Qualidade do leitei armazenado em tanques de refrigeração

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QUALIDADE DO LEITE ARMAZENADO EM TANQUES DE REFIGERAÇÃO
COMUNITÁRIOS
1
Maria Aparecida Vasconcelos Paiva Brito
2
José Alberto Bastos Portugal
3
Fábio Homero Diniz
4
Paulo Carvalho Fonseca
5
Fabíola Fonseca Angelo
6
Márcia Aparecida Crivelari Porto
A Instrução Normativa 51, de 18/09/2002, do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, que trata dos regulamentos técnicos para a produção, identidade e
qualidade do leite, estabelece novos requerimentos para o leite cru. Estes incluem a
determinação dos teores de proteína, contagem de células somáticas, contagem total de
bactérias e detecção de resíduos de antibióticos. Além destes requerimentos relacionados à
qualidade higiênica e de composição da matéria-prima, será também exigida a refrigeração
do leite e coleta em caminhões com tanques isotérmicos (coleta a granel).
No Brasil, o sistema de refrigeração do leite na fazenda e coleta a granel iniciou-se,
de forma incipiente, em 1996, como uma alternativa da indústria e exigência do mercado
consumidor para produtos de melhor qualidade. Atualmente, a granelização é uma realidade
que atinge grande parte da produção brasileira. Uma questão que tem sido levantada desde
o início deste processo é relacionada ao impacto econômico que este sistema representaria
a médio prazo para o pequeno produtor de leite. Produtores com menos de 50 litros de
leite/dia não produzem em escala suficiente que remunere os investimentos necessários à
aquisição do tanque de refrigeração.
A organização dos pequenos produtores em grupos ou associações que utilizam o
tanque de refrigeração em conjunto foi a forma encontrada para reduzir custos, ganharem
em escala e viabilizar a coleta a granel. Associações com esta finalidade têm sido
estabelecidas e estão sendo apoiadas por órgãos oficiais como Prefeituras Municipais,
Emater e instituições privadas.
Na Zona da Mata do Estado de Minas Gerais, o programa da Emater para pequenos
produtores contava, no final de 2002, com 196 Associações, com aproximadamente 4.000
produtores participantes. Informações retrospectivas dos anos 1999 e 2001 são
apresentadas na Tabela 1. Associações semelhantes têm sido propostas em outros estados
brasileiros e a utilização de tanques coletivos tem sido empregada também em outros
países.
Tabela 1. Evolução da utilização de tanques de refrigeração do leite de forma comunitária
por pequenos produtores da Zona da Mata de Minas Gerais. Tanques estabelecidos sob a
orientação da Emater-MG.
Número de associações ou grupos de produtores
Número de produtores
Numero de tanques
Volume de leite (x 1.000 litros/48 horas)
1999
2001
2002
126
1.500
104
204
170
3.561
287
436
192
4.080
365
531
Fonte: Escritório Regional da Emater de Juiz de Fora, MG.
1
Pesquisadora, Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610, Bairro Dom Bosco, Juiz de Fora, MG. E-mail:
[email protected].
2, 6
Professores do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, EPAMIG/CT/ILCT, Juiz de Fora, MG.
3
Técnico de Nível Superior, Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora MG
4
Diretor Regional da EMATER MG, Juiz de Fora MG
5
Bolsista de Aperfeiçoamento da FAPEMIG, CAG 70266/01, Laboratório de Microbiologia do Leite, Embrapa Gado de Leite,
Juiz de Fora MG.
Uma vez que o uso de tanques coletivos tem sido amplamente difundido, atendendo
ao requisito de refrigeração, é importante conhecer a qualidade higiênica do leite
armazenado nestas condições. Considerando que é reunida a matéria-prima de diversos
produtores, a qualidade microbiológica é fundamental, pois é determinada por fatores
individuais de higiene, manejo e procedimentos de ordenha, que variam entre os diversos
associados. Neste artigo serão comentados os fatores que influenciam a qualidade
microbiológica do leite e serão abordados alguns resultados do projeto de pesquisa que está
sendo realizado na Embrapa Gado de Leite em parceria com a Emater-MG e a Epamig-ILCT
para avaliar a qualidade do leite de tanques comunitários.
