PREFEITO MARCIO LACERDA CÂMARA INTERSETORIAL DE POLÍTICAS SOCIAIS SECRETARIA MUNICIPAL DE POLÍTICAS SOCIAIS SECRETARIA MUNICIPAL ADJUNTA DE ABASTECIMENTO SECRETARIA MUNICIPAL ADJUNTA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SECRETARIA MUNICIPAL ADJUNTA DE DIREITOS DE CIDADANIA SECRETARIA MUNICIPAL ADJUNTA DE ESPORTES SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA SECRETARIAS MUNICIPAIS DE ADMINISTRAÇÃO REGIONAL PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 1 Pensar BH/Política Social, nº 25 - março de 2010. Belo Horizonte. Prefeitura de Belo Horizonte/Câmara Intersetorial de Políticas Sociais. 1. Política Social 2. Administração Pública 3. Prefeitura de Belo Horizonte CDD 323 ISSN 1676-9503 2 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 Apresentação Pela construção de uma cidade de oportunidades É com muito orgulho que vemos mais uma edição da Revista Pensar BH/Social, que neste número se propõe a trazer para o debate temas não somente ligados ao campo das políticas sociais como também ao campo das políticas urbanas. E nesta 25ª edição, o destaque é para o tema da qualificação. Esse é um dos eixos-base do nosso Planejamento Estratégico 2030 e do Plano BH Metas e Resultados: a construção de uma cidade de oportunidades. As grandes metrópoles encontraram o caminho da prosperidade ao associarem o seu dinamismo econômico a setores modernos e inovadores, intensivos em conhecimento. E dentre várias características que se destacam nestas metrópoles — como serem centros de tomadas de decisão, terem mercados amplos, dinâmicos e atraentes — uma delas é justamente o fato de possuírem uma força de trabalho qualificada e diversificada. Diante desses fatos, são capazes de atrair e reter talentos além de abrigarem setores econômicos de valor agregado. Esse é um dos nossos grandes desafios: criar um ambiente econômico propício ao desenvolvimento de negócios, com destaque especial para a promoção de um salto de qualidade da educação e no nível de escolaridade média da sua população e fomentar boas oportunidades de trabalho e de qualificação profissional em todo o espaço urbano. Criar oportunidades para todos, para que possamos viver em sociedade justa e igualitária, prevê a adoção de políticas sociais de inclusão, bem como políticas de qualificação profissional e geração de renda para seus habitantes. Esse é um dos elementos centrais da nossa agenda estratégica de longo prazo de Belo Horizonte. Dentro deste compromisso, a Prefeitura tem oferecido cursos de qualificação para jovens e adultos, com prioridade para os que são beneficiários de programas sociais desenvolvidos pelo município, permitindo assim o aumento da possibilidade de inserção no mercado de trabalho formal e em oportunidades de geração de trabalho e renda. Temos, em parceria com o Sistema S, os programas de Formação de Base Tecnológica e Requalificação de desempregados e queremos ampliar esses programas para que possamos capacitar até 2012 150 mil jovens e adultos, além de implantar novas modalidades, como o Planseq e a Elevação de Escolaridade com Qualificação. Nossa meta é aumentar o percentual de pessoas inseridas no mercado de trabalho de 9% — o que representa cerca de 10 mil pessoas — para 30% até 2012. E aumentar de 3% para 50% o número de beneficiários de programas sociais inseridos no Programa de Estágio da Prefeitura a partir de janeiro do ano que vem. São metas ambiciosas, mas que, em parceria com os empresários e a sociedade civil, temos certeza que iremos atingir. Nosso objetivo maior é a construção de uma cidade cidadã, onde impere a lei de igualdade de oportunidade para todos. A presente edição da Revista Pensar BH/Política Social é mais uma oportunidade de debate e reflexão sobre os nossos compromissos com todos que fazem parte da cidade. Uma proveitosa leitura para todos. Marcio Lacerda Prefeito de Belo Horizonte PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 3 Pensar BH/Política Social Gestão Municipal 5 Belo Horizonte: Política Urbana 32 Inclusão socioespacial e construção Programa Bolsa Família e a gestão intersetorial do direito à cidade na trajetória da política de regularização de BH Márcia Marques Teixeira et all Flávia de Paula Duque Brasil e Ricardo Carneiro 9 Congonhas: A mobilização e a organização Social Germano de Siqueira Cesar e os desafios para a mensuração Carla Bronzo Assistência 20 Adolescentes em conflito com a lei: contribuições da política pública, da rede de atendimento e a participação social O Estatuto da Cidade regulamentou a política urbana no país Arquivo SMURB Pobreza 12 Exclusão: delimitação conceitual 36 A Cidade dos Bondes Elementos para uma política pública a partir do resgate da memória do transporte coletivo Nelson de Mello Dantas Filho e Míriam Gontijo de Moraes Rosimery Iannarelli e Sônia Lopes Siqueira Educação X Qualificação 24 Rediscutindo a relação educação e trabalho no Brasil: notas para um debate Previdência 41 Padrões de financiamento da saúde do trabalhador: da Seguridade Social ao seguro saúde Eli Iola Gurgel Andrade e Pedro Paulo de Salles Dias Filho Diogo Henrique Helal 28 Trabalho, sem pecado original Lucia M. de Oliveira 30 A questão da qualificação no Brasil Lucia M. de Oliveira Resenha 47 Política de Segurança Pública: como avaliar? Robson Sávio Reis Souza 50 Instruções para colaboradores EXPEDIENTE EDIÇÃO GERAL: Giselle B. Nogueira - RG 2285/MG REVISÃO: Geraldo Silvério Filho SUPERVISÃO EDITORIAL: Jorge R. Nahas (SMPS) Carlos Alberto dos Santos (ASCOM/PBH) FOTO CAPA: Alessandro Carvalho CONSELHO CONSULTIVO: Bruno Lazzarotti Diniz Costa (Escola de Governo FJP), Carla Bronzo (Escola de Governo FJP), Carlos Aurélio P. de Faria (PUC-Minas), Cristina Almeida Cunha Filgueiras (PUC-Minas), Eleonora Schettini M. Cunha (DCP/UFMG), Eli Iola Gurgel (Medicina/UFMG), Joseph Straubhaar (Texas University); Marlise Matos (DCP/UFMG), Ricardo Cardoso (Universidade do Porto/Portugal), Rogério Faria Tavares (UNA). COLABORAÇÃO: Renata Cristina Martins (SMPS) TRADUÇÃO: Português/Inglês: Andréa Magdalena Figueira Jayne Vaz de Melo Martin 4 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 SECRETARIA MUNICIPAL DE POLÍTICAS SOCIAIS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE Rua Espírito Santo, 505/4 º andar - Centro (031) 3277-9786 Telfax: (031) 3277-9796 E-mail: [email protected] Endereço Eletrônico: www.pbh.gov.br/politicas-sociais IMPRESSÃO: MJR Editora Gráfica Ltda. Rua Dr. Carlos Pinheiro Chagas, 138 Balneário da Ressaca - Contagem - MG Tiragem: 2.500 exemplares Gestão Municipal BELO HORIZONTE Programa Bolsa Família e a gestão intersetorial MÁRCIA MARQUES TEIXEIRA* FLÁVIA LUCIANA CARVALHO RESENDE** MARIA THEREZA NUNES MARTINS FONSECA*** PATRÍCIA BORGES REGO**** SANDRA DOS SANTOS QUEIROZ VIEIRA***** Este artigo discute as inovações ocorridas na gestão do Programa Bolsa Família no município de Belo Horizonte por meio da experiência intersetorial, entendida como política que visa a ampliar os espaços da complementaridade e da sinergia das ações do Poder Público. A intersetorialidade está baseada em ações nas quais sua implementação permite vivenciar a construção e efetivação das políticas. Portanto, trataremos, aqui, das discussões que envolvem conceitos que estruturam o Programa Bolsa Família e seu gerenciamento e as ações complementares que se efetivaram a partir dos espaços destinados à intersetorialidade. O Programa Fome Zero, instituído em 2003 pelo Governo Federal, foi criado no intuito de combater a fome, a miséria e a exclusão social. Com diretrizes pautadas em causas estruturais, este programa implantou uma linha de ação voltada à transferência de renda com condicionalidades, alimentação e nutrição e acesso à informação e à educação. O Programa Bolsa Família é um projeto de estímulo à emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza1. Em Belo Horizonte, a gestão do Programa Bolsa Família é desenvolvida pela Secretaria Municipal de Políticas Sociais, por meio da Gerência de Coordenação Municipal de Programas de Transferência de Renda, de forma descentralizada, com gerenciamento nas nove regionais administrativas do Município mediante as diretrizes do governo federal. Essa coordenação compreende o cadastramento único, o acompanhamento das condicionalidades e a viabilização de ações complementares. Diante disso, a gestão intersetorial é uma prioridade no Programa Bolsa Família por oportunizar debates específicos que devem pautar as ações sociais do Poder Público. Conforme Inojosa (2001), a intersetorialidade é definida como "a articulação de saberes e experiências com vistas ao planejamento, para a realização e avaliação de políticas, programas e projetos, com o objetivo de alcançar resultados sinérgicos em situações complexas"; como ocorre em Belo Horizonte, a partir da organização da gestão e da efetivação das ações complementares. Os programas que engendram as políticas públicas de inclusão social, como o Programa Bolsa Família, são orientados pela situação de vulnerabilidade socioeconômica. O conceito de vulnerabilidade se destaca como ponto de partida para diversas ações e projetos. Conforme Carla Bronzo, a vulnerabilidade deve ser entendida como a exposição das famílias a riscos de toda a natureza que podem comprometer o ciclo de vida dos indivíduos e famílias: "Vulnerabilidade relaciona-se com a exposição ao risco, por um lado, e com a capacidade de resposta, material e simbólica, que indivíduos, famílias e comunidades conseguem fornecer para fazer frente ao risco ou ao choque (que significa a materialização do risco)" (BRONZO, 2007). Diante disso, as políticas públicas e programas como transferência de renda devem contribuir não somente para criar redes de proteção social, mas também para possibilitar "capacidade de respostas" a riscos que determinada população pode vivenciar. O Cadastro Único dos Programas do Governo Federal (CadÚnico) compõe uma base de informações utilizada pelos governos municipais, estaduais e federal, que tem como finalidade obter um diagnóstico socioeconômico das famílias beneficiárias. Isto possibilita um mapeamento de dados que se constituem como instrumento de análise das principais necessidades dessas famílias, contribuindo, portanto, para a formulação de políticas públicas e gestão intersetorial. Em Belo Horizonte, o CadÚ- * Márcia Marques Teixeira - Coordenadora Municipal de Programas de Transferência de Renda Flávia Luciana Carvalho Resende - Gerente de Articulação e Integração de Ações de Transferência de Renda, Assistente Social, Especialista em Políticas Públicas. *** Maria Thereza Nunes Martins Fonseca - Analista de Políticas Públicas, Mestre em Administração Pública, Doutoranda em Ciência Política. **** Patrícia Borges Rego - Analista de Políticas Públicas, Assistente Social. ***** Sandra dos Santos Queiroz Vieira - Socióloga, Mestre em Sociologia. 1 Famílias com renda per capita de até R$140,00 inseridas no Cadastro Único dos Programas do Governo Federal (CadÚnico). ** PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 5 nico possui uma base de dados atual de 126.472 famílias, das quais cerca de 70 mil são beneficiárias do Bolsa Família. O Índice de Gestão Descentralizada (IGD), instituído pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, avalia a operacionalização do programa. Isso significa que, ao atingir mais de 70 pontos, o município alcança uma posição de destaque, conforme os parâmetros de análise, em relação à gestão de cadastro e no acompanhamento das condicionalidades do Programa Bolsa Família. O município de Belo Horizonte possui um dos melhores índices entre as cidades com mais de 100 mil habitantes. São previstas às famílias beneficiárias condições relativas à saúde, ao acesso à educação e à assistência social. O objetivo das condicionalidades é assegurar que os beneficiários participem de políticas sociais básicas, no intuito de promover a melhoria das condições de vida de seus membros, propiciando a garantia dos mínimos sociais. Segundo Sposati (2001), os mínimos sociais correspondem às necessidades fundamentais a serem satisfeitas pelas políticas sociais. Em síntese, os mínimos sociais são entendidos como um patamar do padrão básico de qualidade de vida, abaixo do qual nenhum cidadão brasileiro deveria estar. Esses mínimos sociais devem ser assegurados por um sistema de proteção social, cabendo ao Estado a principal responsabilidade de instituí-lo e gerenciá-lo. O acompanhamento das condicionalidades do programa, juntamente com o repasse da transferência de renda, pode impulsionar de forma positiva a vida da população beneficiária, propiciando melhorias nas condições de vida, maior acesso a bens de consumo, desenvolvimento nutricional e educacional, fatores esses imprescindíveis ao desenvolvimento humano. Cada família responde aos estímulos concretos a que se encontram submetidas, conforme estruturas, subjetividades e vivências familiares. Se essas condicionalidades não se realizam, torna-se possível identificar as famílias em situação de risco e/ou vulnerabilidade social ou que apresentam dificuldades de acesso aos serviços básicos. Esse indicador possibilita ao município identificar e atuar, de modo a reverter situações de exclusão de acesso a bens sociais básicos, que não estejam sendo oferecidos no nível exigido pela demanda social local. São indica- Intersetorialidade A Prefeitura fez uma ampla campanha de divulgação do Planseq da Construção Civil dores que demonstram também as dificuldades dos grupos familiares em garantir proteção e promoção aos seus membros. No caso de uma gestão intersetorial, como ocorre no município de Belo Horizonte, as condicionalidades se apresentam como norteadoras de ações de promoção social, por identificar as famílias em maior grau de vulnerabilidade social. Em relação à saúde, as condicionalidades previstas pela Portaria MS/ MDS n.º 2.509, de 18 de novembro de 2004, estabelecem que as famílias com crianças até 7 anos devem se comprometer com os cuidados em relação à vacinação dessas crianças, mantendo atualizado o calendário de vacinas, assim como mantê-las rotineiramente examinadas para verificação de pesos e medidas, conforme determinações do Ministério da Saúde. As gestantes devem participar do pré-natal, dando continuidade, após o nascimento da criança, à participação em atividades educativas desenvolvidas pelas equipes de saúde sobre aleitamento materno e formas de alimentação saudável. No que compete à educação, as condicionalidades previstas pela Portaria MEC/MDS n.º 3.789, de 17 de novembro de 2004, determinam que as crianças de 6 a 15 anos devem estar matriculadas na escola e ter frequência mínima de 85% das aulas a cada mês. Os adolescentes de 16 e 17 anos devem estar matriculados na escola e ter frequência mínima de 75% das aulas a cada mês. As iniciativas intersetoriais são instrumentos eficazes para viabilizar estas ações, o que exige definição de conceitos e planejamento de fluxos de ação acordados entre os parceiros. As situações de exclusão são mais amplas que a pobreza. As famílias beneficiárias apresentam potencialidades e fragilidades, que precisam ser acolhidas e qualificadas sob uma perspectiva intersetorial. Cabe ressaltar que as políticas sociais são historicamente fragmentadas, sobrepostas, e têm o indivíduo como público de suas ações, que, em geral, não são monitoradas e avaliadas. A prática nos mostra que uma única política é insuficiente para atingir positivamente as condições complexas dessas famílias. É imprescindível que os gestores dessas políticas se articulem para discutir os casos e definir os encaminhamentos e as ações intersetoriais que levem aos resultados almejados. Com esse propósito, a Prefeitura de Belo Horizonte, através do Programa Bolsa Família, criou e implementou o Núcleo Intersetorial Regional (NIR) nas nove regionais administrativas. Esse núcleo foi instituído em 2004 e ficou responsável por articular práticas de ações intergerenciais. Em 2009, o NIR2 foi regulamentado através do Decreto n.° 13.660, de 3 de agosto de 2009, visando à promoção da intersetorialidade e descentralização das ações de inclusão social para as famílias atendidas nos Programas e Serviços Sociais do Município, com prioridade para as famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família. O NIR é composto majoritariamente por representantes das gerências de assistência social, saúde e educação. O Programa Bolsa Família, ao criar o Núcleo Intersetorial Regional, possibilitou um ambiente de encontro e discussão, ampliando a construção de fluxos para o atendimento às famílias. Como ocorre na questão das ações para o cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família. A articulação entre todas as políticas sociais da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte incorpora serviços de proteção governamentais e não governamentais. Essas atribuições possibilitam a viabilização dos fluxos, como citado anteriormente, para a gestão do programa e metodologias de políticas de atenção às famílias. As ações complementares são contempladas neste espaço quando são definidas estratégias de ações intersetoriais voltadas 2 A experiência do NIR foi publicada no Observatório de Boas Práticas na Gestão do Programa Bolsa Família (PBF)/ MDS. Esse Observatório é um espaço que tem por finalidade identificar, reunir e divulgar as boas práticas na gestão do PBF, desenvolvidas pelos estados e municípios, e apoiar a constituição de uma rede de gestores que atuam na implementação e no acompanhamento do Programa. 