A educação é um fenômeno cultural. Não somente os conhecimentos,
experiências, usos, crenças, valores, etc. a transmitir ao indivíduo,
mas também os métodos utilizados pela totalidade social para exercer
sua função educativa, são parte do fundo cultural da comunidade e
dependem do grau de seu desenvolvimento. Em outras palavras, a
educação é a transmissão integrada da cultura em todos os seus
aspectos, segundo os moldes e pelos meios que a própria cultura
existente possibilita. O método pedagógico é função da cultura
existente. O saber é o conjunto dos dados da cultura que se têm
tornado socialmente conscientes e que a sociedade é capaz de
expressar pela linguagem. Nas sociedades iletradas não existe saber
graficamente conservado pela escrita e contudo, há transmissão do
75
saber pela prática social, pela via oral e, portanto, há educação.
(PINTO, 1982. IN GADOTTI, 1997, p. 251).
Várias teorias surgem mas poucas levam em conta a pluralidade
de situações e vidas existentes e que devem fazer parte do processo
educativo. A apostila não dá conta de resolver todas as questões muito
menos abrange situações adversas enfrentadas por vidas que se
encontram no meio educacional. Não pode existir uma pedagogia
massificada.
Nietzsche já mostra isso quando fala do conhecimento
enciclopédico, erudito, que está totalmente desconexo da vida prática,
sendo assim, melhor seria não tê-lo, pois, ele de nada serve ou serve
apenas como enfeite para o ser, como aquele livro que nunca sai da
estante. O sistema que é posto e que é conduzido pelo Estado, está aí
justamente para isso mesmo, não é interessante um conhecimento para
a vida prática, apenas para a vida técnica, este, vem pronto, sob um
ótimo aspecto e com sabor agradável, porém, sem nenhuma criticidade e
sem nenhuma pretensão de ser maior, nada de ser para os outros.
Nessa lógica, a manutenção do poder fica mais fácil e a
exploração e a alienação constantes, assim, nada muda. Nietzsche nos
fala que a educação prática não é para todos, com isso a técnica se faz
necessária, mas não é função da universidade e si perpetuar esse
conhecimento e muito menos essa educação deve servir de fonte de
exclusão e diminuição do ser humano, o que ocorria na Alemanha de
Nietzsche e como ocorre na sociedade de hoje.
Portanto, o papel da universidade é proporcionar o
conhecimento que não vai de encontro direto com os interesses do
mercado e consequentemente do estado, longe de ser artificial e
superficial, vazio de sentido e antinatural, o conhecimento deve ser
humano, deve levar o ser ao conhecimento de si e fazer com que ele
veja a vida com olhos de artista, tomar consciência que nada é estanque
e isolado, sendo assim, a proposta de educação que nos é imposta é
uma aberração pois não respeita a natureza de cada pessoa humana.
76
UM POUCO MAIS DOS PROBLEMAS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
NA CONTEMPORANEIDADE
Segundo Plank (2001), podemos considerar dois problemas
educacionais brasileiros, o primeiro é a discrepância que há entre as
metas e os objetivos encarregados pelo sistema e o segundo problema é
a desproporção na ênfase colocada sobre a administração e o controle
às custas do ensino aprendizagem.
A disjunção entre valores reais e valores formais tem tido várias
consequências. A política educacional brasileira caracteriza-se por um
constante formalismo. Isso significa, por um lado, que a expressão de
boas intenções e a passagem de leis incorporando-as passam a
conseguir fins em si mesmas, eximindo os encarregados do sistema
de quaisquer obrigações futuras para com aqueles que frequentam ou
trabalham nas escolas sob seu controle. Consequentemente, o
ceticismo quanto à eficácia das leis é bastante difundido, tanto entre
aqueles que as fazem, quanto entre os que são obrigados a segui-las.
(PLANK, 2001, p. 92).
O sistema político está estruturado para elevar ao máximo as
decisões administrativas e tornar mínimas responsabilidades políticas,
com isso o público será tomado para benefício do privado e isso somado
a falta de capacidade política para implementar as reformas desejadas
faz com que avanços sempre patinem, ou seja, nunca saiam para não
comprometer os interesses de uma elite dominante, assim, interesses
privados são mais fortes que os interesses públicos e estes acabam
desarticulados das relações de poder.
Percebemos claramente a critica nietzscheana ao Estado, este,
não vê problema algum em matar a cultura e a educação que constitui a
vida do povo para não ver seus interesses comprometidos, assim fica
bem mais fácil a manutenção do poder, exploração e troca de favores
uma vez que não crítica sobre a real situação em que se encontra a
escola, faz-se filantropia educacional e nada mais.
77
A educação que deveria ser transformadora da sociedade e
salvaguardar o que de bom tem sido conquistado com o tempo está
sendo usada para usufruto de poucos, vivemos um feudalismo com nova
roupagem e isso já apontava Nietzsche no século XIX, pois ele “remava
contra a maré inevitável da industrialização e democratização da sua
sociedade” (AMARAL, 2008, p. 380), pois via em todo esse contexto a
morte cultural, nada de muito diferente do que acontece no mundo
hodierno, todo esse contexto e essa estrutura só nos pode levar a
apenas um lugar, ao caos social.
A educação oferecida pelo estado é uma educação vendida,
conveniente a apenas pequena parcela dos seres humanos, não faz o
homem transcender com toda sua potencialidade àquilo para o qual ele
está destinado, apenas domestica a ponto do lobo ser tomado como um
cachorrinho de estimação inofensivo.
[..] foi o estado que se encarou como a fonte, o defensor e a única
garantia da vida ordeira: a ordem que protege o dique do caos. [...] Foi
a visão de ordem que os estranhos modernos não se ajustaram. [...]
Os estranhos exalavam incerteza onde a certeza e a clareza deviam
ter imperado. [...] Constituir a ordem foi uma guerra de atrito
empreendida contra os estranhos e o diferente.
Nessa guerra (para tomar emprestados os conceitos de Lévi-Strauss),
duas estratégias alternativas, mas também complementares, foram
intermitentemente desenvolvidas. Uma era antropofágica: aniquilar os
estranhos devorando-os e depois, metabolicamente, transformando
num tecido indistinguível do que já havia. Era esta a estratégia da
assimilação: tornar a diferença semelhante; abafar as distinções
culturais ou lingüísticas; proibir todas as tradições e lealdade [...] A
outra estratégia era antropoêmica : vomitar os estranhos, bani-los do
limite do mundo ordeiro e impedi-los de toda comunicação com os do
lado de dentro. Essa é a estratégia da exclusão [...] (BAUMAN, 2010,
pp. 28-29)
Dentro de todo esse pensamento, o ser humano tem uma
pseudo felicidade, sua vida está envolta em falsidade e assim, ele não
78
enxerga o que realmente se encontra por trás de toda essa filantropia
educacional, há a falsa impressão de ser dono de si mesmo, mas uma
vez que educação não é libertadora este papel de autonomia não existe,
pois, o necessário para essa autonomia não se tem ou não se valoriza,
que nada mais é do que o que Nietzsche falou, a filosofia e a arte.
Nesta lógica da educação voltada para a técnica e esquecendose da vida, Nietzsche faz a crítica à multiplicação dos sistemas de ensino
que prometem uma “educação” breve e competente, hoje, principalmente
instituições de ensino privadas vivem em função do mercado e se
aperfeiçoam apenas em função disso, o que não deveria acontecer, uma
vez que o neoliberalismo não quer uma educação para o bem e
desenvolvimento do ser humano e sim visa apenas o lucro e o
crescimento de pequenos grupos exploradores que abafam a vontade de
potencia do homem em benefício próprio.
Com isso, os donos dos estabelecimentos de ensino, tanto o
Estado quando instituições privadas exploram cada vez mais esse
artifício para seu lucro. As empresas e a tecnologia exige profissionais
capazes para desenvolver tal serviço, então eles vão ter, em um prazo
curto, não se preocupando com o desenvolvimento humano, sendo
assim, valores e ideias que norteiam o comportamento humano para
uma sociedade harmoniosa são deixados de lado para o serviço cada
vez mais aprimorado de um profissional que é humano mas age e é
tratado como máquina.
O sancta simplicitas! Em que mundo mais estranhamente simplificado
e falsificado vive a humanidade! É infinito o espanto diante de tal
prodígio. Quão claro, livre, fácil e simples conseguimos tornar tudo o
que nos rodeia! Quão brilhantemente soubemos deixar que nossos
sentidos caminhassem pela superfície e inspirar a nosso pensamento
um desejo de piruetas caprichosas e de falsos raciocínios! O quanto
nos esmeramos para conservar intacta nossa ignorância, para lançarnos aos braços de uma despreocupação, de uma imprudência, de um
entusiasmo e de uma alegria de viver quase inconcebíveis, para gozar
a vida!
79
E sobre essa ignorância edificaram-se as ciências, baseando a
vontade de saber em outra ainda mais poderosa, a vontade de
permanecer na incógnita a contraverdade, não sendo esta vontade o
contrário da primeira, mas sua forma mais refinada. (NIETZSCHE,
2001, pp. 47-48).
O trabalho e, podemos dizer que também a escola, na
sociedade pós-moderna, estão desumanizados e a busca da felicidade,
que Nietzsche tanto insiste, que uma vida feliz só vem, principalmente,
pela arte e pela filosofia, é buscada no dinheiro, este se transformou no
grande deus da sociedade, onde se é alguém pelo que a pessoa tem e
não pelo o que ela é.
A EDUCAÇÃO PARA A ÉTICA
Sem dúvida que vivenciamos uma crise de valores na sociedade
presente, mas a culpa por esses desvios, na verdade é de quem?
Destruíram antigos valores que norteavam a vida do homem e nada foi
colocado no lugar, então, há apenas o vazio, mas, esse vazio tem que
ser preenchido por algo, dessa forma, é papel conjunto da escola e
família orientar as novas gerações para essas ações de preenchimento e
da construção do ser humano e são justamente estas duas instituições
que, no mundo pós-moderno, vivem uma desvalorização sem tamanho.
A crise manifestada na sociedade vem do vazio criado pelo
desmoronamento de valores clássicos e ao mesmo tempo pelo desejo
quase que incontrolável de autorrealização, que se sobrepõe às
necessidades comuns ou sociais. Vive-se em um pseudo niilismo, onde,
à medida que algo convém para o momento é assumido pelo homem, ao
passo que, se aquela ideia não cabe mais aos seus anseios, é
descartada e o vazio continua.
“Nietzsche pretendia usar o niilismo para superar o niilismo, ou
seja, perder os valores da humanidade, para se adquirir os valores da
super-humanidade, promovendo uma revolução através da cultura”.
(OLIVEIRA, 2005, p. 59). Destruir é sempre mais fácil que construir,
80
ainda mais no campo da moral onde existem regras que limitam a ação
do homem no âmbito social, assim, podemos nos remeter ao movimento
contra cultural ocorrido, principalmente na década de 1960 e que vemos
suas consequências até a atualidade, manifestada pela ideia central em
que “é proibido proibir”. Existem valores necessários para a vida feliz e
outros, que por sua vez, aprisionam o ser humano, assim a superação do
niilismo pelo próprio niilismo proposto por Nietzsche para a construção
do além-do-homem,
Devia se voltar não àqueles valores que aprisionavam, mas sim
àqueles valores básicos que levavam em conta a dignidade do ser
humano, onde ele não fosse uma coisa a ser explorada, mas um ser
que realmente tivesse vontade e soubesse o que era melhor para si,
não sendo dominado nem explorado por outros seres, iguais a eles,
mas que se achavam superiores. (OLIVEIRA, 2005, p. 59).
Nesse prisma, dá-se a entender que tudo está permitido, com
alguns pilares morais destruídos é que aparece a crise de sentido da
vida e alguns valores importantes que defendiam a dignidade da vida
humana, a noção do outro como ser igual caem por terra também, assim
aparece a banalização do corpo e da sexualidade e tudo fica sendo
coisificado.
Vemos hoje as consequências dessas mudanças que feriram a
dignidade da pessoa humana e tudo isso se reflete na educação e na
escola. Percebemos várias transferências para a escola que não são de
sua competência, como regras básicas de convivência, noções de
comportamentos, noções de higiene e outros pontos que lhes são
terceirizados, tudo isso deturpa profundamente a função social da
escola, que em vista desses desvios, não é cumprida.
A família não dá conta de desenvolver seu papel na educação
dos filhos porque aquele esquema tradicional – pai, mãe e filhos – em
sua maioria, não existe mais, qualquer um dos elementos desse
esquema pode ser substituído facilmente por outro membro, pois na
lógica vigente, o importante é a autorrealização e não a qualidade de
81
relações, sendo o outro uma coisa, “a solidariedade é algo difícil de viver.
[...] Por essa razão, proliferam todos os movimentos de desagregação da
sociedade, inclusive narcotráfico, pederastia, criminalidade e
desconfiança social em relação ao outro”. (MARTINS, 2000, p. 199).
A sociedade pós-moderna revelou-se uma máquina quase perfeita de
tradução – uma máquina que interpreta qualquer questão social
existente ou provável como questão privada [...]. Não foi a
“propriedade dos meios de produção” que se privatizou (seu caráter
“privado” é certamente colocado em dúvida na era das fusões e das
multinacionais). A mais seminal das privatizações foi a dos problemas
humanos e a da responsabilidade por sua solução. A política que
reduziu as responsabilidades assumidas em relação à segurança
pública, retirando-se das tarefas da administração social, efetivamente
dessocializou os males da sociedade e traduziu a injustiça social como
inépcia ou negligencia individual. Essa política não exerce atração
suficiente para despertar no consumidor o cidadão; suas apostas não
são impressionantes bastante para torná-la objetivo da ira que poderia
conduzir à coletivização. Na sociedade pós-moderna de consumo, o
fracasso redunda em culpa e vergonha, não em protesto político. A
frustração alimenta o embaraço, não a dissensão. Talvez desencadeie
todos os conhecidos sintomas comportamentais do ressentimento de
Nietzsche e Scheler, mas politicamente desarma e gera apatia.
A conseqüência sistêmica da privatização da ambivalência é uma
dependência que não precisa nem de uma ditadura baseada na
coerção nem de doutrinação ideológica; uma dependência que é
sustentada, reproduzida e reforçada essencialmente por métodos de
mercado, e que é abraçada de boa vontade e não se sente
absolutamente como dependência – pode-se mesmo dizer: que se
sente como liberdade e um triunfo da autonomia individual. (BAUMAN,
1999, pp. 276-277).
O mundo e a cultura se transformaram, mas infelizmente não
pela educação, mas sim pelo processo inverso, temos cada vez mais a
morte da cultura, a desumanização, a maior parte de tudo está sem
sentido e descartável, vivemos um antagonismo, tudo muda mas nada
82
muda, e a educação que deveria ser força motriz para toda
transformação está cativa nos interesses econômicos de pequenos
grupos e muitas vezes também pelo próprio estado, pois a consciência
critica trazida pela escola, vai de encontro a seus interesses de
dominação, dessa forma se oferece o mínimo, a educação encontrada
na prateleira da farmácia, para satisfazer necessidades imediatas e
manter a mesma ordem de exploração e alienação.
Todo esse mal estar social e a entrega dos seus problemas para
uma busca de soluções pela escola faz a situação se tornar bem mais
complicada, pois, os serviços prestados pela instituição escolar são
multiplicados sem se ter a devida estrutura para isso, fazendo-a assumir
problemas e soluções que nem são de sua competência, “ela é
interpelada para dar solução a emergentes problemas sociais - rotulados,
genericamente, como de 'exclusão social' - que estão intimamente
ligados à crise da sua própria universalização!” (BARROSO, 2008, p. 49).
Em suma, Nietzsche propõe um aprendizado voltado para a
vida, para isso é necessário ver a vida com outros olhos, com olhos de
artistas e filósofos, que amam verdadeiramente essa vida e demonstrem
esse amor em suas palavras e atos para que outros se enamorem
igualmente, para isso, é preciso aprender a ver. “Aprender a ver –
habituar o olho a calma, a paciência, a deixar que as coisas aproximemse de nós: aprender a aplacar o juízo, a rodear e abarcar o caso
particular a partir de todos os lados”. (LARROSA, 2005, p.32).
OLIVEIRA, Luis Fernando. Education for ethics in Brazil from
Nietzschean philosophy. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011,
pp.69-84.
ABSTRACT: In the Post-Modern World, several paradigms fell apart, so
we have a crisis of these crises is that of ethics. Basic values are being
lost, causing great social unrest. Based on the thought of the philosopher
who fought for humanity to evolve but not lost, we try to propose some
ideas to make us think about the current reality experienced in Brazilian
83
education in general, through a brief history of pedagogy in Brazil,
discussions that occurred around these pedagogical ideas and some
decisions from there until we reach ethical problem proposed by years of
bad administration of educational policies.
KEYWORDS: Education, Nietzsche, History of Pedagogy, Ethics, PostModernity.
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diferença entre bildung e gelehrsamkeit. IN. Fragmentos de cultura,
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obrigatória. Rev. Port. de Educação, 2008, vol.21, no.1, p.33-58.
BAUMAN, Z. Modernidade e Ambivalência. Tradução Marcus Penchel.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
BAUMAN, Z. O Mal Estar da Pós-Modernidade. Tradução: Mauro
Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.
BELLO, J. L. P. Educação no Brasil: a história das rupturas. 2001.
Disponível
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Acessado em: 05 set 2011.
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NIETZSCHE, F. W. Além do bem e do mal: prelúdio de uma filosofia do
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e Notas: Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: PUC Rio; São
Paulo: Loyola, 2004.
84
OLIVEIRA, L. F. Nietzsche: um olhar sobre o século XX. 82p. Trabalho
de Conclusão de Curso (Filosofia). Instituto de Filosofia Dom Felício do
Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (CEARP),
Brodowski – SP, 2005.
PILETTI, N.; PILETTI, C. História da educação. 4. ed. São Paulo: Ática,
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Autores Associados, 2009. Coleção Polêmicas do nosso tempo.
85
ARTIGOS/ARTICLES
86
87
A RESISTÊNCIA CATÓLICA AO AVANÇO DA
CONCEPÇÃO LIBERAL DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
(1930-1961)
Rafael José da SILVEIRA*
RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar o confronto entre as
principais concepções de ensino e educação que nortearam políticas
públicas no Brasil da década de 1930 até o início da década de 1960. O
debate aparece como herdeiro de duas concepções ideológicas distintas
da sociedade: católicas e liberais.
PALAVRAS-CHAVE: Brasil; História da Educação; Pensamento
Católico; Pensamento Liberal; Instrução Pública.
Para compreendermos os processos educacionais no Brasil,
que refletiram os papéis sociais da Igreja e do Estado, devemos entender
qual foi o contexto histórico que se preocupou com a extensão de uma
instrução para boa parte da população, ou seja, o surgimento do que
entendemos hoje por escola pública. Para tal intento, nos remontamos à
França do século XVIII, período de divulgação dos ideais iluministas e da
Revolução que dividiu os poderes do Estado, separando-o da Igreja.
De uma forma geral, os séculos XVIII e XIX marcam um avanço
do pensamento liberal na Europa, e as formas de instrução não deixaram
de receber sua parcela de influência dos novos pensadores que
abalariam as estruturas do Antigo Regime. Divulgadores de métodos
científicos, “experimentais”, os iluministas propunham uma nova
abordagem para a educação.
Especialista em “História, cultura e sociedade” do Centro Universitário Barão de Mauá,
Ribeirão Preto. Sob orientação da Profª Drª Nainora Freitas.
*
88
Na grandiosidade do empenho cultural, o que talvez seja mais
característico é a admissão das artes junto às ciências e à cultura
intelectual; não se trata mais das artes liberais, desde à gramática até
a filosofia, mas propriamente das artes e ofícios que vimos [...]
reivindicar seu lugar e sua dignidade na formação e na atividade do
homem (MANACORDA, 1999, p.240) .
