QUALIDADE DO LEITE ARMAZENADO EM TANQUES DE REFIGERAÇÃO COMUNITÁRIOS 1 Maria Aparecida Vasconcelos Paiva Brito 2 José Alberto Bastos Portugal 3 Fábio Homero Diniz 4 Paulo Carvalho Fonseca 5 Fabíola Fonseca Angelo 6 Márcia Aparecida Crivelari Porto A Instrução Normativa 51, de 18/09/2002, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que trata dos regulamentos técnicos para a produção, identidade e qualidade do leite, estabelece novos requerimentos para o leite cru. Estes incluem a determinação dos teores de proteína, contagem de células somáticas, contagem total de bactérias e detecção de resíduos de antibióticos. Além destes requerimentos relacionados à qualidade higiênica e de composição da matéria-prima, será também exigida a refrigeração do leite e coleta em caminhões com tanques isotérmicos (coleta a granel). No Brasil, o sistema de refrigeração do leite na fazenda e coleta a granel iniciou-se, de forma incipiente, em 1996, como uma alternativa da indústria e exigência do mercado consumidor para produtos de melhor qualidade. Atualmente, a granelização é uma realidade que atinge grande parte da produção brasileira. Uma questão que tem sido levantada desde o início deste processo é relacionada ao impacto econômico que este sistema representaria a médio prazo para o pequeno produtor de leite. Produtores com menos de 50 litros de leite/dia não produzem em escala suficiente que remunere os investimentos necessários à aquisição do tanque de refrigeração. A organização dos pequenos produtores em grupos ou associações que utilizam o tanque de refrigeração em conjunto foi a forma encontrada para reduzir custos, ganharem em escala e viabilizar a coleta a granel. Associações com esta finalidade têm sido estabelecidas e estão sendo apoiadas por órgãos oficiais como Prefeituras Municipais, Emater e instituições privadas. Na Zona da Mata do Estado de Minas Gerais, o programa da Emater para pequenos produtores contava, no final de 2002, com 196 Associações, com aproximadamente 4.000 produtores participantes. Informações retrospectivas dos anos 1999 e 2001 são apresentadas na Tabela 1. Associações semelhantes têm sido propostas em outros estados brasileiros e a utilização de tanques coletivos tem sido empregada também em outros países. Tabela 1. Evolução da utilização de tanques de refrigeração do leite de forma comunitária por pequenos produtores da Zona da Mata de Minas Gerais. Tanques estabelecidos sob a orientação da Emater-MG. Número de associações ou grupos de produtores Número de produtores Numero de tanques Volume de leite (x 1.000 litros/48 horas) 1999 2001 2002 126 1.500 104 204 170 3.561 287 436 192 4.080 365 531 Fonte: Escritório Regional da Emater de Juiz de Fora, MG. 1 Pesquisadora, Embrapa Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610, Bairro Dom Bosco, Juiz de Fora, MG. E-mail: [email protected]. 2, 6 Professores do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, EPAMIG/CT/ILCT, Juiz de Fora, MG. 3 Técnico de Nível Superior, Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora MG 4 Diretor Regional da EMATER MG, Juiz de Fora MG 5 Bolsista de Aperfeiçoamento da FAPEMIG, CAG 70266/01, Laboratório de Microbiologia do Leite, Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora MG. Uma vez que o uso de tanques coletivos tem sido amplamente difundido, atendendo ao requisito de refrigeração, é importante conhecer a qualidade higiênica do leite armazenado nestas condições. Considerando que é reunida a matéria-prima de diversos produtores, a qualidade microbiológica é fundamental, pois é determinada por fatores individuais de higiene, manejo e procedimentos de ordenha, que variam entre os diversos associados. Neste artigo serão comentados os fatores que influenciam a qualidade microbiológica do leite e serão abordados alguns resultados do projeto de pesquisa que está sendo realizado na Embrapa Gado de Leite em parceria com a Emater-MG e a Epamig-ILCT para avaliar a qualidade do leite de tanques comunitários. Requerimentos da qualidade microbiológica A avaliação da qualidade microbiológica é um parâmetro importante para a determinação da qualidade do leite cru, pois indica as condições de higiene em que o leite foi obtido e armazenado, desde