6 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 Arquivo SMPS à reinserção familiar e comunitária como institui o decreto. Os programas complementares são ações nas áreas de geração de trabalho e renda, de acesso ao conhecimento dos direitos que visam a promover o desenvolvimento social e econômico sustentável das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família. Atualmente, está sendo implementado em todo o Brasil, inclusive em Belo Horizonte, o Planseq/Próximo Passo (Plano Setorial de Qualificação e Inserção Profissional) para os Beneficiários do Programa Bolsa Família. O objetivo desse projeto tem sido a implementação de um modelo unificado de ações complementares que ampliem as oportunidades de inclusão ocupacional dos trabalhadores beneficiários do Programa Transferência de Renda e atender à demanda de mão de obra qualificada para as vagas criadas pelo crescimento econômico e inseri-los no mercado de trabalho. A Secretaria Municipal de Políticas Sociais, por meio da Gerência de Coordenação dos Programas de Transferência de Renda, da Gerência de Coordenação dos Programas de Emprego e Capacitação de Mão de Obra e do Núcleo Integrado de Apoio ao Trabalhador (NIAT), articula ações de mobilização com as famílias beneficiárias, a fim de intensificar a divulgação dos cursos do Planseq/Próximo Passo. Os cursos oferecidos são da área da Construção Civil e Turismo. A estratégia de mobilização adotada pelas redes intersetoriais da Prefeitura de Belo Horizonte leva em consideração as características da Cidade, a divisão administrativa e as especificidades de cada Regional. O trabalho de mobilização e sensibilização dos beneficiários está estruturado em três eixos: O primeiro é a parceria com a URBEL para mobilização e execução dos cursos nas áreas do Programa Vila Viva, Orçamento Participativo da Habitação e demais obras de urbanização dentro de vilas e favelas. Outro eixo é a articulação com os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS); escolas, Centros de Saúde e demais programas e serviços sociais, por meio dos Núcleos Intersetoriais Regionais. Por fim, a integração das ações de mobilização para a atualização cadastral e a divulgação para os cursos do Planseq/Próximo Passo constitui-se mais um eixo de enfoque. A Secretaria Municipal de Políticas Sociais promove, também por meio do NIAT, ações para mobilizar as famílias beneficiárias É importante ressaltar aspectos relevantes na implantação do Planseq/Próximo Passo. Os atores envolvidos no processo deparam, cotidianamente, com desafios. Esses, contudo, ampliam e direcionam a construção das políticas públicas. No caso deste programa de qualificação, foi possível atentar para quesitos desafiadores, como as questões institucionais entre Estado e entidades executoras. Muitas dessas questões foram previamente definidas formalmente no convênio; entretanto, não é possível abranger todas as situações em que o público alvo encontra-se inserido. Nosso desafio se coloca diante de uma população vulnerável, que tem na informalidade ocupacional um modo de sobrevivência e, também, decorre da percepção dessas transformações para melhor inserir os beneficiários da Bolsa Família nos padrões de exigência do mercado profissional. Inclusão produtiva Outra ação complementar desenvolvida em Belo Horizonte é o projeto "Geração de trabalho e renda: construindo uma alternativa solidária e cidadã". Esse projeto constitui uma demanda do Minis- tério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), com recursos do FINEP3, do Ministério da Ciência e Tecnologia, numa parceria entre a Prefeitura de Belo Horizonte4 e a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUCMinas. O objetivo desse projeto é a inclusão social e produtiva das famílias beneficiárias do programa Bolsa Família, com medidas de fortalecimento das políticas de segurança alimentar, de transferência e de geração de renda que integram o Programa Fome Zero. O empreendimento está inserido em uma proposta de desenvolvimento local, um dos princípios da Economia Solidária para viabilizar as demandas e o fortalecimento das comunidades, respeitando as suas diversidades, potencialidades e os desafios postos. Para tanto, vale ressaltar a articulação interinstitucional entre organizações governamentais, não governamentais e setores representativos das comunidades locais. Essa parceria inovadora possibilita o estabelecimento de uma rede de formulação e consolidação de conhecimentos e experiências. Conforme o projeto implementado pelo poder público e parceiros, a busca de alternativas é necessária para enfrentar o 3 A Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) tem como missão promover o desenvolvimento econômico e social do Brasil por meio do fomento público à Ciência, Tecnologia e Inovação em empresas, universidades, institutos tecnológicos e outras instituições públicas ou privadas. 4 A Prefeitura de Belo Horizonte, representada pela Secretaria Municipal de Políticas Sociais (SMPS), vinculada ao Programa Bolsa Família, pela Secretaria Municipal Adjunta dos Direitos de Cidadania (SMADC), pela Secretaria Municipal Adjunta de Abastecimento (SMAAB), pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS) e pela Secretaria de Administração Regional Municipal Barreiro. PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 7 cenário de disparidades sociais a partir do desenvolvimento e potencialidades locais, minimizando o caráter distributivo de riqueza desigual. Sobretudo, na perspectiva de gênero, tendo em vista a histórica discriminação das mulheres nos processos decisórios. Esse projeto trata, portanto, de um modelo de implementação de economia solidária alicerçada no empoderamento feminino. Os três empreendimentos econômicos solidários previstos no projeto (hortas com ervas finas, frutas desidratadas e condimentos) foram desenvolvidos com as beneficiárias do Bolsa Família residentes na regional Barreiro. Essas beneficiárias participam do projeto com o plantio e manutenção da horta, elaboração dos doces e condimentos com a supervisão de profissionais capacitados para o acompanhamento. A partir disso, os beneficiários encontram possibilidades de ocupação e perspectivas de emancipação econômica. As ações complementares do Programa Bolsa Família são também desenvolvidas na área da Região Metropolitana. A consolidação de conhecimento e experiências já citados refletem no Fórum Metropolitano do Bolsa Família. A Prefeitura de Belo Horizonte compõe a Comissão Organizadora do Fórum Metropolitano do Programa Bolsa Família. Criado em março de 2007, o Fórum é um espaço de interlocução entre os municípios da região metropolitana de Belo Horizonte para o aprimoramento da gestão do Programa. O objetivo do Fórum é manter um espaço permanente de interlocução dos municípios da região metropolitana; aprimorar e estimular a gestão intersetorial do Programa Bolsa Família, organizando e integrando as ações das diversas políticas sociais para a inclusão e promoção das famílias mais pobres do município. O Fórum conta com a participação de 34 municípios e representantes das áreas de governo estadual e federal. Para sua implantação e coordenação, foi criada a Secretaria Executiva, que é composta por dez municípios da região metropolitana de Belo Horizonte5. Nos encontros mensais, são debatidos diversos temas de interesse, em busca de soluções aos desafios na gestão do Programa Bolsa Família. Essa prática permitiu a criação de câmaras temáticas para a análise de temas referentes à gestão das condicionalidades/ benefícios, do Cadastro Único. Trata-se de uma experiência inovadora, reconhecida pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conclusões A intersetorialidade é o motor que engendra as políticas sociais no município de Belo Horizonte e neste artigo pretendeu-se expor a realidade das experiências inovadoras que se apresentam a partir deste modelo de estrutura de gestão. São muitos os avanços da gestão do Programa Bolsa Família no município de Belo Horizonte e, também, são grandes os desafios que se apresentam para efetiva implementação da proposta intersetorial, por se tratarem de âmbitos específicos de ação com diversas lógicas e temporalidades, o que inibe o compartilhamento das ações e sua integração ao cotidiano. O espaço fundamentado pelas políticas públicas que envolvem a descentralização constitui um ambiente propício à emergência de novos atores sociais e políticos. Como as experiências ocorridas na Incubadora Tecnológica e no Planseq/ Próximo Passo que vem demonstrando que a participação dos beneficiários no planejamento, execução e avaliação das ações é um instrumento de vigor que incita novas atitudes e vivências em relação às condições de superação de vulnerabilidades a que muitos desses participantes estão submetidos. Essas experiências, portanto, devem ser aperfeiçoadas, a fim de potencializar novos espaços de transformação social que visem ao exercício da cidadania plena e à transparência na gestão pública. É fundamental que haja um comprometimento com a prestação de serviços sociais para a população que garanta medidas eficazes, eficientes e, sobretudo, efetivas, capazes de identificar e implementar políticas que visem a assegurar os mínimos sociais. O presente artigo sugere uma reflexão contínua em busca do aperfeiçoamento das políticas aqui descritas. Abstract This article discusses the inovations happened in the management of the Family Scholarship Program in Belo Horizonte municipality through the intersectional experience, understood as a policy that aims to enlarge the completeness and the synergy spaces of the public power actions. The intersectionality is based on actions on where its implantation permits to experience the construction and the policies effectiveness. Therefore, we will deal here with the discussions that involve concepts that structure the Family Scholarship Program and its management and the complementary actions that were effectived from the spaces destined to the intersectionality. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004 Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 de jan 2004. BRASIL, Decreto Federal n.° 5.209, de 17 de setembro de 2004, Regulamenta a Lei n.° 10.836, de 9 de janeiro de 2004, Diário Oficial da União, Brasília, 20 set 2004. BRASIL, Portaria MS/MDS n.º 2.509, de 18 de novembro de 2004 Diário Oficial da União, Brasília, 22 nov 2004 BRASIL, Portaria MEC/MDS n.º 3.789, de 17 de novembro de 2004 Diário Oficial da União, Brasília, 18 nov 2004. BRONZO, Carla. Vulnerabilidade, Empoderamento e metodologias centradas na família: conexões e uma experiência para reflexão. 2007. Disponível em http:// www.gestaodeconcurso.com.br/site/common/BaixarArquivo.aspx?guid=056ef1ec-cbe3-45c7952f-a6352747775c. acessado em 15/01/2010. CKAGNAZAROFF, I. B.; Mota, N. R. Considerações sobre a relação entre descentralização e intersetorialidade como estratégias de modernização de prefeituras municipais. In: Economia e Gestão, Belo Horizonte, v. 3, n. 6, p. 23-41, dez. 2003. Decreto Municipal n.º 13.660, de 3 de agosto de 2009. FONSECA, M. T. N. M. e DINIZ, S. G. M. 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Enfim, fazer com que a democracia, a organização e mobilização social de agora em diante fizessem parte da vida dos 50 mil habitantes da cidade. Mobilização e Organização Social é o envolvimento não de um, dois ou alguns indivíduos, mas de uma sociedade em prol de um objetivo. É a participação conjunta da comunidade, empresas, governos, instituições, entidades e associações para o combate de um problema social: a fome, a pobreza, a violência, a ignorância, os descasos, os desperdícios e uma infinidade de ações repulsivas. Ver o mundo através de uma janela é bem diferente de abrir a porta e ultrapassá-la. Deixando de lado o estado contemplativo de observação, o melhor é a interação e a participação em um mundo que aguarda a mobilização e a organização social. Para ir a seu encontro, a criação de programas que façam com que a sociedade passe a se interessar e valorizar esse mundo, e que nesse meio de convívio, seja um agente protagonista e transformador. Conscientizar a comunidade de que a atividade desenvolvida pela organização, de alguma forma, contribui para a melhoria do ambiente, das pessoas, da qualidade de vida. Mostrar que ações O processo de mobilização das pessoas para uma causa de longo prazo é constante conjuntas, então, provocam maiores resultados ainda. Os gritos ouvidos a partir da organização serão mais fortes e de maior alcance. E por que não dizer mais objetivo, real e verdadeiro? Mobilizar pessoas para uma festa, uma passeata em prol de uma causa, um protesto contra um governo indesejado ou multinacional que desagrade é fácil. Difícil é fazer com que essas pessoas legalmente se organizem e mudem de hábitos. É necessário entender que o processo de mobilização para uma causa de longo prazo é constante. Ou seja, mobilizar para o presente é mais tranquilo do que mobilizar para o futuro. O futuro requer organização, planejamento, objetivo, e para o sucesso da mobilização, a palavra de ordem é trabalho. Se você faz parte de um conselho, de uma associação, de uma entidade, pensa e trabalha em prol da educação, saúde, meio ambiente, trabalho, renda, cultura, esporte, desenvolvimento rural, desenvolvimento social, desenvolvimento econômico, emprego, turismo, direitos humanos, habitação, saneamento, lazer ou em qualquer outra política pública, para a credibilidade de seu pensamento e efetividade de seu trabalho, a conscientização do seu meio de convivência deve manter um alinhamento de objetivos e todas as suas pontas devem estar amarradas. Isso define que os fins justificam os meios. Pergunte-se: "Qual o meu papel neste Conselho?" ou "O que posso fazer para melhorar minha comunidade fazendo parte desta Associação de Moradores?" ou "O meu interesse é o de todos?". Depois disso, é promover ações que possibilitem que aquilo que foi compreendido seja colocado em prática. De Gestor da Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social da Prefeitura de Congonhas. PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 9 que adianta fazer uma campanha, provocar debates consistentes ou contribuir com atos cidadãos se não há interesse no desenvolvimento social? A organização social é a participação em um processo de mobilização social, o que significa que pode ser ao mesmo tempo meta e meio. Por isso, não podemos falar da organização e participação apenas como pressuposto, como condição intrínseca e essencial de um processo de mobilização. Ela de fato o é. Mas ela cresce em abrangência e profundidade ao longo do processo, o que faz dessas duas qualidades um resultado desejado. Considerar a participação como um valor democrático: toda ordem social é construída pelos homens e mulheres que formam a sociedade. A ordem social não é natural e cada sociedade é que constrói sua ordem social. Porque ela não é natural é possível falar em mudanças. Quando a sociedade começa a entender que é ela quem constrói a ordem social, vai adquirindo a capacidade de autofundar a ordem social, de construir a ordem desejada, vai superando o fatalismo e percebendo a participação, a diferença e a deliberação de conflitos como recursos fundamentais para a construção da sociedade. A participação deixa de ser uma estratégia para converter-se em ação rotineira, essencial. Nesse sentido, a participação é o modo de vida da democracia, o que justifica a organização e a mobilização social. Com tudo isso, é necessário incorporar as propostas dos movimentos populares às do governo do momento. É nosso dever colaborar com isso. Por que não criar mais propostas e efetivar as já existentes? Temos que unificar pensamentos, desenvolver ações. Hoje, percebo como uma ação de realização é necessária e vou mais longe: temos de manter uma relação de rotina com os movimentos populares. E tudo isso vem através da organização e a mobilização social. A voz de Congonhas Em 2005, o prefeito Anderson Cabido apresentou à cidade uma nova estrutura de governo. A Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social, que além de coordenar as atividades de assistência e promoção do cidadão, prioriza, ou melhor, enfatiza o desenvolvimento comunitário, a opinião pública, os conselhos municipais, entidades, associações, os movimentos sociais e principalmente os populares. Coordenar o planejamento e execução das ações relativas à mobilização e organização social, desenvolver e implantar a assistência a movimen- tos populares, interagir com os movimentos populares e auxiliar em sua organização, encaminhar solicitações das entidades organizadas para providências, promover a articulação das secretarias do governo com as entidades organizadas, autorizar a subvenção social ou auxílio financeiro para entidades sem fins lucrativos são competências da Diretoria de Mobilização e Organização Social, portanto atribuições da Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social. Para entendermos a força desse trabalho em Congonhas, no período de 2005 a 2008, lembrando que a cidade possui 50 mil habitantes, foram realizados 240 atendimentos a produtores rurais do Programa "Luz Para Todos"; 24 solicitações de terrenos e imóveis para entidades; 44 acompanhamentos nas eleições das associações; 208 atendimentos às demandas das associações; 124 atendimentos na orientação para criação de entidades; 40 recebimentos de reivindicações de bairros; 176 alterações, reformas ou emendas em estatutos; 796 elaborações de declarações, editais, atas, ofícios; 248 esclarecimentos a reclamações diversas; 204 elaborações de projetos; 1.280 reuniões com comunidades; articulação da participação de 300 lideranças diversas do município na audiência pública na Assembleia Legislativa em Belo Horizonte, na qual a pauta era o "Luz Para Todos", de 200 pessoas em encontro para debater Direitos Humanos na Romaria, em Congonhas, de 300 pessoas, em média, nas Conferências Municipais, como Cultura, Assistência Social, Mulher, Idoso, Juventude, Pessoas com Deficiência, Esporte, Criança e Adolescente, Igualdade Racial, Antidrogas; 25 Conselhos Municipais foram criados, 90 entidades legalizadas. A partir de 2009, a cidade de Congonhas redobrou a atenção ao movimento popular, com o fortalecimento das entidades, associações e conselhos, a promoção de encontros, fóruns e seminários, a capacitação de associações de moradores e conselhos municipais, o relacionamento entre município e entidades legalizadas, o acompanhamento de todos os projetos populares do município, a contribuição no fortalecimento das associações de moradores. Buscou-se colocar o movimento popular como referência para os diversos segmentos populares e o convencimento às entidades, associações e conselhos municipais para a necessidade de capacitação como rotina. Buscou-se também o fortalecimento de entidades, associações e conselhos, aos quais foram distribuídas informações das políticas públicas. 10 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 Vale a pena citar que em Congonhas a organização e mobilização social não estão presentes somente na legalidade das entidades ou na mobilização para audiências públicas e conferências. Estão presentes em tudo que aconteça na cidade que promova o desenvolvimento e envolvimento do cidadão. No calendário de eventos do município, por exemplo, as entidades, associações, conselhos e ONGs contribuem e participam na elaboração, planejamento e execução de festas como o Carnaval, Semana Santa, Semana de Museus, Festival de Quitanda, Festival de Inverno, Semana do Aleijadinho, Semana da Cidade, Natal Luz e Reveillon Popular. E no final de 2009, a comunidade foi chamada a participar dos diversos encontros em todos os bairros e regiões da cidade, para conhecerem, discutirem e efetivarem o Orçamento Participativo, implantado pelo governo municipal em setembro de 2009. Abstract The article reports the experience of the social mobilization and organization of Congonhas City hall, through the Municipal Secretary of Social Development and Assistance, considering the participation as a democratic value. Congonhas, seus conselhos, suas entidades, suas associações, seus números I - Conselhos Municipais 1. Conselho Municipal de Assistência Social - Lei 2.340, de 08/05/2002 2. Conselho Municipal Antidrogas - Lei 2.387, de 19/11/2002 3. Conselho Municipal Gestor Programa Família de Congonhas - Lei 2.508, de 03/06/ 2005 4. Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - Lei 2.542, de 15/ 09/2005. 5. Conselho Municipal de Cultura - Lei 2.765, de 21/12/2007. 6. Conselho Municipal de Defesa Social. 7. Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico - Lei 2.117, de 27/11/1996. 8. Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e Sustentável - Lei 2.675, de 22/12/ 2006. 9. Conselho Municipal de Educação - Lei 2.802, de 18/08/2008. 