Dessa forma, o resquício de um antigo modelo de instrução, que
separava a formação intelectual, tutelada pela Igreja, da educação
experimental transmitida nas corporações de ofício, foi questionado pelo
pensamento liberal. O filósofo Rousseau foi além desses
questionamentos de seu tempo e
Revolucionou a abordagem pedagógica, para um cunho mais
antropológico, pois focalizou o sujeito, a criança ou o homem, dando
um golpe feroz na abordagem epistemológica, centrada na
reclassificação do saber e na sua transmissão à criança como um todo
já pronto. Pela primeira vez, ele enfrenta com clareza o problema,
focalizando-o do lado da criança, considerada não somente como
homem “in fieri”, mas propriamente como criança, ser perfeito em si
(MANACORDA, 1999, p.243, grifos do autor).
Essas grandes inovações de abordagem pedagógica acabaram
por trazer em seu bojo elementos que negavam a educação tradicional
no ensino às crianças, tais como a rejeição do método catequético, a
exclusão dos estudos especulativos e a evocação da natureza como
mestra (MANACORDA, 1999, p.243).
Essa mudança de concepção pedagógica, reflexo de uma
sociedade em rápida transformação, não representou somente
mudanças políticas, mas também foi fruto de um processo econômico
que nortearia as relações de produção e de trabalho no Velho Mundo: a
Revolução Industrial
Mudou não somente os modos de produção, mas também os modos
de vida dos homens, deslocando-os dos antigos para os novos
89
assentamentos e transformando, junto com os processos de trabalho,
também suas idéia e sua moral e, com elas, as formas de instrução
[...]. Na segunda metade do setecentos assiste-se ao desenvolvimento
da fábrica e, contextualmente, à supressão de fato e de direito, das
corporações de artes e de ofícios, e também da aprendizagem
artesanal como única forma popular de instrução. Este duplo processo,
de morte da antiga produção artesanal e de renascimento da nova
produção de fábrica, gera o espaço para o surgimento da moderna
instituição escolar pública. Fábricas e escolas nascem juntas: as leis
que criam a escola de Estado vêm juntas com as leis que suprimem a
aprendizagem corporativa (e também a ordem dos jesuítas)
(MANACORDA, 1999, p.249).
A expressão “fábricas e escolas nascem juntas”, resume muito
bem um período de transformações sociais que demandava novos rumos
no campo do ensino. O moderno desafio sócio-educacional, gerado pelo
pensamento liberal e pelas transformações econômicas, passou a ter
maior relevância pública e começou a fazer parte ainda mais de debates
políticos e ações estatais. A laicização da instrução tem origem em
contextos que refletiam processos de politização e democratização
social, tais como as revoluções americana (1776) e francesa (1789). Na
França revolucionária foram apresentadas reivindicações a favor da
instrução popular nas Assembléias Legislativas. Condorcet, cientista
famoso e político, “sustentava a necessidade de uma instrução para todo
o povo, aos cuidados do Estado e inspirada num laicismo absoluto: uma
instrução, enfim, única, gratuita e neutra” (MANACORDA, 1999, p.250).
Uma educação única, gratuita e neutra, representava, na teoria,
uma extensão da cidadania sob os princípios de igualdade e liberdade. A
pretensa neutralidade educacional era consequência do credo iluminista
de que a moderna ciência era isenta de questões passionais. Em linhas
gerais,
O período revolucionário [...] serviu para afirmar o direito de todos à
instrução e para renovar seus conteúdos no sentido da proeminência
90
das coisas (ciência) sobre as palavras (as letras) e da sua estreita
relação com a vida social e produtiva (MANACORDA, 1999, p.253).
As ideias liberais solaparam o poder da Igreja e sua influência
social. No século XIX, não só o pensamento iluminista concorria com a
pedagogia cristã, mas também outras vertentes tais como o positivismo
e, as mais refutadas pela instituição eclesiástica: as ideias socialistas.
Assim, “Com o avanço de ideias liberais e a perda do poder político, o
Estado Pontifício defende seus domínios no campo da instrução [...] em
querelas relacionadas à dois temas : o da escola e o da imprensa”
(MANACORDA, 1999, p.292).
Na primeira metade do século XIX, Gregório XVI (1831-1846)
critica as sociedades bíblicas inglesas que distribuem vários exemplares
bíblicos em línguas vulgares “atraindo qualquer tipo de pessoa a lê-la
sem nenhum guia”. O Próximo Papa, Pio IX (1846-1878), endossa as
ideias de Gregório XVI contra as sociedades bíblicas com sua
“desenfreada liberdade de pensar, de falar, de escrever...” e combate o
comunismo, “aquela doutrina funesta”. Sob Pio IX, o clero é “convidado”
a vigiar todas as escolas para “garantir um ensinamento católico”
(MANACORDA, 1999, pp.292-293).
A Igreja realmente começou a dedicar sua atenção ao ramo do
ensino a partir do pontificado do Papa Leão XIII (1878-1903). Por um
lado, havia uma simpatia quanto à renovação da cultura teológica e,
também, uma “sensibilização” para a questão social. Por outro lado, a
Igreja reconfirmava com vigor uma doutrina tradicional em matéria
educativa, “sublinhando o papel primário da família e o princípio da
liberdade de educação para a própria Igreja” (CAMBI, 1999, p.565). Em
termos políticos, essas mudanças propostas por Leão XIII abriram
caminho para a “reconciliação entre o Estado burguês e a Igreja Católica
sem, contudo, abandonar a linguagem de seus antecessores”
(MANACORDA, 1999, p.295).
As encíclicas, cartas que contêm recomendações emitidas pelo
magistério da Igreja, são alguns dos principais documentos para se
analisar as diretrizes doutrinárias propostas pela Santa Sé. A partir
91
destes documentos pode-se, por exemplo, estudar a perspectiva
ideológica de todo um pontificado. A encíclica quod apostolici muneris
(1878) de Leão XIII, defende a propriedade privada como “lei natural” e
condena a agitação da plebe, que causa desordem social. Ataca os
socialistas que tentam “subverter o edifício da ordem social”. A carta
libertas (1888) “exige que a liberdade de palavra e de imprensa seja
legalmente reprimida, como também seja proibida a liberdade de
ensino...”. Contudo, Leão XIII é lembrado pela história, principalmente,
pela elaboração da encíclica rerum novarum (1893), o documento que
inaugurou, de fato, a reconciliação do Estado burguês e a Igreja Católica,
pois começou “a assumir concretamente alguns princípios do mundo
moderno, objetivando uma aproximação com as correntes liberais, mas
certamente para evitar um avanço mais temível do socialismo”
(MAANCORDA, 1999, p.295).
O papado de Pio XI (1922-1939) herda a preocupação dos seus
antecessores, a temível Revolução Comunista, e estabelece o
relacionamento da Santa Sé com outros Estados. Na análise de Franco
Cambi, sobre a encíclica divini illius magistri (1929), texto que
permaneceu na base de toda experiência pedagógica cristã até o
Concilio Vaticano II (1962), o vigário de Cristo reafirmava que
„Não se pode dar adequada e perfeita educação que não seja a
educação cristã e que esta tem importância suprema para as famílias
e para toda a humana convivência. Só ela, de fato, garante uma
formação integral do homem em relação ao fim sublime para o qual foi
criado, isto é, a salvação através da fé e a adequação aos
mandamentos da Igreja‟. Justamente à Igreja é reconhecido um papel
proeminente na educação dos jovens, enquanto depositária da
verdadeira via para operar a salvação do homem, ao lado da família
que tem diretamente do criador a missão e, portanto o direito de
educar a prole, tanto no campo moral e religioso como no físico e civil.
Ao Estado, por conseguinte, cabe uma função subordinada, ou seja, a
de proteger e promover, e não absorver, a família e o indivíduo, e não
mais monopolizar a educação, portanto, mas respeitar os direitos
natos da Igreja e da família. O texto pontifício auspicia, em suma, um
92
pluralismo de escolas, de cuja liberdade o Estado deve fazer-se fiador,
e defende uma concepção da educação pública como operante em
função de uma delegação recebida das famílias. Além disso, o texto
condena muitos aspectos da educação moderna, tal como a coeducação dos sexos ou educação sexual, inspirada por um
„naturalismo pedagógico, falso e pernicioso, que remete a uma
pretensa autonomia e liberdade ilimitada da criança contra toda forma
de autoridade‟ (CAMBI, 1999, pp. 565-566).
De uma forma geral, Pio XI ainda minimiza o poder do Estado
sobre a educação, argumentando que a Igreja e a família têm, por
vontade divina, o direito de educar. Este Papa inova em relação aos seus
antecessores quando não proíbe a liberdade de ensino, todavia, defende
“uma concepção da educação pública como operante em função de uma
delegação recebida das famílias”. Na prática, esse discurso será
utilizado, pelo corpo eclesiástico, em defesa de uma cultura educacional
cristã em países de maioria católica.
O papado de Pio XII (1939-1958) não nos legou muitos
documentos oficiais sobre as diretrizes cristãs acerca do ensino,
contudo, encontramos uma carta, em que o herdeiro do trono de São
Pedro enviou para clérigos suíços acerca da reabertura de uma Escola
Normal Católica em 1958, nela percebe-se a concepção de ensino
idealizada por ele. O Pontífice Romano reconhece o direito de atuação
do Estado na educação, mas é contrário a toda ideologia fora do
catolicismo, pois a fé deveria irradiar-se por todo o ensino. Ao mesmo
tempo, defende uma maior aproximação entre Igreja e Estado quando
evoca um ensino compromissado com o amor à pátria, tornando a
formação cristã um instrumento de educação cívica. Para Pio XII
[...] A Igreja também reconhece, em principio e na prática, o direito do
Estado sobre a escola, direito derivado da tarefa que lhe foi confiada
por Deus, de se preocupar com o bem comum. A Escola deve dar toda
instrução e formação cívica que o Estado está no direito de esperar
dos seus cidadãos conforme as circunstancias [...] A educação
patriótica, no sentido verdadeiro e permanente da palavra, aquela que
93
desperta nos adolescentes o amor da sua pátria e lhes faz tomar
consciência dos valores e dos altos feitos do seu país, certamente é
tão bem assegurada na escola católica como nas demais. [...] Ela está
na primeira linha desses educadores que dão ao amor da pátria um
embasamento religioso e moral. Não obstante, ela previne contra todo
nacionalismo malsão e exagerado, pois um aspecto essencial do
pensamento católico é que a dignidade de todo homem deve ser
respeitada, e que a justiça, a benevolência, o reconhecimento dos
bens que lhe são próprios, são devidos não somente ao seu próprio
povo, mas também a todos os outros. (PIO XII, 1958)
Esses modelos educacionais idealizados pela Santa Sé,
sobretudo as diretrizes propostas por Pio XI e complementadas por Pio
XII, irão dar suporte ao pensamento pedagógico católico no Brasil já em
meados da década de 1920, estabelecendo as vias possíveis para o
relacionamento entre Igreja e Estado.
No esteio deste contexto, nos preocuparemos, principalmente,
com questões que se referem ao ensino e a educação cristã e,
sobretudo, ao embate entre “católicos e liberais”. Entre outros católicos,
Alceu Amoroso Lima foi um dos intelectuais que mais tiveram contato
com os representantes do poder, todavia, ao passo que a Igreja se
aproximava do Estado, suas ideologias pedagógicas sofriam mais
concorrência de atores que defendiam outras vias para o nosso
desenvolvimento. Entre eles, destacamos o professor Anísio Teixeira,
ilustre representante de uma corrente educacional chamada de “Escola
Nova”.
O movimento escolanovista tem origem nos Estados Unidos no
final dos oitocentos, mas foi bastante difundido, sobretudo, a partir da
primeira metade do século XX. Baseado nos métodos científicos de sua
época, sobretudo em conhecimentos provenientes da psicologia, ele
possui dois aspectos importantes:
O primeiro é a presença do trabalho no processo da instrução técnicoprofissional, que agora tende para todos a realizar-se no lugar
separado “escola”, em vez do aprendizado no trabalho, realizado junto
94
aos adultos, o segundo é a descoberta da psicologia infantil com suas
exigências “ativas” (MANACORDA, 1999, p.305).
Esta nova abordagem pedagógica, idealizada pelo educador
John Dewey, e defendida por Anísio Teixeira como política pública no
Brasil, gerou atritos com o rígido modelo de ensino tradicional católico,
pautado na autoridade, inspirado nos moldes da Santa Sé e, portanto,
atrelado á fé (CURY, 1978). Essa concepção moderna de escola, não
negava os fatores morais na formação da criança, era pretensamente
cientifica, por conseqüência, não comprometida com aspectos
doutrinários. Para Manacorda,
Nas escolas novas, a espontaneidade, o jogo e o trabalho são
importantes elementos educativos. A evolução psicológica da criança
se apresenta de forma essencial em sua pedagogia. O próprio
trabalho, nessas escolas, não se relaciona tanto ao desenvolvimento
industrial, mas ao desenvolvimento da criança: não é preparação
profissional, mas elemento de moralidade e, junto, de modalidade
didática [...]. Os representantes destas tendências são os críticos mais
radicais da escola e da educação tradicionais (MANACORDA, 1999,
p.305).
Em posição defensiva, os intelectuais católicos e membros do
corpo eclesiástico, reagiram à introdução dessas novas tendências
liberais para o ensino no Brasil. Na década de 1920, alguns
escolanovistas já influenciavam as políticas educacionais em seus
estados. A partir da Era Vargas, com a implantação de um Estado mais
centralizador, as principais disputas se deram no âmbito federal.
Os pensadores católicos criticavam a tendência laica instalada pela
República. Preconizavam a reintrodução do ensino religioso nas
escolas por considerar que a verdadeira educação devia estar
vinculada à orientação moral cristã. Para eles, as escolas leigas “só
instruem, não educam” [...]. Outra característica que marcava a
95
atuação dos pensadores católicos era um ferrenho anticomunismo
(ARANHA, 2008, p.304).
O Estado brasileiro na presidência de Vargas se propunha como
agente transformador e modernizador da sociedade. Não obstante, a
Igreja, arauto da tradição, que comovia e influenciava multidões de fiéis
era importante aliada política. Assim, os pedagogos liberais,
representantes de um projeto modernizador, não conseguiram grandes
avanços até o fim do período ditatorial de Vargas (1937-1945). As
reformas do ministro da educação de Vargas no Estado Novo, Gustavo
Capanema, retratam bem as mudanças que ocorreram em bases
conservadoras.
Nos termos da lei, a influência do movimento renovador se fez
presente, estipulando o planejamento escolar, além de propor a
previsão de recursos para implantar a reforma. Também foi dada
atenção à estruturação da carreira docente, bem como à condigna
remuneração do professor [...] A partir de então a lei propunha a
centralização nacional das diretrizes. Persistia, no entanto, a
predominância de matérias de cultura geral em detrimento das de
formação profissional, bem como o rígido critério de avaliação
(ARANHA, 2008, P.307).
No esteio destas permanências, o ensino secundário preocupado em proporcionar cultura geral e humanística; alimentar uma
ideologia de caráter fascista; proporcionar condições para o ingresso no
curso superior e possibilitar a formação de lideranças – “nada mais fazia
do que acentuar a velha tradição do ensino secundário acadêmico,
propedêutico e aristocrático” (ROMANELLI apud ARANHA, 2008, p.308).
Assim, o desprezo pelos cursos profissionalizantes andava em
descompasso com nossa realidade social, fruto do avanço econômico,
tecnológico e industrial. Um dos principais fatores, que contrariava os
ideais escolanovistas de coeducação, era de orientação conservadora e
tradicionalmente ligado à prática pedagógica dos católicos: a
96
“recomendação explícita na lei de encaminhar as mulheres para
estabelecimentos de ensino de exclusiva freqüência feminina”. O
governo ditatorial de Vargas atenuou o impacto de algumas conquistas
liberais, se ausentando enquanto Estado educador e favorecendo grupos
da iniciativa privada, notadamente as ordens católicas (ARANHA, 2008,
p.308-309).
Essa situação se perdurou até 1945, quando o país retornou ao
estado de direito, com governos eleitos pelo povo. Sob o espírito da
redemocratização em 1946, o Brasil elaborou uma nova carta
constitucional e, em oposição à Constituição imposta pelo Estado Novo
em 1937, os escolanovistas retomaram a luta por seus ideais na
elaboração de leis para a educação. A formulação da Lei de Diretrizes e
Bases (LDB) para a educação percorreu um longo caminho, desde seu
primeiro anteprojeto (1948) até sua promulgação (1961). Além dos
escolanovistas e seus aliados1, participaram católicos tradicionalistas
como o padre Leonel Franca e Alceu Amoroso Lima (ARANHA, 2008,
p.310).
As disputas entre estes grupos se acirraram quando o deputado
Carlos Lacerda, político conservador da UDN, propôs uma discussão
acerca da “liberdade de ensino”. Ele defendia a iniciativa privada e
incumbia o Estado de oferecer os recursos necessários para os colégios
particulares. Sabendo que a maioria das escolas particulares de ensino
secundário pertencia tradicionalmente às congregações religiosas, os
religiosos católicos retomaram os antigos debates. Eles criticaram,
Aqui, existe uma heterogeneidade ideológica que se uniu em torno da defesa da escola
pública contra os interesses particulares, como veremos, nos debates educacionais. Na
obra de Maria Lúcia de Arruda Aranha, História da Educação e da Pedagogia (2008)
podemos encontrar, por curiosidade, na página 310 em nota de rodapé, o nome dos
políticos e intelectuais que fizeram parte da campanha em defesa da escola pública:
Florestan Fernandes, Fernando de Azevedo, Almeida Júnior, Carlos Mascaro, João Villa
Lobos, Fernando Henrique Cardoso, Laerte Ramos de Carvalho, Roque Spencer Maciel
de Barros, Wilson Cantoni, Moisés Brejon, Maria José Garcia Werebe, Luiz Carranca,
Anísio Teixeira, Jayme Abreu, Lourenço Filho, Raul Bittencourt, Carneiro Leão, Abgar
Renault e outros.
1
97
novamente, a laicidade do ensino e, amparados pela doutrina da Igreja,
defendiam a liberdade de ensino como “liberdade das famílias de
escolher a melhor educação para seus filhos”. Por outro lado, os
defensores da escola pública, ao contrário do período da Era Vargas,
“admitiam a existência das duas redes de ensino – a particular e a oficial
-, mas, para eles, as verbas públicas deveriam ser exclusivas da
educação popular” (ARANHA, 2008, p.310-311, grifo nosso).
Devido a estes desencontros e descaminhos observados na
formulação de nossas leis para o ensino, encontramos autores (AZZI,
2008; ROMANELLI, 2007; SAVIANI, 2005; ARANHA, 2008) que se
preocuparam em observar e explicar as causas de nossos problemas
educacionais no período.
Para Saviani, uma das possíveis hipóteses para analisarmos a
falta de um planejamento para o ensino e, a ausência de um coerente e
consolidado sistema educacional no Brasil, diz respeito às posições dos
grupos em conflito na formulação das leis. Do lado da escola pública
estavam os chamados “liberais” e aqueles de tendências socialistas;
Do lado da escola particular estavam a Igreja Católica e os donos de
escola particular que, sem doutrina, apoiavam-se na doutrina da Igreja
para defender seus interesses. Ora, essas diferentes posições teriam
dificultado a definição de objetivos comuns e, daí, a ausência de
sistema (SAVIANI, 2005, p.114).