o processo de ordenha até o consumo. É um requerimento adotado em diversos países e usado para bonificação em programas de pagamento pela qualidade. O teste tradicionalmente utilizado com essa finalidade é a contagem padrão em placas ou contagem total de microrganismos aeróbios. O resultado é dado em número de bactérias ou unidades formadoras de colônias (ufc) por mililitro (ml). Neste teste, as amostras de leite são colocadas em placas de vidro (placas de Petri) e misturadas com o meio de cultura em estado líquido. As placas são, então, incubadas na temperatura de 30 ± 1 oC (IDF 100B:1991), durante 72 horas. Após este período as colônias visíveis são contadas e calcula-se o número de ufc por ml de leite. Em diversos países existem limites legais para a contagem total de microrganismos do leite e são fornecidos incentivos aos produtores para redução dos limites estabelecidos. Os valores máximos aceitos para o leite cru pela União Européia e nos EUA é menor ou igual a 100.000 ufc/ml. No Brasil, a Instrução Normativa 51 estabelece um máximo de 1.000.000 ufc/ml para o leite cru resfriado a partir de 01/07/2005 para as Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Este valor deverá reduzir gradualmente a cada três anos, de modo que em 2011 a contagem total de bactérias deverá ser de 100.000 ufc/ml para produtores individuais e 300.000 ufc/ml para o leite de conjunto. Origem da contaminação microbiana do leite cru Em condições normais o leite é estéril ao ser sintetizado e secretado nos alvéolos do úbere. Ao ser retirado, manuseado e estocado na fazenda, pode se contaminar com microrganismos originários do ambiente, do interior da glândula mamária, da superfície das tetas e do úbere, de utensílios, e de equipamentos de ordenha e de armazenamento. Esta contaminação pode atingir números elevados, da ordem de milhões de bactérias por ml, o que prejudica a qualidade do leite, interfere na industrialização e reduz o tempo de prateleira do leite fluido e dos derivados lácteos. Os principais microrganismos que contaminam o leite são as bactérias. Os vírus, fungos e leveduras têm participação reduzida, embora sejam importantes em determinadas situações. As bactérias que contaminam o leite podem ser divididas em três grupos principais: mesófilas, que se multiplicam bem na faixa de temperatura de 20 a 40 oC, termodúricas, que sobrevivem à pasteurização (30 minutos a 63 oC ou 15 segundos a 72 oC) e psicrotróficas, que se multiplicam em temperaturas baixas (7 oC ou menos). O grau de contaminação e a composição da população bacteriana dependerá da limpeza do ambiente das vacas e das superfícies que entram em contato com o leite, por exemplo, baldes, latões, equipamento de ordenha e do tanque de refrigeração. O leite cru pode conter poucos milhares de bactérias quando é proveniente de uma ordenha com boas condições de higiene, mas pode chegar a vários milhões se o padrão de limpeza, desinfecção e refrigeração são inadequados. A identificação dos grupos de microrganismos contaminantes do leite cru ajuda a identificar problemas de higiene na produção primária e direcionar ações para seu controle. Na Tabela 2 é apresentado o que eles indicam com respeito às deficiências de higiene e onde se devem concentrar esforços para melhorá-la. Tabela 2. Interpretação das análises microbiológicas do leite total do rebanho para identificar as possíveis fontes de contaminação do leite cru na fazenda. Grupos de bactérias Psicrotróficos Fonte - Controle Deficiências na higiene da ordenha; Refrigeração inadequada do leite; Água contaminada. - Termodúricos - - Deficiências crônicas persistentes na limpeza equipamentos de ordenha; Tetas com sujeiras do solo. ou dos - - Coliformes - Contaminação da cama e tetas com fezes; Água contaminada. - Ordenhar tetos limpos e secos; Fazer a desinfecção dos tetos antes da ordenha; o Manter o leite refrigerado a 4 C ou ligeiramente menos. O leite deve alcançar esta temperatura em até três horas após a ordenha. Fazer análise microbiológica da água e realizar o tratamento, se necessário; Fazer regularmente a limpeza das caixas d′água. Ordenhar tetos limpos e secos; Fazer a desinfecção dos tetos antes da ordenha; Rever a prática de limpeza dos equipamentos de