A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO PLANEJAMENTO BIORREGIONAL E DESENVOLVIMENTO DE BASE CONSERVACIONISTA NO MOSAICO SERTÃO VEREDAS PERUAÇU, NORTE DE MINAS GERAIS GERALDO INÁCIO MARTINS1 JOÃO CLEPS JUNIOR2 Resumo: A política dos Mosaicos de Áreas Protegidas, proposta recente da política ambiental brasileira, reconheceu muitos mosaicos no Brasil, entre eles o Mosaico Sertão Veredas-PeruaçuMSVP, situado na região Norte do Estado de Minas Gerais, em 2009. Junto ao reconhecimento do MSVP aprovou-se também o Plano de Desenvolvimento de Base Conservacionista- Plano DTBC, principal instrumento de planejamento, desenvolvimento e gestão do mosaico. Acreditamos que o MSVP reflete a tentativa de um planejamento biorregional, a partir disso elaboramos algumas questões: Quais são as características do planejamento biorregional no MSVP? Como ele foi construído? De que forma o planejamento biorregional do MSVP pode se tornar uma alternativa de desenvolvimento de base conservacionista? As questões apontadas levam-nos ao presente texto, cujo objetivo é o de analisar as principais características do planejamento biorregional no MSVP, bem como, os eixos de desenvolvimento e as estratégias para aliar a conservação e o desenvolvimento. Palavras-chave: Planejamento biorregional; Mosaico Sertão Veredas Peruaçu; Plano DTBC. Abstract: The Protected Areas Mosaics are a recent proposal by the brazilian environmental policy, which recognized many mosaics in Brazil, including the Mosaic Sertão Veredas-Peruaçu-MSVP, situated in the North of Minas Gerais, in 2009. Next to the recognition of MSVP was also approved the Base Development Plan Conservationist- DTBC Plan, main instrument of planning, development and management Mosaic. We believe _ the MSVP reflects the attempt of a bioregional planning, from that we developed some questions: What are the characteristics of bioregional planning MSVP? How was it built? How can the bioregional planning MSVP become a development alternative of conservationist basis? The mentioned issues lead us to this text, whose aim is to analyze the main features of bioregional planning in MSVP, as well as the development axis and strategies to ally conservation and development. Keywords: Bioregional Planning; Mosaic Sertão Veredas-Peruaçu; DTBC Plan. 1 – Introdução3 As políticas de conservação da natureza mediante a criação de espaços territorialmente protegidos (as Unidades de Conservação – UCs) vêm evoluindo constantemente no cenário brasileiro. Isto se deve, entre outros fatores, ao arcabouço jurídico e normativo promulgado com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC. O SNUC além de demarcar teoricamente as 1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail de contato: [email protected] 2 - Professor Associado do Instituto de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail de contato: [email protected] 3 - Este texto é uma versão resumida de um trabalho mais amplo submetido ao VII Seminário Internacional Dinâmica Territorial e Desenvolvimento Socioambiental. 4255 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO categorias de manejo e planejamento das UCs, coloca em cena outras modalidades de planejamento e manejo, como por exemplo, os Mosaicos de Áreas Protegidas. A inovação subjacente à proposta dos mosaicos está na indissociabilidade entre a conservação da natureza e criação de mecanismos alternativos de desenvolvimento para aquelas populações atingidas ou envolvidas diretamente na conservação da natureza. Todo mosaico reconhecido a partir do SNUC tem como base um plano de desenvolvimento, o Plano de Desenvolvimento Territorial de Base Conservacionista – o Plano DTBC. Este orienta as estratégias de planejamento e gestão da conservação, além daqueles mecanismos voltados para a criação de estratégias de desenvolvimento com base sustentável. Dado as suas características, os Planos DTBC podem ser considerados como instrumentos de planejamento, gestão e desenvolvimento biorregional. Neste texto consideramos como principal material de trabalho o Plano DTBC do MSVP, e a partir dele elaboramos algumas questões fundamentais: Quais são as características do planejamento biorregional no MSVP? Como ele foi construído? De que forma o planejamento biorregional do MSVP pode se tornar uma alternativa de desenvolvimento de base conservacionista? As questões apontadas nos levam ao presente texto, cujo objetivo é analisar as principais características do planejamento biorregional no MSVP, bem como, os eixos de desenvolvimento e as estratégias para aliar a conservação e o desenvolvimento de base conservacionista. Este trabalho é resultado das pesquisas de campo realizado entre os anos de 2009 e 2014 na região Norte de Minas Gerais a respeito da criação, dos conflitos e das estratégias territoriais envolvidas nas UCs. Em tais pesquisas a orientação seguida são as entrevistas não estruturadas, análise de portarias, planos de manejo, plano de desenvolvimento do MSVP e a participação observante em comunidades envolvidas na área do mosaico. 