Em suas conclusões acerca do assunto, Saviani discorda da
vigência de um “sistema educacional” no Brasil e denuncia que a nossa
educação é inadequada à realidade, pois cheia de elementos
anacrônicos devido aos interesses conservadores, e fruto de imitação
social, sem autonomia nem autenticidade. Para ele, um emaranhado de
instituições escolares e a falta de planejamento para uma organicidade
que trouxesse uma lógica de funcionamento que ligasse todos os níveis
de ensino, não pode ser considerado um sistema (SAVIANI, 2005,
p.111).
98
A pesquisadora Otaiza Romanelli reconhece que a partir de
1930, o ensino expandiu-se fortemente, mas detectou que nesse
“Período de transição da sociedade oligárquico-tradicional para a
urbano-industrial, em que se redefinem as estruturas de poder e se
orienta o modelo econômico, no sentido da industrialização, ainda
encontramos um sistema educacional que privilegia uma elite,
havendo um certo dualismo no sistema educacional (sistema oficial em
oposição a treinamento profissional, como forma de discriminar
socialmente as populações escolares) [...]. Em linhas gerais, pode-se
afirmar que o poder político, até o início dos anos 60, mostrou-se
incapaz de absorver a crise e a Lei de Diretrizes e Bases atendeu mais
a interesses de ordem política do que a interesses sociais emergentes
e, até mesmo, a interesses econômicos (ROMANELLI, 2007, p.255256).
Para Aranha, a Lei nº4.024 (LDB), publicada em 1961,
apresentou algumas mudanças em relação à reforma Capanema, mas
não houve alteração na estrutura do ensino. Um avanço estava
No ensino secundário menos enciclopédico, com significativa redução
do número de disciplinas. Também a padronização foi atenuada,
permitindo a pluralidade de currículos em termos federais [...]. Todavia,
inúmeras desvantagens decorriam da nova lei. Apesar de pressões
para que o Estado destinasse recursos apenas para a escola pública,
a lei atendia também as escolas privadas [...], através do
financiamento a estabelecimentos mantidos pelos estados, municípios
e particulares para compra, construção ou reforma de prédios
escolares e respectivas instalações e equipamentos, de acordo com
as leis especiais em vigor” (ARANHA, 2008, p.311, grifo nosso).
Complementando as críticas feitas por Aranha acerca da
publicação da nossa LDB de 1961, o professor Demerval Saviani aponta
muitas incoerências no “projeto conciliador”, proposto por Almeida Júnior,
99
que reconhecia o subsídio público para as escolas particulares. Para
Saviani,
Vale a pena pôr em relevo estas incoerências do projeto na linha mais
característica de sua fisionomia: a) a escola particular é, ao cabo de
contas, mantida pelo poder público; b) a escola mantida pelo Estado
não é fiscalizada pelo Estado; [...]. Por outras palavras: o mais
importante, por sua extensão, dos processos capazes de propiciar e
preservar a unidade espiritual da nação, poderá escapar
completamente ao exame dos poderes públicos. Que significam essas
incoerências? Que a lei não tem unidade nem sistema (SAVIANI,
2005, p.19-20).
Aqui, a bandeira conciliadora de preservação da “unidade
espiritual da nação”, que na prática reconhecia o direito de subsídio
estatal para colégios particulares, muitos deles confessionais, acabou
por significar a injeção de recursos em instituições que não aceitaram a
supervisão do Estado, escapando completamente ao exame dos poderes
públicos.
Em linhas gerais, os subsídios públicos aos colégios particulares
significaram a manifestação de interesses conservadores e, também, um
empecilho à democratização do acesso ao ensino, que se daria pela
escola pública, gratuita e laica. Contudo, os debates entre católicos e
liberais e a abertura democrática, arrefeceram os ânimos dos líderes
católicos na condução de um projeto sacralizador para a sociedade
através da educação, tendo por conseqüência, uma maior aproximação
com seus antagonistas, principalmente Anísio Teixeira e Lourenço Filho.
O pensador católico Alceu Amoroso Lima, a respeito de todas essas
questões, reconhecia cada vez mais a contribuição dos escolanovistas e
sua metodologia pedagógica baseada na liberdade e autonomia do
aluno. E conclui: “Acabei grande amigo de ambos, reconhecendo a
importância da função democrática da educação, que ambos sempre
haviam promovido” (apud AZZI, 2008, p.318).
100
SILVEIRA, Rafael José da. The Catholic resistance and advancement of
the liberal conception of education in Brazil. DIALOGUS. Ribeirão Preto,
v.7, n.2, 2011, pp. 87-101.
ABSTRACT: This article aims to analyze the confrontation between the
main conceptions of teaching and education that guided public policy in
Brazil from the 1930s until the early 1960s. The debate arises from two
distinct ideological conceptions of society: Catholic and liberal.
KEYWORDS: Brazil, History of Education; Catholic Thought; Liberal
Thought; Public Instruction.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Artigos
PIO XII. Carta de Pio XII sobre a concepção católica do ensino In
Revista eclesiástica brasileira, v.18, p.807-809, set. 1958.
SILVA, Antônio Francisco da. Intelectuais e a defesa da religião. Revista
Ultimo Andar [on-line]. São Paulo, (14), 127-147, junho, 2006.
Disponível
em
http://www.pucsp.br/ultimoandar/download/artigos_intelectuais.pdf
Acessado em 16/12/09.
Livros
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da pedagogia:
Geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006.
AZZI, Riolando. História da Igreja no Brasil: Terceira época (1930-1964).
Petrópolis: Vozes, 2008.
CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: Editora da Unesp,
1999.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Ideologia e educação brasileira – católicos
e liberais. São Paulo: Cortez, 1978.
101
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da antiguidade
aos nossos dias. São Paulo: Cortez, 1999.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil (19301973). Petrópolis: Vozes, 2007.
SAVIANI, Dermeval. Educação brasileira: estrutura e sistema. Campinas:
Autores Associados, 2005.
SERBIN, Kenneth P. Padres, celibato e conflito social: uma história da
Igreja católica no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
.
102
103
DESCARTES E SUA DESCOBERTA DA SUBSTÂNCIA
ESPIRITUAL
Luís Carlos MORENO*
RESUMO: Este artigo tem como objetivo geral pesquisar em Descartes
como se dá a descoberta do espírito. Vive-se num momento histórico e
numa sociedade em que não se pode acreditar em todas as informações
que chegam, mas pode-se confiar na razão para se tomar a decisão
sobre o que é verdadeiro ou falso. Descartes propicia oportunidade de
refletir sobre espírito e matéria. Com a dúvida radical, Descartes
inaugura, ou inventa, o espírito crítico, a liberdade de pensamento e, com
isso, se torna um dos fundadores da filosofia moderna.
PALAVRAS-CHAVE:
imortalidade da alma.
Descartes,
Substância
Espiritual
Absoluta,
A doutrina cartesiana do cogito (abreviação de cogito, ergo sum,
“penso, logo existo”) indica a evidência pela qual cada indivíduo
reconhece a própria existência enquanto sujeito pensante. A conclusão
do raciocínio leva à fundação de duas verdades que resistem à dúvida
metódica, utilizáveis como postulados da reflexão metafísica: 1) o
pensamento é uma realidade em si mesmo - uma substância - distinta e
diferente da matéria; 2) o indivíduo humano é tanto res cogitans (um
sujeito pensante) quanto res extensa, enquanto corpo. De que maneira o
ser humano (o espírito, a alma, a inteligência) pode conhecer a si
mesmo? A Substância Espiritual é a resposta às questões existenciais
dos seres humanos?
As teorias espiritualistas da mente ensinam que, seja qual for o
seu nome, a mente e neste trabalho será denominada „espírito‟ possui
Licenciado em Pedagogia. Especialista em Filosofia e Ensino da Filosofia. Atualmente é
professor do Centro Universitário Barão de Mauá.
*
104
um grau de independência ou realidade não explicado por outras teorias
da mente (espírito). Defendem que o ser humano tem um eu espiritual, e
que a realidade inclui o espiritual. Conforme Lalande (1999) pode-se
chamar, de maneira geral, espiritualismo a toda doutrina que reconhece
a independência e a primazia do espírito, isto é, do pensamento
consciente. Entre os espiritualistas, podemos citar: Sócrates, Platão,
Bérgson, Durkheim, Berkeley, Hume, Espinosa, Malebranche.
Pode-se argumentar que: I) a racionalidade é importante,
indispensável mesmo, mas não é tudo; há muitos aspectos da vida a que
ela não tem acesso, por mais intensa e acurada que seja a busca
filosófica; II) que a plenitude da existência passa pela compreensão da
substância espiritual, sendo função da razão testar criticamente nossas
conjecturas, nossa interpretação dos fatos e nosso método de chegar a
esse entendimento; III) a razão não é um fim, mas um instrumento.
Neste artigo, procura-se esclarecer o quanto o espírito é a forma
ou estrutura da atividade humana corpórea, e se faz ou não faz sentido o
seu entendimento como uma alma ou substância separada.
O dualismo cartesiano separou a realidade entre o espiritual e o
material, mas cumpre indagar: se a realidade é espiritual ou material;
uma exclui a outra ou ambas se complementam?
Vivemos num momento histórico e numa sociedade em que não
se pode acreditar em todas as informações que chegam e nem nos
próprios sentidos, mas pode-se confiar na razão para decidir o que é
verdadeiro e válido ou o que é falso. Aparentemente a humanidade
revive o problema contemporâneo de Descartes de „não se saber em que
acreditar‟. O interesse em Descartes e sua descoberta da substância
espiritual se justifica e fundamenta no deslocamento do interesse da
sociedade consumista atual, que colocou o ter (dinheiro / bens materiais)
acima do ser (espírito), oportunizando a reflexão sobre espírito e matéria.
Como seres físicos, há a necessidade de recursos materiais para a
preservação da vida, mas, a materialização da existência e condição de
ser humano plenamente consciente e realizado se alcança através da
compreensão e evolução do espírito também.
105
Os seres humanos precisam, urgentemente, compreender que a
plenitude da vida não será alcançada com a posse da máxima
quantidade possível de bens materiais, coisas extensas de vez que estas
são finitas, que a plenitude da vida será alcançada com o entendimento e
desenvolvimento do ser pensante, do espírito.
O que somos, carrega as singularidades da nossa constituição
material e espiritual, com reflexos e conseqüências na vida em
sociedade. Refletir sobre as possibilidades dos seres pensantes pode
nos proporcionar a oportunidade de intervir na nossa história de vida,
amparados no conhecimento – para a construção de um mundo mais
justo e verdadeiramente humano.
Para o eventual questionamento, porque mais uma vez, ou
ainda Descartes, para a atualidade, a importância e a pertinência do seu
pensamento como tema pode ser justificada, resumidamente,
entendendo que a filosofia moderna é uma filosofia do sujeito humano,
individual por excelência, um humanismo que recoloca o homem no
centro e com ele a emergência de uma espiritualidade moderna.
A metodologia utilizada para este artigo foi a pesquisa
bibliográfica, com interpretações das obras do autor.
A história do problema do espírito é, em verdade, a história da
filosofia inteira, porque esta começa quando o ser humano se questiona
sobre si mesmo; o desconforto e a inquietação permanente provocada
pela sua condição o motiva a indagar: o que sou? De que sou feito?
Quais as minhas substâncias?
Estas questões contêm em latência três inquietações: 1) os
seres humanos atribuem a si mesmos um valor; uma dignidade e uma
liberdade que nunca foram reconhecidos nos demais entes do mundo; 2)
resistem a desaparecer com o desaparecimento da sua estrutura física
(e essa aspiração à sobrevivência é universal e extrapola a filosofia); 3)
reconhecem-se dotados de uma criatividade racional (ciência, técnica,
linguagem), estética ( arte) e ética (religião e moral).
A busca por uma explicação para essas três constantes da
experiência que o ser humano faz de si mesmo é a origem da filosofia;
106
nelas está contido o enigma humano, com sua determinação em se
acreditar distinto das coisas, dos vegetais e dos irracionais.
O surgimento do conceito de espírito foi para explicar de forma
abrangente e satisfatória essa situação da condição humana. A asserção
do espírito funcionou como garantia da singularidade que o ser humano
representa em seu ambiente. O conceito foi popularizado no pensamento
ocidental pelo cristianismo, através do Pneuma, com ampla polivalência
semântica, como uma realidade inquestionável.
É de se ressaltar que no pensamento grego, o conceito
equivalente de psyqué como entidade ou dimensão espiritual do homem
foi mais trabalhado pelas doutrinas ético-religiosas do que pelo
pensamento filosófico. Enfim, os gregos chegaram ao espírito por
motivos mais éticos do que metafísicos.
Descartes (2005) prova a realidade da mente primeiro ao
afirmar que algo deve colocar tudo em dúvida, como sua mais conhecida
máxima propõe: “Penso, logo existo”. Ele também institui que “Sou uma
coisa pensante”. Pensar é a essência dos seres humanos e, dessa
forma, a mente (espírito) é distinta do corpo (matéria). Essa concepção
ficou conhecida como Dualismo Cartesiano.
O dualismo cartesiano é a doutrina metafísica que considera o
mundo na sua totalidade composto por duas substâncias: matéria e o
pensamento. Para Descartes, entre esses dois modos de ser da
realidade existe absoluta diferença e oposição: o pensamento é
inextenso (ou seja, não tem uma dimensão espacial), é consciente de si
mesmo e livre; a matéria, ao contrário, é sempre extensa e disposta no
espaço, não tem consciência de si mesma e é mecanicamente
determinada, não livre.
A doutrina cartesiana do „cogito‟ indica a evidência pela qual
cada ser humano reconhece a própria existência enquanto sujeito
pensante. A conclusão do raciocínio leva à fundação de duas verdades
que resistem à dúvida metódica, utilizáveis como postulados da reflexão
metafísica: 1) o pensamento é uma realidade em si mesmo (uma
107
substância), distinto e diferente da matéria; 2) o ser humano é tanto um
sujeito pensante quanto corpo (matéria).
René Descartes tem sido mencionado, desde o século XVIII,
como o “O Pai da Filosofia Moderna”, mas como as concepções da
filosofia se alteraram desde então o mesmo ocorreu com o significado
desse título. No século XIX e na maior parte do século XX, os filósofos
de língua inglesa classificaram Descartes como um epistemólogo.
Desde Descartes, a epistemologia, tem sido a disciplina
filosófica central. Ela formula questões sobre o alcance e os limites do
conhecimento, com suas fontes e sua justificação e lida com argumentos
céticos concernentes a nossas pretensões de conhecimento e crença
justificada.
A obra de Descartes estabeleceu a pauta para tarefa filosófica
fundamental de mostrar por que estamos justificados por crer no que
cremos. São dele as palavras, no Discurso do Método (2005, p.70): “[...]
percebi que, ao mesmo tempo em que eu queria pensar que tudo era
falso, fazia-se necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E,
ao notar que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão
correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam
capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem
escrúpulo algum, o primeiro princípio da filosofia que eu procurava”.
A concentração de Descartes no “eu pensante” individual, sua
visão filosófica do mundo estabeleceram a possibilidade de uma
alternativa viável à explicação tradicional e na legitimação da crença
dela.
É necessário ressaltar três aspectos do empreendimento
intelectual desse pensador: 1) ele teve de descrever em termos bem
gerais a natureza do mundo segundo sua visão moderna; 2) mostrar
como esse mundo se relacionava com um Deus cristão e, 3) como se
relacionava com a humanidade.
De acordo com o dualismo, a mente é uma substância distinta
do corpo. Entre os defensores do dualismo encontramos o filósofo René
Descartes. Substância é um termo filosófico para aquilo que existe.
108
Alguns filósofos o utilizam para referir-se à matéria; outros para referir-se
ao que é material e espiritual.
No dualismo, o conceito de mente pode ser aproximado ao
conceito de intelecto, de pensamento, de entendimento, de espírito e de
alma do ser humano.
René Descartes propos o dualismo das substâncias (que seriam
uma entre duas coisas: res cogitans ou res extensa). Para ele o espírito
e o corpo seriam nitidamente distintos. Espírito e matéria constituiriam
dois mundos irredutíveis, assim não seriam nunca uma substância só,
mas sempre duas substâncias distintas. Espírito seria do mundo do
pensamento, da liberdade e da atividade; e matéria seria do mundo da
extensão, do determinismo e da passividade.
O dualismo metafísico cartesiano deixou como herança à
posteridade uma série de problemas graves. Por exemplo, como explicar
inter-relações entre as substâncias tão heterogêneas entre si. Para ele,
somente em Deus elas poderiam ser reunidas e formar uma só
substância. Corpo e alma seriam substâncias finitas que de Deus
proviriam, isso é, seriam fruto de um ser de substância infinita. Como
uma substância finita poderia derivar de uma substância infinita ? E
ainda por analogia, somente no ser humano se encontrariam, com se
almagamadas, a alma e o corpo, que ao sentido parecem quase
indistintas e não separadas. Mas Descartes não considera verossímel
algo apreendido dos sentidos.
“Por meio do espírito, cada ser pode intuir que existe, que
pensa, que o triângulo é delimitado somente por três linhas, a esfera por
uma única superfície, e semelhante coisas que são em número muito
maior de quanto perceba a maioria, posto que desdenha atribuir à mente
coisas tão fáceis”. (Regras para a direção do espírito, Descartes).
“De modo que, depois de muito pensar a respeito, e de ter
cuidadosamente tudo examinado, é preciso afinal concluir, e confirmar,
que a proposição Eu sou, eu existo é necessariamente verdadeira todas
as vezes que eu a pronuncio ou a concebo em meu espírito”.
(Meditações Metafísicas, Descartes, 2005a).
109
No resumo, por ele mesmo, das Meditações (2005a),
encontramos: “Na segunda, o espírito, que, usando de sua própria
liberdade, supõe que não existem todas as coisas, da existência das quais
tem ele a menor dúvida, reconhece que é absolutamente impossível
que, entretanto, ele mesmo não exista. O que é também de uma muito
grande utilidade, visto que por tal meio ele comodamente faz distinção
das coisas que lhe pertencem, isto é, à natureza intelectual, e das que
pertencem ao corpo. Mas, já que pode ocorrer que alguns esperem de
mim nesse lugar razões para provar a imortalidade da alma, estimo
dever agora adverti-los de que, tendo cuidado de não escrever nada
neste tratado de que não tivesse demonstrações muito exatas, me vi
obrigado a seguir uma ordem semelhante àquela de que se servem os
geômetras, a saber, adiantar todas as coisas das quais dependem a
proposição que se busca antes de concluir algo dela”.
A posição de Descartes, assegura que as idéias dotadas de
evidência não são aprendidas pela experiência, mas parte constitutiva da
mente humana, assim a teoria postula a presença no homem de
determinadas idéias, aptidões, habilidades, atitudes e comportamentos
desde o seu nascimento.
O exercício da dúvida demonstra a existência de um sujeito
espiritual, capaz de produzir pensamento. Dado que a dúvida é um
pensamento, não se pode duvidar de sermos espíritos pensantes.
Somente o pensamento não pode deixar de existir, porque não se pode
duvidar sem pensar.
“Passemos, pois, aos atributos da alma e vejamos se alguns
deles residem em mim. Os primeiros são nutrir-me e andar; mas se é
verdade que eu não tenho corpo, também é verdade que não posso
andar nem me alimentar”. Nesta passagem das Meditações Metafísicas
(2005ª, p.45), a existência do corpo foi colocada em dúvida.
“Um outro atributo é sentir; mas igualmente, não se pode sentir
sem o corpo; sem contar que acreditei ter sentido muitas coisas durante
o sono e ao despertar dei-me conta de não tê-las sentido realmente”.
110
Igualmente, neste trecho das Meditações Metafísicas (2005a, p.45-46), a
percepção é colocada em dúvida.