10. Conselho do Fundo de Manutenção e De- senvolvimento do Ensino Básico - Lei 2.719, de 18/07/2007 11. Conselho de Alimentação Escolar - Lei 2.271, de 29/12/2000. 12. Conselho Municipal de Habitação - Lei 2.376, de 19/11 2002. 13. Conselho Municipal dos Direitos do Idoso - Lei 2.385, de 19/12/2002. 14. Conselho Municipal da Juventude - Lei 2.789, de 23/04/2008. 15. Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente - Lei 2.372, de 8/11/2002. 16. Conselho Municipal dos Direitos da Mulher - Lei 2.812, de 4/11/2008. 17. Conselho Municipal da Igualdade Racial - Lei 2.829, de 30/12/2008. 18. Conselho Municipal da Saúde - Lei 2.706, de 16/07/2007. 19. Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional - Lei 2.513, de 24/ 06/2005. 20. Conselho Municipal de Turismo - Lei 2.625, de 21/06/2006. 21. Conselho Municipal de Esporte e Lazer Lei 2.766, de 21/12/2007. 22. Conselho Municipal de Desenvolvimento e Planejamento Urbano - Lei 2.768, de 27/ 12/2007. 23. Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Lei 2.813, de 04/11/2008. 24. Conselho Curador do Fundo Profeta - Lei 2.336, de 07/05/2002. 25. Conselho Comunitário de Segurança Pública. II- Associações Comunitárias, Entidades e ONGs de Congonhas 1. União das Associações Comunitárias de Congonhas 2. Associação dos Amigos do Bairro da Praia 3. Associação dos Moradores dos Bairros Basílica e Cruzeiro 4. Associação dos Moradores dos Bairros Plataforma 5. Associação Comunitária de Dr. Joaquim Murtinho 6. Associação dos Moradores do Distrito do Alto Maranhão 7. Associação Comunitária Progresso 8. Associação dos Moradores do Bairro Novo Rosário 9. Associação dos Moradores dos Bairros Rosário e Alvorada 10. Associação Comunitária de Santa Quitéria 11. Associação dos Moradores dos Bairros Unidos 12. Associação Comunitária do Povoado do Pequeri 13. Associação de Desenvolvimento dos Bairros Vila Marques e Vila Cardoso 14. Associação Comunitária Nossa Senhora Aparecida 15. Associação dos Moradores do Bairro Jardim Profeta 16. Associação dos Moradores do Bairro Boa Vista 17. Associação Comunitária Lobo Leite 18. Associação Comunitária do Bairro Grand Park 19. Associação Comunitária dos Moradores do Campinho 20. Associação Comunitária do Bairro Nova Cidade 21. Associação dos Moradores do Residencial Tancredo Neves 22. Associação Comunitária Lucas Monteiro 23. Associação Comunitária do Bairro Pires 24. Associação Comunitária do Bairro Zé Arigó 25. Associação dos Moradores do Bairro Dom Silvério 26. Associação dos Moradores dos Bairros Vila Andrezza e Jardim Vila Andrezza 27. Associação Comunitária de Autodesenvolvimento do Residencial Casa de Pedra 28. Associação de Moradores dos Bairros Bom Jesus e Lamartine 29. Associação Comunitária do Campo das Flores, Barnabé e Mineirinha 30. Associação dos Moradores do Bairro Eldorado 31. Associação dos Moradores dos Bairros Vila Rica, Fonte dos Moinhos 32. Associação dos Moradores dos Bairros Belvedere e Novo Belvedere 33. Associação dos Moradores da Matriz 34. Associação dos Moradores dos Bairros Primavera e Rosa Eulália 35. Associação Comunitária do Bairro Ipiranga 36. Associação Comunitária Esmeril 37. Associação dos Amigos do Tijucal 38. Associação Comunitária da Vila Nereu e Adjacências 39. Centro de Apoio ao Menor de Congonhas 40. ONG Mulher, Cidadania e Paz 41. Associação Cultural Canto Livre 42. Associação Cultural Palco Tablado 43. Associação de Dança, Arte e Cultura 44. Grêmio da Juventude de Congonhas 45. Sociedade Musical Nossa Senhora da Ajuda 46. Corporação Musical Bom Jesus 47. Associação dos Pequenos Produtores e Artesãos da Agricultura Familiar de Congonhas Nossa Família 48. Lar Comunitário das Operárias de São José 49. Associação dos Catadores de Papel e Material Recicláveis de Congonhas 50. Associação dos Pescadores Amadores de Congonhas 51. ONG Associação Cultural Raça Negra 52. Clube do Cavalo de Congonhas 53. Associação dos Amigos Artechão 54. Associação Congonhense de Radioamadores 55. Golaço Esporte e Cidadania 56. Associação Ciclística de Congonhas 57. Associação Congonhense de Caminhadas 'Pelas Trilhas' 58. Associação dos Aposentados e Pensionistas de Congonhas 59. Grupo da Melhor Idade Arte de Viver 60. Grupo Renascer da Terceira Idade 61. Grupo Reviver da Terceira Idade 62. Renasce Eterna Juventude 63. Grupo Poente Prateado - POP 64. Grupo Viver de Novo da Terceira Idade 65. Folia de Santos Reis e São Sebastião de Congonhas 66. Folia de Santos Reis e São Sebastião de Santa Quitéria 67. Folia de Santos Reis do Divino Espírito Santo 68. Folia de Santos Reis de São Sebastião com Proteção de São José 69. Folia de Santos Reis de São Sebastião com Proteção de Nossa Senhora da Conceição 70. Bandas de Congado e Marujo Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia 71. Diretório Regional de Congado de Nossa Senhora do Rosário, Folia de Reis e Pastorinhas de Congonhas 72. Associação Guarda de Marujos Marinheiro Sereia do Mar e Nossa Senhora do Rosário 73. Congado Dança de Langra do Alto Maranhão 74. Congado Nossa Senhora do Rosário Beija-Flor do Campinho 75. Associação de Artesãos e Produtores Caseiros de Congonhas e Região 76. Associação dos Vendedores Ambulantes de Congonhas 77. Instituto Vida Nova 78. Associação Kioey Kay Kan Karate Do 79. Associação Hospitalar Bom Jesus 80. Conselho Central São Vicente de Paulo 81. Associação de Pais e Amigos do Excepcional 82. Lions Clube de Congonhas 83. Rotary Clube de Congonhas 84. Rotaract Clube de Congonhas 85. Casa da Amizade das Senhoras Rotarianas 86. Associação da Renovação Carismática Católica 87. Associação Municipal de Pastores Evangélicos de Congonhas 88. Núcleo de Teatro Dez pras Oito 89. Associação Torcida Organizada Rapozama 90. Associação Orquidófila de Congonhas 91. Pastoral da Criança 92. Paróquia Nossa Senhora da Conceição 93. Paróquia São José Operário 94. Paróquia Nossa Senhora Mãe da Igreja 95. Primeira Igreja Batista de Congonhas 96. Igreja Nacional do Senhor Jesus INSEJEC 97. Loja Maçônica de Congonhas 98. Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Congonhas 99. Agência para o Desenvolvimento de Congonhas 100. Sindicato Metabase dos Inconfidentes 101. Sindicato dos Servidores Públicos Municipais 102. Sindicato do Comércio Varejista de Congonhas 103. Sindicato dos Metalúrgicos de Ouro Branco e Congonhas 104. Associação dos Psicólogos do Alto Paraopeba PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 11 Pobreza Exclusão: delimitação conceitual e os desafios para a mensuração CARLA BRONZO* Alessandro Carvalho Este texto trata da concepção de exclusão social e identifica, a partir da análise da literatura, os limites e as possibilidades dessa concepção ampliada sobre a pobreza em termos de sua operacionalização; ou, dito de outro modo, as consequências e implicações para a mensuração da pobreza, quando esta é entendida sob a perspectiva da exclusão social. A identificação de quem são os pobres permite à PBH identificar o público alvo das suas políticas de proteção voltadas para a superação das condições de privação, além de orientar a implantação de programs e equipamentos públicos * Professora da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, membro do Conselho Consultivo da Revista Pensar BH/Política Social 12 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 D istintas abordagens levam a diferenças na identificação de quem são os pobres, a partir de distintas formas de mensuração da pobreza, o que tem implicações para a política pública, incluindo, dentre outras coisas, o aspecto da focalização (Laderchi, Saith e Stewart, 2003, p. 26). Os critérios de focalização utilizados para definir o público legitimamente demandatário das políticas estão diretamente relacionados com a concepção de pobreza que lhe é anterior. Quer dizer, os critérios, escolhas e unidades de análise da focalização decorrem de definições prévias sobre o que é a pobreza e como ela deve ser caracterizada. Também essas definições trazem, de forma mais ou menos explícita, uma proposta de solução para o problema da pobreza. Não se trata, contudo, de uma disputa apenas teórica ou metodológica, uma vez que distintos enfoques e formas de mensuração decorrentes conduzem à seleção de grupos distintos de beneficiários, o que impacta fortemente não apenas o processo de focalização, mas também a proposição de alternativas de intervenção. É importante reter que o processo de mensuração extrapola o âmbito de interesse propriamente metodológico e remete ao tema das políticas públicas pela via da focalização, da identificação de quem são os pobres e de como deve ser feita a distinção entre os pobres e os não pobres, de forma a identificar o público-alvo das políticas de proteção voltadas para a superação das condições de privação. Diferentes enfoques identificam dimensões distintas, salientam aspectos da realidade como mais legítimos e adequados de serem considerados na mensuração do fenômeno, enquadrando as diversas situações de privação sob certas matrizes cognitivas e também valorativas e assim delimitam a realidade, construindo-a como objeto de análise e intervenção social. Delimitações de um conceito: as características da concepção de exclusão Alguns estudos situam diferentes enfoques e tradições no estudo sobre pobreza (Spicker, 2005; Mideplan, 2002; Laderchi, Saith e Stewart, 2003; Feres e Mancero, 2001; Franco, 2003), embora não haja consenso sobre os enfoques existentes. Os enfoques sobre a pobreza a compreendem, basicamente, como ausência de recursos monetários, de não realização de capacidades, como necessidades básicas insatisfeitas, como processos de exclusão e desqualificação social, como vulnerabilidade e riscos. Tais enfoques não incorporam ou enfatizam o mesmo conjunto de questões, relativas à definição da pobreza, às suas causas, o que a faz permanecer, o que é necessário para superá-la. Cada perspectiva constrói-se em torno de conceitos e pressupostos teóricos chaves que orientam as metodologias de mensuração. Os enfoques e as diferentes estratégias de mensuração distinguem-se em pontos diversos: o grau em que os parâmetros utilizados em um contexto podem ser aplicados sem alterações significativas em outros; a ênfase em métodos objetivos ou subjetivos na mensuração do fenômeno; a visão uni ou multidimensional da pobreza; seleção de unidades de análise (indivíduos, famílias, territórios); definições de cadeias de causalidade da pobreza e estratégias para sua superação (Laderchi, Saith e Stewart, 2003). Enquanto o enfoque monetário se distingue pela unidimensionalidade da abordagem, pela ênfase nos métodos objetivos, no foco em indivíduos ou unidades familiares identifi- cados a partir da renda per capita, a perspectiva da exclusão é multidimensional, focaliza os aspectos também subjetivos e relacionais e amplia o olhar para o território e para coletivos específicos. Se a definição de linhas de pobreza basta como estratégia de mensuração (e focalização) pelo enfoque monetário, a perspectiva da exclusão demanda a construção de outros parâmetros para identificar tais processos. A emergência da concepção de exclusão social agrega um outro olhar sobre a pobreza, ressaltando a presença, na caracterização desse fenômeno, de aspectos subjetivos, relativos a valores, identidade, crenças e comportamentos, apontando para a dimensão relacional presente na produção e reprodução da pobreza e para a dimensão de processo e trajetória. Sem contornos claros, com fronteiras amplas e ambíguas, o conceito de exclusão é abordado diferentemente por diversas tradições disciplinares e enfoques. Exclusão é um termo utilizado, frequentemente, para se referir a todo tipo de mazela social, e é usado de forma pouco parcimoniosa com sentidos sobrepostos, referindo-se a fenômenos diversos, tais como pobreza, desigualdade, isolamento, preconceito, privação, vulnerabilidade, dentre outros. É criticado por alguns autores, por um lado, devido à sua generalidade, imprecisão e ambiguidade, e defendido por outros pelas possibilidades abertas de investigação empírica. Mesmo tendo emergido tão recentemente, e apresentando contornos fluidos e consensos fracos sobre o seu significado e alcance, ganhou centralidade nos discursos e na agenda política internacional, nos conselhos de decisão mundial e nas agências internacionais, ocupando grande espaço na produção acadêmica e de pesquisa atual (Laderchi, Saith, Stewart, 2003, p. 20)1. A aparição do termo exclusão data de meados da década de 1960, na Europa, e, naquele momento de prosperidade econômica, a noção remete a uma população mantida à margem do progresso econômico e da partilha dos benefícios do desenvolvimento2. O sentido e o sentimento que tal termo carrega dizem respeito a uma desilusão com o progresso que, em sua marcha, não consegue erradicar os mecanismos de reprodução da miséria. A concepção de exclusão, nesse momento, refere-se a uma espécie de "resíduo inevitável", que não confere ameaças, entretanto, à sobrevivência do conjunto da sociedade. A noção envolvia diferentes tipos de problemas e condições individuais e coletivas, relacionadas à inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho, situações de dependência, segregação, grupos vulneráveis afetados por situações de desestruturação familiar, por doenças e incapacidades ou por condições específicas ligadas ao ciclo de vida familiar (Lavinas, 2003; Haan, 1999; Laderchi, Saith, Stewart, 2003; Burchardt, Le Grand, Piachaud, 2002; Silver, 1995). O conceito chamava a atenção para diversos tipos de pessoas — os inadaptados sociais — que não conseguiam viver de forma socialmente adequada, que não compartilhavam dos frutos do crescimento ou das marés cheias dos ciclos de prosperidade econômica. A emergência do conceito de exclusão não respondeu a uma necessidade teórica, sendo que o uso do termo não tinha pretensões de funcionar como categoria analítica, mas antes como elemento que norteasse a formulação de políticas, que dirigisse a ação governamental de forma consistente a grupos menos favorecidos. O termo se expande a partir dos anos 1980 na Europa, quando os analistas articulam o fenômeno da exclusão aos processos de instabilidade dos vínculos entre indivíduos e 1 O enfoque da exclusão foi adotado recentemente pela União Européia para analisar processos e condições de pobreza nos países europeus contemporâneos, ganhando espaço cada vez maior nos discursos programáticos e nos estudos e produção teórica e acadêmica latino-americana. 2 De acordo com Paugam, o termo exclusão aparece inicialmente em uma obra (L´exclusion social) publicada no auge do movimento internacional ATD Quart Monde, por seu fundador, Joseph Wrésinski e também no documento (Les dividendes du progrés) de Pierre Massé, secretário geral do Plano do governo francês (Paugam, 1996, p.9). PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 13 sociedade, tendo como referência central a dimensão do trabalho. As mudanças no mercado de trabalho e os processos decorrentes da globalização levam à ampliação do conceito de exclusão para referir-se aos fenômenos provocados pelo desemprego recorrente, de longa duração, pela inserção pouco qualificada de indivíduos no mundo do trabalho, ressaltando as consequências, também sociais, daí advindas. Os temas da nova pobreza e a dimensão da precariedade ocupam a cena e os debates na França, sendo sob esse registro que o fenômeno da pobreza passa a ser enfocado nos anos 1980. O foco não reside mais nos grupos marginais, mas sim em grupos de pessoas que tinham um emprego e um lugar social e foram deslocados em função da instabilidade econômica e do mercado de trabalho, os novos pobres. Os estudos nessa época e com essa abordagem centram-se na análise das trajetórias sociais e profissionais, nos comportamentos e formas de adaptação diferenciadas frente às mudanças do mercado de trabalho e novas configurações do Estado e da sociedade. A constatação, cada vez mais clara, era que o desemprego e a precariedade do trabalho tinham consequências para além da renda, provocando alterações em outras dimensões da vida social, enfraquecendo laços e redes sociais, diminuindo a autoestima, provocando o isolamento e a apatia (Saith, 2001, p. 3). Nesse sentido, o conceito de exclusão deixou de referir-se a grupos periféricos ou desviantes para constituir-se em uma situação que afeta a todos em uma sociedade, remetendo à natureza dos vínculos que unem indivíduos e sociedade, ligada ao tema da coesão social. O conceito sinaliza, e essa constatação é sua marca, processos de desintegração social, ameaças de ruptura nas relações entre indivíduo e sociedade. O conceito de exclusão coloca com toda a ênfase a questão da ordem social e também aponta para os limites da excessiva desigualdade e destituição para a vigência da democracia e o efetivo exercício dos direitos sociais. A partir dessa perspectiva, inúmeros programas foram desenvolvidos nos anos 80 do século passado, no âmbito do sistema francês de proteção social, todos ancorados em uma visão republicana do Estado e da sociedade, sustentados pelas noções de solidariedade, coesão, laços sociais (Silver, 1995, p. 64). Trata-se, portanto, da dimensão da integração social, eixo central para compreender a vida social. Robert Castel fornece a base para a concepção de exclusão como ameaça à coesão social, ainda que adote o termo de desfiliação e não de exclusão para se referir ao sentido de perda de raízes, como fenômeno que "situa-se no universo semântico dos que foram desligados, desatados, desamarrados, transformados em sobrantes, inúteis e desabilitados socialmente" (Kowarick, 2002, p. 73). Castel aborda o conjunto das transformações econômicas e sociais tendo como base a questão social, entendida a partir das possibilidades de manutenção do tecido social: "a aporia fundamental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura. É um desafio que interroga, põe em questão a capacidade de uma sociedade (o que, em termos políticos, se chama de uma nação) para existir como um conjunto ligado por relações de interdependência" (Castel, 2003, p. 30). O autor prefere os termos desfiliação e invalidação social ao de exclusão e justifica sua posição afirmando que o conceito de exclusão é estanque, e não captura processos, percursos e trajetórias que a determinam. Entretanto, é importante salientar que não parece haver uma distinção substantiva entre esses dois conceitos — exclusão e desfiliação, ao se considerar que grande parte da literatura reconhece a dimensão do processo como crucial para caracterização do fenômeno da exclusão. Mas Castel enfatiza essa distinção. Para esse autor, o foco da concepção de desfiliação está na visão dos proces- 14 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 sos que levam da integração à vulnerabilidade, ou da vulnerabilidade para a "inexistência social". Seu objetivo, como ele próprio afirma, é: "dimensionar este novo dado contemporâneo: a presença, aparentemente cada vez mais insistente, de indivíduos colocados em situação de flutuação na estrutura social e que povoam seus interstícios sem encontrar aí um lugar designado. Silhuetas incertas, à margem do trabalho e nas fronteiras das formas de troca socialmente consagradas — desempregados por período longo, moradores dos subúrbios