SALAZAR BONDY E A FILOSOFIA HISPANO-AMERICANA Carlos Gomes Augusto Salazar Bondy foi um grande filósofo peruano nascido em Lima (1925) e falecido em 1974. Teórico da chamada FL (filosofia da libertação) um das aspectos em que mais reflectiu, foi exactamente naquilo a que se viria a chamar a ‘filosofia hispano-americana’ e cujas ideias são negativas, quanto á sua natureza própria e original. Para compreender os conceitos de originalidade e autenticidade em Salazar Bondy e o que significa para esse autor uma filosofia original e autêntica, é preciso definir a sua concepção de filosofia. A Filosofia para Salazar Bondy, segundo o próprio é: ” … varias cosas: es análisis, es iluminación de la experiência del mundo y de la vida; entre estas cosas es tanbién la conciencia racional de un hombre y de la comunidad en que éste vive, la concepción que expresa el modo cómo las agrupaciones históricas reaccionam ante el conjunto de la realidad y el curso de su existencia, su manera peculiar de iluminar e interpretar el ser en que se encontran instaladas. “ (….) Salazar Bondy faz, contudo, algumas distinções. Para ele, a filosofia distinguese da Ciência pelo facto de se referir ao todo, ao conjunto do dado e, portanto, ao Homem em geral, ao passo que a Ciência não visa o Homem na sua totalidade. A filosofia distingue-se também da religião, pois enquanto a última tem como ponto de partida os sentimentos e a crença, a primeira parte dos dados objectivos, ou seja, do mundo, da vida...com o intuito de racionalmente os tornar inteligíveis. Neste sentido, Salazar Bondy dá à filosofia o carácter de ser uma compreensão racional da realidade no sentido de buscar uma explicação total. Salazar Bondy ao tratar da Filosofia hispano-americana utiliza os conceitos de originalidade e autenticidade que são conceitos que se relacionam entre si, ao mesmo tempo que são acompanhados do conceito de peculiaridade. Torna-se necessário definir esses conceitos conforme a concepção do autor. SALAZAR BONDY E A FILOSOFIA HISPANO-AMERICANA Carlos Gomes Por originalidade, entende-se “el aporte de ideas y planteos nuevos, en mayor o menor grado, com respecto a las realizaciones anteriores, pero suficientemente discernibles como creaciones y no como repeticiones de contenidos doctrinários.” O conceito de autenticidade, por sua vez, é concebido pelo autor como “…um producto filosofico – al igual que un produto cultural calquiera – que se da como propriamente tal y no como falseado, equivocado o desvirtuado”. Por fim o conceito de peculiaridade entende-se como “… la presencia de rasgos histórico-culturales diferenciales, que dan carácter distinto a un producto espiritual, en este caso filosófico; se trata de un tono, digamos, local o personal , que no implica innovaciones de contenidos sustantivos”. Todos estes conceitos estão intimamente ligados, porquanto uma filosofia de carácter original, tal como definimos antes, também o é autêntica, visto que um produto que resulta como uma criação nova, não pode deixar também de ser autêntico, no sentido de não ser falso, dominado pela ambiguidade. Por outro lado, uma filosofia de carácter autêntico, possui um carácter original, pois um produto filosófico não falseado, nem equivocado, não resulta numa simples repetição de conteúdos doutrinários. Entretanto, o conceito de peculiaridade possui uma determinada margem de independência com relação aos conceitos de autenticidade e originalidade, ou seja, uma filosofia original e autêntica também é peculiar, mas nem toda a filosofia de carácter peculiar tem que ser necessariamente autêntica e original. Com efeito, a peculiaridade de determinada filosofia pode ser simplesmente uma imitação (portanto, sem ser original e autêntica) com traços culturais e históricos distintos, de outra filosofia produzida num contexto histórico e cultural diferente, pelo facto de lhe imprimir um cunho particular na sua focalização ou aplicação. Segundo Salazar Bondy, a filosofia hispanoamericana constituiu-se ao longo de sua história como um produto sem originalidade e autenticidade, como imitação de conteúdos filosóficos alheios (europeus), surgidos num contexto histórico diferente. SALAZAR BONDY E A FILOSOFIA