2- O Mosaico A ideia normativa de gestão integrada por intermédio de mosaicos foi prevista inicialmente pelo SNUC. De acordo com este instrumento jurídico “quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas e privadas, 4256 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa” (BRASIL, 2000, s/p). Além disso, a normativa jurídica dispõe sobre a necessidade de compatibilizar a biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional. Nesse sentido, a proposta de reconhecimento dos mosaicos é uma inovação na política ambiental brasileira. Isto porque busca compreender os sistemas ecológicos integrados aos sistemas econômicos e sociais, “incorporando de forma explícita toda a complexidade das inter-relações espaciais de seus componentes, tanto naturais quanto culturais” (GIDSICKI, 2012, p. 16). Milano (1997), refletindo sobre o planejamento em Áreas Protegidas, avalia as consequências negativas quando não se considera os interesses, os conflitos e, sobretudo, os anseios das comunidades locais e dos vários sujeitos envolvidos com a conservação e com o planejamento. É dada ao fato dos espaços destinados a conservação da natureza vincularem diretamente aos contextos econômicos, históricos e culturais mais amplos que todos os sujeitos devem participar efetivamente na condução dos mecanismos de planejamento destas áreas. A ideia subjacente aos Mosaicos de Áreas Protegidas é justamente a de romper com este efeito de ilha construído em torno das UCs. Nos mosaicos, as UCs são consideradas como partes integrantes dos sistemas culturais, econômicos e ecológicos, enfim, considerando que as UCs matem relações variadas com seu entorno, é preciso integrá-lo as estratégias de planejamento e desenvolvimento em contexto regional. Enquanto projeto de gestão integrada e participativa, as motivações por detrás da proposta de um mosaico podem ser multivariadas. Estas motivações, geralmente, são os elementos que dão estrutura ao Plano de DTBC. Segundo consta no Edital 01/2005 que selecionou os projetos de mosaicos para financiamento no Brasil, o Plano DTBC é um mecanismo no qual se mesclam e se articulam os interesses dos variados sujeitos envolvidos com a conservação da natureza por meio das UCs (sindicatos, associações, cooperativas, ONGs, e etc.), cujo intuito é construir mecanismo de desenvolvimento econômico baseado em “cadeias produtivas conservacionistas”. Além disso, estas atividades devem levar a criação de “uma identidade” de gestão e devem funcionar como incremento de 4257 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO “capital social” das comunidades envolvidas na arquitetura espacial dos mosaicos. Em outras palavras, um Plano DTBC é um mecanismo de ordenamento que tem a pretensão de tornar os mosaicos, e as UCs sob sua influência, economicamente sustentáveis e interessantes para os agentes econômicos (MMA/FNMA, 2005, p. 25). Quando se conjuga conservação e desenvolvimento, duas imagens surgem imediatamente. Desenvolvimento envolve “a geração de renda e a melhoria da qualidade de vida”, além da “eliminação, ou pelos menos, a redução da pobreza”. Contrariando este movimento, a conservação associa-se a ideia de “estagnação econômica e não como [elemento de] dinamização territorial” (WEIGAND JR., 2005, p.1-2[tradução livre]). A ideia de desenvolvimento territorial de base conservacionista, presente nos Planos DTBC, visa justamente tornar indissociável a conservação da natureza e políticas de desenvolvimento. Para que se efetivem os Planos DTBC e seus instrumentos de desenvolvimento, é preciso operar algumas mudanças fundamentais. A primeira delas é encarar a conservação não como mecanismo gerador de gastos ou empecilho ao desenvolvimento, ao contrário, deve-se situá-la dentro de um quadro político regional de desenvolvimento. O segundo grande desafio é fazer com que estes serviços ambientais gerem renda para as populações envolvidas no território dos mosaicos, e mais, que