Mortalidade por varicela Baldacci ER, Vico ESR Pediatria (São Paulo) 2001;23(3):213-6 Artigo Original Original Article Artículo Original Mortalidade por varicela em crianças atendidas em creche Varicella mortality rate in children attending day-care center Mortalidad por varicela en ninõs atendidos en jardines infantiles Evandro Roberto Baldacci1, Eneida S Ramos Vico2 Unidade de Infectologia do Instituto da Criança Prof. Pedro de Alcantara do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil Resumo Objetivo: avaliar o risco de mortalidade por varicela em creches do Município de São Paulo, SP. Casuística e Métodos: foram comparadas as taxas de letalidade por varicela entre as crianças com idade inferior a 7 anos freqüentadoras de creches, com a totalidade das crianças da mesma faixa etária do município, no período de 1996 a 1999. Resultados: foram constatadas 12 mortes no grupo creche contra 48 em todo o município. O coeficiente de mortalidade por varicela foi de 1,05/105 crianças nas creches e 2,4/105 na população do município. Conclusão: a população freqüentadora de creches teve maior risco de falecer por varicela. Descritores: Varicela, epidemiologia. Varicela, mortalidade. Coeficiente de mortalidade. Creches. Abstract Objective: to study the varicella mortality rate in children under 7 years of age attended municipal day-care centers in the city of São Paulo, SP, Brazil. Casuistic and Methods: varicella death rates for all county children aged under 7 years and for those atending county day care were compared, from 1996 to 1999. Results: deaths were 12 among day-care children and 48 in all county children. The varicella death rate was 1.05/105 in day-cares and 2.4/105 in the county. Conclusion: day-care attendance is a risk factor for varicella mortality. Keywords: Chickenpox, epidemiology. Chickenpox, mortality. Mortality rate. Child day care centers. Resumen Objetivo: evaluar el riesgo de mortalidad por varicela en jardines infantiles del Município de São Paulo, SP, Brasil. Casuística y Métodos: fueron comparadas las tasas de letalidad por varicela entre niños con edad inferior a 7 años frecuentadores de jardines infantiles, con la totalidad de niños de la misma faja de edad de todo el município, en el período de 1996 a 1999. Resultados: fueron constatadas 12 muertes en el grupo de niños de los jardines infantiles contra 48 en todo el município. El coeficiente de mortalidad por varicela fue de 1,05/105 niños en los jardines infantile y de 2,4/105 en la población del município. Conclusión: la población frecuentadora de jardines infantiles presentó un riesgo mayor de fallecer por varicela. Palabras clave: Varicela, epidemiología. Varicela, mortalidad. Tasa de mortalidad. Jardines infantiles. 1 Prof. Livre Docente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Diretor de Serviço do Instituto da Criança do HC/FMUSP. Prof. Titular da Faculdade de Ciências da Saúde – UNIMES, Santos, SP, Brasil 2 Mestranda em Epidemiologia pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo 213 Pediatria (São Paulo) 2001;23(3):213-6 Mortalidade por varicela Baldacci ER, Vico ESR Introdução A freqüência de crianças a creches vem aumentando em todo o mundo 1-3. Em países desenvolvidos, essa população já constitui foco importante de Atenção da Saúde Pública. As crianças têm maior risco de desenvolverem doenças infecciosas, dada a vulnerabilidade biológica/imunitária própria da idade. Um risco adicional advém da rapidez com que determinados patógenos são transmitidos em comunidades fechadas, propiciando o aparecimento de surtos1-9. A Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS) de São Paulo é responsável no município pela Rede de Creches Públicas. Tem, desde 1995, um Sistema de Informação de Mortalidade, a fim de proceder à vigilância de mortes que ocorram em crianças matriculadas nas suas creches. Este monitoramento sistemático e contínuo permitiu a realização do presente estudo. Foram estabelecidos dois objetivos: 1) avaliar a mortalidade por varicela em menores de 7 anos que freqüentaram as creches da Rede Pública Municipal de São Paulo, no período de 1996 a 1999; 2) comparar esta taxa com a verificada para varicela entre as crianças da mesma faixa etária, residentes no Município de São Paulo, no mesmo período. Métodos