ordenha, tanque de refrigeração e utensílios. Trocar regularmente os componentes de borracha dos equipamentos de ordenha. Ordenhar tetos limpos e secos; Fazer a desinfecção dos tetos antes da ordenha; Fazer análise microbiológica da água e realizar o tratamento, se necessário; Fazer regularmente a limpeza das caixas d′água. Bactérias mesófilas Multiplicam-se rapidamente quando o leite não é armazenado sob refrigeração. Nestas condições, bactérias dos grupos dos lactobacilos, estreptococos, lactococos e coliformes podem se multiplicar rapidamente no leite, principalmente nos meses mais quentes do ano. Elas fermentam a lactose produzindo ácido láctico e outros ácidos orgânicos, o que causa acidez do leite. As condições que favorecem o desenvolvimento da acidez são a falta de higiene no manuseio do leite, principalmente o uso de utensílios que não estão adequadamente limpos, e o não-resfriamento ou o resfriamento inadequado. Bactérias termodúricas As bactérias termodúricas resistem à pasteurização porque suportam temperaturas mais altas (menos de 100 oC) ou produzem esporos, que são formas de resistência contra condições adversas. Exemplos de gêneros com espécies esporuladas são: Clostridium e Bacillus. Os esporos são inertes, não apresentam atividade metabólica e não se multiplicam, podendo sobreviver durante anos no ambiente. São extremamente resistentes ao calor necessitando-se, em geral, de 20 minutos a 120 oC para poder inativá-los com 100% de certeza. Alta contagem de bactérias termodúricas é freqüentemente associada com deficiências crônicas ou persistentes na limpeza dos equipamentos de ordenha ou com ordenha de tetas sujas de lama ou outras sujeiras do solo. Indica também possibilidade de rachadura nos componentes de borracha ou presença de depósitos chamados de pedras de leite nas tubulações dos equipamentos de ordenha. Como sobrevivem à pasteurização, podem causar problemas no tempo de prateleira do leite, principalmente se as bactérias termodúricas forem também psicrotróficas. Bactérias psicrotróficas Bactérias psicrotróficas pertencem a diversos gêneros que podem se multiplicar em temperaturas baixas, mas a sua temperatura ótima de crescimento pode variar. Muitas são mesófilas e crescem mais lentamente a temperaturas mais baixas. Devido à coleta a granel e armazenamento nas indústrias, o leite, às vezes, é processado somente alguns dias depois da ordenha. O período de estocagem, sob refrigeração, leva ao aumento no número dos microrganismos psicrotróficos. Números elevados (da ordem de um milhão por ml) causarão defeitos no leite e têm se constituído em um dos principais contaminantes em países onde a prática de refrigeração do leite na fazenda e/ou coleta a granel já estão instaladas. A maioria dos microrganismos psicrotróficos é eliminada pela pasteurização. Entretanto, eles produzem e secretam enzimas que degradam as proteínas (proteases) e lipídios (lipases) do leite. Essas enzimas são resistentes ao calor, não sendo inativadas pela pasteurização ou pelo processo UHT (Ultra Alta Temperatura, 140-145 oC, 2-4 segundos). As enzimas são as principais responsáveis pelas alterações no rendimento, textura, sabor e odor do leite e produtos lácteos. Os principais gêneros de bactérias psicrotróficas que contaminam o leite são nãopatogênicos, como, por exemplo, Pseudomonas, Aeromonas, Chromobacterium, Flavobacterium, Lactobacillus, Arthrobacter. Entretanto, Listeria monocytogenes, Yersinia enterocolitica e Bacillus cereus são bactérias psicrotróficas associadas com intoxicações alimentares após consumo de leite ou produtos lácteos. Altas contagens de microrganismos psicrotróficos estão associadas a deficiências na higiene da ordenha, falhas na limpeza e sanitização do tanque e equipamento de ordenha ou refrigeração inadequada do leite (resfriamento à temperatura entre 5 e 15°C), ou quando o tempo de estocagem do leite refrigerado é demasiadamente longo. Quando as condições de higiene da produção de leite são boas, a contagem de bactérias psicrotróficas é baixa, mas se as condições são ruins estas podem corresponder a 75% ou mais do total da população bacteriana. Efeitos da contaminação microbiana na qualidade do leite O nível de contaminação e o tipo de bactéria