estes se mostrem mais viáveis economicamente do que aquelas tradicionalmente praticadas, como a agricultura, a pecuária e a produção do carvão vegetal. O projeto do MSVP entrou em execução em 2006 e foi reconhecido oficialmente em 2009, por meio da Portaria do MMA de n°128, de 24 de abril. Este mosaico tem uma área total de 1.500.000 hectares. É formado por quatorze UCs, administradas pelo Instituto Mineiro de Florestas – IEF e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO. Entre as quatorze UCs, há também quatro Reservas do Patrimônio Particular Natural sob a gestão de empresas e fazendeiros, três Áreas de Proteção Ambiental, uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável e cinco unidades de proteção integral (Parques Nacionais e Estaduais). O território é constituído por onze municípios, dez no Estado de Minas Gerais e um no Estado da Bahia. 4258 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Nesse sentido, o fio condutor do MSVP é a gestão integrada e participativa, isto é, criar mecanismos no qual tanto os gestores das UCs, quanto as populações atingidas pela criação de unidades de proteção integral ou aquelas em unidades de uso sustentável, as comunidades do entorno, os quilombolas e os povos indígenas possam efetivamente participar/definir as estratégias de conservação. Evidentemente que compatibilizar os diversos anseios e interesses se coloca como o principal desafio na construção deste pacto para a conservação expresso, sobretudo, no Plano DTBC. 2- Características do planejamento biorregional O planejamento biorregional parte da biorregião como escala de ação. Esta escala não é determinada de uma vez por todas, mas conforme o reconhecimento ou vínculo da comunidade local ou dos objetivos de manejo e conservação da natureza. Nesse sentido, “é provável que uma biorregião com dezenas a centenas de milhares de hectares seja apropriada para alguns ecossistemas”, mas em contrapartida “poucos milhares de hectares podem ser suficientes para manejar e recuperar alguns habitats” (MILLER, 1997, p. 75). Apesar da maleabilidade das escalas da biorregião para o planejamento, é preciso ter a ciência que uma biorregião “reflete a percepção da comunidade humana residente, através de seu senso de territorialidade ou de terra natal” (MILLER, 1997, p. 19). Partindo da biorregião, o planejamento biorregional “é um processo organizacional que capacita as pessoas a trabalharem juntas, a adquirir informações, a refletir cuidadosamente sobre o potencial e problemas de sua região” (MILLER, 1997, p. 19). A partir deste prognóstico inicial, os grupos interessados no planejamento definem as atividades necessárias para atingi-lo, implementa projetos e ações acordados por meio de diálogos entre os múltiplos sujeitos envolvidos. O planejamento biorregional associa a base física (ou a base ecológica) sobre o qual os homens reproduzem o seu modo de vida, considerando a sua complexidade e dinamismo dos processos sociais e ecológicos, criando medidas para proteger, recuperar e sustentar a natureza e os modos de vidas a ela associado. Subjaz a ideia de planejamento biorregional “conservar a natureza e os recursos naturais, sem desprezar a possibilidade de produção de bens e serviços que possam ser desenvolvidos sustentavelmente” (GONZAGA, 2013, p. 53). Aliado 4259 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO a este primeiro princípio, o autor acredita que junção entre a conservação e a produção de bens e serviços ambientais permite ampliar os programas de conservação da natureza, abrangendo ecossistemas inteiros. Trata-se de uma abordagem iminentemente política, considerando que a conservação não faz isolada dos processos sociais, culturais e econômicos. O planejamento biorregional é essencialmente dialógico e participativo. Isto quer dizer, entre outras coisas, ter em consideração tanto os “marcos institucionais e políticos” no qual os governos, comunidades e corporações e interesses privados criem espaços de mediações para debater e encontrar soluções para os problemas da biorregião. Este movimento de mobilização é essencial para encorajar todos os grupos sociais a participarem efetivamente da proposta de planejamento. Sem o envolvimento das comunidades locais, sem determinação clara dos problemas e das soluções possíveis, ou caso os interessados não aceitem ou não se envolva efetivamente nas ações, as possibilidades de falhas são evidentes. Para Miller (1997), a democratização das informações é o principal mecanismo