Requerimentos da qualidade microbiológica
A avaliação da qualidade microbiológica é um parâmetro importante para a
determinação da qualidade do leite cru, pois indica as condições de higiene em que o leite
foi obtido e armazenado, desde o processo de ordenha até o consumo. É um requerimento
adotado em diversos países e usado para bonificação em programas de pagamento pela
qualidade.
O teste tradicionalmente utilizado com essa finalidade é a contagem padrão em
placas ou contagem total de microrganismos aeróbios. O resultado é dado em número de
bactérias ou unidades formadoras de colônias (ufc) por mililitro (ml). Neste teste, as
amostras de leite são colocadas em placas de vidro (placas de Petri) e misturadas com o
meio de cultura em estado líquido. As placas são, então, incubadas na temperatura de 30 ±
1 oC (IDF 100B:1991), durante 72 horas. Após este período as colônias visíveis são
contadas e calcula-se o número de ufc por ml de leite.
Em diversos países existem limites legais para a contagem total de microrganismos
do leite e são fornecidos incentivos aos produtores para redução dos limites estabelecidos.
Os valores máximos aceitos para o leite cru pela União Européia e nos EUA é menor ou
igual a 100.000 ufc/ml. No Brasil, a Instrução Normativa 51 estabelece um máximo de
1.000.000 ufc/ml para o leite cru resfriado a partir de 01/07/2005 para as Regiões Sul,
Sudeste e Centro-Oeste. Este valor deverá reduzir gradualmente a cada três anos, de modo
que em 2011 a contagem total de bactérias deverá ser de 100.000 ufc/ml para produtores
individuais e 300.000 ufc/ml para o leite de conjunto.
Origem da contaminação microbiana do leite cru
Em condições normais o leite é estéril ao ser sintetizado e secretado nos alvéolos do
úbere. Ao ser retirado, manuseado e estocado na fazenda, pode se contaminar com
microrganismos originários do ambiente, do interior da glândula mamária, da superfície das
tetas e do úbere, de utensílios, e de equipamentos de ordenha e de armazenamento. Esta
contaminação pode atingir números elevados, da ordem de milhões de bactérias por ml, o
que prejudica a qualidade do leite, interfere na industrialização e reduz o tempo de prateleira
do leite fluido e dos derivados lácteos.
Os principais microrganismos que contaminam o leite são as bactérias. Os vírus,
fungos e leveduras têm participação reduzida, embora sejam importantes em determinadas
situações.
As bactérias que contaminam o leite podem ser divididas em três grupos principais:
mesófilas, que se multiplicam bem na faixa de temperatura de 20 a 40 oC, termodúricas, que
sobrevivem à pasteurização (30 minutos a 63 oC ou 15 segundos a 72 oC) e psicrotróficas,
que se multiplicam em temperaturas baixas (7 oC ou menos). O grau de contaminação e a
composição da população bacteriana dependerá da limpeza do ambiente das vacas e das
superfícies que entram em contato com o leite, por exemplo, baldes, latões, equipamento de
ordenha e do tanque de refrigeração. O leite cru pode conter poucos milhares de bactérias
quando é proveniente de uma ordenha com boas condições de higiene, mas pode chegar a
vários milhões se o padrão de limpeza, desinfecção e refrigeração são inadequados.
A identificação dos grupos de microrganismos contaminantes do leite cru ajuda a
identificar problemas de higiene na produção primária e direcionar ações para seu controle.
Na Tabela 2 é apresentado o que eles indicam com respeito às deficiências de higiene e
onde se devem concentrar esforços para melhorá-la.
Tabela 2. Interpretação das análises microbiológicas do leite total do rebanho para identificar
as possíveis fontes de contaminação do leite cru na fazenda.