HISPANO-AMERICANA Carlos Gomes Para Salazar Bondy, o facto de a filosofia hispanoamericana apresentar-se como inautêntica e sem originalidade ao longo de sua história, revela o carácter alienado dos países que compõem a comunidade hispanoamericana. Carácter alienado no sentido de que tais países são subdesenvolvidos e dependentes. Uma comunidade desintegrada, subdesenvolvida e dependente expressa, pois, uma filosofia sem originalidade e autenticidade. Tal constatação do autor leva à conclusão de que o problema da filosofia hispanoamericana não é um problema da filosofia como tal, mas da comunidade hispanoamericana ou, para usar um outro conceito do autor, aos ‘países’ hispanoamericanos tomados no seu conjunto. ‘País’ aqui é concebido pelo autor como uma: “…agrupación de gente que está en un território dentro de la jurisdición de un estado (o que facilmente podemos identificar como la Argentina, el Peru, Chile, México, Paraguay …) , com todo lo que dentro hay de divergencias, contrastes e inclusive relaciones de dominación e intereses. Vamos a entender, pues, ‘país’ en el sentido de conjuntos de sociedades globales dentro de un território y jurisdicción de un estado”.Salazar Bondy fala do conjunto dos países hispano-americanos no sentido de que possuem o mesmo status sócio-económico, político e cultural, ou seja, pertencem ao Terceiro Mundo. Nesse caso, para explicar o fenómeno da filosofia hispanoamericana é imprescindível, segundo o autor, a utilização de conceitos como os de subdesenvolvimento, dependência e dominação. Tendo chegado a esse ponto, fica claro o que Salazar Bondy entende por tais conceitos para entendermos o núcleo de sua explicação sobre o carácter inautêntico e não original da filosofia hispano-americana. O conceito de dominação Salazar Bondy concebe-o como: “…una relación entre dos instancias que pueden ser personas, o clases, o países, relación tal que A domina B , tiene el poder de decisión sobre lo que es fundamental respecto a B. B, que es el dominado, sufre como resultado una depresión, una falta de posibilidades de desarrollo, una limitación, es decir, todo lo que se puede como defectivo porque el dominador lo subyuga en cuanto tiene la capacidad de decidir siempre por él.” O conceito de subdesenvolvimento define-se para Bondy como um “… estado de depresión y desequilibrio crónico en que están los países que se encuentran en una determinada situación, ejemplificados por el Peru, Paraguay, Ecuador, tanbién la Argentina y otros países como pueden ser el Congo, Tanzânia, etc”. SALAZAR BONDY E A FILOSOFIA HISPANO-AMERICANA Carlos Gomes O conceito de dependência está ligado ao conceito de dominação pelo facto de que numa relação de dominação entre duas classes, por exemplo, uma depende da outra no sentido de que se relacionam entre si de uma forma necessária, relação na qual, no entanto, uma domina a outra. Bondy exemplifica essa situação quando afirma ser este o caso ‘histórico’ dos países hispano-americanos que estiveram e estão vinculados à condição de dependência. Em princípio dependentes com relação à Espanha (no caso do Brasil, a Portugal), mais tarde à Inglaterra e, no presente, aos Estados Unidos. Ora, essa tem sido e hoje ainda é a situação dos países hispano-americanos, cuja situação de dominação e dependência com relação aos centros de poder mundiais resultou no seu subdesenvolvimento. Tendo em vista tal situação é de se esperar que a cultura nos países hispano-americanos resulte débil, cheia de limitações, portanto sem originalidade alguma. Considerando tal definição é possível verificar, conforme o autor, que a cultura produzida pelos países hispano-americanos, por ser uma simples imitação de modelos culturais estranhos, surgidos de outro contexto histórico, constitui-se como alienação e mistificação e não como resposta às solicitações e conflitos provenientes do próprio contexto histórico hispano-americano. A filosofia como produto específico de determinada cultura de dominação resulta, nesse sentido, como uma filosofia de dominação (alienante), sem originalidade e autenticidade, sem espírito criativo. É o caso, segundo o autor, da filosofia hispano-americana. Dr. Carlos A. Gomes (CHAM-FCSH/NOVA, Lisboa)