e principal desafio no que se refere à participação dos diversos grupos que atuam na biorregião. Mas isto é enfrentado quando há “manutenção de negociações justas e fornecimento de informações, de modo equitativo, a todos os grupos (...)” (MILLER, 1997, p. 81). Não podemos esquecer-nos de um elemento essencial a mais subjacente às estratégias de planejamento biorregional: conservar a natureza e, ao mesmo tempo, criar mecanismos de desenvolvimento. Conforme Miller (1997, p. 80), “as metas para a conservação da biodiversidade dificilmente podem ser apartadas das necessidades e perspectivas dos componentes locais”. O grande interesse do planejamento biorregional é a conservação da natureza ou adequação da produção nas metas de manejo. Isto quer dizer que práticas agrícolas, turísticas, madeireiras, pesqueiras, etc., de algum modo devem ser alteradas para atender os objetivos propostos. É preciso compensá-los por tais serviços, Miller (1997) cita alguns exemplos bem sucedidos, como pagamento pelos serviços ambientais, criando estratégias de incrementação do turismo, etc. O quadro cultural, biofísico, humano e econômico deve ser pensado em seu intricamento. Esta é, talvez, a maior diferença entre a proposta do planejamento biorregional e as demais perspectivas: o fato de pensar a biorregião em todas as 4260 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO dimensões. Disso resulta a conclusão de que não é possível criar estratégias de conservação da natureza diante de um quadro de pobreza, falta de mecanismo de geração de renda e de empoderamento das pessoas. Resulta ainda que os problemas ditos ecológicos envolvem outros, tais como, as questões econômicas, sociais e culturais. 3- Planejamento biorregional e o Plano DTBC A principal característica do Plano DTBC elaborado pela Funatura junto com o Conselho do mosaico é a visão ecossistêmica sobre a biorregião do MSVP. Embora, o principal objetivo seja o de encontrar estratégias para se pensar a conservação da natureza para além das UCs, isto é, pensar a conservação como parte integrante da biorregião, outros elementos aparecem de forma ímpar. Isto pode ser observado no objetivo geral do Plano DTBC que é o de “promover o desenvolvimento da região em bases sustentáveis e integrado ao manejo das Unidades de Conservação e demais áreas protegidas do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu” (SANTO, 2012, s/p). Há que se considerar também aqueles objetivos ligados a conservação e gestão das UCs, como, por exemplo, a promoção da gestão integrada das UCs e demais áreas protegidas e, bem como, considerar as estratégias de desenvolvimento de base conservacionista. Isto é, a “implementação de práticas voltadas para o extrativismo vegetal racional, geradora de renda para os produtores e compatíveis com a proteção das unidades de conservação; e “o desenvolvimento do turismo ecocultural sustentável na região, de forma a valorizar as tradições culturais e as riquezas naturais” (SANTO, 2012, s/p). A preparação e a aprovação do Plano DTBC foi pré-requisito do edital FNMA/MMA para a aprovação do financiamento dos projetos de mosaico. Apesar destas pré-condições, todo o processo de planejamento ficou a encargo da instituição proponente do projeto de mosaico, no caso do MSVP, como afirmamos em linhas precedentes, a Funatura foi a responsável pela coordenação dos trabalhos. Aqui se expressa à primeira característica da estratégia do planejamento biorregional, a descentralização das atividades de planejamento. Embora o Estado esteja presente no financiamento, este se processa na biorregião e com sujeitos e instituições que nela atuam. 4261 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Nesse sentido, a construção do Plano DTBC foi dividida em cinco etapas. Na primeira realizou-se a apresentação dos projetos a comunidades e aos interessados, além de contratar equipe técnica para gerenciar os trabalhos de planejamento. Este primeiro momento pode ser compreendido como etapa da preparação no qual o principal objetivo era o de encontrar os parceiros suficientemente envolvidos com a questão da conservação da natureza e com estratégias de desenvolvimento de base conservacionista. Na segunda etapa realizou-se a atividade reconhecimento da área de abrangência do MSVP, ou melhor, os trabalhos deram-se no sentido de reconhecer os limites da biorregião do mosaico. Para isto, foi necessária a elaboração do material cartográfico, levantamento das condições socioeconômicas, além de pesquisas