Grupos de bactérias
Psicrotróficos
Fonte
-
Controle
Deficiências na higiene da ordenha;
Refrigeração inadequada do leite;
Água contaminada.
-
Termodúricos
-
-
Deficiências
crônicas
persistentes
na
limpeza
equipamentos de ordenha;
Tetas com sujeiras do solo.
ou dos -
-
Coliformes
-
Contaminação da cama e tetas com fezes;
Água contaminada.
-
Ordenhar tetos limpos e secos;
Fazer a desinfecção dos tetos antes
da ordenha;
o
Manter o leite refrigerado a 4 C ou
ligeiramente menos. O leite deve
alcançar esta temperatura em até três
horas após a ordenha.
Fazer análise microbiológica da água
e realizar o tratamento, se necessário;
Fazer regularmente a limpeza das
caixas d′água.
Ordenhar tetos limpos e secos;
Fazer a desinfecção dos tetos antes
da ordenha;
Rever a prática de limpeza dos
equipamentos de ordenha, tanque de
refrigeração e utensílios.
Trocar regularmente os componentes
de borracha dos equipamentos de
ordenha.
Ordenhar tetos limpos e secos;
Fazer a desinfecção dos tetos antes
da ordenha;
Fazer análise microbiológica da água
e realizar o tratamento, se necessário;
Fazer regularmente a limpeza das
caixas d′água.
Bactérias mesófilas
Multiplicam-se rapidamente quando o leite não é armazenado sob refrigeração.
Nestas condições, bactérias dos grupos dos lactobacilos, estreptococos, lactococos e
coliformes podem se multiplicar rapidamente no leite, principalmente nos meses mais
quentes do ano. Elas fermentam a lactose produzindo ácido láctico e outros ácidos
orgânicos, o que causa acidez do leite. As condições que favorecem o desenvolvimento da
acidez são a falta de higiene no manuseio do leite, principalmente o uso de utensílios que
não estão adequadamente limpos, e o não-resfriamento ou o resfriamento inadequado.
Bactérias termodúricas
As bactérias termodúricas resistem à pasteurização porque suportam temperaturas
mais altas (menos de 100 oC) ou produzem esporos, que são formas de resistência contra
condições adversas. Exemplos de gêneros com espécies esporuladas são: Clostridium e
Bacillus. Os esporos são inertes, não apresentam atividade metabólica e não se multiplicam,
podendo sobreviver durante anos no ambiente. São extremamente resistentes ao calor
necessitando-se, em geral, de 20 minutos a 120 oC para poder inativá-los com 100% de
certeza.
Alta contagem de bactérias termodúricas é freqüentemente associada com
deficiências crônicas ou persistentes na limpeza dos equipamentos de ordenha ou com
ordenha de tetas sujas de lama ou outras sujeiras do solo. Indica também possibilidade de
rachadura nos componentes de borracha ou presença de depósitos chamados de pedras de
leite nas tubulações dos equipamentos de ordenha. Como sobrevivem à pasteurização,
podem causar problemas no tempo de prateleira do leite, principalmente se as bactérias
termodúricas forem também psicrotróficas.
Bactérias psicrotróficas
Bactérias psicrotróficas pertencem a diversos gêneros que podem se multiplicar em
temperaturas baixas, mas a sua temperatura ótima de crescimento pode variar. Muitas são
mesófilas e crescem mais lentamente a temperaturas mais baixas.
Devido à coleta a granel e armazenamento nas indústrias, o leite, às vezes, é
processado somente alguns dias depois da ordenha. O período de estocagem, sob
refrigeração, leva ao aumento no número dos microrganismos psicrotróficos. Números
elevados (da ordem de um milhão por ml) causarão defeitos no leite e têm se constituído em
um dos principais contaminantes em países onde a prática de refrigeração do leite na
fazenda e/ou coleta a granel já estão instaladas.
A maioria dos microrganismos psicrotróficos é eliminada pela pasteurização.