A população de estudo compreendeu o universo absoluto de crianças, na faixa de 0 a 6 anos e 11 meses, matriculadas na Rede Pública Municipal de Creches de São Paulo (725 unidades), que faleceram no período de janeiro de 1996 a dezembro de 1999, tendo a varicela por causa básica de morte. O atendimento da Rede de Creches corresponde à aproximadamente 12% da população do município, nesse segmento etário. As fontes de informações foram as Fichas de Notificação de Óbito (FNO), que compõem o referido Sistema da Secretaria de Assistência Social (SAS), complementadas com as respectivas cópias originais das Declarações de Óbito (DO), fornecidas pelo Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade no Município de São Paulo (PRO-AIM) ou pela Fundação Sistema Es214 tadual de Análise de Dados (SEADE), quando a morte ocorreu fora do Município de São Paulo. Os coeficientes de mortalidade para o Município de São Paulo, tiveram por base dados populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Secretaria Municipal de Planejamento (SEMPLA). Para a Rede Pública Municipal de Creches considerou-se base populacional, o número anual de crianças atendidas fornecido pelo SAS. Na avaliação estatística das proporções foi utilizado o teste do Qui-quadrado. Resultados A Tabela 1 apresenta a distribuição do total das mortes notificadas pela Rede de Creches e a proporção de mortes por varicela. Tabela 1 – Óbitos por varicela e por outras causas em crianças da Rede Pública Municipal de Creches de São Paulo. São Paulo, SP, 1996-1999. ÓBITOS Varicela Outras Total Ano N % Causas 1996 3 7,1 39 42 1997 0 0 42 42 1998 2 5,0 40 40 1999 7 16,7 35 42 Total 12 7,2 154 166 Fonte: SAS/SGPC/SAÚDE As mortes por varicela tiveram variação anual, enquanto o número total de óbitos manteve-se constante, no período. A Tabela 2 apresenta os coeficientes de mortalidade por varicela no Município de São Paulo e na Rede de Creches, nos anos observados. No período estudado, 25% do total das mortes por varicela que ocorreram no Município de São Paulo, em menores de 7 anos, ocorreram em crianças que freqüentaram creches da Rede Pública Municipal. O risco foi significativamente maior no grupo creche (p<0,01). A Figura 1 representa esses mesmos coeficientes. Pediatria (São Paulo) 2001;23(3):213-6 Mortalidade por varicela Baldacci ER, Vico ESR Tabela 2 – Óbitos e coeficientes de mortalidade por varicela no Município de São Paulo e na Rede de Creches Municipais. São Paulo, SP, 1996-1999. ANO Município de São Paulo População Óbitos V Coeficiente** < 7 anos N Rede de Creches População Óbitos V Coeficiente** < 7 anos N 1996 1997 1998 1999 1.118.364 1.129.502 1.141.448 1.148.500 11 9 7 21 0,98 0,79 0,61 1,82 124.003 123.595 123.243 127.606 3 2 7 2,41 1,62 5,48 Total 4.537.814 48 1,05* 498.447 12 2,40* Fonte: SAS/SGPC/DTDI/SAÚDE; PRÓ-AIM; SEADE; SEMPLA, 1999 * Coeficiente médio para o período ** Por 100.000 crianças V = Por varicela 6 por 100.000 crianças 5,48 5 4 3 2,41 1,82 2 1 0,98 1,62 0,79 0,61 0 0 1996 1997 1998 1999 Ano São Paulo Creches Figura 1 – Coeficientes de mortalidade por varicela em menores de 7 anos, no Município de São Paulo e na Rede Municipal de Creches. São Paulo, SP, 1996-1999. Discussão A varicela é doença altamente contagiosa que, nas crianças sadias, geralmente é auto-limitada. Em adolescentes e adultos a doença é mais exuberante e nos imunodeprimidos o risco de complicações é maior. Neste último grupo a morbidade é elevada10,11. Segundo os Centers for Disease Control (CDC), as estatísticas anuais estimadas para a varicela nos Estados Unidos, antes do advento da vacina, eram da ordem de quatro milhões de casos, com onze mil hospitalizações e cem mortes por ano11. Cabe ressaltar que a mortalidade por varicela está relacionada à idade, sendo maior no primeiro ano de vida e a partir dos 15 anos. Entre os lactentes, a causa desta maior letalidade pode estar atre- lada, além da menor competência imonológica, à aglomeração das crianças, bem como a fatores socioeconômicos não pesquisados no presente estudo8,9. Em creches a incidência da varicela é maior do que em crianças da população geral2,11. Quanto à gravidade da doença em entidades coletivas, como as creches, as manifestações clínicas dos casos secundários são mais intensas do que as do caso índice. Isto decorre da replicação do agente, que se torna mais virulento a cada nova infecção. Ocorre também aumento do inóculo quando o tempo de exposição é prolongado9. Na Rede Pública Municipal de Creches, a permanência diária da criança é grande - situa-se entre 10 e 12 horas. 