contaminante determinará a extensão e as características da deterioração do leite fluido ou produtos lácteos. Patógenos da mastite interferem com a qualidade do leite porque invadem os tecidos e alteram os processos de síntese do leite no interior da glândula mamária. Isso resulta em redução da produção e alterações na composição do leite. O leite de vaca com mastite apresenta teores de lactose, caseína, gordura, cálcio e fósforo menores que o leite normal. Ao mesmo tempo aumentam, de forma indesejável, os teores de cloreto, sódio, o potencial de rancificação e o número de leucócitos (células somáticas). Bactérias psicrotróficas causam diversas alterações no sabor e odor do leite e produtos lácteos. Estes têm sido descritos como rançoso, amargo, pútrido, ou com sabor de estragado. O sabor amargo está geralmente associado à proteólise (degradação das proteínas). As alterações são mais perceptíveis quando o número de bactérias psicrotróficas alcançam 106 a 108 ufc/ml. Um defeito que pode ocorrer no leite fluido é a gelificação, em que há um aumento da viscosidade. O aparecimento de sabor amargo e gelificação pode ocorrer no leite UHT devido à ação das proteases resistentes ao calor, em razão do período prolongado de estocagem a temperaturas mais elevadas. Alterações no creme e na manteiga incluem sabor amargo, rancificação e presença de odores e sabores estranhos (de peixe, frutoso, de mofado) devido à ação das lipases. A presença de lipases pode também causar aumento no tempo de bateção e causar problemas de separação no processo de fabricação da manteiga. Na fabricação de queijos, microrganismos psicrotróficos podem competir com as culturas láticas, retardando o tempo de coagulação e reduzindo o rendimento industrial. A proteólise pode levar a alterações na textura e causar sabores e odores desagradáveis. Bactérias do grupo dos coliformes utilizam a lactose com forte produção de gás e podem causar estufamento nos estágios iniciais de fermentação dos queijos. Outro grupo que causa problema na produção de queijo são as bactérias butíricas. Estas podem contaminar o leite por meio de alimento, silagem ou solo. Produzem esporos que não são destruídos pela pasteurização. Elas fermentam o lactato, que é o produto da fermentação lática, produzindo grande quantidade de gás e ácido butírico. O queijo adquire um sabor rançoso adocicado e uma textura desigual e “rendada”. Controle da contaminação bacteriana do leite cru Um aspecto básico para preservação do leite é a refrigeração a 4 oC, para impedir ou retardar o metabolismo e a multiplicação de microrganismos. Se o leite não é refrigerado rapidamente após a ordenha, a população bacteriana poderá aumentar, atingindo números elevados levando à deterioração. Portanto, a refrigeração do leite é essencial para manter tanto as características nutricionais do produto, como para permitir o processamento industrial adequado. Enquanto a refrigeração é importante para garantir a conservação e conter a multiplicação bacteriana, se o leite é produzido em condições de pouca higiene, adquirindo uma carga microbiana elevada, mesmo em condições de resfriamento adequado poderá haver problemas de deterioração. Diversos cuidados devem ser tomados para reduzir a contaminação microbiana do leite na fazenda, grande parte destes são relacionados à ordenha. A limpeza do local da ordenha, lavagem e sanitização dos utensílios que entram em contato com o leite são importantes para reduzir a exposição aos microrganismos do ambiente. Bactérias mais resistentes e/ou termodúricas podem persistir em superfícies com irregularidades ou partes de borracha dos equipamentos de ordenha que apresentam fissuras. Os equipamentos de ordenha devem ser lavados e sanitizados de acordo com as recomendações do fabricante, empregando detergentes próprios para esta finalidade. Para manter altos padrões de higiene, é necessário reduzir ao máximo a contaminação bacteriana da superfície das tetas. Para isso é importante ordenhar tetas limpas e secas. A eliminação dos primeiros jatos de leite numa caneca telada ou de fundo escuro também contribui para reduzir a contaminação bacteriana do leite do tanque. Este procedimento permite ainda detectar a presença de grumos no leite, o