E finalmente, para provar que somente o pensameno não pode
deixar de existir, porque não se pode duvidar sem pensar: “Um outro é
pensar; e aqui constato que o pensamento é um atributo que me
pertence, sendo o único que não pode separar-se de mim. Eu sou, eu
existo: isto é certo; mas por quanto tempo? Na verdade, por todo o
tempo em que eu estiver pensando; posto que talvez ocorresse, se
parasse de pensar, que eu parasse ao mesmo tempo de ser e de existir”
(DESCARTES, 2005a, p.46). .
“Sou, então, uma coisa verdadeira, e verdadeiramente
existente; mas qua coisa é esta? Eu já disse: uma coisa que pensa”
(DESCARTES, 2005a, p.46). A certeza de existir como ser pensante tem
um caráter fundamental para nossa concepção do eu enquanto ser
espiritual.
Com Descartes, não é mais a confiança ou a fé que permite
alcançar a verdade última ou a plenitude da vida, mas a consciência de
si.
Descartes (2005) tinha plena consciência, particularmente após
a condenação de Galileu em 1633, de que seus pensamentos físicos e
metafísicos seriam considerados heréticos. Entretanto, era seu
entendimento e consideração pessoal que havia compatibilidade com
sua visão do cristianismo. Ao conhecer o mundo tal como realmente é,
pela via da razão, estamos libertando nosso verdadeiro, ativo eu
pensante imaterial de sua sujeição aos enganos proporcionados pelos
sentidos físicos e permitindo que a alma imaterial divina e pura tenha
precedência sobre o corrupto corpo físico e alcance uma visão do mundo
mais próxima de Deus.
Para provar a existência de Deus, usou o seguinte argumento:
“Penso, logo existo”, prova que eu existo, mas sou um homem
mortal imperfeito e falho. Se eu fosse meu próprio criador, naturalmente
teria me criado como um ser perfeito, e se eu não criei, então quem foi?
Deus”.
111
“Pelo nome Deus entendo uma substância infinita, eterna,
imutável, independente, onisciente, onipotente, pela qual eu mesmo, e
todas as outras coisas que existem (se é verdade que há coisas que
existem) foram criadas e produzidas.” Na nota 25, das Meditações
Metafísicas (2005a, p.72) encontramos que: “Enfim, surge uma idéia de
que a coisa pensante não pode ser causa. Como ela, Deus também é
substância, porém, é de notar que não se fala em sustância
univocamente; sou substância finita e por isso posso ser causa da idéia
de substância extensa, também finita; Deus, contudo, é substância
infinita, e não posso eu, finito, ser causa da idéia de um ser infinito”. E
conclui mais adiante: “E, por conseguinte, é preciso necessariamente
concluir de tudo o que disse anteriormente que Deus existe; pois ainda
que a idéia da substância esteja em mim, pelo próprio fato de eu ser uma
substância, eu não teria, contudo, a idéia de uma substância infinita, eu
que sou um ser finito, se ela não tivesse sido posta em mim por alguma
substância que fosse verdadeiramente infinita”. Na nota 26, da mesma
edição (p.72), esclarece que: “Eis a primeira prova da existência de
Deus, por meio da aplicação do princípio de causalidade: se está em
mim uma ideia de que não posso ser causa, deve existir algo que seja
causa dessa ideia, no caso, Deus”.
“Eu tenho uma concepção do que é a perfeição, embora eu não
seja perfeito. Então, de onde vem essa ideia de perfeição? Não vem de
mim, obviamente. Afinal, eu sou imperfeito e a perfeição não pode vir de
algo tão imperfeito quanto eu. Então, deve haver um ser perfeito e ele é
Deus”.
Tendo provado que ele existe e tendo “provado” a existência de
Deus, voltou sua reflexão para a natureza e a realidade. De acordo com
ele, dois elementos compunham a realidade como a percebemos e
conhecemos. Denominou-as de substâncias. As substâncias do
pensamento são nossas mentes e as substâncias extensas são nossos
corpos físicos.
Ao separar o espiritual do material, Descartes permitiu que a
nova ciência empreendesse a sua investigação no mecanismo de um
112
mundo material ordeiro desvinculada da intervenção arbitrária de um
Deus providencial ou das irregularidades imprevisíveis da natureza. Deus
se tornou o relojoeiro cósmico que criou um mundo ordeiro e mentes
para aprender sobre o mesmo. Além disso, ao livrar a mente do
conhecimento incerto, Descartes cria que se poderia prosseguir pela
dedução desde os primeiros princípios para tudo o que se poderia
conhecer acerca do mundo.
Do próprio Descartes (2005a), encontramos no resumo da
terceira meditação: “...antes de conhecer a imortalidade da alma, é formar
uma concepção clara e nítida e inteiramente distinta de todas as concepções que se possam ter do corpo:que foi feito nesse lugar. Requerse, além disso, saber que todas as coisas que concebemos clara e
distintamente são verdadeiras, conforme nós as concebemos: o que
não pôde ser provado antes da quarta Meditação. Ademais, é preciso
ter uma concepção distinta da natureza corporal, a qual se forma, parte
nesta segunda, e parte na quinta e sexta Meditação. E, enfim, deve-se
concluir de tudo isso que as coisas que se concebem clara e
distintamente serem substâncias diferentes, como se concebem o
espírito e o corpo, são, de fato, substâncias diversas e realmente
distintas umas das outras; e é o que se conclui na sexta Meditação. E, na
mesma, isso também se confirma pelo fato de não concebermos
nenhum corpo senão como divisível, ao passo que o espírito, ou a
alma do homem, não se pode conceber senão como indivisível, pois,
de fato, não podemos conceber a metade de alma alguma, como
podemos fazer com o menor de todos os corpos; de forma que suas
naturezas não são somente reconhecidas como diversas, mas mesmo,
em alguma medida, contrárias. Ora, é preciso que saibam que não me
empenhei em dizer nada mais sobre isso neste tratado, tanto porque
isso é suficiente para mostrar com bastante clareza que da corrupção
do corpo a morte da alma não se segue, e assim para dar aos homens
a esperança de uma segunda vida após a morte, como também
porque as premissas das quais se pode concluir a imortalidade da
alma dependem da explicação de toda a física; primeiramente, a fim de
113
saber que em geral todas as substâncias, isto é, as coisas que não
podem existir sem serem criadas por Deus, são por sua natureza
incorruptíveis, e não podem jamais cessar de ser, se não reduzidas ao
nada por esse mesmo Deus, que lhes queira negar seu concurso
ordinário. E, em seguida, a fim de que se observe que o corpo, tomado
em geral, é uma substância, eis por que também ele não perece; mas
que o corpo humano, enquanto difere dos outros corpos, é formado e
composto apenas de uma certa configuração de membros e outros
acidentes semelhantes; e a alma humana, pelo contrário, não é assim
composta de quaisquer acidentes, mas é uma pura substância. Pois,
ainda que todos seus acidentes mudem-se, por exemplo, que ela
conceba certas coisas, que ela queira outras, que ela sinta outras, etc.,
é contudo sempre a mesma alma; ao passo que o corpo humano não é
mais o mesmo só pelo fato de que a figura de algumas de suas partes
encontre-se mudada. Daí se segue que o corpo humano pode
facilmente perecer, mas que o espírito, ou a alma do homem (o que
não distingo) é imortal por sua natureza”.
Na terceira Meditação (2005a), foi longamente explicado
principal argumento de que se serve para provar a existência de Deus.
Descartes se refere à dificuldade de entender como a idéia de um ser
soberanamente perfeito, idéia que se encontra em nós, “contém tanto
de realidade objetiva, isto é, participa por representação em tantos
graus de ser e de perfeição, que ela deve necessariamente vir de uma
causa soberanamente perfeita”. Mas esclarece por comparação com
uma máquina cuja idéia encontra-se no espírito de algum operário; pois,
“como o artifício objetivo dessa idéia deve ter alguma causa, a saber, a
ciência do operário ou de qualquer outro de quem ele a tenha
aprendido, da mesma forma é impossível que a idéia de Deus, que está
em nós, não tenha Deus mesmo como sua causa”.
A existência de Deus pode ser provada, além do processo
indutivo, também pelo dedutivo, mediante um raciocínio ontológico.
Basta examinar a idéia de perfeito, que está presente em nossa mente
pelo próprio fato de nos reconhecermos imperfeitos. “Voltando a
114
examinar a idéia que eu tinha de um ser perfeito, via que a existência
estava compreendida nele do mesmo modo, e até com maior evidência,
de que na idéia de triângulo está compreendido que os seus três
ângulos são iguais a dois retos ou, na esfera, que todas as suas partes
são equidistantes do centro, e que, por conseguinte, é igualmente certo,
o quanto pode sê-lo qualquer demonstração da geometria, que Deus,
que é este ser perfeito, é ou existe”. Existe, pois, o ser divino e é
perfeitíssimo.
Nos Princípios da Filosofia, Descartes (2002) traz uma prova
ontológica da existência de Deus baseada não na idéia de infinito.
Resumidamente, seu argumento: a idéia que nós temos de uma
substância infinita não pode ser produzida por nós, que somos
substâncias finitas; deve por isso, ser produzida pela própria substância
infinita.
Em síntese, Decartes (2002, p.37) forneceu as provas não
apenas de sua existência como uma “coisa pensante”, mas também
para a existência de Deus e do mundo. De importância considerável é a
sua prova da existência de Deus. Uma prova para essa existência de
Deus é que como “coisa pensante” ele tem idéias.Uma dessas idéias é
de um Deus perfeitamente bom e absolutamte poderoso. Descartes
afirma que nada, exceto Deus, poderia lhe dar essa idéia.
“Penso, logo existo”. Deus existe e ele é bom. O mundo é
apenas matéria em movimento.
O mundo de Descartes é um mero lugar mecânico operando
segundo leis atemporais de movimento e, em si, destituído da maior
parte das propriedades que poderiam nos fazer sentir à vontade nele.
Entretanto, esse mundo cartesiano é caracterizado pela sua
inteligibilidade. Assim, caracterizava uma concepção pluralista da pessoa
humana comum como formada por um número indefinido de objetos
físicos separáveis. Esses objetos físicos separados são na realidade,
afirmava ele, de natureza apenas adjetiva. Assim, como quaisquer outros
objetos físicos existentes, não são na realidade coisas ou substâncias
separadas, mas apenas modos da única substância extensa.
115
Segundo Descartes, a essência do ser humano é o espírito, mas
qual a relação dele com o corpo? Ele considerava o corpo uma
substância completa, existente por si, diversa do espírito e oposta a ele:
o corpo constituído pela matéria extensa e o espírito constituído pelo eu
pensante. No ser humano essas duas substâncias, embora diferentes
encontram-se unidas. Para Descartes (2002), o espírito e o corpo estão
unidos, mas apenas num ponto: na glândula pineal, que ele entendeu
posicionada no centro do cérebro. Quanto ao corpo, afirmou que não há
nenhuma diferença entre o homem e os animais: uns e outros não
passam de autômatos ou máquinas semoventes. O que distingue o
homem dos animais é o espírito. Os animais não têm espírito, nenhum
espírito; o ser humano tem um espírito criado por Deus.
Pensadores espiritualistas não conseguiram ignorar a realidade
do corpo, assim o problema do espírito e insere na relação espírito /
matéria.
Atualmente o problema ganhou interesse e relevância, sob a
denominação „mente / cérebro‟. Mais concretamente, a discussão atual
gira em torno de questões tais como: 1) existe a mente (espírito)? 2)
caso exista, será algo distinto do cérebro?
As respostas fundamentadas no materialismo classificam-se
em: 1) A mente (espírito) é o cérebro; o cérebro é uma realidade
puramente física, ou neural ou biológica; 2) A mente (o espírito) é o
cérebro; mas o cérebro humano ostenta uma propriedade emergente,
graças à qual o ser humano é distinguido qualitativamente de qualquer
outra entidade física, química ou biológica.
As relações entre espírito e corpo foram explicadas por
Descartes através de um sistema proposto em que os fluídos hidráulicos
que operam os músculos do corpo são direcionados pela glândula pineal
no centro do cérebro, de modo que, por meio de pequenos ajustes na
posição dessa glândula, a alma é capaz de controlar o fluxo desses
fluidos e dessa forma redirecionar as ações do corpo de acordo com
suas decisões.
116
O espírito, por ser imaterial, não está sujeito aos efeitos da
decadência física, e é assim imortal. É semelhante a Deus em sua
imaterialidade e não faz parte do mundo material básico, embora esteja
ligada a ele por sua encarnação.
As ações do espírito são versões humanas das atividades
divinas da compreensão e da vontade, a primeira uma cópia perfeita,
mas finita da inteligência divina, a última inclinada ao abuso e corrompida
pelo pecado original. Ao efetuar juízos, a compreensão apresenta uma
idéia ao espírito, a qual é, então, afirmada ou negada pelo espírito.
Descartes é bem conhecido por sua concepção dualista: a
mente existe independente do corpo, da matéria. Ele acreditava nessa
divisão. Embora pudesse duvidar que tinha um corpo, havia uma coisa
de que era impossível duvidar – o fato de que ele estava duvidando. Isso
o levou à conclusão famosa: “Penso, logo existo” e à certeza de que a
mente (o espírito) pode existir independentemente da matéria.
Um aspecto importante do problema espírito/corpo a questão da
sobrevivência após a morte, a imortalidade. Se nosso eu é de fato
dividido, corpo/ espírito vinculados, mas distintos, podemos ver de que
maneira é possível a vida depois da morte. O espírito poderia existir por
si próprio e ter uma vida sem ajuda do corpo. Poderia simplesmente
deixar o corpo depois da morte em vez de ser destruída com ele,
continuar a existir sozinha, vincular-se a outro corpo ou interagir com
outros espíritos.
Se o dualismo não é verdadeiro e os processos mentais
(espirituais) ocorrem no cérebro e dependem de seu funcionamento
biológico, não é possível haver vida após a morte do corpo.
A versão cartesiana do problema espírito/corpo tem sido um dos
mais comentados problemas filosóficos dos últimos três séculos.
São de Descartes, no Tratado das Paixões da Alma (2005b), as
palavras: “Nunca seremos filósofos se tivermos lido todos os argumentos
de Platão e Aristóteles mas não pudermos formar um juízo sólido sobre
os problemas que temos à nossa frente. E também, dele, nas
Meditações Sobre a Filosofia Primeira (2005a): “Minha alma não está no
117
meu corpo como o piloto no navio; estou vinculado a ela de maneira bem
mais íntima...”
Em síntese, nas Meditações (2005a) é afirmada explicitamente
a imortalidade do espírito. “Não temos nenhum argumento e nenhum
exemplo que nos persuada de que a morte ou o aniquilamento de uma
substância como o espírito deva seguir de uma causa tão superficial
como a mudança de figura, que é um modo do corpo, não do espírito
(...). Não temos mesmo argumentos ou exemplos que possam sequer
convencer-nos de que existam substâncias espirituais sujeitas a ser
aniquiladas”.
A consideração da união entre o espírito (substância pensante)
e o corpo (substância material) não foi resolvida em Descartes, de vez
que ele permaneceu fiel ao ensinamento escolástico.
O dualismo é a tese de que a alma existe de maneira
independente do corpo material, sobrevivendo à morte deste. Em
Descartes, ficará conhecido como “dualismo de substância” – Tese de
Descartes que afirma a existência de duas substâncias separadas, a
alma, pensamento ativo e sem extensão, e o corpo, extensão nãopensante e passiva. O problema que surge é porque essas substâncias
parecem interagir causalmente. As respostas dadas na época foram:
I) o interacionalismo, (estados da mente e estados do corpo
interagiriam causalmente. Para Descartes, isso se daria na glândula
pineal);
II) o ocasionalismo (doutrina segundo a qual nenhuma entidade
material tem eficácia causal, mas apenas Deus é o único e verdadeiro
agente causal. Quando uma agulha espeta a pele, o evento físico é uma
“ocasião” para Deus causar o estado mental de dor. Mente e corpo não
interagem, mas a ação de Deus faz com que tenhamos a impressão
desta interação) e
III) a harmonia pré-estabelecida (segundo a qual alma e corpo
não interagem contra a tese do interacionalismo). Deus teria resolvido
criar um mundo possível no qual alma e corpo transcorrem de maneira
118
coordenada, em harmonia, de maneira pré-estabelecida no início da
criação.
Essa questão continuou sendo uma das principais dificuldades
do cartesianismo: como conciliar a união substancial e a distinção real
das duas essências, a espiritual e a corporal?
Esse tema continuará a ser discutido por seguidores e
detratores de seu pensamento, e ainda engendrará grandes sistemas
filosóficos posteriores a ele.
Vimos que, em Descartes, o espírito (substância) se constitui
num princípio racional. Senso comum, parece fácil entender as
distinções dualistas entre o espiritual e o material, lembrando que a
concepção espiritualista da vida, tendo na mais alta conta a capacidade
da mente humana no sentido de descobrir a verdade absoluta, remonta a
Platão. É a origem antiga do dualismo.
E quase que consenso que a revolução cartesiana iniciou o
espírito do mundo moderno. Assim quando o dualismo não tem um
caráter religioso, provavelmente é cartesiano. É a filosofia que separa o
mental ou espiritual do material ou científico. Ele se recomenda pela
facilidade com que as questões científicas e religiosas podem ser
mantidas separadas.
Ao separar o espiritual do material, Descartes permitiu que a
nova ciência empreendesse a sua investigação do mecanismo de um
mundo material ordeiro, desvinculada da intervenção arbitrária de um
Deus providencial ou das irregularidades imprevisíveis da natureza. Deus
se tornou o relojoeiro cósmico que criou um mundo ordenado e mentes
para aprender sobre o mesmo. Além disso, ao livrar a mente do
conhecimento incerto, Descartes cria que se poderia prosseguir pela
dedução desde os primeiros princípios para tudo o que se poderia
conhecer acerca do mundo. A realidade é espírito e matéria.
Ao lado da substância espiritual, existe também uma realidade
material, que se caracteriza por ser extensa no espaço. Res cogitans e
res extensa, espírito e matéria, mente e corpo, são as duas substâncias
metafísicas do real
119
Algumas observações à título de conclusão:
É preciso submeter à crítica os preconceitos adquiridos com a
educação.
A percepção não oferece garantias de certeza.
Mesmo a sensação de si mesmo como corpo não é segura.
De fato, certas patologias psíquicas perturbam a personalidade,
levando um indivíduo a sentir-se outro.
Mesmo a condição da consciência pode ser colocada em
dúvida: como ter certeza de não estar sonhando?
A busca da verdade consiste em um esforço crítico realizado
pela mente sobre si mesma.
A dúvida é uma forma de conhecimento imediato, não
discursivo.
O exercício da dúvida, deve-se duvidar até dos métodos
científicos.
É possível duvidar de estar sonhando.
Mas posto que a dúvida é um pensamento, não se pode duvidar
que somos seres pensantes.
Cogito, ergo sum; penso, logo existo: esta afirmação é
absolutamente certa.
O fato de pensar permite afirmar-nos somente como seres
pensantes, mas não ainda como indivíduos dotados de corpo.
A realidade da dúvida legitima somente a existência de um
pensamento, uma res cogitans (substância pensante), não de um corpo.
Antes de iniciar a prática da dúvida, a sensação de existir como
corpo parecia uma certeza.
Outras certezas eram os fatos de perceber, de pensar e de
possuir uma alma.
Parece evidente a existência dos corpos, da matéria e do
espaço em que se movem, mas todas essas crenças não passaram pela
prova da dúvida metódica e hiperbólica. A existência do corpo foi
colocada em dúvida, assim como a percepção.
120
Somente o pensamento não pode deixar de existir, porque não
se pode duvidar sem pensar. A dúvida demonstra a existência de uma
res cogitans, uma coisa pensante. Essa conclusão inaugurou uma forma
de dualismo que se transformou num dos mais polêmicos temas de todo
o cartesianismo.
A certeza de existir como ser pensante tem caráter fundamental;
pode ser assumida como postulado para cadeias dedutivas.