215 Pediatria (São Paulo) 2001;23(3):213-6 A literatura brasileira é escassa em estudos e informações sobre a morbidade e a mortalidade por varicela em creches. Porém, é elevado o número de crianças que freqüentam creches em algumas cidades do país. No Município de São Paulo, 12% da população com idade inferior a 7 anos, freqüenta creches da Rede Pública Municipal. Verificou-se nas Tabelas 1 e 2 que o coeficiente de mortalidade por varicela entre crianças de creche, foi duas vezes e meia maior que o do município, considerando o mesmo agrupamento etário e período. Independentemente da causa, parece justificável a inclusão da população de crianças atendidas em creches entre aquelas de risco para a ocorrência de casos graves de varicela. Hoje em dia, a doença pode ser prevenida por meio de vacina, imunoglobulina específica (VSIG) ou medicação oral (quimioprofilaxia). No Brasil, o Ministério da Saúde já licenciou a vacina para uso clínico. A eficácia Mortalidade por varicela Baldacci ER, Vico ESR da vacina é de 99% e confere imunidade prolongada. Demonstrou-se que após mais de dez anos da aplicação da vacina, os títulos de anticorpos protetores ainda apresentam níveis adequados11.Para a população de creches a opção seria a utilização da vacina. Tal intervenção poderia reduzir em 25% a mortalidade de menores de 7 anos por varicela no Município de São Paulo. Conclusões Ficou evidenciado um maior risco de morte por varicela em crianças freqüentadoras de creches. A utilização profilática de vacina para varicela em crianças com idade superior a um ano seria recomendável. Com esta medida diminuiria também a circulação do vírus nas creches e, conseqüentemente, o risco para as crianças menores de um ano. Com o mesmo objetivo, também poderiam ser vacinados funcionários suscetíveis. Referências 1. Barros AJD. Health risks among child care centre attenders: the role of day care centre characteristics in common childhood illnesses: “Projeto creche-qualidade”. [PhD Thesis]. London: Faculty of Medicine of the University of London, London School of Hygiene and Tropical Medicine; 1996. 2. Churchill RB, Pickering LK. Infection control challenges in child-care centers. Infect Dis Clin North Am 1997;11:347-65. 3. Collet JP, Burtin P, Kramer MS, Floret D, Bossard N, Ducruet T. Type of day-care setting and risk of repeated infections. Pediatrics 1994;6 Suppl 2:997-9. Norway. Pediatrics 1996;97:43-7. 7. Gensheimer KF. A public health perspective on child care. Pediatrics 1994;6 Suppl 2:1116-8. 8. Régnier F, Floret D. Mesures préventives d’hygiène dans les crèches. Arch Pédiatr 1999;6 Suppl 3:636-8. 9. Vigneron P, Bégué P. Quel est l’âge d’acquisition de l’immunité contre les principaux agents pathogènes dans les premières années de vie? Y a-t-il un âge idéal pour entré en collectivité? Arch Pédiatr 1999;6 Suppl 3:602-10. 4. Davis JP, MacKenzie WR, Addiss DG. Recognition, investigation, and control of communicable-disease outbreaks in child day-care settings. Pediatrics 1994;6 Suppl 2:1004-6. 10. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Coordenação dos Institutos de Pesquisa. Centro de Vigilância Epidemiológica. Vacina contra a varicela. São Paulo: SES/CIP/CVE; 1999. 5. Klein J. Infectious diseases and day care. Rev Infec Dis 1986;8:521-6. 11. Centers for Disease Control and Prevention. Prevention of varicella: update recommendations of the Advisory Committee on Immunization Practices - ACIP. MWR 1999;48:1-5. Avaliable from URL: <http:www.cdc.gov/epo/ mmwr/preview/mmwrhtlm/rr 4806a1.htm> (May 1999). 6. Kopjar B, Wickizer T. How safe are day care centers? Day care versus home injuries among children in Endereço para correspondência: Prof. Dr. Evandro R. Baldacci Instituto da Criança Prof. Pedro de Alcantara do HC/FMUSP Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 647 CEP 05403-900 - São Paulo - SP - Brasil E-mail: [email protected] E-mail: [email protected] (Eneida S.R. Vico) 216 Recebido para publicação: 20/11/2000 Aceito para publicação: 08/01/2001