que significa que a glândula mamária apresenta mastite clínica, podendo eliminar grande número de microrganismos. Vacas com mastite clínica requerem atenção especial e o leite não deve ser misturado ao do conjunto do rebanho. O ambiente em que as vacas permanecem deve ser limpo, seco e ventilado. Quanto mais limpo estiver o ambiente, menor será a chance de microrganismos contaminarem o leite. Isso inclui a sala de ordenha, curral de espera, pátio e as vias de passagens das vacas. Vacas cobertas de sujeira poderão contaminar o ambiente, o ordenhador e o leite. Ao final da ordenha é importante realizar a desinfecção das tetas com um desinfetante efetivo. Esse processo é importante para prevenir a mastite e, portanto, a contaminação pelos agentes da mastite. O leite deve ser filtrado antes de ser reunido no tanque ou latões, usando-se filtros de aço inoxidável, que devem estar sempre limpos e sanitizados. Os utensílios usados para coleta de amostras, a régua para medir o volume e a tubulação do caminhão de coleta de conexão com o tanque da fazenda devem ser protegidos da contaminação microbiana, isto é, de moscas, contato com superfícies sujas e solo. Um suprimento de água limpa para a lavagem dos utensílios (baldes, latões, tanque de refrigeração e equipamentos de ordenha), tetas das vacas e mãos do ordenhador, é essencial. Quando a qualidade microbiológica da água não é satisfatória, é necessário fazer tratamento com cloro. Água com qualidade microbiológica não-satisfatória tem sido indicada como um fator que pode influenciar tanto a qualidade microbiológica quanto a contagem de células somáticas do leite e pode ser uma fonte de microrganismos psicrotróficos. A qualidade química da água também tem importância. A dureza afetará a ação dos detergentes empregados para limpeza, necessitando da escolha de detergentes apropriados. Cuidados especiais na ordenha manual Na ordenha manual, o ordenhador tem papel destacado, porque tanto ele pode reduzir a contaminação microbiana do leite, quanto pode aumentá-la. A contaminação levada pelo ordenhador é influenciada pelos seus hábitos pessoais. Ele deve ser limpo, asseado e deve compreender a importância da higiene quando se lida com alimento destinado ao consumo humano. Antes de iniciar a ordenha, é necessário lavar as mãos e repetir essa operação sempre que sujá-las novamente. As roupas usadas devem ser limpas, assim como o banquinho usado na ordenha e a corda usada para conter os animais. Se essas precauções não são observadas, as mãos podem se contaminar todas as vezes que tocarem nestes objetos. A ordenha nunca deve ser feita com as mãos úmidas, porque líquido com sujeira e bactérias pode cair no leite. Deve-se evitar tossir, espirrar ou falar sobre o leite. Todos recipientes usados para colocar o leite devem ser bem lavados e mantidos secos no intervalo das ordenhas. Deve-se preferir baldes com cobertura parcial na parte superior para a ordenha. A redução da quantidade de bactérias no leite devido ao uso de baldes com cobertura parcial superior é variável e depende das condições de limpeza das vacas e do ambiente. Entretanto, sempre há redução no número de microrganismos no leite quando o balde é coberto lateralmente, como pode ser observado dos dados apresentados na Tabela 3. O local da ordenha deve ser coberto. A ordenha de vacas expostas à chuva terá alta contagem bacteriana, se a água escorrer pelo corpo do animal e cair respingos no leite ordenhado. Uma importante fonte de contaminação microbiana do leite é a superfície externa do úbere. Sujeiras como partículas de esterco e pêlos podem cair facilmente no leite devido ao movimento do úbere durante a ordenha manual. Para impedir que sujeiras caiam no leite, é importante que os animais sejam mantidos limpos. Tabela 3. Influência do balde com cobertura superior lateral e sem cobertura superior na qualidade microbiológica do leite ordenhado manualmente, sob várias condições de higiene. Condições de produção Balde sem cobertura (aberto) Contagem bacteriana ufc/ml 498.000 Número de amostras 28 36 154.00 36 114.000 36 23.000 36 17.000 41 86.000 41 24.000 Vacas e ambiente sujos, esterco raspado duas vezes por semana, tetas lavadas e secas antes da ordenha, utensílios estéreis 