pobres, beneficiários da renda mínima de inserção, vítimas das readaptações industriais, jovens à procura de emprego e que passam de estágio a estágio, de pequeno trabalho à ocupação provisória... — quem são eles, de onde vêm, como chegaram ao ponto em que estão, o que vão se tornar?" (Castel, 2003, p.23). O autor privilegia a categoria de trabalho e assalariamento, na análise da questão social, identificando a emergência de uma nova instabilidade com o fim do trabalho como eixo privilegiado de integração social, ou como ele diz, como "suporte privilegiado de inscrição na estrutura social" (Castel, 2003, p. 24). O foco reside nas relações existentes entre a precariedade econômica e a instabilidade social, sendo a "vulnerabilidade social uma zona intermediária, instável, que conjuga a precariedade do trabalho e a fragilidade dos suportes de proximidade" (Castel, 2003, p. 24). Para esse autor, a dimensão econômica, pautada pela estabilidade e regularidade do trabalho, e a dimensão social, referindo-se às redes de sociabilidade primária — família, vizinhança, comunidade — configuram quatro zonas: de integração, vulnerabilidade, assistência e desfiliação. A primeira, integração, reflete uma situação de emprego estável e relações sociais sólidas; a vulnerabilidade é marcada por uma fragilização das condições de inserção produtiva e social; a assistência configura uma situação na qual o recebimento de subsídios públicos constitui a forma de se evitar um desligamento social e econômico e a desfiliação marca uma situação de desemprego e de perda dos laços sociais (Kowarick, 2002, p. 73). A coesão de um conjunto social é dada, segundo Castel, a partir do equilíbrio existente entre essas zonas. A redução e o controle das zonas de vulnerabilidade é condição para manutenção do equilíbrio social, para a "estabilidade de sua estrutura". Castel se pergunta, contudo, se a expansão da zona de assistência seria a única saída para fazer frente à fratura na zona de integração, à expansão da zona de vulnerabilidade e à desfiliação (Kowarick, 2002, p. 73). A concepção de trajetória é trabalhada de forma mais explícita no trabalho de Serge Paugam (2003), que de forma mais concreta que Castel, incorpora as categorias de dinâmica e processo na análise das trajetórias das famílias em situação de pobreza, destituição ou exclusão social, enfatizando as diversas situações de vulnerabilidade que minam a ordem e a coesão social. Na esteira da produção francesa sobre o tema da exclusão social, esse autor aborda o tema da "desqualificação" social, relacionando os processos de desqualificação aos serviços de proteção social. A abordagem de Paugam insere-se no campo de uma sociologia compreensiva que busca recuperar, para além das condições objetivas da pobreza, o sentido e o significado que as pessoas conferem à sua situação vivida, tendo como pano de fundo questões relativas à construção da identidade, status e resistência ao estigma, variáveis centrais para compreender o processo de desqualificação social, tendo como foco grupos e indivíduos que gravitam, com intensidade distinta, em torno do sistema francês de proteção social. O ponto pelo qual a formulação de Paugam é pertinente refere-se à abordagem da pobreza a partir dos processos de identificação operados pelos serviços sociais. Os pobres, e, portanto, legítimos demandatários das políticas de proteção social, constituem uma categoria construída pelos agentes das políticas de proteção, e a pobreza é examinada sob a ótica dos serviços sociais, a partir das relações que se processam entre os beneficiários e agentes da intervenção pública. O mérito do trabalho de Paugam reside em analisar como processos e trajetórias de exclusão interagem com dinâmicas que ocorrem no campo do sistema de proteção social, cuja atuação pode ter um impacto profundo nas condições de vida dos indivíduos intitulados pobres, redefinindo ou reforçando essas mesmas trajetórias. Esse ponto é fundamental para o exame das implicações para as políticas públicas de inclusão social. Ao enfatizar a dimensão dos processos e trajetórias, essa abordagem lança luz sobre as estratégias de prevenção e não apenas de superação das condições de pobreza e exclusão. Esse pode ser um grande mérito que tende a passar despercebido nas discussões conceituais sobre pobreza: em que, medida a concepção de exclusão, resulta em uma nova orientação na intervenção social, no conteúdo e na forma de prestação de serviços sociais. Sob a perspectiva da exclusão, a estratégia de ação pode estar mais fortemente orientada para a prevenção, com maior atenção aos processos que levam da vulnerabilidade e precariedade à desqualificação e exclusão social. Um ponto importante, presente nos estudos sobre processos de exclusão, consiste em afirmar que estes processos são dinâmicos, mas não inexoráveis. As políticas públicas, econômicas e de proteção social, são fundamentais na reversão de processos de exclusão, desfiliação ou desqualificação social. Ao se buscar uma definição mais precisa do conceito, alguns elementos são comuns em praticamente toda a literatura analisada sobre o tema da exclusão. Vários autores salientam tais características, configurando um mesmo, ou bastante similar, conjunto de questões. De forma geral, entretanto, encontra-se estabelecido na produção sobre o tema (Atkinson, 1998; Laderchi, Saith, Stewart, 2003; de Haan, 1999, 2004; Hills, 2002) um conjunto de aspectos ou elementos que fazem parte estruturante da noção de exclusão. Antes de mais nada, o conceito de exclusão envolve, de uma forma ou de outra, uma dimensão contextual. A ideia básica é que o todo processo de exclusão traduz um fenômeno contingente e modelado a partir de características próprias de diferentes sociedades e culturas (Atkinson, 1998, p 13). Exclusão se define a partir dos padrões de integração vigentes em cada sociedade particular: "la exclusión es una construcción social contingente que realiza cada sociedade de modo particular" (Mideplan, 2002, p. 30). Essa dimensão relacional não se expressa apenas no fato de a exclusão ser socialmente construída, na medida em que cada sociedade define seus padrões de integração social, mas também no fato de a exclusão ser produto de relações e interações sociais. O enfoque da exclusão identifica como base de análise as relações sociais, os grupos e comunidades mais do que indivíduos (Mideplan, 2002, p 30; Atkinson, 1998, p 14; Sen, 2000; Hills, 2002; Laderchi, Saith, Stewart, 2003, p. 21). A ênfase nas relações sociais, a natureza e a qualidade dos laços sociais, é o que constitui, de acordo com vários autores, a matriz genética básica do conceito. A situação na qual um indivíduo se encontra não depende apenas ou é decorrente somente de seus recursos próprios, mas também dos recursos da comunidade local, familiares e tradições locais, padrões de cooperação e redes de sociabilidade. A atenção às dimensões menos tangíveis do processo da pobreza, tais como perda da autoestima e da identidade, enfraquecimentos dos laços familiares, sociais e comunitários, com repercussões na manutenção da coesão social, das redes de reci- O conceito de exclusão sinaliza processos de desintegração social, ameaças de ruptura nas relações entre indivíduo e sociedade. procidade e solidariedade, é o que constitui, para vários autores, a especificidade e a relevância da concepção de exclusão social (Sen, 2000; Atkinson, 1998). Além de ser relacional, a exclusão aponta sempre para um processo, devendo ser vista como uma dinâmica e não como um estado, o que valoriza uma compreensão mais ampla do problema (Mideplan, 2002, p 30; Hills, 2002) e envolve expectativas sobre o futuro. Isso significa que as expectativas de futuro são tão relevantes quanto as circunstâncias correntes para a definição da exclusão, bem como ganha centralidade o processo que gera privação: "a definição da exclusão social tipicamente inclui o processo de se tornar pobre, bem como os resultados da privação" (Laderchi, Saith, Stewart, 2003, p. 21, tradução livre). Na concepção de exclusão, a dimensão do tempo é central. Uma terceira característica é que a concepção de exclusão chama atenção para a noção de agência, outra característica que, ao lado da relatividade e do caráter dinâmico do fenômeno, constitui o conjunto de características definidoras da concepção de exclusão. Isso significa que exclusão implica ato, tem sempre presente uma dimensão de ação: "Pessoas podem ser excluídas por decisões bancárias de não oferecer crédito, ou pelas companhias de seguros que não fornecem cobertura. Pessoas podem recusar empregos preferindo viver de benefícios ou ainda podem ser excluídas do trabalho por ações de outros trabalhadores, sindicatos, empregados ou governos." (Atkinson, 1998, p. 14. tradução livre). Embora pouco explorado pelo autor, o tema remete à responsabilidade de atores diversos na produção do fenômeno da exclusão, dimensão ausente nas perspectivas do enfoque monetário ou no das necessidades básicas (Laderchi, Saith, Stewart, 2003, p. 23). Também Gomà atribui essa característica como definidora da concepção de exclusão: essa consiste no fato deste ser um fenômeno inscrito em atos e decisões de agentes. Isso quer dizer que a exclusão, a desigualdade ou marginalização não estão inscritas de forma fatalista no destino das sociedades e seriam passíveis de reversão. Nesse caso, o que se pontua é que se deveria falar de exclusões e não de exclusão, já que cada sociedade, cada tempo e lugar apresentam seus limites próprios de inclusão/ exclusão. A agência relaciona-se com atitudes e decisões de agentes públicos, mas também com atos e escolhas dos próprios excluídos. O fato de dotar a idéia de exclusão de uma clara dimensão estrutural deve ser articulado com sua natureza relativa e emoldurada por uma rede de agentes que tomam decisões, das quais podem originar-se processos de exclusão. Em outras palavras, estrutura e agência se combinam nas raízes da exclusão, de forma específica, em lugares e tempos concretos" (Gomà, 2004, p. 4). Essa característica, embora pouco enfatizada na literatura examinada, é fundamental para reposicionar o conjunto da sociedade no enfrentamento da exclusão. Nessa perspectiva, a pobreza deixa de ser um atributo ou condição individual e sua solução remete ao conjunto da sociedade e suas instituições, em especial aos sistemas e serviços de proteção social. PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 15 Outra característica essencial da perspectiva de exclusão, embora Atkinson não o reconheça explicitamente, relaciona-se com o fato da exclusão ser um fenômeno multidimensional. Este remete ao mesmo tempo a uma questão econômica (acesso de indivíduos aos meios para satisfazer suas necessidades básicas); ao campo político (direitos) e a aspectos socioculturais (participação de indivíduos em redes e relações entre atores, grupos e instituições sociais). Essas dimensões estão interrelacionadas, com intensidade e gradações variadas, o que faz com que as situações de exclusão sejam múltiplas (Mideplan, 2002, p. 30), o que faz como que seja problemática uma intervenção unidimensional e setorial da exclusão social. "Marginalização, como temática da agenda pública, requer abordagens integrais em sua definição e horizontais ou transversais em seus processos de gestão" (Gomà, 2004, p. 18). Tem-se, como síntese, que o enfoque da exclusão social enfatiza e confere centralidade às relações sociais, focalizando os grupos, mais do que os indivíduos isoladamente; diz respeito a processos e trajetórias e não a condições estáticas; aponta para a natureza multidimensional dos fenômenos da pobreza, destituição e privação, abrindo caminhos amplos para o uso de indicadores sociais e para o desenvolvimento de metodologias mais qualitativas, que resgatam dimensões também subjetivas do fenômeno. Como se relacionam as concepções de pobreza e exclusão? Tradicionalmente o conceito de pobreza apresenta uma forte perspectiva econômica e um viés unidimensional, enquanto o conceito de exclusão aponta não apenas para a multidimensionalidade como também para as dimensões não materiais e relacionais (Mideplan, 2002, p. 30). Esses processos podem ou não convergir, e, nesse caso, pessoas podem ser pobres sem serem excluídas e podem ser socialmente excluídas sem serem pobres (Atkinson, 1998, p. 9). Embora pobreza e exclusão não sejam termos idênticos, ter renda (e nesse sentido, não ser pobre) é parte essencial de um programa de redução da exclusão, como afirma o autor: "enquanto pobreza não é o mesmo que exclusão, aumentar a renda das pessoas via seguridade social é uma parte essencial de qualquer programa para reduzir exclusão" (Atkinson, 1998, p. 11. Tradução livre). Uma hipótese de trabalho, aqui considerada, é que o conceito de exclusão complementa o de pobreza, ao contemplar um espectro maior e mais diversificado de aspectos. Críticas ao conceito de exclusão e limites de sua aplicação em países em desenvolvimento Uma crítica forte à concepção de exclusão é a de que esse seria um termo vago, impreciso e sobreposto ao conceito de pobreza. Para alguns autores, dentre eles Amartya Sen, concepções mais amplas sobre a pobreza não teriam nada a dever a concepções emergentes ligadas à exclusão social. Nesse sentido, consideram que exclusão não acrescenta nada ao conceito de pobreza, sendo irrelevante ou, em alguns casos, servindo para identificar um subgrupo de pobres, "os mais 3 pobres dos pobres" (Burchardt, Le Grand, Piachaud, 2002, p.3). Embora reconhecendo que a concepção de exclusão seja uma formulação engenhosa, alguns autores salientam que não há verdadeira inovação no uso dos termos exclusão em relação ao de pobreza, muito menos no que se refere a formas de mensuração e nesse caso seria um exagero afirmar que se trata de um novo enfoque. Incorporar dados sobre domicílios e não sobre indivíduos ou ampliar o arco de indicadores relevantes para identificar ausência de recursos ou ainda expandir o horizonte de tempo para análises dinâmicas — que seriam as formas de mensurar a exclusão — não são suficientes para se dizer que se trata de algo realmente inovador (Burchard, Le Grande e Piachaud, 2002, p. 5). Em outro registro, Amartya Sen (2000) desenvolve um argumento forte para atenuar a novidade conceitual da exclusão. O que o autor faz é inserir essa concepção no marco de análise da pobreza como privação de capacidades, entendendo a privação de relações sociais — termo equivalente ao de exclusão, para esse autor — como uma privação em si e como causa de outras privações. Esse autor afirma, de forma categórica, que o enfoque da exclusão representa uma continuidade e uma ampliação do enfoque das capacidades3, mais do que sua negação ou superação. Sen reconhece que a importância do conceito reside menos na novidade conceitual que supostamente apresenta e mais na ênfase que essa perspectiva coloca nos aspectos relacionais4. A ênfase prática que o conceito de exclusão coloca nos aspectos ou dimensões relacionais abre um vasto campo de investigações e reside aí, para esse autor, a maior contribuição que pode ser dada pela perspectiva da exclusão social. De acordo com o argumento de Sen, a "vantagem investigativa" da concepção de exclusão está em possibilitar a análise de causas e interrelações entre as diversas privações, ao ajudar a compreender como aspectos relacionais influenciam a geração de outras privações, mais tradicionalmente reconhecidas no escopo do enfoque das capacidades (Sen, 2000, p. 10)5. Apesar de Sen não reconhecer a ruptura trazida pela concepção de exclusão nos estudos sobre pobreza, uma parte significativa da literatura pontua exatamente o oposto: a fissura radical que esse enfoque traz na percepção sobre a natureza da pobreza e sobre as formas de mensuração. De outra perspectiva, outras críticas à ideia de exclusão referem-se às implicações de se buscar traduzir a concepção de exclusão, forjada em contextos de países desenvolvidos, centrada nos eixos do trabalho e proteção social, para países em desenvolvimento, com altos níveis de desemprego e privação básica, que não contam com sistemas consolidados de bem-estar social. Nesse sentido, o termo exclusão, forjado na Europa ocidental e identificado com os eixos do trabalho e da proteção do Welfare State, encontraria limites para ser aplicado a outros contextos. O status em relação ao emprego é definidor da condição ou não de excluído, na concepção original do termo. Também a inserção ou não no sistema de proteção caracteriza a exclusão social: ser excluído é ser excluído do sistema. Nos países desenvolvidos, a vigência de sistemas mais estruturados de proteção social garante seguros, renda e inclusão no sistema de bem-estar. Entretanto, Na perspectiva das capacidades, a pobreza é definida como carência ou privação de capacidades, sendo pobres aqueles que carecem de capacidades básicas para operarem no meio social, que carecem de oportunidades para alcançar níveis minimamente aceitáveis de realizações, o que pode independer da renda que os indivíduos possuem. 4 Ao buscar exemplificar alguns casos que podem ser beneficiados com o uso da perspectiva da exclusão, Sen identifica e discrimina diversas explicações causais possíveis para os fenômenos da fome e da inanição: dentre essas causas, têm-se as que apresentam um caráter mais "natural" (perda da colheita devida a fenômenos climáticos), outras que se referem a causas macroeconômicas (desemprego) e relativas às alterações no mercado (mudanças nos padrões de preço relativos), e outras que apresentam um caráter mais diretamente relacional e, portanto, melhor focalizadas sob as lentes da exclusão social. A fome pela retirada dos subsídios concedidos a alguns grupos envolve uma forma ativa de exclusão que é central para um bom entendimento da questão, como afirmado por Sen (2000, p. 11). 5 Um exemplo óbvio é quando a privação da sociabilidade reduz as oportunidades econômicas que advêm dos contatos sociais, seja através do conhecimento da oferta de vagas de trabalho, acesso a créditos e subsídios econômicos. 