Entretanto, eles produzem e secretam enzimas que degradam as proteínas (proteases) e
lipídios (lipases) do leite. Essas enzimas são resistentes ao calor, não sendo inativadas pela
pasteurização ou pelo processo UHT (Ultra Alta Temperatura, 140-145 oC, 2-4 segundos).
As enzimas são as principais responsáveis pelas alterações no rendimento, textura, sabor e
odor do leite e produtos lácteos.
Os principais gêneros de bactérias psicrotróficas que contaminam o leite são nãopatogênicos, como, por exemplo, Pseudomonas, Aeromonas, Chromobacterium,
Flavobacterium, Lactobacillus, Arthrobacter. Entretanto, Listeria monocytogenes, Yersinia
enterocolitica e Bacillus cereus são bactérias psicrotróficas associadas com intoxicações
alimentares após consumo de leite ou produtos lácteos.
Altas contagens de microrganismos psicrotróficos estão associadas a deficiências na
higiene da ordenha, falhas na limpeza e sanitização do tanque e equipamento de ordenha
ou refrigeração inadequada do leite (resfriamento à temperatura entre 5 e 15°C), ou quando
o tempo de estocagem do leite refrigerado é demasiadamente longo. Quando as condições
de higiene da produção de leite são boas, a contagem de bactérias psicrotróficas é baixa,
mas se as condições são ruins estas podem corresponder a 75% ou mais do total da
população bacteriana.
Efeitos da contaminação microbiana na qualidade do leite
O nível de contaminação e o tipo de bactéria contaminante determinará a extensão e
as características da deterioração do leite fluido ou produtos lácteos.
Patógenos da mastite interferem com a qualidade do leite porque invadem os tecidos
e alteram os processos de síntese do leite no interior da glândula mamária. Isso resulta em
redução da produção e alterações na composição do leite. O leite de vaca com mastite
apresenta teores de lactose, caseína, gordura, cálcio e fósforo menores que o leite normal.
Ao mesmo tempo aumentam, de forma indesejável, os teores de cloreto, sódio, o potencial
de rancificação e o número de leucócitos (células somáticas).
Bactérias psicrotróficas causam diversas alterações no sabor e odor do leite e
produtos lácteos. Estes têm sido descritos como rançoso, amargo, pútrido, ou com sabor de
estragado. O sabor amargo está geralmente associado à proteólise (degradação das
proteínas). As alterações são mais perceptíveis quando o número de bactérias psicrotróficas
alcançam 106 a 108 ufc/ml. Um defeito que pode ocorrer no leite fluido é a gelificação, em
que há um aumento da viscosidade. O aparecimento de sabor amargo e gelificação pode
ocorrer no leite UHT devido à ação das proteases resistentes ao calor, em razão do período
prolongado de estocagem a temperaturas mais elevadas.
Alterações no creme e na manteiga incluem sabor amargo, rancificação e presença
de odores e sabores estranhos (de peixe, frutoso, de mofado) devido à ação das lipases. A
presença de lipases pode também causar aumento no tempo de bateção e causar
problemas de separação no processo de fabricação da manteiga.
Na fabricação de queijos, microrganismos psicrotróficos podem competir com as
culturas láticas, retardando o tempo de coagulação e reduzindo o rendimento industrial. A
proteólise pode levar a alterações na textura e causar sabores e odores desagradáveis.
Bactérias do grupo dos coliformes utilizam a lactose com forte produção de gás e
podem causar estufamento nos estágios iniciais de fermentação dos queijos. Outro grupo
que causa problema na produção de queijo são as bactérias butíricas. Estas podem
contaminar o leite por meio de alimento, silagem ou solo. Produzem esporos que não são
destruídos pela pasteurização. Elas fermentam o lactato, que é o produto da fermentação
lática, produzindo grande quantidade de gás e ácido butírico. O queijo adquire um sabor
rançoso adocicado e uma textura desigual e “rendada”.