18 6.200 23 2.900 Vacas e ambiente limpos, tetas lavadas e secas antes da ordenha, utensílios estéreis 15 4.900 15 2.700 Vacas e ambiente sujos, esterco raspado uma vez por semana, utensílios nãoestéreis Vacas e ambiente sujos, esterco raspado uma vez por semana, utensílios estéreis Número de amostras Contagem bacteriana ufc/ml 26 Balde com cobertura lateral 370.000 Avaliação da qualidade do leite de tanques comunitários Durante o período de um ano foram analisadas amostras mensais do leite de 22 tanques de refrigeração comunitários para avaliação da qualidade microbiológica, físicoquímica, da composição e contagem de células somáticas. Os tanques pertencem a 14 associações de produtores, organizadas sob a orientação da Emater MG, localizadas nos Municípios de Mercês, Silveirânia, Paiva, Guarani, Rio Novo, Goianá e Santos Dumont. Na Tabela 4 são apresentadas informações sobre número de produtores e volume de leite produzido das associações. Este estudo está ainda em andamento, e tem por objetivo obter informações sobre a qualidade do leite de tanques comunitários, verificar se o leite armazenado nessas condições atenderia aos requisitos da Instrução Normativa 51 e propor recomendações sobre a ordenha e cuidados com o leite para produtores que participam desse processo. Posteriormente serão avaliadas amostras de leite de produtores individuais para identificar problemas e relacioná-los às possíveis causas de contaminação microbiana do leite do conjunto. Análises físico-químicas e da composição Foram realizadas as seguintes análises físico-químicas: estabilidade ao alizarol a 72o GL, densidade relativa a 15 oC, acidez titulável e índice crioscópico. As análises da composição foram a determinação dos teores de gordura, lactose e proteína. No período de 12 meses, 45 de 335 amostras de leite (13,4%) apresentaram alteração no teste de estabilidade ao alizarol; uma amostra apresentou densidade relativa a 15 oC fora da faixa de 1,028 a 1,034 g/100 ml; 48 de 335 amostras (14,3%) apresentaram acidez titulável fora da faixa de 0,14 a 0,18 e 15 de 329, (4,6%) apresentavam alteração no índice crioscópico. Todas amostras analisadas apresentaram teores de gordura acima de 3,0 g/100g e seis amostras (1,8%) apresentaram teores de proteína abaixo de 2,9 g/100g. Tabela 4. Associações de Produtores participantes do projeto, localização, número de produtores por associação, capacidade do tanque de refrigeração e volume de leite produzido por dia. Municípios Goianá Guarani Mercês Paiva Rio Novo Associações de Produtores No. produtores Associação de Pequenos Produtores de Goianá Associação de Produtores Associação Pró-leite de Mercês Associação dos Produtores Rurais de Mercês Copromel Associação Bonifácio Pró-melhoramento da Comunidade José Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Rio Novo Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Mato Negro Santos Dumont Associação de Produtores Rurais Conceição do Formoso São João da Serra Patrimônio da Serra Samambaia Margaridas Silveirânia Associação dos Produtores Rurais de Silveirânia (Bocaina, Sítio Paraíso, Sítio São Pedro, Sítio São José, Sítio Tijuco) TOTAL Fonte: Escritórios Locais da Emater MG, período de julho, 2003. 12 23 16 19 19 17 29 29 29 Volume (julho/2003) litros/dia 420 1.700 1.100 1.100 1.100 900 1.500 1.500 1.500 15 1.800 12 38 1.600 1.700 08 09 23 12 14 14 29 23 18 408 450 400 650 400 1.220 1.348 1.846 1.575 1.052 24.861 Análises microbiológicas As análises microbiológicas realizadas foram: contagem total de bactérias, contagem de bactérias psicrotróficas, de bactérias termodúricas e de coliformes totais. Somente 69 amostras de um total de 345 (20%) apresentaram contagens abaixo de 1.000.000 ufc/ml. Esse resultado mostra que é necessária a redução desse valor para estar de acordo com as novas exigências estabelecidas na Instrução Normativa 51 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O log das médias geométricas das contagens para os diferentes meses do anos é apresentado na Figura 1. Em oito dos 22 tanques a contagem total de bactérias nos meses de junho a setembro foi inferior a dos outros meses do ano. Na Figura 1 pode-se observar essa tendência na curva traçada sobre o log das médias geométricas