16 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 ainda que incluídos no sistema, os desempregados são considerados excluídos socialmente. Isso porque a questão do desemprego não diz respeito somente à renda ou à produção, como visto a partir de Castel (1998), mas também se refere à dimensão da sociabilidade, da identidade, dos laços sociais e sentimento de pertencimento e autoestima. Os excluídos são excluídos, sobretudo, do ponto de vista das relações sociais. No entanto, nos países em desenvolvimento, a estrutura do mercado de trabalho (tendo a informalidade e sazonalidade como características principais) tornaria problemática a aplicação do conceito (Saith, 2001, p.8). Na visão de Saith, dadas as diferenças estruturais entre os contextos, seria preferível incorporar algumas vantagens do conceito de exclusão — tal como a ênfase nos processos — no interior dos enfoques existentes e dominantes nos países em desenvolvimento, a tentar modificar e adaptar, para países em desenvolvimento, uma concepção formulada para o contexto e a realidade de países desenvolvidos (Saith, 2001, pp.13,14). Essa crítica é pertinente, uma vez que as realidades da Europa e América Latina são distintas quanto à incidência/magnitude e severidade da pobreza e quanto à abrangência dos sistemas e políticas existentes. Entretanto, existem também posições que sustentam a relevância e a utilidade da aplicação da noção de exclusão, mesmo em países em desenvolvimento e com pobreza de massa. Segundo De Haan (1999), existem razões pelas quais o conceito de exclusão apresenta vantagens ao ser utilizado aí. Para o autor, duas características seriam centrais na definição da exclusão: o enfoque multidimensional e o foco nas relações e aspectos sociais e psicológicos da privação (De Haan, 1999, p. 10). Pelo fato de nos países em desenvolvimento existirem distintos e múltiplos níveis de privações, a perspectiva da exclusão, com o foco na multidimensionalidade, poderia funcionar melhor do que nos países desenvolvidos, para analisar como se sobrepõem os diversos vetores de privação em cada contexto específico. Nessa perspectiva, a pobreza como ausência ou insuficiência de renda seria um elemento da exclusão social, sendo que as políticas de redução da pobreza fazem parte, necessariamente, de estratégias de integração social (De Haan, 1999, p. 11). Quanto ao aspecto relativo às dimensões relacionais do fenômeno da privação, o autor sustenta que não há diferenças substantivas entre as agendas dos países desenvolvidos e em desenvolvimento no combate à exclusão e por isso considera útil a utilização do conceito também nos países em desenvolvimento. A mensuração da exclusão: dificuldades de operacionalização Como já dito, o tema da mensuração encontra seu sentido maior quando se relaciona com a questão da focalização, estando assim situado no plano mais específico das estratégias e ferramentas de intervenção no campo da formulação e avaliação de políticas públicas. Se, do ponto de vista teórico e analítico, os diferentes enfoques divergem e se distinguem quanto à caracterização da pobreza, e se tais concepções divergentes levam a diversos métodos de mensuração e a diferentes resultados, as consequências práticas não são irrelevantes, principalmente do ponto de vista das políticas públicas. O tema da mensuração a partir de diferentes concepções teóricas ganha, assim, uma importância analíti- Diferentes enfoques podem identicar direrentes grupos de pobres, o que tem implicações diretas na provisão de bens e serviços públicos. ca adicional. Esse ponto ganha importância não pela questão propriamente metodológica, mas pelo fato de que diferentes enfoques podem levar, entre outras coisas, a identificar diferentes grupos de pobres, o que tem implicações diretas na provisão de bens e serviços públicos, definindo público-alvo das intervenções, orçamentos e alocações de recursos públicos. Que diferenças ocorrem, na prática, quando métodos alternativos são usados? Os universos delimitados são os mesmos? Se sim, o uso da renda como base de mensuração, apesar de suas deficiências teóricas, poderia ser utilizado como proxy de outras privações. Em torno dessas questões, Laderchi, Saith e Stewart (2003) identificaram estudos empíricos levados a cabo em diferentes países e que são instigantes do ponto de vista de seus resultados. Comparando a medida de pobreza pela renda (pobreza monetária) com a mensuração sob o enfoque da capacidade (mensurada pelo acesso a água, esgoto e pelos indicadores de educação e saúde) não há uma congruência ou uma grande sobreposição dos universos mensurados pelos dois enfoques. Existe uma "limitada consistência empírica" entre os enfoques, sendo que essa questão não é banal. O que é difícil de aceitar é como baixos níveis de pobreza medidos por um enfoque sejam compatíveis com alto índice de pobreza em outro. O que os estudos mostram é uma significativa ausência de sobreposição em identificar os indivíduos pobres em um e outro enfoque. Por exemplo, na Índia, 43% das crianças e mais de 50% dos adultos considerados pobres pelo enfoque das capacidades, não eram pobres no enfoque monetário e no Peru um terço dos adultos e crianças considerados pobres do ponto de vista da capacidade educacional não eram pobres na medida monetária. Quando a comparação é com o enfoque participativo, que considera a percepção das pessoas sobre sua condição, as distâncias são ainda maiores. Na Índia, apenas metade dos classificados com baixo bem-estar (enfoque participativo) eram pobres quanto a renda. No Peru, 48% não pobres quanto a renda foram identificados como pobres de acordo com o ranking do bem-estar e 39% dos extremamente pobres quanto ao bemestar não eram pobres do ponto de vista da renda. Quase 30% dos que se auto declararam pobres quanto ao bem-estar eram não pobres quanto à renda e 42% dos pobres quanto à renda não se consideravam pobres quanto ao nível de bem-estar (Laderchi, Saith e Stewart, 2003, p. 33). Para além de suas virtudes, a abordagem multidimensional da pobreza encontra dificuldades de ser operacionalizada. A compreensão e a mensuração da exclusão têm ocupado espaço no campo de pesquisas e de políticas em todo o mundo, com maior ênfase nos países europeus6. Estudos so- 6 Estudos bastante instigantes têm sido realizados por diversas agências internacionais e centros acadêmicos em todo o mundo sobre o tema da exclusão e diversas formas de expressão de situações de vulnerabilidade e risco. Um exemplo é o Centro de Análise da Exclusão Social (Center of Analysys on Social Exclusion-CASE) da London School of Economics, que apresenta um conjunto expressivo de publicações e pesquisas em curso sobre o tema, com uso intensivo de dados longitudinais (Atkinson, Hills etc), dados urbanos espaciais, métodos qualitativos e quantitativos de mensuração da exclusão social. Um dos focos dos estudos consiste no exame da exclusão em áreas e espaços urbanos, o que configura um importante aporte para a análise das situações de pobreza urbana. PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 17 bre pobreza, principalmente os que se utilizam de enfoques multidimensionais, têm mostrado que os grupos de pobres e não pobres não configuram realidades estáticas ou bem delineadas, sendo denominados como fuzzy sets (como afirmado por Chiappero Martinetti, apud Barrientos e Sheperd, 2003, p. 14). Como estabelecer o corte? No campo conceitual, embora muito se produza tendo como inspiração a concepção de exclusão, esta ainda não encontrou um razoável consenso na literatura de maneira a subsidiar processos de mensuração e distinção entre excluídos e não excluídos. Alguns estudos de natureza empírica concentram-se na análise de situações concretas de exclusão, sem se deter no emaranhado conceitual de questões de definição ou na busca de uma concepção geral de exclusão social. Tais estudos, a partir da definição da exclusão como ausência de participação em aspectos chave da sociedade, se dedicam, na esteira dos estudos de mensuração da pobreza e privação, a verificar empiricamente tais questões, definindo indicadores e índices variados para medir a exclusão social. Tal perspectiva não altera, de forma radical, as dimensões consideradas em enfoques anteriores, no registro dos estudos de pobreza. A novidade talvez esteja, como visto, na ampliação do arco de indicadores utilizados. De acordo com os críticos do enfoque da exclusão (Burchard, Le Grande e Piachaud, 2002, pp. 4, 5), essa concepção, embora agregando um número maior de indicadores para mensuração, estaria localizada na esteira dos estudos de mensuração da pobreza e da privação, sem apresentar uma real novidade, pelo menos quanto à mensuração da exclusão. Tal perspectiva insere, contudo, uma visão mais ampla da pobreza, rompendo com a unidimensionalidade e abarcando outras dimensões e aspectos das desvantagens ou destituições sociais; priorizando análises dinâmicas e não estáticas do fenômeno e alterando o foco do indivíduo para o nível da comunidade (Room, citado por Burchard, Le Grande e Piachaud, 2002, p. 5). Adotar o enfoque da exclusão amplia a compreensão do fenômeno, ao articular dimensões objetivas e subjetivas, aspectos mais e menos tangíveis, expandindo o arco de dimensões consideradas como relevantes na caracterização e explicação da pobreza. Nenhuma dessas questões é tratada com centralidade nas concepções mais tradicionais sobre pobreza. Isso em si, não é pouco. Ao considerar a dimensão relacional, contextual e relativa à ordem social da concepção de exclusão, um desafio nada trivial consiste em definir os limites pelos quais se demarcam os excluídos em sociedades particulares, especialmente em países em desenvolvimento ou em sociedades tradicionais, nas quais as desigualdades e os sistemas de castas naturalizam a exclusão. Definir os marcos da normalidade para então se demarcar as fronteiras da exclusão pode ser uma tarefa impossível e vários estudos empíricos em países em desenvolvimento têm adotado uma variedade de enfoques, sem uma devida problematização ou justificativa da escolha particular, ou mesmo sem ter como referência o que é considerado "normal" nas diferentes sociedades (Laderchi, Saith, Stewart, 2003, p. 22). Examinando estudos empíricos sobre a mensuração da exclusão em países em desenvolvimento, Saith reconhece uma grande diversidade de abordagens e de usos de indicadores diversos. Nos estudos sobre a Índia, por exemplo, onde 83% da força de trabalho está na economia informal e ape- nas 14% tem salário regular e estabilidade de benefícios, outros critérios e variáveis têm sido utilizados (Appasamy et al; Nayak, apud Saith, 2001) e enfatizam a exclusão em termos de direitos de bem-estar básicos (saúde, educação, moradia, acesso a água potável, serviços sanitários e seguridade social, desagregados por gênero, idade, nível de renda, religião e casta). Outra pesquisa enfatiza a exclusão de bens básicos devido à baixa renda, a exclusão do emprego e a exclusão de direitos, focalizando situações de trabalho infantil e exclusão via castas (Nayak, apud Saith, 2001). No estudo sobre a exclusão social no Peru (citado por Saith), foram consideradas três dimensões — econômica, política e cultural — agregando indicadores diversos: acesso ao mercado de trabalho, a crédito e seguros, direitos de propriedade e direitos de proteção social e acesso a serviços públicos básicos (saúde, educação e justiça) e exclusão cultural (participação em redes sociais). Em um outro conjunto de estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os grupos em risco de exclusão são definidos a priori, e incluem uma diversidade de coletivos possíveis7. Saith destaca, ao identificar a variedade de estudos de mensuração da exclusão em países em desenvolvimento, que não há uma convergência clara entre as dimensões consideradas e o que deve ser considerado em cada uma delas. As realidades são distintas e, dada a multiplicidade de carências e a baixa capacidade de discriminação da dimensão do trabalho para caracterizar a exclusão em países em desenvolvimento (dada pelo contingente expressivo de desempregados e pela estrutura do mercado de trabalho), a mensuração da exclusão nesses países é muito parecida com os estudos orientados por uma concepção multidimensional de pobreza (Saith, 2001, p.9). De acordo com a autora, nos contextos de países em desenvolvimento, a mensuração da pobreza não pode se ampliar para além de formas mais consolidadas de medir a pobreza. Mas o essencial é enfatizar que a mensuração da exclusão avança em relação aos enfoques monetários ou das necessidades básicas insatisfeitas, porque embora o foco na ausência de recursos materiais permaneça central, têm-se outros fatores de exclusão — discriminação, doenças crônicas, localização geográfica, identificações culturais, fragilização ou ruptura de laços sociais — que precisam ser considerados na mensuração. O uso da noção de exclusão social contribui para uma compreensão mais aprofundada da privação, embora do ponto de vista da mensuração pode-se dizer que não existe, de fato, muita novidade em relação ao que vem sendo feito há dezenas de anos com o uso de indicadores múltiplos de privações, em estudos orientados para verificar correlações entre eles. Vale salientar, concordando com Saith, que o enfoque das capacidades tem uma ampla aplicação em países desenvolvidos e em desenvolvimento, e sua operacionalização vai além das necessidades básicas, podendo capturar aspectos de autoestima, identidade, dignidade, liberdade e autorespeito, categorias centrais na perspectiva de Sen. Mas, nos casos dos países em desenvolvimento, com tantas privações básicas, a mensuração das capacidades tem se restringido às capacidades mais básicas (Saith, 2001, p.12). A adoção de parâmetros de mensuração relativos é pertinente em países desenvolvidos, mas no caso dos países em desenvolvimento, ainda tem sentido adotar padrões absolu- 7 Como na Tanzânia urbana, são considerados como excluídos os mendigos, cortadores de pedras, traficantes, comerciantes de rua, vendedores de alimentos nas ruas, cortadores de peixe, trabalhadores casuais. Nos grupos rurais da Tanzânia, os excluídos referem-se aos sem terra ou com acesso precário a ela e o não acesso a fertilizantes. Na Rússia, a exclusão é mensurada a partir do desemprego a longo prazo, salário do estrato social médio, e proporção de moradores em zonas rurais. Na Tailândia, os grupos excluídos são formados por minorias étnicas, mulheres, doentes, camponeses com pouca educação, trabalhadores do setor informal e pessoas sem casa, vivendo debaixo das pontes (Saith, 2001). 18 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 tos para medir privações, tais como os enfoques das necessidades básicas e, de certa forma, o enfoque das capacidades. Isso quer dizer que adotar a característica de relatividade do conceito de exclusão para pensar realidades tais como a brasileira, com altos e múltiplos níveis de privações, pode ser dispensável. Entretanto, não estamos no Brasil na mesma situação de diversos países da África, por exemplo, que se encontram, de forma mais homogênea, no nível de ampla insatisfação de necessidades básicas. No caso do Brasil, as grandes diferenças regionais e intraregionais demandam e justificam o uso de critérios relativos de mensuração, capazes de capturar, de forma mais clara, as dimensões da desigualdade. O artigo, ao analisar a concepção de exclusão, teve como objetivo problematizar uma categoria utilizada de forma ampla (e muitas vezes pouco consistente) na literatura e apontar alguns desafios relativos à sua operacionalização. As concepções importam, e não se tratou aqui de sustentar debates REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALWANG, Jeffrey; SIEGEL, Paul B.; JORGESEN, Steen. Vulnerability: a view from different disciplines. Social Protection Discussion Paper Series n 0115, World Bank. June 2001 ATKINSON, A. Social Exclusion, Poverty and unemployment. In Atkinson, A. and Hills, J (eds.) 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PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 19 Assistência Adolescentes em conflito com a lei: contribuições da política pública, da rede de atendimento e a participação social1 ROSIMERY IANNARELLI* SÔNIA LOPES SIQUEIRA** O artigo, com base no trabalho desenvolvido pelas autoras, destaca aspectos importantes que fazem parte do acompanhamento aos adolescentes em cumprimento da medida socioeducativa de liberdade assistida: a medida socioeducativa, o acompanhamento, a articulação com a rede de atendimento e a participação da sociedade civil através do trabalho desenvolvido pelo "orientador social voluntário". N o Brasil, passados os anos do regime ditatorial que deixou marcas de injustiça e desigual dade em todos os setores da vida nacional, entre perdas e conquistas, instalou-se um contexto marcado por disputas pelo movimento social pródemocracia participativa, tendo no ano de 1988 a inauguração da nossa Constituição cidadã. Em 1990, decorrente de um amplo movimento de trabalhadores e militantes da área da infância e juventude, foi aprovado pelo Congresso Nacional o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) — Lei n.° 8090, de julho de 1990. Com a consolidação do ECA, a proteção foi tomada como diretriz da sua concepção político-social, realizando assim, num movimento processual, um rompimento com a velha concepção ditada pelo antigo Código de Menores, que se fundava na doutrina da "situação irregular"2 . Nesse contexto, já inaugurando uma resposta política no campo da garantia de direitos, em Belo Horizonte, a sustentação de novas diretrizes de atendimento passou a estabelecer perante as políticas públicas, em especial àquelas direcionadas ao público infantojuvenil, novas deliberações nas suas relações e execução de ações, frente aos objetivos preconizados pela nova lei e pela política pública de assistência social3, que já ganhava sua estruturação na Cidade. No ano de 1998, foi criado o Programa Liberdade Assistida4, com objetivo de atender jovens em conflito com a lei, envolvidos com prática de ato infracional, sujeitos às medidas socioeducativas em meio aberto previstas em lei. Desde então, a Cidade vem sustentando um trabalho afinado com as diretrizes constitucionais, bem como com aquelas estabelecidas pelo ECA, traduzindo em ações práticas a execução de ** políticas públicas voltadas para garantia de direitos da infância e juventude em risco pessoal e social, ampliando a percepção com as questões de sua territorialidade, uma vez que o território representa o chão do exercício da cidadania, pois cidadania significa vida ativa no território, onde se concretizam as relações sociais, as relações de vizinhança e solidariedade, as relações de poder. É no território que as desigualdades sociais tornam-se evidentes entre os cidadãos, as condições de vida entre moradores de uma mesma cidade mostram-se diferenciadas, a presença / ausência dos serviços públicos se faz sentir e a qualidade desses mesmos serviços apresenta-se desigual. (Koga, 2003:33) A Caracterização da Medida socioeducativa de Liberdade Assistida Contemplada no Art. 118 e 119 do ECA, a medida socioeducativa de liberdade assistida é adotada sempre que se afigurar a mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente, tendo a família, a escola e o trabalho/profissionalização como eixos do acompanhamento, considerando a atenção a cada caso bem como os as- Assistente Social, com Especialização em Políticas Sociais e Movimentos Sociais, pela Universidade Estadual Paulista / UNESP e em Políticas Públicas, pela UFMG. É técnica do Serviço de Liberdade Assistida da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social/Prefeitura Municipal de Belo Horizonte Assistente Social, com Especialização em Violência Doméstica contra crianças e adolescentes, pelo Laboratório de Estudos da Criança/LACRI/USP e em Gestão de Políticas Sociais, pela PUC - MG. É Analista de Políticas Públicas da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social / Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. 1 Este artigo é uma adaptação do trabalho selecionado para apresentação no I Congresso Mundial de Justiça Juvenil Restaurativa, exposto pelas autoras na Pontifícia Universidade Católica de Lima, no Peru, em novembro de 2009. 