Controle da contaminação bacteriana do leite cru
Um aspecto básico para preservação do leite é a refrigeração a 4 oC, para impedir ou
retardar o metabolismo e a multiplicação de microrganismos. Se o leite não é refrigerado
rapidamente após a ordenha, a população bacteriana poderá aumentar, atingindo números
elevados levando à deterioração. Portanto, a refrigeração do leite é essencial para manter
tanto as características nutricionais do produto, como para permitir o processamento
industrial adequado.
Enquanto a refrigeração é importante para garantir a conservação e conter a
multiplicação bacteriana, se o leite é produzido em condições de pouca higiene, adquirindo
uma carga microbiana elevada, mesmo em condições de resfriamento adequado poderá
haver problemas de deterioração.
Diversos cuidados devem ser tomados para reduzir a contaminação microbiana do
leite na fazenda, grande parte destes são relacionados à ordenha. A limpeza do local da
ordenha, lavagem e sanitização dos utensílios que entram em contato com o leite são
importantes para reduzir a exposição aos microrganismos do ambiente. Bactérias mais
resistentes e/ou termodúricas podem persistir em superfícies com irregularidades ou partes
de borracha dos equipamentos de ordenha que apresentam fissuras. Os equipamentos de
ordenha devem ser lavados e sanitizados de acordo com as recomendações do fabricante,
empregando detergentes próprios para esta finalidade.
Para manter altos padrões de higiene, é necessário reduzir ao máximo a
contaminação bacteriana da superfície das tetas. Para isso é importante ordenhar tetas
limpas e secas. A eliminação dos primeiros jatos de leite numa caneca telada ou de fundo
escuro também contribui para reduzir a contaminação bacteriana do leite do tanque. Este
procedimento permite ainda detectar a presença de grumos no leite, o que significa que a
glândula mamária apresenta mastite clínica, podendo eliminar grande número de
microrganismos. Vacas com mastite clínica requerem atenção especial e o leite não deve
ser misturado ao do conjunto do rebanho.
O ambiente em que as vacas permanecem deve ser limpo, seco e ventilado. Quanto
mais limpo estiver o ambiente, menor será a chance de microrganismos contaminarem o
leite. Isso inclui a sala de ordenha, curral de espera, pátio e as vias de passagens das
vacas. Vacas cobertas de sujeira poderão contaminar o ambiente, o ordenhador e o leite.
Ao final da ordenha é importante realizar a desinfecção das tetas com um
desinfetante efetivo. Esse processo é importante para prevenir a mastite e, portanto, a
contaminação pelos agentes da mastite.
O leite deve ser filtrado antes de ser reunido no tanque ou latões, usando-se filtros
de aço inoxidável, que devem estar sempre limpos e sanitizados. Os utensílios usados para
coleta de amostras, a régua para medir o volume e a tubulação do caminhão de coleta de
conexão com o tanque da fazenda devem ser protegidos da contaminação microbiana, isto
é, de moscas, contato com superfícies sujas e solo.
Um suprimento de água limpa para a lavagem dos utensílios (baldes, latões, tanque
de refrigeração e equipamentos de ordenha), tetas das vacas e mãos do ordenhador, é
essencial. Quando a qualidade microbiológica da água não é satisfatória, é necessário fazer
tratamento com cloro. Água com qualidade microbiológica não-satisfatória tem sido indicada
como um fator que pode influenciar tanto a qualidade microbiológica quanto a contagem de
células somáticas do leite e pode ser uma fonte de microrganismos psicrotróficos. A
qualidade química da água também tem importância. A dureza afetará a ação dos
detergentes empregados para limpeza, necessitando da escolha de detergentes
apropriados.
Cuidados especiais na ordenha manual
Na ordenha manual, o ordenhador tem papel destacado, porque tanto ele pode
reduzir a contaminação microbiana do leite, quanto pode aumentá-la. A contaminação
levada pelo ordenhador é influenciada pelos seus hábitos pessoais. Ele deve ser limpo,
asseado e deve compreender a importância da higiene quando se lida com alimento
destinado ao consumo humano. Antes de iniciar a ordenha, é necessário lavar as mãos e
repetir essa operação sempre que sujá-las novamente. As roupas usadas devem ser limpas,
assim como o banquinho usado na ordenha e a corda usada para conter os animais. Se
essas precauções não são observadas, as mãos podem se contaminar todas as vezes que
tocarem nestes objetos. A ordenha nunca deve ser feita com as mãos úmidas, porque
líquido com sujeira e bactérias pode cair no leite. Deve-se evitar tossir, espirrar ou falar
sobre o leite.