das contagens mensais. Contagem total de bactérias (log10) Figura 1 - Variação da contagem total de bactérias (log10) em amostras de leite de tanques comunitários de acordo com os meses do ano 6,9 6,9 6,8 6,8 6,7 6,7 6,6 6,6 6,5 6,5 6,4 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Meses Tabela 5. Contagens totais de bactérias (contagem padrão), contagem de bactérias psicrotróficas, coliformes totais, bactérias termodúricas e da contagem de células somáticas (CCS) do leite do tanque, que apresentou a melhor qualidade microbiológica (janeiro a dezembro de 2002). Meses Jan. Contagem padrão ufc/ml 380.000 Psicrotróficas ufc/ml 78.000 Coliformes totais ufc/ml ≤ 600 Termodúricas ufc/ ml 1.100 Fev. 300.000 34.000 ≤ 200 Abr. ≤140.000 12.000.000 ≤ 200 4.600 ≤190 280 448.000 34.000 630 514.000 Maio 620.000 110.000 ≤ 9.500 720 490.000 130.000 30.000 ≤ 650 300 465.000 ≤ 450 ausente 300 498.000 Mar. Jun. Jul. Ago. 420.000 2.200.000 64.000 ≤ 220.000 740.000 30.000 Set. 140.000 ≤ 900 Out. 190.000 30.000 ≤ 100 Nov. 630.000 180.000 Dez. 5.000.000 1.100.000 Média ≤ 400 50.000 CCS/ml 1 408.000 ≤20 439.000 ≤2.000 36.000 523.000 8.700 458.000 1.000 584.000 511.000 540.000 95.000 840 700 500.000 2 (320.000) 1 2 Contagem de células somáticas. Média geométrica das contagens mensais, excluindo as contagens dos meses de abril e dezembro de 2002, onde se observaram picos de elevação. As contagens de bactérias psicrotróficas, termodúricas e de coliformes totais indicaram deficiências na higiene da ordenha, possivelmente associadas a sujeira de tetas e do ambiente dos animais e a má qualidade da água. Apesar das altas contagens bacterianas totais observadas, em um dos tanques estas foram inferiores a 1.000.000 ufc/ml em dez dos doze meses analisados (média geométrica de 320.000 ufc/ml nos dez meses), indicando que é possível se obter leite com baixa contagem bacteriana de tanques comunitários. Esses resultados são mostrados na Tabela 5. Nesse caso, essa Associação foi organizada, desde o início com a preocupação com a qualidade do leite, sendo firmados uma série de compromissos entre os produtores para se obter o leite com maior atenção à higiene e a entrega imediata do leite no tanque após a ordenha. A localização dos tanques comunitários próximos dos produtores é um fator que contribui para a rápida entrega do leite e ajuda controlar a multiplicação microbiana no leite, principalmente nos meses mais quentes. Alguns tanques são localizados na sede do município, ficando distantes de diversas propriedades. Os produtores necessitam da entrega do leite a caminhões transportadores em um ponto comum, o que cria mais um passo no transporte e pode estar sujeito a atrasos. Para que haja redução na contagem total de bactérias e atender às novas exigências da legislação, há necessidade de maior atenção à higiene da ordenha, lavagem e limpeza dos utensílios. A ordenha manual, praticada pelos produtores oferece mais risco de contaminação microbiana do leite. É portanto, necessário mais esforço dos produtores e cuidados na limpeza e higiene da ordenha para a redução dessas contagens. Referências BRITO, M.A.V.P. Qualidade do leite a partir de detalhes. Balde Branco, Outubro, p. 66-74, 2001. DASSIE, C. Tanques comunitários. A força dos pequenos produtores. Balde Branco, ano XXXVI, n. 427, maio, p.44-50, 2000. ENRIGUE, L.H. Enfriamiento y comercialización de leche fresca por pequeños productores. Panamerican Congress on mastitis control and milk quality, Merida: March 23-27, 1998: Proceedings, p. 267-270. KODIKARA, C.P. The effect of storage temperature on bacterial and keeping quality of milk. Sri Lanka Veterinary Journal, v.35, n.1-2, p.19-24, 1987. SANNABHADTI, S.S. Hygienic aspects of milk production. In: International Dairy Federation Workshop on Small Scale Dairy Processing and Indigenous Milk Products. International Dairy Federation, Anand, Dezembro, 4 a 6, 1997. p. 100-110 SANTOS, J.A. Em busca de viabilizar a pequena produção familiar. Indústria de laticínios, ano 4, n.22, Jul/Ago, p. 20-24, 1999. Artigo publicado no livro: Alternativas tecnológicas, processuais e de políticas públicas para a produção de leite em bases sustentáveis. 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