2 Doutrina sustentada pelo antigo Código de Menores que direcionava a política de atendimento para as instituições com aparato judicial, policial e correcional, no qual não se consideravam crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, mas - principalmente os pobres, abandonados, delinquentes - como "objetos" da intervenção do Estado. 3 Com a Constituição Federal de 1988, juntamente com a saúde e a previdência social, a assistência social ganha conotação de política pública, compondo o tripé da Seguridade Social. Tem como respaldo a Lei n.° 8.742, de dezembro de 1993 — Lei Orgânica da Assistência Social, que define objetivos e diretrizes da Assistência Social enquanto política pública não contributiva, colocando, dentre outros, o público infantojuvenil como público prioritário de suas ações e serviços. 4 Atualmente, fundamentado na perspectiva do SUAS - Sistema Único de Assistência Social - que organiza os serviços socioassistenciais em níveis de proteção básica e especial (de alta e média complexidade), passa por um processo de reordenamento institucional e está sendo denominado como um serviço de ação continuada de proteção especial de média complexidade — Serviço de Liberdade Assistida — vinculado ao Centro de Referência Especializado da Assistência Social / CREAS, sendo executado nas nove regionais administrativas da Cidade. *** 20 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 pectos comunitários, uma vez que o jovem não sairá do espaço onde vive para ter seu acompanhamento efetivado. Então, quem são os adolescentes que chegam para cumprir a medida socioeducativa de liberdade assistida? De onde vêm e como se apresentam? Em sua maioria são adolescentes vindos de regiões periféricas da Cidade e suas histórias retratam o envolvimento com furtos, pichações, roubos, assaltos, tráfico de drogas, homicídios, ameaças, lesões corporais, desacato a autoridade, danos ao patrimônio público, dentre outros. Nos primeiros encontros, chegam com a cabeça baixa, o olhar disperso, a voz trêmula e poderíamos dizer um olhar de desprezo ou, quem sabe, de medo do desconhecido. Não sabem ao certo o que significa a medida recebida: "Liberdade Assistida". Vivenciam um contexto paradoxal: como podem ser livres se alguém lhes assiste? (Pinheiro e outros: 2002). Alguns apontam o sofrimento vivenciado em seus territórios, que vai desde disputas por espaço no tráfico de drogas à falta de moradia digna, com privações de várias ordens: materiais, culturais e, muitas vezes, afetivas. Diante disto, faz-se necessário um acompanhamento no qual a acolhida e a escuta se tornam instrumentos imprescindíveis para o desenvolvimento de um trabalho que prevê a garantia do cumprimento da medida no que ela apresenta de aspecto socioeducativo, sem perder de vista a dimensão da responsabilização pelo ato infracional praticado. Ou seja, o acompanhamento busca criar condições para que o adolescente cumpra a medida, contemplando uma atenção sistemática e individualizada com a garantia de espaço de atendimento para verbalizar suas questões e aquelas relacionadas ao contexto familiar e comunitário no qual se encontra, pois operamos um serviço que realiza o acompanhamento através da oferta de um espaço que se orienta pela palavra, estabelecendo uma conexão constante com os espaços por onde o jovem circula, associados aos eixos do acompanhamento: Família, Escola e Trabalho/Profissionalização. No eixo Família, cabe destacar que o acompanhamento ao jovem não pode ser dissociado do olhar que envolve suas relações familiares. A família também precisa ser acolhida e implicada na sua responsabilidade em auxiliar o jovem a cumprir a medida determinada. Para tanto, deve-se ofertar espaço para que ela apresente suas vulnerabilidades e potencialidades, e caso seja necessário, receber orientações e acompanhamento no sentido de favorecer os vínculos familiares, fortalecendo-os ou fazendoos existir, considerando que Faz-se necessário ter a família como uma parceira uma vez que ela é responsável pela proteção e cuidado dos filhos. Não é porque o adolescente infracionou que ele vai “perder” o lugar no contexto familiar. pretende-se sugerir, assim, uma abordagem de família como algo que se define por uma história que se conta aos indivíduos, ao longo do tempo, desde que nascem, por palavras, gestos, atitudes, ou silêncios, e que será por eles reproduzida e resignificada, à sua maneira, dados os seus distintos lugares e momentos na família. Dentro dos referenciais sociais e culturais de nossa época e de nossa sociedade, cada família terá uma versão de sua história, à qual dá significado a experiência vivida. Ou seja, trabalhar com famílias requer a abertura para uma escuta, a fim de localizar os pontos de vulnerabilidades, mas também os recursos disponíveis. (Sarti, 2006:26) Faz-se necessário ter a família como uma parceira, uma vez que ela é responsável pela proteção e cuidado dos filhos, e não é porque o adolescente infracionou que ele vai "perder" o lugar no contexto familiar. Ao contrário, às vezes é neste momento que a família se volta para suas questões e passa a perceber o filho adolescente com todas as suas angústias e tensões. Daí, a importância de sensibilizar a família sobre a importância de sua participação e envolvimento no processo de acompanhamento do jovem em cumprimento de liberdade assistida, favorecendo, assim, o fortalecimento e estabelecimento de novos laços. O eixo Escola nos apresenta grandes desafios: o ingresso (ou regresso) e a permanência do jovem na escola, dificuldades da escola e dos educadores em acolher os jovens que se encontram em risco pessoal e social; a baixa escolaridade; o desinteresse dos jovens pelo aprendizado e que, por isso, precisa ser estimulado para além do desenvolvimento cognitivo, incluindo outras dimensões da vida. São questões e impasses que se colocam em nossa prática, e só atravessamos esses impasses à medida que as demandas vão surgindo e se configuram em uma necessida- de de conversação com os demais parceiros. E a escola vem a ser um desses parceiros que também enfrenta dificuldades institucionais e territoriais, e, por isso, a necessidade de uma aproximação e sensibilização constante. No que se refere ao eixo Trabalho/ Profissionalização, cabe destacar que nos anos 1990 a sociedade brasileira entrou em acelerado processo de reorganização do sistema tecnológico e produtivo, ocasionando a precarização do trabalho, um baixo nível de crescimento econômico gerando uma massa ainda maior de desempregados, prevalecendo o trabalho intelectual em relação ao trabalho manual. Numa sociedade marcada pela desigualdade como a nossa, nos setores mais pobres da população urbana, encontra-se uma geração de jovens excluídos da escola com baixos recursos educacionais, que enfrentam dificuldades para entrar no mercado de trabalho marcado pelo novo modelo. E o jovem em cumprimento de medida socioeducativa está contemplado no público que enfrenta essa dificuldade. Para essas novas gerações, estar inserido na sociedade de consumo pode gerar sentimentos ambíguos, ora de privações, ora de rompimento com regras na perspectiva de garantir sua inserção, o que leva muitos jovens a se integrar ao tráfico de drogas para obter dinheiro e se realizar perante o consumo. As implicações da falta de oferta de emprego para essa categoria da população não é sem consequências para a vivência plena de uma cidadania digna, pois parte significativa dos jovens que acompanhamos demanda inclusão no mercado de trabalho, que, por razões diversas, exclui muito e sustenta uma inclusão bastante seletiva. Esses apontamentos sinalizam que a construção do acompanhamento se desmembra em aspectos que perpassam o atendimento ao adolescente, a participação da família no acompanhamento e também a relação com a rede de atendimento já constituída — escola, saúde, cultura, trabalho/qualificação, assistência social, lazer — onde as relações operam com pontos de êxito e tensão, compreensão e resistência, o que nos permite dizer que fazer a rede operar para garantir direitos é um exercício constante. Possibilidades e desafios na operacionalização do trabalho em rede De acordo com o ECA, a política de atendimento a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social far-se-á por um conjunto integrado de ações governamentais e não governa- PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 21 mentais da União, Estados e Municípios (Art.86 ECA). No caso dos adolescentes autores de ato infracional, o processo não será diferente. Então, quais políticas públicas irão compor essas ações? Quais atores fazem parte da rede? Como garantir o funcionamento contínuo da rede? Como intermediar a inclusão dos jovens e ao mesmo tempo garantir que, no processo de acompanhamento, reflitam sobre seus atos? É necessário ofertar algo para além do espaço de acolhida e escuta, para que ele se sinta inserido nos espaços comunitários por onde circula? Para garantir a efetivação dessas ações, é necessário que outras políticas para além da Assistência Social se envolvam. E quem estará envolvido neste acompanhamento que é pautado por uma situação singular, mas que envolve ações e decisões coletivas? Não temos respostas prontas para as questões colocadas, mas acreditamos na oportunidade de construir parcerias no processo de trabalho, tornando-o dinâmico e possibilitando uma conversação com a rede de atendimento, num movimento de fazer prevalecer parcerias, buscando, assim, novas respostas para as perspectivas de inclusão. No atendimento, uma das estratégias colocadas é a possibilidade de, juntamente com o jovem, "construir" saídas a partir do acompanhamento feito. Assim, trabalhamos com a escuta, buscando na reflexão conjunta a criação de novos laços, consolidando direitos e uma assistência que possibilite novos arranjos na rede de serviços, onde seja possível a construção de uma mudança de posição sem desconsiderar os aspectos subjetivos; e que, daí, ele possa encontrar vontade de ocupar novos lugares, permanecer na escola, tirar documentos, experimentar um curso profissionalizante e a possibilidade de iniciação no mundo do trabalho. Para além do atendimento individualizado, a intervenção social no acompanhamento realizado no Serviço de Liberdade Assistida ocorre através das abordagens familiares, da articulação com outros serviços, profissionais, e instituições, operando em rede, uma vez que "as redes podem ainda ser consideradas como sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições, de forma democrática e participativa, em torno de objetivos comuns." (Neves, 2009:47). A articulação em rede é realizada através de contatos, conversações, reuniões, visitas a novos serviços, e a participação em fóruns, onde são tratados assuntos de interesse dos adolescentes e suas famílias, propondo soluções conjuntas, articuladas e integradas. Têm como objetivos elucidar dúvidas quanto à orientação, ofertar informações, orientações sobre os serviços, programas e projetos a serem buscados, como forma de garantir a frequência ao acompanhamento da medida, pois através da parceria também nos aproximamos do universo familiar e da dinâmica comunitária dos adolescentes. Considerando as especificidades do nosso público, muito ainda há por ser feito; mas, mediante a busca por ações integradas, em meio aos desafios aqui apontados, consideramos que, através da conjugação de esforços, contribuições se materializam no sentido de possibilitar aos jovens novas possibilidades e escolhas na vida. Algumas vivências merecem ser descritas, como no caso de J.M., de 18 anos, com histórico de trajetória de vida nas ruas e envolvimento com tráfico de drogas, que tem um encontro com a arte no Projeto Arte Livre, no qual, através da participação na oficina Palavra-Imagem, passou a desenvolver seu talento nato entre traçados de escritor e poeta. Em meio ao acompanhamento proposto e à parceria firmada entre os envolvidos, J.M. chegou a conquistar a publicação de um livro com versos e prosa sobre sua história, suas aventuras e desejos. E como ele mesmo retrata: Só depois, Na adolescência Que descobri Que a infância Foi boa Mas agora A juventude Envelhece A história toda Temos ainda a experiência de J.C., de 16 anos, que ao chegar ao Liberdade Assistida demandou encaminhamento para o trabalho e, através da interlocução com o Programa de Trabalho Protegido, foi encaminhado para trabalhar no zoológico da Cidade. Na sequência do acompanhamento, chegou a um dos atendimentos dizendo da sua decisão de "abandonar" o trabalho. Disse que estava satisfeito pela inclusão no Trabalho Protegido, mas seu incômodo era com o local para onde havia sido encaminhado, que, segundo ele, não lhe apresentava tarefas e ele permanecia "parado o tempo todo". Isso nos fez acionar os envolvidos no acompanhamento para discutir a situação, objetivando uma avaliação conjunta, considerando, principalmente, a experiência vivenciada pelo jovem, seu relato sobre o desconforto perante a situação e sua posição de não permanecer no local. Diante disso, foi 22 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 possível outro encaminhamento, no qual J.C. pode vivenciar um encontro com "as tarefas do trabalho e se manter no movimento na produção de trabalho correto e não de furto". Esses fragmentos sinalizam que, em meio ao exercício da parceria estabelecida no processo de acompanhamento, é possível apresentar aos jovens propostas de inserção e a perspectiva de novos projetos de vida. Isso, sem criar espaços específicos para jovens em conflito com a lei, segregando-os, mas inserindo-os nos espaços já existentes, implicando-os na responsabilização pelo envolvimento com a prática de ato infracional, apostando na mudança e sensibilizando os parceiros envolvidos para que eles possam ser incluídos e assim atravessarem a situação "circunstancial" na qual se encontram. Sobre o orientador social voluntário: uma "invenção" O Art. 119 do ECA, no que trata da medida socioeducativa de liberdade assistida aponta que um orientador deverá, com a supervisão da autoridade competente, responsabilizar-se pelo acompanhamento e orientação do Adolescente. Então, qual proposta Belo Horizonte apresenta? A participação social por meio da figura do orientador social voluntário apostando numa prática com fundamento legal e no efeito positivo que essa inovação pode trazer para a vida do jovem, estabelecendo, assim, um convite ao exercício da cidadania para os habitantes da Cidade numa nova forma de operar a política pública, pois, conforme depoimento de Edmilson Rodrigues, citado em Caccia-Bava, "a principal obra de um governo é a construção de um novo nível de consciência social, consciência do povo de que o futuro depende de sua própria história, de seu orgulho por ela e de si mesmo". (Caccia-Bava, 2001:11) A concepção que permanece sendo desenvolvida pelo serviço busca assegurar e garantir um dispositivo da Lei no qual, para além do atendimento técnico, um cidadão é designado para o acompanhamento dos adolescentes, no caso, o orientador social. E há um efeito positivo nesta proposta, uma vez que não é o serviço que seleciona o orientador, mas ele que escolhe e decide ofertar sua ação voluntária mediante a proposta lançada na Cidade: "Seja você também um orientador social voluntário". Os cidadãos são convidados a ser voluntários, na perspectiva de que um encontro provoque reflexão, elaboração e ação coletiva das possibilidades. Efetua-se, assim, uma oferta de contribuição para a vida das pessoas. Contribuição construtiva, solidária, que amplia a rede de atendimento, colaborando para possibilitar a inserção do jovem nos espaços para além da inserção na política pública, pois o orientador atravessa dificuldades institucionais, sendo capaz de descobrir e propor novos arranjos para a inclusão no contexto comunitário de forma única, como no caso do jovem G.L.S., de 19 anos, que depois de ser "excluído" da escola pública em decorrência da sua defasagem escolar e por se encontrar circunstancialmente em conflito com a lei, no processo de acompanhamento da medida de liberdade assistida, foi apresentado pelo orientador social a uma turma de alfabetização de jovens e adultos ofertada pela iniciativa privada, iniciando, assim, um novo encontro com o processo de educação formal. Isso posto, qual sociedade queremos? Com qual projeto político nos identificamos e passamos a dedicar nossas energias, nosso tempo, nossos talentos, nossos recursos, nossas capacidades? Em quais causas da Cidade queremos nos engajar? Luiz Eduardo Soares diz que "a carreira do crime é uma parceria entre a disposição de alguém para transgredir as normas da sociedade e a disposição da sociedade para não permitir que essa pessoa desista" (2002:145). No entanto, quando se atua numa política de atendimento ao adolescente autor de ato infracional, a proposta que se lança é exatamente a de fazer o movimento para que o jovem desista da carreira do crime e se envolva com os aspectos saudáveis e lícitos que a vida pode ofertar. E o orientador social passa a se envolver com esta causa. E assim podemos também dizer que a relação que se estabelece entre a participação do orientador social voluntário na política pública é uma parceria firmada com uma parcela da sociedade que acredita na possibilidade de mudança, em que jovens e cidadãos envolvidos passam a enfrentar os aspectos "duros" da realidade, acreditando em novas formas de pertencimento, de responsabilizar-se buscando novos laços e vislumbrando no universo da Cidade possibilidades alternativas de inclusão. Tarefa que não é operada sem dificuldades, pois implica em mudança tanto por parte do jovem como por parte do orientador e do profissional, entendendo que a mudança implicará em dar a parte saudável que estava sendo hostilizada e prejudicada pelo lado destrutivo, o qual terá de ser compreendido, elaborado, absorvido, não negado e destruído - ou não haverá mudança efetiva, apenas uma variação momentânea da correlação interna de forças. Para mudar é preci- so, portanto, o solo firme da autoestima revigorada. (Soares, 2004:144) Assim foi com Lin, que, após ser vítima de um assalto à mão armada no centro urbano da cidade de Belo Horizonte, se movimentou a partir do desejo de se tornar um orientador social voluntário. Iniciou um percurso de trabalho fazendo uma recusa à inércia, ao medo, passando a criar, mesmo em meio há um contexto de violência urbana, em conjunto com o poder público, alternativas para possibilitar aos jovens novas saídas. Em uma reunião de trabalho cuja proposta era apresentar depoimentos sobre a experiência de ser um orientador social, definiu: "Minha vontade de acertar é ardente. Mas sou levado a trabalhar a consciência de que ser orientador social é antes de tudo saber onde e como me encontro. E só depois, tentar identificar para que lado fica o norte. Ao orientar, também, procuro ajudar o orientando a identificar o onde e o como ele se encontra para juntos, a partir desse encontro, identificarmos a direção do norte". Isso aponta que, mesmo na atual conjuntura, encontramos cidadãos dispostos a dedicar parte do seu tempo a serviços voluntários. E isso tem levado as pessoas a refletir sobre o seu real papel na sociedade, o que muda uma concepção meramente assistencialista para uma visão de responsabilidade e cuidado com o mundo em que vivemos. Atualmente, cerca de 800 jovens são acompanhados pelo serviço de liberdade assistida na Cidade e muitas possibilidades e escolhas positivas permanecem sendo feitas, mesmo em um contexto de desafios e impasses. Por isso, precisamos de cidadãos sensíveis, para que juntos possamos, governo e sociedade, realizar mudanças estruturais que possibilitem a cada adolescente um projeto de vida, um futuro com condições de bem-estar social; situação que nos faz manter vivo na Cidade o convite para que novos orientadores se envolvam com a proposta. E quanto aos jovens, cabe dizer que permanecemos sustentando, juntamente com eles, nosso trabalho técnico. E a eles dedicamos estas reflexões, pois, em meio aos espaços de acolhida e escuta, compartilham conosco suas histórias, e, quer seja acolhendo, mantendo a indiferença (ou recusando) nossas intervenções, contribuem significativamente para o nosso crescimento profissional e humano. Abstract The article based on the work developed by the authors stands out important aspects that make part of teenagers assistance in the accomplishment of the social educational action of attended freedom: the social educational measure, the assistance, the articulation with the attendance net and the civil society participation through the work developed by the "social volunteer orientator". REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social. Liberdade Assistida: uma medida / Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Secretaria Adjunta de Assistência Social. Organizado por Cristiane Barreto e Mônica Brandão. Belo Horizonte: PBH/SMAAS, 2008. 