Descartes deixou para o mundo moderno a posição inatista, ou
seja, a teoria que postula a presença no homem de determinadas idéias,
aptidões, habilidades ou comportamentos antes de qualquer experiência.
Para ele, as ideias dotadas de evidência não são aprendidas pela
experiência, mas parte constitutiva do espírito humano. O que dignifica o
homem não é o fato de possuir a razão, mas saber fazer uso dela,
através de fatores indispensáveis: a vontade de conhecer; a unidade do
saber; o exercício da crítica atenta e permanente, que ele consolidou na
elaboração do método da dúvida.
No início do Discurso do Método, obra em que se apresenta o
conhecimento como meio de adquirir todas as virtudes, há um
questionamento seguido de uma resposta: “Se o bom senso (razão) é
um dom natural tão bem distribuído entre os homens, por que, então,
tantas discórdias e tantas incertezas? A resposta parece obvia: é porque
os homens não sabem fazer bom uso dele”.
Finalizando, desejo recordar que Descartes deu uma explicação
mecanicista para as relações entre corpo e espírito: no corpo do homem,
como também no dos animais, não há sensações, mas somente ações e
reações semelhantes às de uma máquina. Os espíritos, que seriam
partículas sutis de matéria e veículos dos movimentos dos nervos fazem,
através da glândula pineal, a alma se ressentir dos movimentos
corporais, estimulando nela as sensações correspondentes. Também
através desta glândula, a alma colocaria em movimento os espíritos,
produzindo os movimentos do corpo.
121
Uma solução inaceitável porque não se aplica a duas
substâncias infinitas. Se as duas substâncias são de fato independentes
e incomensuráveis, a elas não se pode aplicar uma fisiologia mecânica.
O homem é um ser no qual as duas substâncias se encontram.
MORENO, Luiz Carlos. Descartes and his discovery of spiritual
substance. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp.103-121.
ABSTRACT: This paper has the general objective Find in the works of
Descartes how we find the discovery of the spirit. We live in a historical
moment and in a society where you can not believe all information that
comes, but you can rely on reason to make the decision about what is
true or false. Descartes provides an opportunity to reflect on the spirit and
matter. With radical doubt, Descartes inaugurates, or invents, critical
thinking, freedom of thought and, therefore, becomes one of the founders
of modern philosophy.
KEYWORDS: Descartes; spiritual absolute substance; immortality of the
soul.
REFERÊNCIAS
DESCARTES, Renê. Discurso do método tradução de Paulo Neves.
Porto Alegre: L&PM, 2005.
______. Meditações metafísicas. Introdução e notas Homero Santiago;
tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão; tradução dos textos
introdutórios Homero Santiago. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005a.
(Clássicos).
______. As paixões da alma. Introdução, notas, bibliografia e
cronologia por Pascale D‟Arcy; tradução Rosemary Costhek Abílio. 2ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2005b. (Clássicos).
______. Princípios da filosofia. Tradução de Guido Antônio de Almeida
(coordenador), Raul Landim Filho, Ethel M. Rocha, Marcos Gleizer e
Ulysses Pinheiro. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
122
LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. 3ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1999.
123
A HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO E A NOVA LEI DO AVISO
PRÉVIO
Marco Antonio BATISTA*
RESUMO: Este artigo procura realizar uma pesquisa bibliográfica sobre
o novo aviso prévio. Apresenta e discute as principais mudanças
ocorridas neste instituto, analisando aspectos positivos e negativos da
Lei nº 12.506/2011.
PALAVRAS-CHAVE: aviso prévio; novas regras; novos prazos.
1. Introdução
Este trabalho pretende abordar as mudanças nos prazos do
aviso prévio, que passaram a vigorar a partir de 13 de outubro de 2011,
com a edição da Lei nº 12.506/2011, que dispõe sobre o aviso prévio e
dá outras providências.
Com a nova lei, os prazos de concessão do aviso prévio
passaram de 30 (trinta) para o máximo de 90 (noventa) dias,
dependendo do tempo de serviço que o empregado tiver na empresa.
Trata-se de uma lei que afeta todos os trabalhadores que, a partir da
publicação da lei, desfaçam o vínculo trabalhista com seus
empregadores. Serão analisadas as mudanças no prazo do aviso prévio,
verificando vantagens e desvantagens, realizando pesquisa bibliográfica
e documental sobre o tema, através de livros, jornais, revistas, além da
própria lei que modificou os prazos do aviso prévio.
Bacharel em Direito pela Universidade Paulista, Especialização em Língua Portuguesa e
Especialização em Direito do Trabalho, pelo Centro Universitário Barão de Mauá,
Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail do autor: [email protected]. Orientador: Prof.
Dr. Lucas de Souza Lehfeld.
*
124
O artigo pretende estudar o aviso prévio, situando-o no contexto
do direito do trabalho, analisando os princípios que regem o direito,
especialmente o direito trabalhista, estudando o surgimento das
primeiras normas protetivas ao trabalhador, dentro da sociedade
humana, observando as principais mudanças em relação ao homem, à
sociedade e ao trabalho, que ocorreram ao longo da história.
2. O trabalho, dos primórdios até a Idade Média
O trabalho, desde o princípio dos tempos, foi considerado como
castigo. Adão teve de trabalhar para comer, em virtude de ter comido a
maçã, o fruto da árvore proibida. Conforme disposto na Bíblia, Antigo
Testamento, Gênesis 3:
...17: E ao homem disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua
mulher, e comeste da árvore de que te ordenei dizendo: Não comerás
dela; maldita é a terra por tua causa; em fadiga comerás dela todos os
dias da tua vida.
18: Ela te produzirá espinhos e abrolhos; e comerás das ervas do
campo.
19: Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra,
porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás...
(<www.culturabrasil.pro.br/zip/biblia.pdf>. Acesso em 26/09/2012)
A palavra trabalho vem do latim tripalium, espécie de
instrumento de tortura de três paus ou uma canga que pesava sobre os
animais.
A escravidão foi a primeira forma de trabalho, e o escravo era
considerado apenas uma coisa e não tinha qualquer direito, nem mesmo
trabalhista. Ele não era considerado sujeito de direito, pois era
propriedade de seu senhor. O único direito do escravo era o de trabalhar
até à morte.
Conforme dispõe Sérgio Pinto Martins:
125
Na Grécia, Platão e Aristóteles entendiam que o trabalho tinha sentido
pejorativo. Envolvia apenas a força física. A dignidade do homem
consistia em participar dos negócios da cidade por meio da palavra.
Os escravos faziam o trabalho duro, enquanto os outros poderiam ser
livres. O trabalho não tinha o significado de realização pessoal. As
necessidades da vida tinham características servis, sendo que os
escravos é que deveriam desempenhá-las, ficando as atividades mais
nobres destinadas às outras pessoas, como a política. Hesíodo,
Protágoras e os sofistas mostram o valor social e religioso do trabalho,
que agradaria aos deuses, criando riquezas e tornando os homens
independentes. A ideologia do trabalho manual como atividade indigna
do homem livre foi imposta pelos conquistadores dóricos (que
pertenciam à aristocracia guerreira) aos aqueus. Nas classes mais
pobres, na religião dos mistérios, o trabalho é considerado como
atividade dignificante.
Em Roma, o trabalho era feito pelos escravos, que eram considerados
coisas. Era visto o trabalho como desonroso. A locatio conductio tinha
por objetivo regular a atividade de quem se comprometia a locar suas
energias ou resultado de trabalho em troca de pagamento.
Estabelecia, portanto, a organização do trabalho do homem livre. Era
dividida de três formas: a) locatio conductio rei, que era o
arrendamento de uma coisa; b) locatio conductio operarum, em que
eram locados serviços mediante pagamento; c) locatio conductio
operis, que era a entrega de uma obra ou resultado mediante
pagamento (empreitada) (MARTINS, 2004, p. 38).
Posteriormente, surge a servidão. Era a época do feudalismo. A
sociedade feudal consistia em três classes: sacerdotes, guerreiros e
trabalhadores, sendo que esta produzia para as outras duas. Enquanto
os cavaleiros lutavam e os clérigos e padres pregavam, alguém tinha que
produzir as armaduras dos guerreiros, os seus vestuários, bem como as
vestes da classe sacerdotal. Além disso, alguém tinha que produzir o
alimento que seria consumido pelas três classes então existentes.
Todo o trabalho era desenvolvido na terra, na lavoura e
pecuária, através do cultivo de grãos e de animais, para alimentação, e
126
da criação de ovelhas, cuja lã seria utilizada na confecção de
vestimentas.
O trabalho era essencialmente agrícola, mas bem diferente do
que hoje conhecemos, devido à precariedade do seu desenvolvimento.
A maioria das terras agrícolas estava dividida em áreas
conhecidas como “feudos”. Cada feudo consistia apenas de uma aldeia e
de várias centenas de acres de terra arável que a circundavam, nas
quais o povo da aldeia – a classe trabalhadora – desenvolvia o trabalho,
para sustentar as duas classes dominantes.
Cada propriedade feudal tinha o seu senhor. Conforme era dito
na época: “não havia senhor sem terra, nem terra sem um senhor”.
A casa do senhor feudal era sempre fortificada, fosse um
castelo ou uma casa-grande de fazenda. Lá o senhor vivia, ou apenas
esporadicamente, já que muitos senhores possuíam vários feudos,
chegando alguns a possuírem centenas.
Marcavam o sistema feudal três características importantes: 1) a
terra arável era dividida em duas partes, sendo uma pertencente ao
senhor e cultivada apenas para ele, enquanto a outra era dividida entre
diversos arrendatários; 2) a terra era cultivada pelo sistema de faixas
espalhadas e não em campos contínuos, como hoje; 3) os trabalhadores
(arrendatários) cultivavam, além das terras que arrendavam, a
propriedade do senhor feudal.
Vivendo numa pobre choupana, trabalhando arduamente em
suas faixas de terra espalhadas, o camponês colhia apenas o suficiente
para uma vida miserável. Tinha que trabalhar a terra do senhor, dois ou
três dias por semana, sem pagamento.
Em época de colheita, quando havia pressa, tinha primeiro que
segar o grão nas terras do senhor. Nunca houve dúvida quanto à terra
mais importante. A terra do senhor feudal tinha que ser arada, semeada
e ceifada antes da sua. Se uma tempestade ameaçasse a colheita, a
plantação do senhor tinha que ser salva primeiro. Havendo qualquer
produto a ser vendido no mercado local, deveria ser primeiramente
vendido o produto do senhor feudal. Para moer o seu próprio trigo ou
127
produzir o seu vinho, o camponês tinha que pagar para utilizar o moinho
ou a prensa do senhor.
Apesar de não ser propriamente um escravo como o foi o
escravo negro, o camponês, conhecido como servo, era quase reduzido
à escravidão e, considerando a origem latina da palavra, servus significa
escravo.
Havia vários graus de servidão, sendo que alguns servos,
conhecidos como aldeães, não possuíam nem mesmo um pequeno
arrendamento, mas apenas uma cabana e trabalhavam para o senhor
em troca de comida.
A riqueza, na época, media-se pela quantidade de terras que se
possuía, e nesse aspecto a Igreja foi a maior proprietária de terras,
detendo imenso poder e prestígio. O clero e a nobreza, como já foi dito,
constituíam as classes governantes, pois controlavam as terras e o poder
que delas provinha. Enquanto a Igreja prestava ajuda espiritual, a
nobreza prestava proteção militar, exigindo em troca pagamento da
classe trabalhadora, consistente no cultivo das terras (HUBERMAN,
1986).
3. O surgimento do comércio e das corporações de Ofício
O comércio na Idade Média era realizado em pequena escala,
mais à base de troca. Muitos obstáculos retardavam o crescimento do
comércio. O dinheiro era escasso e diferente em cada lugar. Pesos e
medidas também variavam em cada região. Devido a todos esses
fatores, o transporte de mercadorias para grandes distâncias era penoso,
perigoso, devido aos salteadores, além de ser difícil e muito caro.
Mas o comércio não permaneceu pequeno para sempre.
Gradativamente, o comércio começou a crescer, transformando a vida da
Idade Média.
Um dos motivos que levaram ao crescimento do comércio, na
visão de Huberman foi:
As cruzadas levaram novo ímpeto ao comércio. Dezenas de milhares
de europeus atravessaram o continente por terra e mar para arrebatar
128
a Terra Prometida aos muçulmanos. Necessitavam de provisões
durante todo o caminho e os mercadores os acompanhavam a fim de
fornecer-lhes o que precisassem. Os cruzados que regressavam de
suas jornadas ao Ocidente traziam com eles o gosto pelas comidas e
roupas requintadas que tinham visto e experimentado. Sua procura
criou um mercado para esses produtos. Além disso, registrou-se um
acentuado aumento na população, depois do século X, e esses novos
habitantes necessitavam de mercadorias. Parte dessa população não
tinha terras e viu nas Cruzadas uma oportunidade de melhorar sua
posição na vida (HUBERMAN, 1986, p. 18).
Com o crescimento do comércio, surgiram as grandes feiras,
onde eram comercializados produtos de todas as partes do mundo. Com
isso, logicamente, as cidades também foram crescendo (HUBERMAN,
1986).
As cidades cresciam e também sua população. Muitos homens
deixam as servidões e o trabalho na terra, aventurando-se em busca de
outro tipo de trabalho, nas cidades.
Surge nova forma de organização do trabalho: as corporações
de ofício, organizando os trabalhadores a partir da atividade que
exercem, com o que concorda Segadas Vianna et al. (1993, p.31, apud
DANTAS JR., A. R. et al, 2009): “[...] a identidade de profissão, como
forma de aproximação entre homens, obrigava-os, para assegurar
direitos e prerrogativas, a se unir, e começaram a repontar, aqui e ali, as
corporações de ofício ou „Associações de Artes e Misteres‟” (DANTAS
JR. A. R., 2009, p. 20).
O trabalho, então, não era propriamente livre, pois somente era
permitido o exercício da profissão aos que fizessem parte da corporação.
A regulamentação de aprendizagem de qualquer ofício
submetia-se a uma organização hierárquica em três níveis, a saber:
aprendiz, companheiro e mestre.
Proprietários das oficinas, os mestres já tinham passado pela
prova da obra-mestra. Os companheiros recebiam salários dos mestres
129
pelo trabalho. Já os aprendizes eram os menores que recebiam dos
mestres o ensino do ofício ou profissão.
Os aprendizes tinham a perspectiva de, aos poucos,
aprimorarem seu trabalho, galgando o grau de companheiros e
posteriormente o de mestres, após terem aprovada uma obra-prima ou
obra-mestra.
Embora houvesse um pouco mais de liberdade aos
trabalhadores, nessa época, os reais objetivos eram os interesses das
corporações, em detrimento de conferir proteção aos trabalhadores.
Os aprendizes trabalhavam a partir dos doze anos, sendo que
em alguns países começavam a prestar serviços com idade inferior, e
sua jornada diária chegava até a dezoito horas no verão (MARTINS,
2004).
Objetivando preservar o mercado contra uma proliferação de
corporações e consequente queda de preços dos produtos, ocorreu um
aburguesamento das corporações, que passaram a aumentar os
encargos e dificuldades para a elaboração da obra-prima, criando nas
corporações uma verdadeira estrutura de castas (DANTAS JR. et al,
2004).
As corporações de ofício, consideradas incompatíveis com o
ideal de liberdade do homem, foram suprimidas a partir da Revolução
Francesa de 1789. Logo depois, instalou-se a primeira Revolução
Industrial.
4. A Revolução Industrial
Vários fatores contribuíram para a eclosão da Revolução
Industrial, entre os quais, pode-se assinalar: o acúmulo de capitais
oriundos do comércio; a existência de farta mão de obra nas cidades e
as inovações tecnológicas como a máquina a vapor, a máquina de fiar e
o tear mecânico.
Conforme dispõe Aldemiro Rezende Dantas Jr., tratando da
matéria:
130
A primeira Revolução Industrial e os efeitos sociais por ela gerados,
associados aos valores vigentes naquele período histórico, serão
decisivos para o surgimento do Direito do Trabalho, pois serão a fonte
material de toda uma construção jurídica engendrada para muitos,
com uma finalidade específica: proteger o proletariado de então da
situação abjeta e desumana vivenciada pelos trabalhadores (DANTAS
JR. et al, 2009, p. 22).
Embora um dos fatores da eclosão da Revolução Industrial
tenha sido o grande contingente de mão de obra, a máquina, enquanto
impulsionava a produção, gerava desemprego, pois uma única máquina
podia substituir a força de trabalho de milhares de trabalhadores e não
precisava de repouso.
Conforme aumentava a procura por trabalho e diminuía sua
oferta, o salário diminuía. Além disso, passou-se a utilizar mais do
trabalho do menor e da mulher, por terem remuneração inferior à do
homem, o que provocou maior aviltamento das condições de trabalho.
As jornadas de trabalho eram de sol a sol, com pequenos
intervalos, as fábricas quase não tinham ventilação, os acidentes de
trabalho eram freqüentes e inexistia qualquer proteção aos acidentados.
Os salários caíam vertiginosamente e a sociedade dividia-se em duas
classes antagônicas: burguesia e proletariado.
Surgem as primeiras revoltas dos trabalhadores contra as
máquinas, visando sua destruição, pois elas, indiretamente, haviam
causado sua miséria.
Ocorrem as primeiras greves, que são violentamente reprimidas
pela polícia.
Associações de qualquer gênero são proibidas, especialmente a
de trabalhadores. O sindicalismo é considerado movimento criminoso,
sendo penalmente tipificado.
Conforme dispõe Aldemiro Rezende Dantas Jr. (et al):
131
[...] Mas as primeiras normas do Direito do Trabalho surgiriam mesmo
de forma autônoma, por concessão dos empregadores, que,
desejosos de restaurar a paz no ambiente de produção, por vezes
concederam algumas das reivindicações dos trabalhadores. Apenas
em momento posterior o Estado se vê guindado a regulamentar as
relações de trabalho [...] (DANTAS JR., A. R. et al, p. 25).
Prosseguindo, logo após:
[...] A doutrina social da Igreja exerceu papel determinante no
surgimento do Direito do Trabalho. A visão de solidariedade e
sentimento cristão para com os trabalhadores, justiça social, todas
reveladas nas Encíclicas Papais desde a Rerum Novarum, serão
determinantes para justificar uma nova postura por parte do Estado [...]
(DANTAS JR., A. R. et al, p. 25).
O Estado começa a reconhecer a desigualdade econômica das
partes envolvidas na relação de trabalho: a hipossuficiência do
empregado contra a opulência do empregador. Para compensar essa
inferioridade econômica, procura-se conceder superioridade jurídica ao
empregado. Surge então o princípio da proteção e com ele o próprio
Direito do Trabalho, passando o Estado a intervir ativamente nas
relações de trabalho, através da edição de normas sobre: salário mínimo,
jornada de trabalho, higiene e segurança no trabalho etc.
As constituições passam a incluir preceitos relativos à defesa
social da pessoa, normas de interesse social e garantia de certos direitos
fundamentais, incluindo o Direito do trabalho.
A Constituição do México, de 1917, foi a primeira que tratou do
tema, estabelecendo, no art. 123, jornada de oito horas, proibição de
trabalho de menores de 12 anos, limitação da jornada dos menores de
16 anos a seis horas, jornada máxima noturna de sete horas, descanso
semanal, proteção à maternidade, salário mínimo, direito de
sindicalização e de greve, indenização de dispensa, seguro social e
proteção contra acidentes do trabalho.
132
Depois da mexicana, a Constituição de Weimar, de 1919,
versou sobre o tema, disciplinando a participação dos trabalhadores nas
empresas, autorizando a liberdade de coalizão dos trabalhadores,
tratando também da representação dos trabalhadores na empresa.