relativas ao turismo ecocultural e relativas às atividades de extrativismo vegetal, além do levantamento das condições de cada UC pertencente ao MSVP. A terceira etapa de desenvolvimento do Plano DTBC ocorreu no intuito de sistematizar as pesquisas realizadas nas etapas anteriores. Além disso, este foi o momento de adequação do material cartográfico e dos limites do MSVP. A quarta etapa do trabalho teve como produto a primeira versão do Plano DTBC (este primeira versão foi elaborada em uma oficina na cidade de Januária em novembro de 2007). Após a construção desta versão preliminar realizou-se uma oficina interna para debater as características dos eixos de desenvolvimento, apontar as fraquezas e contradições e, bem como, encontrar soluções para os impasses que surgiram ao longo do processo. Vencidos estas etapas, os processos seguintes foram à elaboração da versão final do plano e, finalmente, no Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas em 2009, divulgaram-no para o público em geral (FUNATURA, 2008). O trabalho dos GTs que “contaram com a participação da comunidade” foi fundamental na elaboração do Plano DTBC, sobretudo, porque o conhecimento técnico estava aliado ao conhecimento das comunidades sobre as características da biorregião (SARAIVA 2008, p. 87). A importância dos GTs não se resume a parte prática, a elaboração do Plano DTBC, mas, sobretudo, por envolver e permitir a efetiva participação das comunidades biorregionais em todas as etapas do trabalho. 4262 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Enquanto trabalho feito a muitas mãos, os GTs deram a complexidade e profundidade necessária ao Plano DTBC. Neste sentido, quando analisamos o eixo extrativismo vegetal sustentável (resultado do trabalho de um GT com o mesmo nome) fica em evidência a compreensão da multiplicidade de usos possíveis do “Cerrado para a alimentação, indústria de cosméticos, geração de energia limpa e fins medicinais” (SARAIVA, 2008, p. 87). Subjaz a este eixo a ideia do grande potencial de desenvolvimento com a conservação do Cerrado, potencial que pode ser explorado de maneira sustentável por meio das práticas extrativistas. Além da importância biológica, quando se propõem o aproveitamento dos serviços ambientais do Cerrado, propõem-se também a valorização de elementos culturais típicos da biorregião. Isto porque estas atividades fazem parte das gramáticas sociais das comunidades biorregionais, como bem reconhece um dos relatórios da Funatura, quando observa que “praticar o aproveitamento de produtos do cerrado (...) não é algo tão distante da prática das populações do território do mosaico” (FUNATURA, 2008, p. 14). Dado o êxitos das atividades de desenvolvimento, o interesse dos grupos envolvidos aumentam, conforme o Jornal do Mosaico, sobretudo no que tange aquelas atividades de “desenvolvimento regional sustentável a partir de projetos com frutos e plantas medicinais”. Entre os êxitos “estão à troca de informações a partir das experiências adquiridas com os encontros, o aumento do número de proprietários interessados na criação e implementação de reservas particulares” (JORNAL DO MOSAICO, 2010, p. 4). Os resultados aumentam ao longo do tempo, conforme indica reportagem do Jornal do Mosaico “um dos aspectos positivos da iniciativa é o fortalecimento das parcerias e a oportunidade de negócios para os pequenos produtores rurais e artesãos, que utilizam as flores e os frutos da região na elaboração de seus produtos, o que demonstra o verdadeiro valor do „Cerrado em pé”. Este processo favorece a economia local, a preservação dos recursos naturais e a geração de renda (JORNAL DO MOSAICO, 2010, p. 5). Além do extrativismo, o Plano DTBC propõem outras atividades ligadas à conservação e ao uso sustentável, sobretudo, aquelas ligadas ao turismo ecocultural (resultante também da atuação de GT). A aposta no ecoturismo dá-se, sobretudo, porque este remete aos elementos da natureza e também cultura em sua formação. 