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Qual a relação entre qualificação e emprego? Estas são algumas das questões analisadas nas páginas que se seguem, aprofundando um debate que cada vez mais está na ordem do dia dos gestores públicos, em todos os níveis de governo. 24 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 ESPECIAL Educação X Qualificação Rediscutindo a relação educação e trabalho no Brasil: notas para um debate DIOGO HENRIQUE HELAL* O artigo busca debater a relação educação e trabalho no Brasil. Destaca que os recentes investimentos em ensino superior no país vieram (e vem) acompanhados da promessa e expectativa de se obter retornos ocupacionais e salariais no mercado de trabalho. Ressalta que tais promessas se inserem no discurso da empregabilidade, próprio do neoliberalismo. Por fim, cabe lembrar que, para o caso brasileiro, os investimentos em educação não são os únicos suficientes para garantir acesso ao mercado de trabalho formal, e que, apesar dos investimentos em educação realizados pelos brasileiros, eminentemente na última década, negros e mulheres continuam a ter menores oportunidades ocupacionais. A s últimas décadas no País têm sido marcadas por importantes alterações na estrutura ocupa cional e no mercado de trabalho. Nas décadas de 1970 e 1980, observou-se o esgotamento do modelo fordista de produção e organização do trabalho, impulsionando o surgimento de novas bases institucionais para o desenvolvimento do capitalismo (baseado em modelos flexíveis de produção, com destaque ao capital financeiro). Sob essa nova égide, as empresas iniciaram um processo de reestruturação, centrado em uma nova revolução tecnológica, de base microeletrônica. Esse momento ficou marcado pela difusão de um novo padrão tecnológico, que possibilitou a passagem da fase de mecanização e automação rígida (característica do modelo fordista/taylorista de produção) para a fase de automação flexível (especialização flexível, para Piore e Sabel — 1984), própria do modelo pós-fordista. Mais recentemente, nos anos 1990, o País passou a vivenciar a terceirização de algumas atividades de sua economia. Esse processo está baseado na concentração de esforços, por parte das organizações, em atividades do chamado core business, delegando a terceiros aquelas outras não ligadas ao objetivo principal do negócio. A terceirização e a flexibilização da economia vêm causando fortes impactos no mercado de trabalho em todo o Brasil, que, segundo Pochmann (2001), vive um momento de desestruturação. Para o autor, os novos conhecimentos tecnológicos associaram-se às exigências empresariais de contratação de empregados com polivalência multifuncional, maior nível de motivação e habilidades laborais adicionais no exercício do trabalho. A força de trabalho brasileira mudou de uma situação inicial de forte dependência em relação a atividades agropecuárias para uma diversificada estrutura ocupacional urbana. Ainda é possível registrar que, desde a década de 1990, o País tem vivenciado um acelerado processo de informalização e precarização do trabalho, o que vem gerando uma profunda modificação na qualidade da ocupação desenvolvida no País. Os anos 1990 no Brasil também são caracterizados pelo início da forte expansão da educação superior. O crescimento do número de faculdades, cursos e vagas de ensino superior, objetivamente, veio suprir o déficit nessa área, no País. Àquela época, as opções para um jovem ingressar em um curso superior se restringiam, na maior parte dos estados brasileiros, às vagas ofertadas por universidades públicas. Ressalte-se que os governos, na maior parte dos países, têm como uma de suas principais políticas a implementação de sistemas escolares abrangentes. No século XX, os sistemas escolares em boa parte do mundo se expandiram rapidamente (BLONSFELD e SHAVIT, 1993). Com a expansão do sistema educacional, há uma tendência, e/ou promessa, de diminuição das vantagens das classes mais privilegiadas de acesso à educação (RAFTERY e HOUT, 1993). Dado que a educação é o principal mecanismo de mobilidade social, a diminuição das desigualdades de oportunidades educacionais, bem como a expansão do sistema educacional, tende a reduzir as desigualdades de oportunidade de mobilidade social (FERNANDES, 2005). No Brasil, embora com atraso, também houve expansão do sistema educacional desde meados do século passado. A respeito do caso brasileiro, o Plano Nacional de Educação, Lei n.º 10.172/2001, sancionado pelo Congresso Nacional em 2001, estabeleceu metas para a Educação no País com duração de dez anos. Tais metas foram estabelecidas com o propósito de garantir a elevação global do nível de escolaridade da população, a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis, a * Doutor em Sociologia e Política (UFMG). Pesquisador da Coordenação Geral de Estudos Sociais e Culturais, Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). Email: [email protected]. PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 25 redução das desigualdades sociais e regionais, a ampliação do atendimento na Educação Infantil, no Ensino Médio e no Superior. É inegável que a expansão no ensino superior nacional permitiu a inúmeros jovens a possibilidade do ingresso em faculdades e universidades. Há, contudo, de se ressaltar que tal ingresso veio (e vem) acompanhado da promessa e expectativa de se obter retornos ocupacionais e salariais no mercado de trabalho. Esta relação entre educação e emprego tem sido explorada por diversos autores em diversas áreas acadêmicas, no Brasil e no mundo. São os economistas, contudo, os que têm produzido, com maior frequência, estudos sobre a temática. A já conhecida teoria do capital humano, desde a década de 1970, preconiza que os investimentos em educação são acompanhados por retornos salariais positivos (BECKER, 1964; MINCER, 1974). Para seus teóricos, quanto maior o estoque de capital humano de um indivíduo, maior sua produtividade marginal e mais elevado, portanto, será seu valor econômico no mercado de trabalho e, consequentemente, sua empregabilidade. Dentro dessa visão, Schultz (1961; 1973) argumenta que as capacidades adquiridas dos agentes humanos (capital humano) devem ser vistas como uma fonte importante dos ganhos de produtividade. "Um investimento dessa espécie (em capital humano) é o responsável pela maior parte do impressionante crescimento dos rendimentos reais por trabalhador" (SCHULTZ, 1973, p. 32). Para o autor, são elementos inerentes ao capital humano individual: escolaridade, treinamento, experiência de trabalho, migração, condições de saúde e nutrição, entre outros. Trata-se, entretanto, de uma visão limitada sobre o assunto. Por ser produto do enfoque neoclássico da economia, a teoria do capital humano, ao tratar do mercado de trabalho, ignora aspectos estruturais e sociais que porventura estejam associados ao acesso ao emprego e à determinação de salários. Apesar de seu poder explicativo e grande sucesso na academia, a teoria do capital humano vem sendo criticada por diversos teóricos (THUROW, 1973; 1977; SØRENSEN; KALLEBERG, 1994), que apresentam outras explicações para a relação entre capital humano e mercado de trabalho. Esses autores têm ressaltado a importância que as expectativas, por parte das organizações, em relação aos custos de treina- Arquivo SMPS Mercado de trabalho e os retornos da educação A relação entare educação e emprego tem sido bastante explorada em diversas áreas acadêmicas mento de novos contratados, assumem na ocasião do processo seletivo. Thurow (1975) acredita que a educação é utilizada pelas empresas, no processo seletivo, como um indicador de produtividade. Os empregadores optam por esse recurso por ser mais econômico do que testar, por meio de uma série de avaliações, todos os candidatos. Os empregadores analisam os empregados com base na expectativa de custos de treinamento, e utilizam diversas características para tal avaliação (background characteristics). Thurow (1975) destaca ainda que nesse processo de avaliação a educação do funcionário (expressa em credenciais educacionais) possui papel importante, por razões diferentes das apresentadas pelos economistas neoclássicos. Para o autor, encontrar as características dos indivíduos que são preditoras de potenciais custos de treinamento é tarefa complicada e problemática. E é em função dessa dificuldade que a educação acaba assumindo papel de destaque nesse processo. "Educação é uma forma de treinamento. (...) Educação torna-se uma medida indireta da capacidade de absorção do indivíduo (individual's absorptive capacity)" (THUROW, 1975, p. 88). Oportuno ainda destacar os estudos recentes de Bowles e Gintis (2000). Os autores mostram que a educação afeta a renda de outro modo que não apenas pelo aumento das habilidades. 26 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 Os autores destacam que a educação desenvolve "individual traits" (respostas comportamentais) que contribuem para o disciplinamento dos trabalhadores e, portanto, são valiosas para os empregadores, dada a assimetria de informações entre as partes. Thurow (1977) também ressalta a existência das filas no mercado de trabalho: de trabalhadores e do trabalho em si (labor queue). O matching processes ocorre por meio da combinação das duas filas: os trabalhadores ficam posicionados com base em seus custos de treinamento (treinabilidade), assim sendo selecionados para ocuparem os cargos. Outro ponto relevante deste modelo de competição por cargos reside no fato de ele levar em consideração a posição relativa dos trabalhadores em relação às características do background. Para os economistas neoclássicos, investimentos em capital humano asseguram maiores retornos no mercado de trabalho. Para Thurow (1977), tais retornos estão condicionados à posição relativa do trabalhador na fila, ou seja, dependem das características de background dos outros indivíduos na fila, além de depender das características do cargo e da estrutura ocupacional em si. O caso brasileiro mostra que a estrutura ocupacional não tem acompanhado a ampliação educacional dos trabalhadores ocorrida nos últimos anos - não foram criados cargos suficientes que equivalessem ao ganho de escolaridade. Tal ampliação do nível educacional também não garantiu os retornos esperados, pois ocorreu para a fila de trabalhadores como um todo. A educação, nesse contexto, tem se tornado uma necessidade defensiva. Observa-se que, em diversos cursos superiores, a obtenção do diploma não tem garantido uma oportunidade ocupacional equivalente no mercado de trabalho. Esse fenômeno — de não correspondência entre o nível e grau educacional, de um lado, e ocupação no mercado de trabalho, de outro, é conhecido na literatura internacional por "mismatch". Tal termo pode ser definido como a incompatibilidade entre a escolaridade dos trabalhadores e a educação requerida para o exercício das funções ou ocupações nas quais estes estejam empregados. Dito de outro modo, o mismatch reflete um hiato entre as necessidades das empresas (demanda) e a formação disponibilizada aos indivíduos pelo sistema educacional (oferta). Internacionalmente, o estudo de Duncan e Hoffman (1981) é um dos primeiros a estudar o fenômeno. Nele, os autores se preocuparam em estudar os retornos salariais para os indivíduos sobrequalificados (overeducation - ORU). Esses autores substituíram a variável escolaridade pela especificação ORU em uma regressão de salários Minceriana. O objetivo dos autores era verificar a incidência de prêmios salariais sobre incompatibilidades entre escolaridade obtida pelos trabalhadores e educação requerida de suas ocupações. Há na literatura (GROOT e VAN DEN BRINK; 2000 e HARTOG; 2000, por exemplo) vasta evidência de que os retornos sobre ORU são significativos - o que implica dizer que trabalhadores sobre-educados e subeducados percebem, respectivamente, prêmios salariais e penalidades, por exercerem uma ocupação com educação requerida distinta aos seus níveis educacionais. Dolton e Vignoles (1997) mensuraram a duração da Overeducation e examinaram quais fatores influenciavam a transição de graduados para novo trabalho, após a conclusão do curso superior. Os resultados da pesquisa indicaram que a maioria dos homens graduados, supereducados no primeiro emprego após a graduação, não mudaram de trabalho nos seis anos após a conclusão do curso superior. Tal achado indica que a sobre-educação pode ser um problema relativamente permanente para indivíduos que permanecem em trabalhos para os quais eles são supereducados. Isso seria consistente com a visão de que o trabalhador supereducado seria, de algum modo, menos capaz que os outros indivíduos com o mesmo nível de educação, mas que estão em trabalhos que requerem a educação adquirida. Esse fato parece contradizer a hipótese de que as pessoas podem ser temporariamente supereducadas devido a um matching ruim (overeducation possa ser o resultado de um matching ruim entre empresa e empregado) ou porque eles estão substituindo educação extra por outras formas de capital humano (SANTOS, 2002). Nacionalmente, a tradição de estudos sobre o mismatch é também da economia e demografia. Destacam-se os estudos de Santos (2002) e Machado, Oliveira e Carvalho (2003). Neste último, as autoras, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) no período de 1981 a 2001, constataram a sobrequalificação (sobreeducação) em muitas ocupações no País. Educação e Empregabilidade: promessa e falácia É importante lembrar que os investimentos em educação vêm sempre acompanhados da promessa e expectativa de um emprego, para os desempregados, ou de uma melhor oportunidade, para aqueles já ocupados. O grande pano de fundo nesta relação é a tal empregabilidade. Esta palavra, empregabilidade, tem ocupado posição de destaque na Academia, no mundo empresarial e na discussão sobre políticas públicas, no Brasil e em outros países. Convém destacar, entretanto, que seu surgimento é relativamente recente. É reflexo do agravamento da crise pela qual passa o mercado de trabalho em todo mundo, em função da diminuição do número de empregos formais e do aumento dos níveis de desemprego e trabalhos informais (CARLEIAL e VALLE, 1997). É sabido que a terceirização e flexibilização da economia vêm causando fortes impactos no mercado de trabalho em todo o Brasil, que, segundo Pochmann (2001), vive um momento de desestruturação. Para o autor, os novos conhecimentos tecnológicos se associaram às exigências empresariais de contratação de empregados com polivalência multifuncional, maior nível de motivação e habilidades laborais adicionais no exercício do trabalho. Foi o novo contexto do mercado de trabalho, permeado pelo desemprego e pela dificuldade em se (re)inserir neste mercado, que trouxe o debate acerca da empregabilidade para a ordem do dia, no Brasil e em diversos outros países. Por se tratar de um fenômeno recente, a conceituação e entendimento sobre empregabilidade são dispersas e diversificadas. São exemplos: O conceito de empregabilidade tem sido utilizado para referir-se às condições da integração dos sujeitos à realidade atual dos mercados de trabalho e ao poder que possuem de negociar sua própria capacidade de trabalho, considerando o que os empregadores definem por competência (MACHADO, 1998, p.18). Para Lavinas (2001, p.03), o uso do termo empregabilidade remete "às características individuais do trabalhador capazes de fazer com que possa escapar do desemprego mantendo sua capacidade de obter um emprego". Na visão da autora, o divisor de águas entre trabalhadores empregáveis e não empregáveis reside no seu grau de aptidão para um determinado trabalho. Nas definições de empregabilidade apresentadas, o termo é visto como a capacidade de adaptação da mão de obra frente às novas exigências do mundo do trabalho e das organizações. Entretanto, não há um consenso em relação à conceituação do tema. Diversos outros autores referemse a empregabilidade como um discurso neoliberal, que transfere a responsabilidade pelo emprego, da sociedade e do Estado, para o próprio trabalhador. Carrieri e Sarsur (2002) entendem a empregabilidade como uma estratégia adotada pela alta administração das empresas, no sentido de transferência da organização à responsabilidade ao trabalhador, da não contratação ou da demissão. Para Rodrigues (1997, p.228), o conceito empregabilidade, conjugado com outros conceitos mais gerais, como globalização, competitividade e reestruturação industrial, busca consolidar a "construção de uma rede discursivo-conceitual que tenta simultaneamente, por um lado, explicar uma nova etapa do desenvolvimento civilizatório e, por outro lado, facilitar as dores do parto do novo mundo do trabalho". É possível supor que a ênfase no mercado e no cliente, nas novas competências gerenciais e na empregabilidade, parecem resolver um tradicional dilema gerencial, qual seja, controlar e direcionar os indivíduos para comportamentos desejados: autonomia, flexibilidade, criatividade, autovigilância, espírito empreendedor, etc. Para Freitas (2000, p. 11), nesse discurso, e também nas ações organizacionais, é dito que o indivíduo deve considerar-se como o "empreendedor de sua própria vida", que ele seja o "seu próprio projeto" e que se veja como "um capital que deve dar retorno", buscando sempre melhorar sua empregabilidade. PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 27 Acredita-se também que o acesso ao emprego não pode ser determinado de forma simplista e restrita. A realidade mostra que várias são as explicações e os determinantes da empregabilidade e de suas variantes. Segundo Paiva (2000, p.57), empregabilidade é uma "construção social mais complexa, na medida em que se descola das instituições formais e da experiência adquirida para considerar aspectos pessoais e disposições subjetivas e para dar maior peso não apenas a aspectos técnicos, mas à socialização". Essa visão de empregabilidade é bastante apropriada à realidade brasileira, marcada, segundo Freitas (1997), por um forte traço de personalismo. Para o autor, a sociedade brasileira é baseada em relações pessoais. Nesse sentido, não se pode imaginar que o acesso ao emprego no Brasil ocorra de modo impessoal e meritocrático, valorizando principalmente as variáveis ligadas ao esforço próprio individual, nomeadamente investimentos em capital humano (educação). Civelli (1998) destaca que o acesso ao mercado de trabalho deve ser estudado sob uma perspectiva diferenciada, na qual variáveis simbólicas, culturais, sociais e de valor estão se tornando fundamentais. Esta foi a estratégia proposta e testada por Helal (2005; 2007), que explora a temática da empregabilidade individual, procurando ampliar a discussão corrente sobre o assunto, centrada na teoria do capital humano. Nesse sentido, o autor propõe e testa um modelo explicativo da empregabilidade individual, baseado em revisão bibliográfica, com o propósito de buscar melhor entendimento sobre o que determina o acesso ao emprego. O modelo é concebido com base em três abordagens: teoria do capital humano, do capital cultural e do capital social. Os resultados do estudo (HELAL, 2007) indicaram que não apenas os investimentos em capital humano (educação formal) são suficientes para garantir um espaço no mercado formal de trabalho. Os dados indicaram que, principalmente em posições de maior status ocupacional, como as gerenciais, as barreiras de gênero e cor permanecem. Isso indica que, apesar dos investimentos em educação realizados pelos brasileiros, eminentemente na última década, negros e mulheres continuam a ter menores oportunidades no mercado de trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECKER, G. Human capital: a theoretical and empirical analysis, with special reference to education. Nova York: NBER/Columbia University Press, 1964. BLOSSFELD, H. P.; SHAVIT, Y. Persisting Inequality. Boulder, Col., Westview Press, 1993. BOWLES, Samuel; GINTIS, H. Does schooling raise earnings by making people smarter? In: K. Arrow; S. Bowles; S. Durlauf (orgs.). Meriticracy and Economic Equality. Princeton-NJ: Princeton University Press, 2000. CARLEIAL, Liana; VALLE, Rogério (orgs.). Reestruturação Produtiva e Mercado de Trabalho no Brasil. São Paulo: HUCITEC-ABET, 1997. CARRIERI, Alexandre; SARSUR, Amyra M. Percurso Semântico do Tema Empregabilidade: um estudo de caso em uma empresa de telefonia. 