Todos recipientes usados para colocar o leite devem ser bem lavados e mantidos
secos no intervalo das ordenhas. Deve-se preferir baldes com cobertura parcial na parte
superior para a ordenha. A redução da quantidade de bactérias no leite devido ao uso de
baldes com cobertura parcial superior é variável e depende das condições de limpeza das
vacas e do ambiente. Entretanto, sempre há redução no número de microrganismos no leite
quando o balde é coberto lateralmente, como pode ser observado dos dados apresentados
na Tabela 3.
O local da ordenha deve ser coberto. A ordenha de vacas expostas à chuva terá alta
contagem bacteriana, se a água escorrer pelo corpo do animal e cair respingos no leite
ordenhado.
Uma importante fonte de contaminação microbiana do leite é a superfície externa do
úbere. Sujeiras como partículas de esterco e pêlos podem cair facilmente no leite devido ao
movimento do úbere durante a ordenha manual. Para impedir que sujeiras caiam no leite, é
importante que os animais sejam mantidos limpos.
Tabela 3. Influência do balde com cobertura superior lateral e sem cobertura superior na
qualidade microbiológica do leite ordenhado manualmente, sob várias condições de higiene.
Condições de produção
Balde sem cobertura (aberto)
Contagem
bacteriana ufc/ml
498.000
Número
de
amostras
28
36
154.00
36
114.000
36
23.000
36
17.000
41
86.000
41
24.000
Vacas e ambiente sujos, esterco raspado
duas vezes por semana, tetas lavadas e
secas antes da ordenha, utensílios estéreis
18
6.200
23
2.900
Vacas e ambiente limpos, tetas lavadas e
secas antes da ordenha, utensílios estéreis
15
4.900
15
2.700
Vacas e ambiente sujos, esterco raspado
uma vez por semana, utensílios nãoestéreis
Vacas e ambiente sujos, esterco raspado
uma vez por semana, utensílios estéreis
Número de
amostras
Contagem
bacteriana ufc/ml
26
Balde com cobertura lateral
370.000
Avaliação da qualidade do leite de tanques comunitários
Durante o período de um ano foram analisadas amostras mensais do leite de 22
tanques de refrigeração comunitários para avaliação da qualidade microbiológica, físicoquímica, da composição e contagem de células somáticas. Os tanques pertencem a 14
associações de produtores, organizadas sob a orientação da Emater MG, localizadas nos
Municípios de Mercês, Silveirânia, Paiva, Guarani, Rio Novo, Goianá e Santos Dumont. Na
Tabela 4 são apresentadas informações sobre número de produtores e volume de leite
produzido das associações.
Este estudo está ainda em andamento, e tem por objetivo obter informações sobre a
qualidade do leite de tanques comunitários, verificar se o leite armazenado nessas
condições atenderia aos requisitos da Instrução Normativa 51 e propor recomendações
sobre a ordenha e cuidados com o leite para produtores que participam desse processo.
Posteriormente serão avaliadas amostras de leite de produtores individuais para identificar
problemas e relacioná-los às possíveis causas de contaminação microbiana do leite do
conjunto.
Análises físico-químicas e da composição
Foram realizadas as seguintes análises físico-químicas: estabilidade ao alizarol a 72o
GL, densidade relativa a 15 oC, acidez titulável e índice crioscópico. As análises da
composição foram a determinação dos teores de gordura, lactose e proteína.
No período de 12 meses, 45 de 335 amostras de leite (13,4%) apresentaram
alteração no teste de estabilidade ao alizarol; uma amostra apresentou densidade relativa a
15 oC fora da faixa de 1,028 a 1,034 g/100 ml; 48 de 335 amostras (14,3%) apresentaram
acidez titulável fora da faixa de 0,14 a 0,18 e 15 de 329, (4,6%) apresentavam alteração no
índice crioscópico.