Criou, ainda, um sistema de seguros sociais e também a possibilidade de
os trabalhadores colaborarem com os empregadores na fixação de
salários e demais condições de trabalho.
A partir de então, as constituições dos países passaram a tratar
do Direito do Trabalho.
Surge o Tratado de Versalhes, de 1919, que prevê a criação da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), para proteger as relações
entre empregados e empregadores no âmbito internacional, expedindo
convenções e recomendações nesse sentido.
Adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de
dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem
prevê alguns direitos aos trabalhadores, como limitação razoável do
trabalho, férias remuneradas periódicas, repouso e lazer etc.
5. O Direito do Trabalho no Brasil
Enquanto a industrialização alcançava grande desenvolvimento
no mundo, o Brasil vivia ainda o período de colônia portuguesa, através
do mercantilismo baseado na agricultura de monocultura utilizando mão
de obra escrava. Essa primeira fase de nosso direito laboral findou
apenas em 1888, com a Abolição da Escravatura. Em seguida, cai o
regime monárquico, que se sustentava com a escravidão.
A segunda fase do direito trabalhista no Brasil estendeu-se até
1930, iniciando a regulamentação de normas favoráveis ao trabalho livre.
Precursora da Justiça do Trabalho no país foi a Lei n. 1869/22, que criou
os Tribunais Rurais. A Constituição de 1891 reconheceu a liberdade de
associação. Em 1923, a Lei Elói Chaves tratou de caixas de pensões e
aposentadorias dos ferroviários; em 1925 foi promulgada a Lei de
Férias, concedendo quinze dias de férias anuais aos trabalhadores, o
133
que foi inserido na Constituição de 1934, sendo que esta foi a primeira
constituição brasileira a tratar especificamente do Direito do Trabalho.
O Direito do Trabalho no Brasil inicia sua terceira fase em 1930,
com a Revolução e a Era Vargas. A produção legislativa desse período é
farta e procede-se à reunião e sistematização das normas laborais e
sedimentam-se os princípios que as norteiam.
Embora como órgão do Poder Executivo, a Constituição de
1934 cria a Justiça do Trabalho.
Nesse período surge a primeira Lei de Indenização por
Despedida Injusta (1935). Em 1939 ocorre a Organização da Justiça do
Trabalho e surge a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943,
que teve como objetivo reunir as leis esparsas existentes na época.
Ocorre o reconhecimento do direito de greve, em 1946, e do
repouso semanal remunerado, no ano de 1949. A gratificação natalina é
de 1962, e de 1966 a Lei do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(DANTAS JR. et al, 2009).
Promulgada em 1988, a atual Constituição Federal (CF) trata
dos direitos trabalhistas nos artigos 7º a 11, tendo sido inseridos no
Capítulo II, “Dos Direitos Sociais”, do Título II, “Dos Direitos e Garantias
Fundamentais”, enquanto nas constituições anteriores os direitos
trabalhistas sempre foram inseridos no âmbito da ordem econômica e
social.
Tantos são os direitos trabalhistas consagrados no art. 7º da
CF, que alguns autores o veem como verdadeira CLT. (MARTINS, 2004).
6. Princípios que regem o Direito do Trabalho
Princípio é onde começa algo. É o início, a causa, a origem, o
começo. Os princípios são o fundamento, a base, os alicerces de uma
ciência. Para o Direito, são os princípios que informam e inspiram as
normas jurídicas.
134
Alguns princípios são comuns ao Direito em geral, dentre os
quais podemos destacar o princípio da boa-fé. Esse princípio prescreve
que sempre deve existir lealdade recíproca em todos os contratos.
Especificamente no que tange ao Direito do trabalho, podemos
citar como principais os seguintes princípios, com suas principais
características:
PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO, que visa proporcionar uma
compensação à inferioridade econômica do empregado, concedendo-lhe
superioridade jurídica em relação ao empregador. Esse princípio
desdobra-se em outros três subprincípios, a saber: Princípio do in dúbio
pro operário, o qual estabelece que, havendo dúvida sobre duas ou mais
interpretações possíveis, deve-se optar pela interpretação mais favorável
ao empregado. Princípio da aplicação da norma mais favorável, que
prevê a aplicação da norma mais favorável ao obreiro, havendo duas ou
mais normas passíveis de serem aplicadas, independente de sua
hierarquia. Princípio da condição mais benéfica, o qual prescreve que as
condições mais benéficas ao trabalhador, previstas no contrato de
trabalho ou constantes no regulamento da empresa devem prevalecer,
apesar da edição de norma posterior dispondo sobre a mesma matéria,
menos benéfica ao empregado. A nova regra jurídica somente produzirá
efeitos para os novos contratos de trabalho (SARAIVA, 2007).
PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DE DIREITOS, o qual
dispõe que os direitos trabalhistas são, em regra, irrenunciáveis. Assim,
por exemplo, mesmo que um empregado declare expressamente que
não quer receber décimo terceiro salário, este não poderá deixar de serlhe pago.
PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE
TRABALHO, que estabelece que os contratos de trabalho presumem-se,
como regra, estabelecidos por prazo indeterminado, sendo considerados
exceções os contratos por prazo determinado.
PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE, bastante utilizado
na prática trabalhista, prescreve que os fatos, ou seja, os acontecimentos
135
reais são bem mais importantes do que os documentos (ALMEIDA, A. L.
P. de, 2007?).
Divergem alguns autores quanto a todos os princípios que
regem o direito do trabalho. Entretanto, pode-se considerar como os
mais importantes esses acima citados.
7. Origens do instituto do aviso prévio
Interessante observar que o aviso prévio não surgiu com o
direito do trabalho, mas como forma de uma parte avisar a outra que
quer romper determinado contrato.
Já nas corporações de ofício, o companheiro tinha que conceder
aviso prévio ao mestre, mas não havia reciprocidade do mestre em
relação ao companheiro.
O Código Comercial de 1850 previa em seu art. 81 que, se o
prazo do ajuste celebrado entre o preponente e os seus prepostos não
estivesse estipulado, qualquer dos contraentes poderia extingui-lo, desde
que avisasse o outro do seu término, com um mês de antecipação.
O Código Civil de 1916 também dispunha sobre o aviso prévio
nos contratos por prazo indeterminado, estabelecendo prazos diferentes,
dependendo do tempo de fixação do salário, ou seja: antecedência de
oito dias de aviso, para salário pago por mês, ou mais; quatro dias, para
pagamento semanal ou quinzenal; de véspera, quando o salário fosse
ajustado por menos de sete dias.
No âmbito do Direito do Trabalho, a Lei nº 62/35 tratou do aviso
prévio exigido apenas do empregado em favor do empregador
(MARTINS, 2004).
A CLT cuidou do aviso prévio nos arts. 487 a 491, estipulando a
exigência mínima de oito dias, para pagamento efetuado por semana ou
tempo inferior e de trinta dias para os que recebem por quinzena ou mês,
ou que trabalhem há mais de doze meses na empresa.
136
A falta de aviso prévio por parte do empregador dá direito ao
empregado aos salários referentes ao prazo do aviso. Além disso,
garante sempre a integração desse período no seu tempo de serviço.
Se a falta de aviso é por parte do empregado, o empregador
pode descontar os salários correspondentes ao respectivo prazo.
No caso de rescisão por parte do empregador, este deve
conceder redução de duas horas da jornada diária, durante o prazo do
aviso prévio, ou: redução de um dia de serviço no caso de ajuste para
pagamento semanal ou inferior e redução de sete dias corridos no ajuste
para os que recebem quinzenal ou mensalmente.
Em relação ao trabalhador rural, conforme a Lei nº 5889/73, a
redução no prazo do aviso prévio é de um dia por semana.
Dentro do prazo do aviso, cabe pedido de reconsideração por
parte do notificante, dependendo do aceite da parte contrária.
Trata o aviso prévio de um direito irrenunciável do empregado.
O pedido de dispensa do cumprimento do aviso não dispensa o patrão
de pagar o respectivo valor, salvo se o trabalhador comprovadamente
obteve novo emprego.
Durante o prazo do aviso, se o empregador der motivo à
rescisão imediata do contrato, deverá pagar a remuneração
correspondente ao referido prazo, além da indenização que for devida.
Se o empregado der motivo a justa causa, no mesmo prazo, perde o
direito ao restante do respectivo prazo. No caso de culpa recíproca, não
há que se falar em aviso prévio, pois o contrato de trabalho termina de
imediato, e o empregado faz jus a 50% (cinqüenta por cento) do valor do
aviso prévio (CARRION, 2008).
A Constituição Federal (CF) de 1988 estipulou aviso prévio
proporcional ao tempo de serviço, no mínimo de trinta dias, nos termos
da lei, o que derrogou disposições da CLT sobre a matéria, dentre as
acima citadas. Entretanto, a CF somente editou a lei, a que se referiu, no
ano de 2011, cerca de vinte e três anos após a sua promulgação.
8. O novo aviso prévio
137
A partir de 13 de outubro de 2011, passam a valer as novas
regras do aviso prévio, conforme abaixo dispostas.
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos
Jurídicos
LEI Nº 12.506, DE 11 DE OUTUBRO DE 2011.
Dispõe sobre o aviso prévio e dá
outras providências.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O aviso prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no
5.452, de 1o de maio de 1943, será concedido na proporção de 30
(trinta) dias aos empregados que contem até 1 (um) ano de serviço na
mesma empresa.
Parágrafo único. Ao aviso prévio previsto neste artigo serão acrescidos
3 (três) dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, até o
máximo de 60 (sessenta) dias, perfazendo um total de até 90 (noventa)
dias.
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 11 de outubro de 2011; 190o da Independência e 123o da
República.
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Guido Mantega
138
Carlos Lupi
Fernando Damata Pimentel
Miriam Belchior
Garibaldi Alves Filho
Luis Inácio Lucena Adams
Este texto não substitui o publicado no DOU de 13.10.2011
(WWW.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/lei/l12506.htm)
Verificando a lei acima, percebe-se que a mudança em relação
ao aviso prévio foi que, a partir da vigência da lei (publicação), aos
pedidos de aviso prévio serão acrescidos 3 (três) dias por ano de serviço
prestado na mesma empresa, até o máximo de 60 (sessenta) dias,
perfazendo um total de até 90 (noventa) dias.
Devido à simplicidade da lei, algumas dúvidas precisam ser
sanadas. A primeira delas diz respeito à contagem do prazo para o aviso
prévio, no caso de o empregado contar com um ano e onze meses de
empresa, por exemplo, serão acrescidos mais 3 (três) dias, ou somente
após mais 12 (doze) meses?
Na vigência da lei anterior, o mínimo de 30 (trinta) dias de aviso
prévio valia tanto para o empregado quanto para o empregador, ou seja,
para a parte que notificasse a outra sobre a decisão de rescindir o
contrato de trabalho. E no caso da nova lei, o que exceder o prazo de 30
(trinta) dias, até o limite máximo de 90 (noventa) dias de aviso deverá ser
concedido ou pago, também pelo empregado? Como ocorria com a lei
anterior, o novo aviso prévio continua sendo regido pela bilateralidade?
No caso de pedido de demissão do empregado com vários anos
na mesma empresa, que solicitar a dispensa do aviso prévio, em virtude
de haver comprovadamente arranjado outro emprego, em atendendo o
pedido, o empregador ficará dispensado do pagamento do prazo do
aviso, como na lei anterior?
A nova lei vale somente para notificações de aviso ocorridas
após 13 de outubro de 2011, ou também é eficaz para os que se
139
encontrarem na contagem do prazo do aviso prévio anterior? (PRETTI,
2012).
Divergem os autores quanto à interpretação da Lei nº
12506/2011, no tocante às indagações anteriores.
Analisando a finalidade do aviso prévio, assim se expressa João
Augusto da Palma:
[...] Aí, vamos encontrar o direito se vinculando à realidade. Surge o
aviso-prévio como um direito trabalhista que foi gerado inspirado no
Princípio da Boa-Fé. As partes não podem romper o contrato sem que
haja uma prévia comunicação anunciando o fim do contrato. Este
dever de comunicar é das duas partes: ao empregado (grifo do autor)
que ficará desempregado carecendo de recursos para o seu sustento
e da sua família e ao empregador (grifo do autor) que precisará
buscar um substituto para continuar suas atividades (econômicas ou
não).
Desemprego e decréscimo da produção são questões de ordem social
e econômica e até mobilizam o governo.
Portanto, o aviso-prévio é uma obrigação recíproca entre empregado e
empregador e que antecipa a realidade, fazendo-se necessária uma
relação de extrema boa-fé, respeito, que deve haver entre os parceiros
contratuais, haja vista que as relações jurídicas precisam caracterizarse por absoluta lealdade, do contrário haverá prática frandulenta (sic),
abusiva, desonesta, ilícita e imoral. [...] (PALMA, 2011, p. 10).
Considerando que a lei nova cuida apenas da obrigação
patronal, assim prossegue o autor:
[...] Ao disciplinar o direito ao aviso-prévio proporcional, o legislador de
2011 não excluiu por inteiro a aplicação do velho regramento, como é
facilmente constatado.
Isto porque a proporcionalidade foi fixada para a hipótese do avisoprévio que “será concedido” ao empregado (art. 1º, da Lei nova) e para
este caso é o que foi disposto nesta ocasião.
Tanto é que no parágrafo único do art. 1º desta nova lei o legislador
consigna, expressamente, que a proporcionalidade é alusiva “ao aviso-
140
prévio previsto neste artigo”; isto é, aquele dado ao empregado,
constituindo a ampliação do aviso-prévio uma regra protetiva do
empregado e não do empregador.
O texto do art. 487, caput da CLT, trata (e sempre tratou) com
igualdade (grifo do autor) empregado e empregador, referindo-se “...a
parte que,..., quiser rescindir o contrato...”; não é mais desta forma,
porque aplica-se ao aviso-prévio dado pelo empregador o texto desta
nova Lei, que lhe define regras específicas, próprias, quanto à duração
(maior, proporcional).
Portanto, a obrigação em si de conceder o aviso-prévio continua
recíproca (de ambos) entre empregado e empregador, por força do
caput do art. 487, mas a duração do aviso-prévio (e tão somente
quanto à duração) agora não é a mesma. [...] (PALMA, 2011, p. 33).
No que tange à indagação sobre o fato de a lei nova atingir ou
não os contratos em curso de aviso prévio, na opinião de João Augusto
da Palma: “O aviso-prévio é apenas uma comunicação do final do
contrato, mas não cessa o contrato”.
Destarte, entende o autor que nesse caso seja cabível a
extensão do aviso-prévio; caso isso não seja possível, o mesmo deverá
ser indenizado (PALMA, 2011, p. 38/39).
Diverge, em parte, dessa doutrina, Paulo Sérgio João,
respondendo à pergunta sobre o prazo do aviso prévio trabalhado:
O prazo de aviso prévio trabalhado é de 30 (trinta) dias. O acréscimo
de 03 (três) dias por tempo de serviço não deve ser interpretado como
acréscimo do período trabalhado, mas apenas como aumento do valor
da remuneração do período de 30 (trinta) dias (JOÃO, 2011, p. 21).
Assim se posiciona esse mesmo autor, respondendo à
indagação sobre a partir de quando o período de aviso prévio deve ser
acrescido de 03 (três dias):
O período de aviso prévio passou a ser acrescido de 03 (três) dias por
ano de serviço ao mesmo empregador pela lei 12.506/11. Atingindo
141
todos os contratos de trabalho vigentes, isto é, retroagindo para
beneficiar todos os contratos de trabalho em andamento. O acréscimo
da remuneração em 03 (três) dias por ano de serviço é considerado a
partir do segundo ano de trabalho, até o limite de 60 dias. Estes dias
de acréscimo referem-se apenas à remuneração do aviso e não ao
cumprimento além de 30 (trinta) dias (JOÃO, 2011, p. 31).
Mais adiante, assim se manifesta esse autor, comentando sobre
o acréscimo de 03 (três) dias:
O acréscimo de 03 (três) dias na remuneração do período de aviso
prévio, por ano de serviço para o mesmo empregador, beneficia
apenas o empregado com contrato rescindido sem justa causa.
Quando se trata de pedido de demissão, o aviso prévio sempre estará
limitado a 30 (trinta) dias de aviso prévio, não aplicando o acréscimo
de tempo de serviço (JOÃO, 2011, p. 32).
De forma diametralmente oposta se manifesta Gleibe Pretti,
conforme se nota:
[...] Embora o texto legal não discipline expressamente a bilateralidade
da aplicação do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, a
interpretação jurídica que deve prevalecer certamente será neste
sentido, já que os 30 dias atuais de duração valem tanto para o
empregado dispensado pela empresa quanto para aquele trabalhador
que pede demissão do emprego; diante disso o empregado que pedir
demissão deverá pagar 90 dias de aviso prévio (3 salários). [...]
(PRETTI, 2012, p. 9/10).
Pode-se constatar, pelo já exposto, que as opiniões dos
doutrinadores divergem muito na interpretação da nova lei do aviso
prévio.
9. Conclusão
142
Este trabalho intentou estudar as mudanças provocadas pela lei
nº 12506/2011, que dispõe sobre o aviso prévio e dá outras providências,
bem como analisar aspectos positivos e negativos provocados pela nova
lei.
O que se observou com o desenvolvimento do artigo foi que
será necessário o Poder Executivo regulamentar a nova lei, explicitando
como irá funcionar na prática. Embora a norma contenha pouquíssimos
artigos e seja uma pequena lei, em dimensão, as dúvidas que provocou
aos operadores do direito, bem como às empresas e aos trabalhadores
são muitas e imensas. Os doutrinadores pesquisados divergem bastante
quanto à correta aplicação dessa nova legislação. Além disso, os seus
reflexos são muito abrangentes, pois afetam milhares senão milhões de
trabalhadores e de empresários.
Tendo em vista que mudanças desse tipo provocam sempre
muita insegurança no meio jurídico, espera-se que as dúvidas sejam
sanadas o mais breve possível, por intermédio de decreto, que
regulamente a lei, serenando o ordenamento jurídico.
BATISTA, Marco Antonio. The history of the Labour Law and the new
Law of prior notice. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp. 123143.
ABSTRACT: This article conducts a literature search on the new law of
prior notice. Presents and discusses the main changes in this institute,
analyzing positive and negative aspects of Law n º 12.506/2011.
KEYWORDS: prior notice, new rules, new deadlines.
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144
145
ESTRATÉGIAS DE NEGOCIAÇÃO ENTRE A SANTA
SÉ, O ESTADO BRASILEIRO E A IGREJA CATÓLICA
LOCAL ENTRE 1889 E 1991*
Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA**
RESUMO: Este artigo analisa as relações internacionais entre a Santa
Sé e o Brasil, em particular durante o governo provisório instalado com a
Proclamação da República, em 1889. O que se propõe é a compreensão
das estratégias de negociação entre Igreja Católica local, Santa Sé e o
Estado nos primeiros anos da República.
Palavras-chave: Santa Sé; Estado Brasileiro; História; Relações
Internacionais.
Durante a fase do governo provisório republicano, entre 1889
e 1891, a Santa Sé empreendeu uma negociação com a Igreja Católica
local e o Estado no Brasil. As estratégias envolvidas nesse processo são
foco de análise neste artigo, enfatizando-se o papel de Leão XIII e da
liderança eclesiástica brasileira na defesa dos interesses católicos
imediatamente após a separação entre o Estado e a Igreja.
A correspondência do Internúncio Francesco Spolverini
informando a queda do Império e a Proclamação da República no Brasil,
em 1889, à Secretaria de Estado da Santa Sé, sob a responsabilidade do
Cardeal Mariano Rampolla del Tindaro, não causou imediata
movimentação. A cúpula do Vaticano parecia não estar preocupada com
a troca da forma de governo. Seu principal interesse era em conhecer os
Trabalho originalmente apresentado no XIII SOLAR, em Cartagena das Índias, em
setembro de 2012, com financiamento CAPES, viabilizado pelo Programa de Apoio à
Participação em Eventos Científicos no Exterior – PAEX.