4263 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Com isto, busca-se “atrair turistas interessados em comprar os serviços que permitam contemplar, conviver e usufruir, aprender e intercambiar com os patrimônios culturais e naturais” da biorregião do MSVP (FUNATURA, 2008, p. 31). Quando se pensou a estratégia do turismo ecocultural como mecanismo de desenvolvimento de base conservacionista para o biorregião do MSVP, três grandes questões foram colocadas em análise. A primeira delas refere-se a “compartilhar a presença da biodiversidade – considerando que esta é um direito de todos”. A segunda questão tange a “valorização da sociodiversidade”, sobretudo porque adotaram o “entendimento de que a diversidade biológica é indissociável da diversidade cultural”, valorizá-los é, sem sombra de dúvida, um modo de promover o desenvolvimento de base conservacionista. A terceira questão remete a necessidade de “desenvolvimento sustentável em contexto regional” que deve respeitar as particularidades locais, agregar benefícios “às formas sociais dos sujeitos envolvidos”. Para nós, o eixo do ecoturismo encarna alguns princípios fundamentais do planejamento biorregional, a capacidade das biorregiões, enquanto agentes ativos, de promover o seu próprio desenvolvimento. Isto fica em evidência quando o Plano DTBC coloca as razões pelas quais o ecoturismo é uma estratégia de desenvolvimento. Dada à diversidade paisagística, histórica e biológica da biorregião, como por exemplo, o complexo de Cavernas do Peruaçu, as trilhas do Grande Sertão, o turista teria a oportunidade “de conhecer um processo humano singular, o sertanejo, incluindo biomas singulares (...) - Cerrado e a Caatinga, perpassando atrativos turísticos, naturais e culturais” (FUNATURA, 2008, p. 31). A rigor, o Plano DTBC reconhece todos estes elementos como potencialidades, “porém esses não se constituem ainda tecnicamente, ainda, em atrativos turísticos, porque há ausência quase total de equipamentos e serviços” que permitam o pleno desenvolvimento do ecoturismo. Para esta potencialidade tornarse efetiva, é necessária a construção de roteiros turísticos (os Circuitos Turísticos Regionais) para a biorregião do MSVP, além da necessária infraestrutura. Apesar disso, conforme a proposta de reconhecimento da Estrada-Parque Guimarães Rosa, “um dos meios para o desenvolvimento econômico na região está vinculado ao turismo ecocultural, não como uma solução imediata, mas somado a outras iniciativas, que indiquem um caminho norteado por ações propostas em bases 4264 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO sustentáveis para a melhoria da qualidade de vida das comunidades”. (FUNATURA, 2012, p. 22). Todos estes processos de desenvolvimento passam por um conjunto de atividades que pensam a biorregião como uma totalidade. Nesse sentido, “os processos das relações humanas, políticas e administrativas devem estar relacionados à garantia da manutenção das unidades de conservação e dos demais ambientes naturais, à proteção da diversidade da flora e da fauna e de todos os aspectos culturais existentes” (FUNATURA, 2012, p. 22). Notamos com isto que o Plano DTBC demanda a capacidade de inovação, ao sugerir novos mecanismos de desenvolvimento, além disso, demanda a capacidade de solucionar problemas sociais, físicos, econômicos e ambientais. E como tal, ele coloca a necessidade da capacidade de negociação, mediação e construção de compromissos entre os diferentes sujeitos. Para nós, estas características dotam o Plano DTBC de estratégias típicas do planejamento e gestão biorregional. CONSIDERAÇÕES Neste trabalho defendemos a ideia que o Plano DTBC do MSVP representa uma estratégia de planejamento biorregional. Planejamento biorregional tem por característica a capacidade de negociação, inovação e de mediação, além de ser eminentemente construído com a participação das comunidades biorregionais. Neste planejamento, os aspectos sociais, históricos e culturais são pensados em sua indissociabilidade como aqueles de ordem ecológica. Além disso, demonstramos que a proposta dos mosaicos, em geral, e do MSVP mais especificamente, é um instrumento de mediação de políticas de desenvolvimento, e visa romper com ideia de que a conservação da natureza atua como antítese às políticas de desenvolvimento. Com o MSVP, parte-se do princípio de que conservar a natureza pode-se tornar uma atividade que melhora as condições de vida e gera renda para as comunidades locais. Mas, para isto, é preciso encontrar mecanismo de equilíbrio entre conservação e desenvolvimento. Em outras palavras, o Plano DTBC do MSVP visa encontrar alternativas de manejo aplicáveis à conservação da natureza associada à produção de bens e serviços para as comunidades locais. 4265 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Referências BRASIL. Sistema Nacional De Unidades de Conservação da Natureza-SNUC. Lei 9985 de 18 de ulho de 2000; Decreto nº 4340 de 22 de agosto de 2002. Ed. Aumentada. 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