Todas amostras analisadas apresentaram teores de gordura acima de 3,0 g/100g e
seis amostras (1,8%) apresentaram teores de proteína abaixo de 2,9 g/100g.
Tabela 4. Associações de Produtores participantes do projeto, localização, número de
produtores por associação, capacidade do tanque de refrigeração e volume de leite
produzido por dia.
Municípios
Goianá
Guarani
Mercês
Paiva
Rio Novo
Associações de Produtores
No.
produtores
Associação de Pequenos Produtores de Goianá
Associação de Produtores
Associação Pró-leite de Mercês
Associação dos Produtores Rurais de Mercês
Copromel
Associação
Bonifácio
Pró-melhoramento
da
Comunidade
José
Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Rio Novo
Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Mato Negro
Santos Dumont Associação de Produtores Rurais Conceição do Formoso
São João da Serra
Patrimônio da Serra
Samambaia
Margaridas
Silveirânia
Associação dos Produtores Rurais de Silveirânia (Bocaina,
Sítio Paraíso, Sítio São Pedro, Sítio São José, Sítio Tijuco)
TOTAL
Fonte: Escritórios Locais da Emater MG, período de julho, 2003.
12
23
16
19
19
17
29
29
29
Volume
(julho/2003)
litros/dia
420
1.700
1.100
1.100
1.100
900
1.500
1.500
1.500
15
1.800
12
38
1.600
1.700
08
09
23
12
14
14
29
23
18
408
450
400
650
400
1.220
1.348
1.846
1.575
1.052
24.861
Análises microbiológicas
As análises microbiológicas realizadas foram: contagem total de bactérias, contagem
de bactérias psicrotróficas, de bactérias termodúricas e de coliformes totais. Somente 69
amostras de um total de 345 (20%) apresentaram contagens abaixo de 1.000.000 ufc/ml.
Esse resultado mostra que é necessária a redução desse valor para estar de acordo com as
novas exigências estabelecidas na Instrução Normativa 51 do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento. O log das médias geométricas das contagens para os diferentes
meses do anos é apresentado na Figura 1. Em oito dos 22 tanques a contagem total de
bactérias nos meses de junho a setembro foi inferior a dos outros meses do ano. Na Figura
1 pode-se observar essa tendência na curva traçada sobre o log das médias geométricas
das contagens mensais.
Contagem total
de bactérias (log10)
Figura 1 - Variação da contagem total de bactérias
(log10) em amostras de leite de tanques comunitários
de acordo com os meses do ano
6,9
6,9
6,8
6,8
6,7
6,7
6,6
6,6
6,5
6,5
6,4
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
Meses
Tabela 5. Contagens totais de bactérias (contagem padrão), contagem de bactérias psicrotróficas,
coliformes totais, bactérias termodúricas e da contagem de células somáticas (CCS) do leite do
tanque, que apresentou a melhor qualidade microbiológica (janeiro a dezembro de 2002).
Meses
Jan.
Contagem padrão
ufc/ml
380.000
Psicrotróficas
ufc/ml
78.000
Coliformes
totais ufc/ml
≤ 600
Termodúricas
ufc/ ml
1.100
Fev.
300.000
34.000
≤ 200
Abr.
≤140.000
12.000.000
≤ 200
4.600
≤190
280
448.000
34.000
630
514.000
Maio
620.000
110.000
≤ 9.500
720
490.000
130.000
30.000
≤ 650
300
465.000
≤ 450
ausente
300
498.000
Mar.
Jun.
Jul.
Ago.
420.000
2.200.000
64.000
≤ 220.000
740.000
30.000
Set.
140.000
≤ 900
Out.
190.000
30.000
≤ 100
Nov.
630.000
180.000
Dez.