** Doutora em História e Cultura Social, pela Unesp de Franca. Coordenadora do curso de
História do Centro Universitário Barão de Mauá e Vice-presidente do IPCCIC – Instituto
Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais.
*
146
homens que ocupariam o poder a partir daquele momento. Por isso,
solicitou aos seus representantes no Brasil informações sobre os
membros do governo provisório. A Santa Sé pretendia mapear qual seria
a direção que o novo regime daria à organização política do Brasil, no
que se tratava da religião católica (RAPPORTTI, 1889, f. 24-26).
Essa precaução era justificada. Afinal, a inspiração do novo
regime acenava para um afastamento cada vez maior entre o Estado e a
Igreja Católica, considerada pelos grupos mais radicais dentro do
governo, como um elemento de obscurantismo e de retrocesso. Nesse
contexto, a liderança da Igreja Católica no Brasil procurava difundir a
ideia que, estruturalmente, ela era dissociada do Império, mostrando que
não havia simbiose entre os dois, mas sim uma relação de dependência
“danosa” dessa em relação aquele. Essa estratégia buscava evitar a
proliferação da ideia que, com a queda do trono, cairia também a Igreja.
Com a Proclamação da República as regras do jogo mudaram.
Era preciso planejar formas de atuação dentro do Estado Republicano,
que abrigava em seu corpo tendências liberais e positivistas, além dos
interesses dos cafeicultores paulistas, que faziam frente à política
econômica de D. Pedro II, último imperador do Brasil.
Para o Vaticano, havia a percepção que o novo governo
assumia posturas públicas que evidenciavam a crença na capacidade de
gerar os instrumentos legais capazes de encaminhar o Brasil ao
progresso, tendo como base a ciência e o racionalismo. Na voz dos
liberais mais radicais, difundia-se que era possível abrir mão da religião
como legitimadora do seu poder temporal. Não mais o obscurantismo
católico, não mais a monarquia atrofiada. Com o fim das relações oficiais
entre a Igreja Católica e o Estado e a derrubada da monarquia, pareciam
ter sido removidos os dois últimos obstáculos que impediam o progresso
nacional (MANOEL, 1997, p. 67-81).
Tanto liberais quanto positivistas propagavam a laicização
completa do Estado, com um projeto político que previa, após 1889, não
só separar a Igreja do Estado e extinguir o Padroado Régio, mas
desapropriar os bens eclesiásticos, especialmente os baseados no
147
direito de aquisição de bens pelas corporações de mão morta 2. Essas
ideias geravam um clima de insegurança para as lideranças católicas
que não tinham como prever o rumo exato que novo governo daria à
política nacional.
A hierarquia eclesiástica era levada a se reorganizar a partir de
formas de conduta mais adaptadas ao cenário político que se
engendrava. Era necessário preparar-se para uma possível guinada em
direção ao liberalismo mais radical. O sentido que a política nacional
parecia tomar preocupava a Igreja Católica, que se considerava como a
única força ideológica capaz, naquele momento, de fazer frente às essas
mudanças.
Do ponto de vista das suas relações internacionais a posição da
Santa Sé foi de cautela. Afinal, a sua representação diplomática da
Santa Sé no Brasil não tinha status de embaixada e os internúncios que
por aqui passaram não conseguiram estabelecer uma sólida influência
sobre a hierarquia católica, nem junto ao governo brasileiro. A estratégia
escolhida diante do quadro de indefinição quanto ao futuro político do
país foi garantir relações amigáveis, que pudessem evitar a radicalização
do governo em relação à Igreja. Essa postura condizia com a orientação
de Leão XIII e do seu Secretário de Estado, o Cardeal Rampolla, que
tinham uma política de abertura ao diálogo no que tange às questões
internacionais. O embate com o liberalismo era travado no campo
doutrinário, por meio das encíclicas papais. No campo da prática, esse
embate vertia-se numa política de negociação com os Estados laicos.
No caso brasileiro, para as primeiras tratativas com o governo
republicano o Papa contou com a ação de D. Antônio Macedo Costa,
Arcebispo do Pará, que tinha um histórico que o favorecia como
negociador da Igreja junto ao Estado Republicano: ele era um defensor
da autonomia da Instituição Católica local e da autoridade do Papa. Essa
postura ficou evidenciada durante a prisão dele e de D. Vital, em 1874,
pelo Imperador, em decorrência de divergências com a maçonaria. D.
2
Bens das Associações religiosas considerados inalienáveis, de caráter perpétuo.
148
Macedo representava uma parcela da Igreja que havia sido punida pelo
Império por resistir em parte as suas ordens e por optar seguir as
determinações papais. Essa era uma importante carta de negociação no
novo jogo político que se estruturava.
No final do ano de 1889, o Arcebispo do Pará escreveu para Rui
Barbosa, Ministro da Fazenda do governo provisório. De acordo com
Ivan Manoel (1997), o documento deixou entrever indícios de que as
negociações pela defesa dos interesses da Igreja Católica vinham
ocorrendo em várias frentes, com homens como Quintino Bocaiúva e
com o próprio Marechal Deodoro da Fonseca.
Seguindo as orientações da Santa Sé, D. Macedo enfatizou na
carta a sua posição contrária à separação entre a Igreja e o Estado.
Contudo, mostrou sua resignação diante do “desejo irreversível” do
governo provisório em promover a cisão. Defendeu no documento que
pelo menos os bens da Igreja fossem preservados, lembrando que não
era uma questão de privilégios, mas de garantia dos direitos justificados
pela ligação da Igreja com a própria formação do povo brasileiro
(MANOEL, 1997). As primeiras negociações surtiram efeito. O Decreto n.
119-A, de sete de janeiro de 1890, extinguiu o Padroado Régio e
separou a Igreja do Estado, como antecipou D. Macedo Costa. Mas
garantiu, por meio do artigo 5º, as propriedades da Igreja. Por força e
peso da tradição católica e pela influência de Leão XIII e do seu
negociador, a Igreja Católica conseguiu flexibilizar o projeto liberalpositivista e garantiu parcialmente os seus interesses no Brasil
(MANOEL, 1997, p. 75).
Nesse momento de instabilidade a Igreja buscava atualizar as
formas de inserção política no Estado Republicano, adequando suas
estratégias. O refinamento da articulação entre a Igreja local e a Santa
Sé, no que tange ao seu discurso político foi a primeira estratégia
adotada. Para isso, a Santa Sé precisou fortalecer os seus principais
representantes no Brasil: o Internúncio Apostólico, Francesco Spolverini
e D. Macedo Costa, Arcebispo do Pará.
149
Como parte dessa estratégia a Santa Sé transferiu D. Macedo
para o Arcebispado da Bahia, em 26 de junho de 1890. Como Primaz do
Brasil e mais próximo dos centros do poder republicano, caberia ao
Arcebispo e ao Internúncio reunirem o episcopado, com o intuito de
ampliar a força da Igreja como agente político.
Os prelados foram orientados a estabelecerem contato com
políticos que fizessem parte dos seus círculos de relacionamento.
Deveriam pedir apoio à “causa católica” aos homens influentes, membros
das oligarquias regionais e lideranças nacionais. A finalidade era
conseguir o máximo de apoio na defesa dos interesses católicos. Mesmo
com a flexibilização do projeto liberal-positivista, que resultou na
preservação das propriedades da Igreja, a Santa Sé ainda não confiava
que existissem motivos para crer na estabilidade da situação da Igreja no
Brasil. Toda a negociação até aquele momento não havia evitado que a
Igreja perdesse o seu lugar privilegiado de religião oficial do Estado.
Havia um caminho longo a ser percorrido para estabilizar a situação da
Igreja. Em particular no que concernia a discussão em torno do projeto
da nova Constituição Brasileira.
Pouco mais de dois meses depois da publicação do Decreto n.
119-A, o episcopado brasileiro lançou uma Carta Pastoral coletiva, em 19
de março de 1890, escrita sob os auspícios de D. Macedo Costa. Mesmo
com o relativo sucesso das negociações orientadas pelo Arcebispo do
Pará até aquele momento, havia no documento um tom de insegurança
com a nova situação imposta pelo Decreto. Os prelados estavam
particularmente apreensivos com o caminho que o tão proclamado
progresso econômico e social poderia tomar (IGREJA CATÓLICA,
Pastoral Coletiva, 19/03/1890, p. 5).
A realidade político-religiosa indicava que as relações entre a
Igreja Católica local e o Estado poderiam caminhar tanto para uma
aproximação, quanto para a progressiva morte do projeto de civilização
cristã no Brasil. Na Carta Pastoral foram exteriorizadas as preocupações
dos prelados com a nova situação imposta pela queda do Império e pela
oficialização do caráter laico da República. Implícita no texto estava a
150
insegurança de que, junto com a Coroa, a religião católica fosse
extirpada da vida pública. Estabelecia-se o temor de uma sociedade sem
Deus. Essa foi a primeira reação coletiva do episcopado brasileiro à nova
situação político-religiosa do Brasil. Entendia-se que era preciso agir
rápido para reorganizar a estrutura eclesiástica e coordenar a articulação
político-religiosa necessária à sobrevivência do catolicismo, que havia
perdido a subvenção do Estado. Uma das ações necessárias era a
difusão entre o clero e os fiéis da certeza que a Igreja Católica não havia
sucumbido junto com o Império. Mas, que estava ameaçada pelo avanço
de ideias estranhas à tradição católica brasileira: o liberalismo, o
positivismo e o materialismo.
Com base nas orientações da Santa Sé, D. Macedo Costa
deveria usar sua influência para convencer o episcopado que era o
momento certo de transformar a crise em oportunidade. Principalmente,
no sentido reorganizar as estruturas eclesiásticas e uniformizar a
conduta do clero, reelaborando suas práticas sociais e estabelecendo
novos parâmetros de atuação.
Para a hierarquia eclesiástica local, a Igreja Católica e o Estado
deveriam manter a autonomia entre as estruturas em decorrência de um
objetivo convergente: o bem comum da sociedade brasileira. Este só
seria possível por meio do ordenamento cristão da sociedade e pelo
exercício de uma vida integralmente cristã. O documento coletivo de
1890 defendia a ligação entre o Estado e a Igreja, mas não admitia a
mínima subordinação da Igreja Católica local ao poder civil, cabendo
unicamente ao Papa reunir o poder de legislar, o poder judiciário e o
poder penal, nas questões que concerniam à Confissão Católica.
A forma como o episcopado se relacionaria com Estado nas
próximas duas décadas estava posta no texto da Carta Pastoral de 1890
que, embora fosse áspero com a transição política que se efetivava,
endossava o novo regime e deixava o caminho aberto para a negociação
entre as duas instituições, como havia orientado a Santa Sé ao
Arcebispo D. Macedo Costa.
151
No documento de 1890 prevalecia a certeza que a Igreja “[...]
formou em seu seio fecundo a nossa nacionalidade, e a criou e avigorou
ao leite forte de sua doutrina” (IGREJA CATÓLICA, Pastoral Coletiva,
19/03/1890, p. 22). Para a Igreja Católica local, concebida como o
elemento essencial na constituição da própria nacionalidade brasileira, o
Decreto n. 119-A colocou-a no mesmo patamar que todas as outras
religiões, sem levar em consideração o peso da sua tradição e o seu
papel na formação cultural do Brasil.
Embora a Santa Sé também concordasse com essa visão, a sua
percepção era mais ampla, envolvendo a situação da Igreja Católica
como um todo. Para a cúpula do Vaticano, o Decreto n. 119-A era visto
sob outra ótica: como o resultado de uma negociação relativamente bem
sucedida, que evitou restrições à liberdade de atuação da instituição.
Para o episcopado brasileiro a questão era mais próxima, de
natureza prática. Toda a transformação política que se processava era
vista como a progressiva exclusão da Igreja do edifício político brasileiro,
resultante da influência das revoluções europeias, que já teriam inserido
no país, muito antes de 1890, o “espírito hostil” à Igreja Católica (IGREJA
CATÓLICA, Pastoral Coletiva, 19/03/1890, p. 40).
Com a perda do apoio (inclusive o financeiro) do Estado, restava
ao episcopado a alternativa de aproximar-se de Roma. Era o momento
de seguir as orientações da Santa Sé na reestruturação política que
ocorria: usar a liberdade conferida pelo governo atual e ter paciência
para trabalhar pela reconquista de espaços no edifício político e social do
Estado brasileiro.
Muito mais que uma resposta ao Decreto n. 119-A, a Carta
Pastoral significou uma tomada de posição diante da nova situação. Sob
a liderança de D. Antonio Macedo Costa, o episcopado brasileiro
despertava para a nova situação política e se posicionava para
reposicionar a Igreja dentro do sistema político republicano (MANOEL,
1997). Nesse movimento a Carta Pastoral definiu a execução, por parte
dos prelados, de três ações imediatas: 1) apreciar a liberdade que a
Igreja desfrutava no novo regime, garantida pelo Decreto n.119-A; 2)
152
trabalhar para consolidar esse direito de maneira efetiva; 3) cumprir
dedicadamente os deveres cristãos no novo período que se inaugurava
no Brasil.
Na primeira ação proposta, os prelados que assinaram a Carta
Pastoral entenderam a liberdade no Decreto n. 119-A como a não
escravidão da Igreja. O texto aprovava a liberação dos “laços” em torno
da Instituição Católica. Em outras palavras, nessa visão o fim do
Padroado Régio possibilitaria a libertação da opressão disfarçada em
proteção, na qual muitas vezes os “[...] favores dos Reis tem degenerado
em escravidão” para a Igreja (IGREJA CATÓLICA, Pastoral Coletiva,
19/03/1890, p. 42-45).
A aparente contradição presente na Carta Pastoral,
representada na defesa da permanência da ligação entre Estado e Igreja
e, ao mesmo tempo, na celebração da liberdade conquistada com o fim
do Padroado Régio, é um indicativo das incertezas vividas naquele
momento pela Igreja local. Não há contradição. Havia sim o desejo de
manter-se como religião oficial, com todos os benefícios advindos disso.
Contudo, essa ligação não era deseja de maneira que a estrutura
eclesiástica tivesse que se submeter ao poder civil. Ligados ao Estado
como orientação espiritual do ordenamento político, mas subordinados à
estrutura hierárquica de Roma. Essa era a proposta contida na Carta
Pastoral de 1890.
No que se refere à segunda ação recomendada pela Carta
Pastoral, a consolidação da liberdade da Igreja era considerada uma
necessidade, já que aquele momento político era visto como uma
oportunidade para ampliar a atuação da Igreja, como por exemplo, por
meio da implantação de escolas particulares confessionais. A Santa Sé
considerou o contexto de liberdade religiosa gerado pela publicação do
Decreto n. 119-A como propício para a restauração da religião católica
no Brasil. Essa se daria com intensificação do projeto romanizador, que
previa a união doutrinária e institucional da hierarquia eclesiástica local
com o Papa e a Cúria Romana.
153
Em carta ao arcebispo da Bahia, o Papa escreveria que “D‟ora
em diante, [...] poderemos entrar francamente na prática de nossa sancta
Religião, regendo-nos segundo a nossa fé e a nossa disciplina, sem
recear a mínima intervenção do poder publico” (LEÃO XIII, 9/06/1890, ff.
23-26).
Agradando ou não aos membros do episcopado local, o Decreto
n. 119-A modificou as relações entre o Estado e a Igreja. Por isso, o tom
doravante deveria ser de conciliação e de cautela. Aos grupos que
acusavam a Igreja Católica de representar uma ameaça ao governo
republicano, em decorrência da sua antiga ligação com o Império, o
episcopado deveria responder que a Igreja Católica era indiferente a
todas as formas de governo, não pretendendo e não podendo opor-se ao
bem do Estado.
A Carta Pastoral de 1890 foi um documento de posicionamento
público do episcopado diante da situação política do país. Caracterizouse quase como um desabafo que, mesmo orientado por D. Antônio
Macedo Costa que estava alinhado às orientações de Roma, não tinha o
tom tão conciliador como desejava a Santa Sé. Esse fato pode ser
explicado pela ligação ainda muito frouxa entre a hierarquia eclesiástica
local e o Vaticano, também, pela própria condição incerta que vivia o
episcopado, do qual muitos membros ainda eram monarquistas.
Visando contornar essa situação, marcada por posicionamentos
muitas vezes incompatíveis com a sua orientação, a Santa Sé tornaria
duas providências imediatas. A primeira foi no sentido de tornar a sua
comunicação com a Igreja Católica local mais intensa e mais rápida,
buscando aliar a conduta do clero ao direcionamento de Roma. O
Vaticano buscava aproveitar o momento político da melhor maneira
possível para restaurar os seus interesses, e para estreitar as ligações
institucionais católicas, por meio de uma comunicação mais eficaz.
A segunda providência foi mais incisiva e direta. Leão XIII
escreveu para D. Antônio Macedo Costa, em nove de junho de 1890. O
Papa, já de conhecimento que o episcopado pretendia realizar uma
154
conferência 3, explicitou o seu desejo ao Arcebispo da Bahia: unidade de
atuação do clero e da hierarquia contra os inimigos comuns e em relação
ao momento político nacional (LEÃO XIII, 9/06/1890, ff. 23-26).
O Sumo Pontífice preocupava-se com a “frouxidão da
disciplina” eclesiástica no Brasil. Colocava em dúvida a força da ligação
hierárquica entre o clero e o próprio episcopado, num momento em que a
coesão era essencial para resguardar a instituição religiosa de um futuro
incerto. A mensagem da Santa Sé à Igreja local e ao Estado Brasileiro: a
Igreja nada impetraria contra o Estado e esperava que ele nada tentasse
contra a religião (LEÃO XIII, 9/06/1890, ff. 23-26).
Orientado pelo Papa, D. Macedo Costa, deveria se esforçar
durante a Conferência de Bispos, que se realizaria em 1890, para que o
episcopado discutisse meios para atender aos interesses comuns das
dioceses. Também deveriam ser debatidas formas de manifestar
publicamente a força da disciplina eclesiástica e para restaurar os
costumes do clero, a partir da observância dos Sagrados Cânones.
Com o fim dos limites impostos pelo Império Brasileiro à
comunicação com a hierarquia eclesiástica local, a Santa Sé colocaria
em prática o projeto de implantação da disciplina nos moldes do Concílio
de Trento, que previa a uniformização de conduta, tanto do clero, quanto
dos arcebispos e bispos e o estreitamento de laços destes com o Papa e
a Cúria Romana.
Em 14 de junho de 1890, portanto, cinco dias depois do envio
da Carta do Sumo Pontífice para D. Macedo Costa, a Secretaria de
Estado mandou instruções para a realização da Conferência de Bispos
brasileiros ao Internúncio Apostólico. No documento o Cardeal Rampolla
demonstrou ter consciência das possibilidades que se abriam com o fim
do Padroado Régio. Para ele era “[...] o princípio d‟uma benéfica
restauração dos interesses do catholicismo n‟essa Republica”. De
maneira estratégica o Secretário de Estado orientou ao episcopado e ao
Nesse período, as conferências episcopais não tinham o caráter permanente que
possuem hoje; se caracterizavam como encontros não periódicos com o objetivo de
promover a união pastoral e institucional entre os bispos e arcebispo.
3
155
Internúncio como deveriam agir: “[...] aproveitando-se com prudência e
sabedoria das actuaes condições políticas do Paiz [...]” (RAMPOLLA,
14/06/1890, f. 3-8). Em outras palavras, o momento era de ação, mas
não uma ação descoordenada e sim organizada a partir das orientações
da Secretaria de Estado, envolvendo um planejamento coletivo.