5.000.000
1.100.000
Média
≤ 400
50.000
CCS/ml
1
408.000
≤20
439.000
≤2.000
36.000
523.000
8.700
458.000
1.000
584.000
511.000
540.000
95.000
840
700
500.000
2
(320.000)
1
2
Contagem de células somáticas. Média geométrica das contagens mensais, excluindo as contagens dos
meses de abril e dezembro de 2002, onde se observaram picos de elevação.
As contagens de bactérias psicrotróficas, termodúricas e de coliformes totais
indicaram deficiências na higiene da ordenha, possivelmente associadas a sujeira de tetas e
do ambiente dos animais e a má qualidade da água.
Apesar das altas contagens bacterianas totais observadas, em um dos tanques estas
foram inferiores a 1.000.000 ufc/ml em dez dos doze meses analisados (média geométrica
de 320.000 ufc/ml nos dez meses), indicando que é possível se obter leite com baixa
contagem bacteriana de tanques comunitários. Esses resultados são mostrados na Tabela
5. Nesse caso, essa Associação foi organizada, desde o início com a preocupação com a
qualidade do leite, sendo firmados uma série de compromissos entre os produtores para se
obter o leite com maior atenção à higiene e a entrega imediata do leite no tanque após a
ordenha.
A localização dos tanques comunitários próximos dos produtores é um fator que
contribui para a rápida entrega do leite e ajuda controlar a multiplicação microbiana no leite,
principalmente nos meses mais quentes. Alguns tanques são localizados na sede do
município, ficando distantes de diversas propriedades. Os produtores necessitam da entrega
do leite a caminhões transportadores em um ponto comum, o que cria mais um passo no
transporte e pode estar sujeito a atrasos.
Para que haja redução na contagem total de bactérias e atender às novas exigências
da legislação, há necessidade de maior atenção à higiene da ordenha, lavagem e limpeza
dos utensílios. A ordenha manual, praticada pelos produtores oferece mais risco de
contaminação microbiana do leite. É portanto, necessário mais esforço dos produtores e
cuidados na limpeza e higiene da ordenha para a redução dessas contagens.
Referências
BRITO, M.A.V.P. Qualidade do leite a partir de detalhes. Balde Branco, Outubro, p. 66-74,
2001.
DASSIE, C. Tanques comunitários. A força dos pequenos produtores. Balde Branco, ano
XXXVI, n. 427, maio, p.44-50, 2000.
ENRIGUE, L.H. Enfriamiento y comercialización de leche fresca por pequeños productores.
Panamerican Congress on mastitis control and milk quality, Merida: March 23-27, 1998:
Proceedings, p. 267-270.
KODIKARA, C.P. The effect of storage temperature on bacterial and keeping quality of milk.
Sri Lanka Veterinary Journal, v.35, n.1-2, p.19-24, 1987.
SANNABHADTI, S.S. Hygienic aspects of milk production. In: International Dairy Federation
Workshop on Small Scale Dairy Processing and Indigenous Milk Products. International
Dairy Federation, Anand, Dezembro, 4 a 6, 1997. p. 100-110
SANTOS, J.A. Em busca de viabilizar a pequena produção familiar. Indústria de laticínios,
ano 4, n.22, Jul/Ago, p. 20-24, 1999.
Artigo publicado no livro: Alternativas tecnológicas, processuais e de políticas
públicas para a produção de leite em bases sustentáveis.
Referência:
BRITO, M.A.V.P.; PORTUGAL, J.A.B.; DINIZ, F.H.; FONSECA, P.C.; ANGELO, F.F.;
PORTO, M.A.C. Qualidade do leite armazenado em tanques de refrigeração comunitários.
In: MARTINS, C.E.; FONSECA, P.C.; BERNARDO, W.F.; CÓSER, A.C.; FRANCO, P.R.V.;
PORTUGAL, J.A.B.; CARVALHO, F.S. (Eds.). Alternativas tecnológicas, processuais e
de políticas públicas para produção de leite em bases sustentáveis. Juiz de Fora:
Embrapa Gado de Leite, 2003. p. 21-43.
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