Longe da cena pública, a alta cúpula do Vaticano entendia não
serem suficientes a publicação de uma Carta Pastoral Coletiva de 1890 e
a organização de uma conferência do episcopado, para mostrar ao
governo brasileiro a força de articulação da Igreja. As garantias para a
defesa dos interesses católicos no Brasil teriam que ser conquistadas,
também, por meio da ação diplomática. Extrapolando os limites da
cidade do Vaticano e atuando coerentemente com a sua postura de não
fugir ao debate com a modernidade, Leão XIII escreveu diretamente para
o chefe do governo provisório brasileiro, Marechal Deodoro da Fonseca,
em 28 de outubro de 1890.
Um dos fatos mais significativos do documento, como
negociação no campo das relações internacionais, foi o reconhecimento
oficial do governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca pelo Papa
e a indicação do desejo de estabelecer relações diplomáticas oficiais
entre a Santa Sé e o Brasil (LEÃO XIII, 28/10/1890, f. 74-77).
Leão XIII, com este ato político, visou obter garantias para a
liberdade de atuação da Igreja Católica local. A preocupação do Papa
era colocar os termos para as negociações em torno do projeto da nova
Constituição Republicana. Para isso, Leão XIII invocou os “sentimentos
religiosos” do Marechal, associando a fé católica a um “precioso” bem.
Afirmou ser a religião católica um verdadeiro legado dos “seus
ancestrais”, o elemento que definia o povo brasileiro por suas raízes
comuns. Na carta a religião católica foi descrita como parte de um
passado que todos os brasileiros compartilhavam e que, portanto, os
unia.
Com esse prólogo Leão XIII preparou o espírito do velho militar
para o teor de gravidade do que escrevia nas próximas linhas: trataria de
“um assunto de gravíssima importância, com os quais nos unem vários
156
interesses vitais da Igreja Católica, não menos que para esta Nação”
(LEÃO XIII, 28/10/1890, f. 74-77). O Papar manifestava a sua apreensão
com o momento de instabilidade vivido pela Igreja e as incertezas que
pairavam sobre como o governo brasileiro conduziria as relações entre
os dois poderes: o religioso e o civil.
O texto não era nada subjetivo e não pretendia apenas apelar
aos sentimentos ancestrais do militar. A missiva tinha endereço certo e
um objetivo claro: lembrar ao Marechal que a Santa Sé havia
reconhecido o novo governo republicano e que, portanto, nada tinha
contra ele.
Os termos na negociação estavam postos. Leão XIII acenava
com a sua proposta para as bases das relações diplomáticas entre a
Santa Sé e o governo do Brasil nos próximos anos: os interesses da
Igreja Católica no Brasil não seriam defendidos apenas pelo episcopado
local, mas também pela Santa Sé, no campo da política externa. O povo
brasileiro era católico. Como cidadão, devia obediência ao Estado, como
católico, devia obediência ao Papa, o representante de Deus na terra. Na
carta, mais uma vez a religião católica era associada à tradição do
brasileiro, compreendida como um elemento inseparável da formação
sócio-cultural da nação.
O Pontífice enfatizava o interesse em garantir direta ou
indiretamente que a nova Constituição respeitasse os direitos da Igreja.
Por isso, pediu ao Marechal que intercedesse no processo político em
andamento no sentido de evitar o pior. As inquietações do Papa residiam
não somente nas possíveis consequências do Decreto n. 119-A, mas
fundamentalmente na possibilidade real de prevalecer tendências
positivistas e liberais radicais no projeto constitucional, que estava em
fase de elaboração, inicialmente por uma comissão de juristas, sob a
presidência de Saldanha Marinho e, posteriormente, por Rui Barbosa e
os ministros da República.
O Sumo Pontífice definiria uma postura nas suas relações
internacionais que influenciaria a política externa da Santa Sé ao longo
do século XX: em nome da defesa da sua missão evangelizadora e dos
157
seus interesses institucionais, eram adotadas posturas realistas e
pragmáticas em sua política externa. Firmar o caráter transnacional da
Igreja Católica, abrir novas áreas para a ação evangelizadora, recuperar
ou consolidar os espaços tomados à Igreja pelo liberalismo e pelo
laicismo, eram os principais propósitos dessa posição.
De acordo com o autor Azevedo (2003) esse realismo político se
caracterizou pela participação dos Pontífices e dos seus representantes
no jogo de xadrez estratégico, buscando firmar a Santa Sé como
mediadora e negociadora nas questões políticas mais complexas. No
caso brasileiro foi essa a postura assumida pelo Papa diante da nova
composição política republicana. O tom da carta de Leão XIII era de
negociação, com vistas a deixar as portas abertas para um acordo
bilateral, mesmo que não oficial, no qual ambos fizessem concessões e
se beneficiassem mutuamente.
A Santa Sé oferecia o reconhecimento oficial ao novo governo,
a manutenção das relações oficiais e a aceitação pacífica da separação
oficial. Mesmo deixando claro que doutrinariamente era contra a
separação entre o Estado e a Igreja, o Papa compreendia que era uma
situação irreversível naquele momento.
Tendo esclarecido o que o Marechal poderia esperar de um
possível acordo bilateral com a Santa Sé, era o momento de Leão XIII
indicar quem seria o seu mediador. Aquele que deveria levar ao
Marechal as disposições contidas no projeto constitucional que estavam
em desacordo com os interesses da Igreja. A missão levar a cabo as
tratativas com o Chefe do Governo Provisório, em nome do Papa não
coube ao Internúncio, mas a D. Macedo Costa. O Arcebispo deveria
convencer o Marechal quão lesivo aos direitos da Igreja seria o novo
dispositivo legal em elaboração, caso este mantivesse as disposições
radicais contra a Igreja Católica.
Temendo pela integridade da instituição católica, o Papa
pretendia evitar o aprofundamento da crise, que poderia resultar em um
conflito entre a Igreja e o Estado, caso a Constituição da República fosse
publicada nos termos do projeto em elaboração. O Pontífice esclareceu
158
suas expectativas para um possível acordo: o Marechal Deodoro, com o
seu prestígio, garantiria a liberdade da Igreja, a exemplo da Constituição
dos Estados Unidos da América, eliminando do projeto constitucional as
disposições contrárias à Igreja, em troca, além do já sinalizado pela
Santa Sé, indicado acima, a Igreja continuaria com a sua missão “de paz,
de conservação e de ordem em meio a sociedade” (LEÃO XIII,
28/10/1890, f. 74-77).
A oferta incluía a legitimação do novo regime no púlpito e a
colaboração direta na reconstrução política do país. Concebendo a
religião católica como a base da relação harmônica entre os homens e
destes com o poder estabelecido, o Papa evidenciava ao presidente que
poderia, caso fossem atendidos os seus pedidos, reunir o apoio do
episcopado, do clero e da população católica em torno do projeto de
“união e paz” no novo modelo de Estado.
A Secretaria de Estado da Santa Sé, a partir das experiências
vividas em outros países, temiam a radicalização do movimento depois
da publicação da Carta Constitucional Republicana. Sua ação, naquele
momento, buscava garantir a integridade da Igreja, em curto prazo,
médio e longo prazo, de maneira que se mantivessem as condições
necessárias para a realização da sua missão evangelizadora.
No mesmo dia, em 28 de outubro de 1890, Leão XIII escreveu a
D. Antônio Macedo Costa com os termos da negociação explicitados em
carta ao Marechal, ou seja, com as disposições contrárias à Igreja, que o
Papa pleiteava que fossem retiradas do projeto constitucional. Os itens
do acordo que afetavam diretamente a Igreja deveriam ser levados
pessoalmente pelo Bispo ao Marechal Deodoro da Fonseca: a proibição
de fundar novos institutos religiosos e de reformar os antigos segundo as
normas da Igreja; o golpe de ostracismo à Companhia de Jesus; a
exceção feita ao Clero pelos corpos deliberantes do Estado; a ameaça
de confisco às propriedades da Igreja com a evocação das leis de mão
morta; o ensino laico; o matrimônio civil precedente ao matrimônio
religioso (LEÃO XIII, 09/06/1890, f. 23-26).
159
Nas duas cartas de Leão XIII, ao Marechal e a D. Macedo
Costa, apareceram dois princípios básicos que conduziriam a política de
Estado da Santa Sé: a postura de neutralidade política e uma clara
opção pelos pactos ou acordos internacionais.
A primeira postura se firmaria com um posicionamento da Igreja
como um ente acima de questões políticas partidárias e de eventuais
conflitos internos no país. Esse posicionamento, replicado como política
externa por outros pontífices ao longo do século XX, garantiria um
espaço importante e de peso para a Santa Sé nas relações
internacionais: o de mediadora e pacificadora. Já a opção pelos acordos
estruturou-se como uma estratégia de defesa dos interesses da Igreja
Católica e como forma de colocar freios ao avanço das pretensões cada
vez maiores dos Estados laicos em restringir a religião ao espaço
privado.
Em nome da ordem social cristã e da defesa da própria
Confissão Católica o Papa cedia espaço ao liberalismo e ao laicismo,
orientando a hierarquia eclesiástica local a fazer o mesmo. Aproveitava o
momento político para garantir autonomia e recursos suficientes para a
execução de um projeto de influência política de longa duração.
Parece haver quase um consenso na historiografia da Igreja no
Brasil (BRUNEAU, 1974) de que os acontecimentos em torno da
Proclamação da República iniciaram uma fase na qual a Igreja se lançou
ao combate pelo seu retorno ao governo brasileiro. A análise da
documentação que serviu de base para esta pesquisa encaminha outra
interpretação: a Santa Sé não se movimentou estrategicamente para
efetivar a volta da Igreja Católica à estrutura do Estado brasileiro. O seu
objetivo era ordenar e implementar a cristianização das instituições
públicas. Isso não significava fazer parte do governo como instituição,
mas influenciá-lo de maneira que esse fosse inspirado pela doutrina
católica, adotando os mesmos princípios e, portanto, que este tivesse os
mesmos objetivos da Igreja.
Quanto à parte do acordo que caberia ao Marechal: a restrição
às disposições constitucionais que eram contrárias aos interesses da
160
Igreja Católica, os resultados foram considerados muito satisfatórios
diante daquele contexto. A Constituição Brasileira de 1891 não foi
declarada em nome de Deus e a separação e a retirada das subvenções
à Igreja foram mantidas. Contudo, estes não estavam entre os pleitos do
Papa. Dentre os itens que Leão XIII havia solicitado reconsideração,
acabaram sendo mantidos: o matrimônio civil, o ensino laico e a exceção
feita ao Clero quanto ao direito de voto.
Entretanto, isso não se caracterizou como uma derrota política.
Ao contrário, além de garantir a não perseguição e a não expulsão dos
Jesuítas, o acordo entre os chefes de Estado, Leão XIII e Marechal
Deodoro, garantiu a defesa dos bens materiais e da liberdade de atuação
da Igreja, dois itens fundamentais do pleito do Romano Pontífice.
Passado esse momento de crise e de intensas negociações,
iniciava-se a fase de reorganização institucional da Igreja Católica local.
Com base na análise do conjunto documental produzido pela Secretaria
de Estado do Vaticano durante as primeiras décadas da República
brasileira, é possível afirmar a Santa Sé estabeleceu alguns pontos
essenciais de atuação. Em particular no que concernia a nova realidade
política do Brasil e a condição institucional da Igreja, agravada pela pelo
número reduzido de padres, pelas grandes distâncias e pelas
dificuldades de locomoção.
A Santa Sé incentivou que congregações estrangeiras viessem
atuar no Brasil; remanejou prelados, ação que ficou sob a coordenação
do Internúncio; solicitou a realização de um diagnóstico sobre as
dioceses, com a finalidade de levantar dados para a reorganização
institucional; empreendeu ações de fortalecimento do Internúncio como
representante da autoridade do Papa; investiu na ampliação dos quadros
do clero. De todas essas iniciativas ressalta-se a atuação sistemática da
Secretaria de Estado para minimizar ao máximo a participação do
episcopado na política partidária, de maneira a evitar que posturas
políticas radicais cindissem definitivamente e irremediavelmente as
relações entre o Estado e a Igreja, inviabilizando futuras negociações no
campo da política interna e externa.
161
Ao longo da Primeira República brasileira a Santa Sé cumpriria
a sua parte no acordo oficioso com o governo republicano, estabelecido
nas negociações em 1890: reconheceu o novo governo e manteve com
ele relações diplomáticas, não se movimentando em prol da união oficial
entre o Estado e a Igreja nas próximas décadas. Quanto à parte do
acordo que caberia a hierarquia local: a manutenção e conservação da
ordem social e a pacificação das consciências, definido pelo respeito ao
governo republicano, ficou por conta do bem sucedido projeto de
romanização, responsável por garantir que a maioria dos prelados
reproduzisse de maneira eficiente o desejo da Santa Sé de atuação da
Igreja como pacificadora da República.
ROSA, Lilian Rodrigues de Oliveira. Strategies and negotiations between
the Holy See, the Brazilian state and the local Catholic church between
1889 and 1991. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp.145-163.
ABSTRACT: This text aims to present the results of analysis on
international relations between the "Santa Sé" and the Brazilian State,
between 1889 and 1991. We pay attention on understanding the
negotiations to defend the interests of Catholics after the publication of
Decree 119-A, which extinguished the Royal Patronage and determined
religious freedom in Brazil, leaving Catholicism to be the official state
religion.
Keywords: Holy See; Brazilian State, History, International Relations.
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RAMPOLLA, M. T. Instruções da Santa Sé ao Internúncio Apostólico
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Brasile, pos. 308-311 (II), fasc. 29, ff. 3-8.
Rapportti sull República, 1889. Tradução de Lilian R. O. Rosa e Antonio
Alfieri. A.S.V., A.E.S., Brasile, pos. 298-300 (II), fasc. 24 – 26
SPOLVERINI, Francisco. Carta do Internúncio Apostolico. 1º. Ago. 1890,
parte do dossiê Documenti circa Le Conferenze dei Vescovi Brasiliani,
agosto 1890. A.S.V., A.E.S., Brasile, pos. 308-311, (II), fasc. 29, f. 9.
164
165
ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX
ASSOLINI; Filomena Elaine Paiva; p.41
BATISTA, Marco Antonio; p.123
CARVALHO, Daniele Machado; p.41
CARVALHO, Ramires Santos Teodoro; p.25
MORENO, Luís Carlos; p.103
OLIVEIRA, Luis Fernando de; p.69
ROSA, Lilian Rodrigues de Oliveira; p.145
SILVA, Adriana; p.11
SILVEIRA, Rafael José da; p.87
166
ÍNDICE DE ASSUNTOS
Aprendizagem; p.41
Aviso prévio; p.123
Brasil; p.87
Descartes, p.103
Educação; p.69
Estado Brasileiro; p.145
Ética; p.69
Formação Inicial e Contínua; p.25
Formação Inicial; p.41
História; p.145
História da Educação; p.87
História da Pedagogia; p.69
Identidade; p.25
Imortalidade da alma; p.103
Instrução Pública; p.87
Leitura; p.41
Memória Discursiva; p.41
Novas regras; p.123
Novos prazos; p.123
Nietzsche; p.69
Pensamento Católico; p.87
Pensamento Liberal; p.87
Pós-Modernidade; p.69
Professor Reflexivo; p.25
Relações Internacionais; p.145
Saberes da Docência; p.25
Santa Sé; p.145
Substância Espiritual Absoluta; p.103
167
SUBJECT ÍNDEX
Absolut spiritual substance; p.103
Brazil; p.87
Brazilian State; p.145
Catholic Thought; p.87
Descartes; p.103
Discourse memory; p.41
Education; p.69
Ethics; p.69
History; p.145
History of Education; p.87
History of Pedagogy; p.69
Holy See; p.145
Identity; p.25
Immortality of the soul; p.103
Initial and continuing training; p.25
Initial training; p.41
International Relations; p.145
Knowledge of Teaching; p.25
Learning; p.41
Liberal Thought; p.87
New deadlines; p.123
New rules; p.123
Nietzsche; p.69
Post-Modernity; p.69
Prior notice; p.123
Public Instruction; p.87
Reading; p.41
Reflective Teacher; p.25
168
169
Normas para publicação na revista DIALOGUS
Normas para apresentação de original
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maiúscula e fonte 12.
170
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pontos, na terceira linha abaixo do nome do autor, sem adentramento. Na
mesma linha iniciar o texto de resumo.
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negrito, seguida de dois pontos, na segunda linha abaixo do resumo e uma linha
cima do início do texto. Separar os PALAVRAS-CHAVE por ponto e vírgula.
-Referência bibliográfica completa do próprio trabalho em inglês, conforme o
exemplo:
PÁDUA, Adriana Suzart de. Change and continuity. Comparative notes about
Venezuela´s Bolivarian Constitution. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.X, n.X, 200X,
p. X.
• Abstract: a palavra ABSTRACT em maiúsculas, em negrito, seguida de dois
pontos, na segunda linha abaixo da referência bibliográfica completa do próprio
trabalho em inglês, sem adentramento. Na mesma linha, iniciar o texto do
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• Keywords: a palavra KEYWORDS em maiúsculas, em negrito, seguida de dois
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separados por ponto e vírgula.
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primeiro autor e seguir a NBR 6023 da ABNT.
Abreviaturas - os títulos de periódicos devem ser abreviados conforme o
Current Contents. Exemplos:
Livros e outras monografias
LAKATOS, E. M., MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico. 2. Ed.
São Paulo: Atlas, 1986. 198p.
Capítulos de livros
JOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEINBERG, C. S. Meios de
comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972, p.47 - 66.
171
Dissertações e teses
BITENCOURT, C. M. F. Pátria, Civilização e Trabalho. O ensino nas escolas
paulista (1917-1939). São Paulo, 1988. Dissertação (mestrado em História) FFLCH, USP.
Artigos e periódicos
ARAUJO, V.G. de. A crítica musical paulista no século XIX: Ulrico Zwingli.
ARTEunesp (São Paulo), v.7, p.59-63, 1991.
Trabalho de congresso ou similar (publicado)
MARIN, A. J. Educação continuada: sair do informalismo? In: CONGRESSO
ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 1, 1990.
Anais... São Paulo: UNESP, 1990, p.114-118.
Citação no texto: O autor deve ser citado entre parênteses pelo sobrenome,
separado por vírgula da data de publicação: (BECHARA, 2001), por exemplo. Se
o nome do autor estiver citado no texto, indica-se apenas a data entre
parênteses: “Bechara (2001) assinala ...”. Quando for necessário especificar
página(s), esta(s) deve(m) seguir a data, separada(s) por vírgula e precedida(s)
de p. (MUNFORD, 1949, p.513). As citações de diversas obras de um mesmo
autor, publicadas no mesmo ano, devem ser discriminadas por letras minúsculas
após a data, sem espacejamento (PESIDE, 1927a) (PESIDE, 1927b). Quando a
obra tiver dois autores, ambos são indicados, ligados por & (OLIVEIRA &
LEONARDO, 1943) e quando tiver três ou mais, indica-se o primeiro seguido de
et. al. (GILLE et. al., 1960).
Notas - Devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no pé da página. As
remissões para o rodapé devem ser feitas por números, na entrelinha superior.
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vegetal e tinta nanquim, ou computador); fotografias (em papel brilhante);
radiografias e cromos (em forma de fotografia). As figuras e suas legendas
devem ser claramente legíveis após sua redução no texto impresso de 10,4 x
15,1 cm. Devem-se indicar, a lápis, no verso: autor, título abreviado e sentido da
figura. Legenda das ilustrações nos locais em que aparecerão as figuras,
172
numeradas consecutivamente em algarismos arábicos e iniciadas pelo termo
FIGURA.
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Referencia bibliográficas, sem adentramento. Continuar em nova linha, sem
espaço.
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