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It emphasizes that such promises are inserted in the employment speech, characteristic of the neo liberalism. Finally, it is worth reminding that in the Brazilian case the investments in education are not the only ones sufficient to guarantee the access to the formal work market, and although the investments in education carried out by the Brazilian, specially on the last decade, afro descendants and women continue to have smaller ocupational opportunities. LAVINAS, Lena. Empregabilidade no Brasil: inflexões de gênero e diferenciais femininos. TD - Texto para Discussão, n.826. Rio de Janeiro, IPEA, set. 2001, p.01-24. MACHADO, Ana Flávia; OLIVEIRA, Ana Maria Hermeto Camilo; CARVALHO, Nayara França. Tipologia de qualificação da força de trabalho: uma proposta a partir da noção de incompatibilidade entre ocupação e escolaridade. Texto para Discussão, n.º 218, CEDEPLAR/UFMG, agosto de 2003. MACHADO, Lucília. Educação Básica, Empregabilidade e Competência. 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DE OLIVEIRA* "(...) são poucos os que sabem da existência de um pequeno cérebro em cada um dos dedos da mão, algures entre a falange, a falanginha e a falangeta. Aquele outro órgão a que chamamos cérebro (...), nunca conseguiu produzir senão intenções vagas, gerais, difusas, e sobretudo pouco variadas, acerca do que as mãos e os dedos deverão fazer. Por exemplo, se ao cérebro da cabeça lhe ocorreu a ideia de uma pintura, ou música, ou escultura, ou literatura, ou boneco de barro, o que ele faz é manifestar o desejo e ficar depois à espera, a ver o que acontece. Só porque despachou uma ordem às mãos e aos dedos, crê, ou finge crer, que isso era tudo quanto se necessitava para que o trabalho, após umas quantas operações executadas pelas extremidades dos braços, aparecesse feito. Nunca teve a curiosidade de se perguntar por que razão o resultado final dessa manipulação sempre complexa, até em suas mais simples expressões, se assemelha tão pouco ao que havia imaginado antes de dar instruções às mãos(..), ao nascermos, os dedos ainda não têm cérebro, vãonos formando pouco a pouco com o passar do tempo e o auxílio do que os olhos veem". José Saramago, A Caverna, 2001. O objetivo desse artigo é situar algumas questões que envolvem as definições de qualificação e sua relação com o emprego e a gestão do trabalho. O conceito vigente de o que é trabalho define como qualifica ção as qualidades humanas implicadas no ato de trabalho. E mais, a qualificação é entendida como algo externo ao trabalhador e inerente ao posto de trabalho ao qual o indivíduo deve alienar seus conhecimentos como executor de tarefas. Essa conceituação sustenta as diversas teorias que têm em comum a noção sobre "a necessária adequação do trabalhador aos requerimentos do posto de trabalho". Hoje, dada a amplitude e ambiguidade da definição desse posto de trabalho, diz-se mais frequentemente "às necessidades do mercado". Consolidado como pensamento científico por Taylor, no início do século 20, o conceito de trabalho prescrito, que supõe a execução do ato pensado e elaborado por outro, concepção e execução como atos separados, o corpo da alma, o modelo da operação permanece como referente para a regulamentação do objetivo e sentido da qualificação. Entendida como algo adquirido para ser usado segundo a demanda do posto de trabalho. Ainda que os processos de trabalho * tenham se modificado profundamente ao longo da história, a questão de como este ocorre de fato não foi incorporada como elemento essencial de construção das estratégias produtivas e educativas. Passou-se, quando muito, da prescrição por tarefas para a prescrição por procedimentos, do controle por tarefa para o controle por resultados. Tais considerações são necessárias para entendermos a disseminação de noções como a empregabilidade, que, como a teoria do capital humano (despontada nos anos 1950), busca orientar os conteúdos e objetivo da qualificação. Nos limites desse artigo, não corresponde o desenvolvimento dos fundamentos da concepção do que é o trabalho no modelo da operação; mesmo assim, vale a pena recapitular alguns de seus elementos: Trabalhar é desenvolver um conjunto de tarefas previamente prescritas quanto a sua maneira de fazer, os tempos em que deve ser realizado, assim como seu resultado. A descrição do trabalho está atrelada ao posto de trabalho e a este está referenciada a qualificação requerida. Tarefa é uma parte sequencial ou isolada do conjunto dos atos de trabalho que resultam em um produto determinado. Nesse universo, mercado de trabalho não é entendido como uma relação social, mas "ente" determinante com poder unilateral de decisão. A negociação colocou-se como uma necessidade nesse processo de regulamentação. Como a relação de exploração do trabalho existe de fato, expressa em lu- tas sociais, impôs-se com o tempo a intervenção do estado como órgão regulamentador das suas relações, definindo direitos e deveres no contexto desse marco conceitual. Em 1919, foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), organismo tripartite. O objeto de negociação mudou de acordo com as transformações no mundo do trabalho, com o grau de organização e legitimidade dos atores envolvidos e das aspirações de desenvolvimento das relações sociais: Limitação da extensão da jornada de trabalho, em seus primórdios, a temas como trabalho decente e estratégias de desenvolvimento e emprego, na atualidade. No mundo rígido da produção em massa, comandado pela oferta de produtos, sem intervenção do cliente, quanto à necessidade, qualidade, preço, modelo, embalagem, etc, a ilusão de que o trabalho é apenas a execução da ação prescrita em tempos e forma ganhou força. A produtividade é medida pelo fluxo de produtos hora/homem. A intervenção individual ou coletiva dos operadores sobre o processo de trabalho — denotando a verdadeira organização — na solução de problemas, não prevista nessa estrutura, fica camuflada pela aparente harmonia do previsível. Foi o período do auge dos ofícios, da formação técnica como função pública, do ingresso ao emprego como aprendiz como caminho para a carreira profissional, através da experiência. O conhecimento técnico e experiência dos operadores permitiram ao modelo da operação fazer frente aos grandes problemas recorrentes de todo processo de trabalho, o imprevisto. Socióloga do Trabalho. PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 29 O pós-segunda guerra mundial e a expansão da produção capitalista, do consumo, começa a arranhar essa estrutura e, a partir dos anos 1960, com o surgimento das novas tecnologias microeletrônicas, a expansão da transmissão de dados e o acirramento da concorrência entre as firmas, esta forma de gestão da produção e do trabalho torna-se incompatível frente à necessidade de responder aos novos desequilíbrios na produtividade, no emprego e no consumo. Em um mundo onde crescia o clamor social por participação, ampliação dos direitos de opinião e escolha. A resposta do sistema capitalista foi a teoria do Estado mínimo e a desregulamentação do mercado de trabalho, o neoliberalismo, como foi popularizado, em plena expansão nos anos 1970. Alguns de seus componentes centrais são o desemprego, a desregulamentação dos contratos de trabalho e o desmantelamento do arcabouço que sustenta a proteção social, visando a reduzir custos, principalmente os custos variáveis (reestruturação produtiva) para dar conta das variações no mercado de consumo. À forma tradicional de medir a produtividade, produtos hora/homem, incorporam-se aspectos subjetivos, difíceis de mensurar, e que estão relacionados às novas necessidades de gerenciar a demanda do cliente, de onde passa a ser ditado o objetivo da produção. É também parte do elenco a ofensiva privatizadora, da qual não escapam a educação terciária e profissional1 e a profusão de teorias de gestão do trabalho instrumentais à nova face do modelo da operação. O debate sobre a gestão do trabalho não deu lugar a uma revisão do modelo da operação. Nas teorias de gestão do trabalho que sucedem ao taylorismo, concepção e execução permanecem como momentos e atos separados. Não ocorre uma prescrição operativa do trabalho, mas a prescrição dos resultados, uma prescrição detalhada e precisa do produto a ser alcançado, com especificação da qualidade, dos prazos de entrega, do volume, etc. É o auge das consultorias privadas, contratadas pelas empresas, que através da crítica, apenas formal, ao Taylorismo apelavam ao retorno do cérebro ao executor de tarefas. O posto de trabalho re- Alunos do Senac participam de curso de hotelaria realizado em parceria com a PBH queria alguém que também fosse capaz de "pensar" para não só executar, tomar iniciativas e, sobretudo, adaptar-se, rapidamente, às mudanças no produto e nos prazos, agora ditados pela demanda do cliente. Às "habilidades requeridas" do "saber fazer" (trunfo do setor de recursos humanos), são incorporados requisitos morais e pessoais como compromisso, engajamento com a empresa, responsabilidade, mas que ficam fora do contrato de trabalho e do reconhecimento profissional e salarial. Os operadores, alijados do processo de decisão sobre os objetivos do trabalho, não respondem às tentativas das empresas de conquistar o seu compromisso e envolvimento na gestão por resultados. O fracasso dessas novas teorias de gestão do trabalho está centralmente relacionado ao não envolvimento dos trabalhadores e, muitas vezes, registramse retrocessos na produtividade. A empregabilidade é parte dessa nova abordagem do modelo da operação, definindo o novo perfil adequado do trabalhador. Já não mais o operador atrelado ao posto fixo de trabalho, mas o trabalhador "adaptável", fragmentado em especialidades, segundo as exigências do produto a alcançar. A empregabilidade é o reverso da sociedade do conhecimento. A forma barata de usufruir da diversidade das qualidades humanas para dar conta das variações na produção. A questão do emprego e da eficiência do processo (do qual depende o emprego) é situada, exclusivamente, no indivíduo, tendo por desafio cumprir metas cujo objetivo e clareza não domina, colocado em uma organização cujo centro é a competição entre pares2. A desregulamentação das relações de trabalho é um imperativo para seu desenvolvimento pleno (o contrato temporário, o emprego precário, a mão de obra descartável, etc). Ainda que os fundamentos teóricos do Estado mínimo e da regulamentação através do mercado já tenham sido duramente questionados com a última crise, sua superação não implica, ainda, revisão desses parâmetros que orientam as relações de trabalho e o objetivo da qualificação. No curso desse processo, desenvolve-se em algumas experiências empresariais, mas, sobretudo, em alguns meios acadêmicos (na França, em particular) a crítica aos fundamentos do trabalho prescrito, abrindo caminho a uma nova sociologia do trabalho. O centro da nova concepção do trabalho é que “trabalhar é atuar sobre as situações de trabalho” (Zarifian). A organização é colocada como o espaço de elaboração do conhecimento sobre o trabalho, de cooperação. Não se trata do aprender fazendo, o aprendizado teórico é uma das condições de eficiência do processo, e deve ser realizado em tempos diferidos. Tratase de conceber a organização como lugar de desenvolvimento das competências, onde se integram cérebros, mãos, dedos e olhos, através da circulação, comunicação e integração de conhecimento, do domínio técnico dos proces- 1 Alguns dos resultados da privatização, em Belo Horizonte: existem, atualmente, 63 instituições privadas, credenciadas pelo Conselho Estadual de Educação, ofertando cursos de nível técnico e apenas dois institutos públicos de âmbito federal. Quanto às universidades, existem 27 faculdades e universidades privadas e duas públicas, uma federal e uma estadual. No caso da Universidade Federal, nos últimos anos o governo vem investindo no aumento da oferta de vagas e de cursos, entre outras políticas de democratização do acesso, como a validação da prova do ENEM para ingresso dos alunos oriundos da escola pública e a cota para negros. (ver matéria anexa) 2 Um exemplo extremo de organização adversa ao trabalho são os suicídios na empresa France Telecom, na França, onde 24 trabalhadores suicidaram-se de fevereiro de 2008 a 28 de setembro 2009. O diagnóstico de sindicatos e do governo de que os suicídios devem-se às medidas aplicadas pela empresa de permanente mobilidade (função, localidade geográfica, base salarial, etc), instabilidade e estresse, gerando situações de sofrimento e mal-estar, obrigou a empresa a comprometer-se a suspender as medidas de mobilidade e a restabelecer as negociações em temas como organização do trabalho, condições de trabalho, equilíbrio vida privada, vida profissional, organismos representativos dos empregados e regras de mobilidade. Le Monde, 15 e 28 de setembro 2009. 30 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 sos, para que seja possível planejar, elaborar, reelaborar, antecipar e resolver problemas, enfim, agir, sem comprometer a qualidade do trabalho, o produto, os prazos, etc. Essa relação deve ser explícita e reconhecida formalmente e requer condições de confiança da hierarquia, autonomia e segurança para a tomada de decisão, o comprometer-se, por parte do pessoal envolvido no processo. Transita-se do conceito de qualificação ao de competência. A produtividade passa à qualidade do processo. A noção de empregabilidade traz consigo as seguintes questôes: O emprego está dissociado da empresa, pertence ao mercado. E como o desemprego, é uma responsabilidade do indivíduo, não casualmente surgiram os movimentos em prol da responsabilidade social das empresas, sustentados por isenções fiscais. Ter empregabilidade é aceitar as regras, definidas unilateralmente, sobre as condições de trabalho. A qualificação coloca-se como um desafio para o indivíduo. A ênfase em qualificação passa a ser a certificação e em anos de escolaridade. Em um país como o Brasil — que só muito recentemente passou a assegurar educação fundamental a todos — e o poder público retomou sua participação na formação técnica e uni- versitária, pode-se medir a contribuição desse modelo na exclusão social. Ao requerimento de maior grau de escolaridade não correspondem mudanças nem na qualidade do emprego e nem salarial 3. Em 1999, a OIT propôs a Agenda do Trabalho Decente, um instrumento de construção de novos acordos, recolocando a questão do emprego e sua qualidade, além da garantia e extensão da proteção social no centro do debate mundial, na contramão do projeto socioeconômico, hegemônico4. Comentários: O conceito de trabalho como concepção externa ao sujeito que o realiza permanece vigente tanto no modelo da operação por posto de trabalho fixo como no do posto "mutável". As qualidades humanas permanecem recortadas em uma qualificação requerida e como produto externo ao trabalhador, cujo valor de uso está definido pelo posto de trabalho ou o produto a alcançar. O desafio de pensar a organização como espaço que integra o trabalhador como sujeito da ação, para que ele possa de fato apropriar-se da situação de trabalho e atuar sobre ela, permanece como o problema a ser resolvido. Abstract The aim of this article is to place some issues that involve the qualification definitions and their relation to the employment and the work management. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -DIOGO, Maria Fernanda. Os sentidos do trabalho de limpeza e conservação. In: Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 3, p. 483-492, set./dez. 2007. -Estudos e Projetos desenvolvidos em várias empresas uruguaias. Equipe de pesquisa sobre setor produtivo (De OLIVEIRA, L; MASSERA, E; MENDY, M; MORALES S; PITTALUGA, L.). Convênio Universidad de la República e empresas dos setores de alumínio, papel, frigorífico, laticínios, transformadores, autopeças. Documentos de Trabalho. UDELAR. 1996 a 2003. Uruguai. De OLIVEIRA, L; MENDY, M.: Conhecimento em ação. Uma ferramenta competitiva em contextos adversos. Em: Gestão do Conhecimento. USP-São Paulo-Brasil. 2003. -ZARIFIAN, Philippe, Evénements, travail et compétence, conferência em CNAMTS, maio 2008. -------- De la notion de qualification à celle de compétence. Cahiers français, n.º 333. Janeiro de 2007. 3 No mercado de trabalho dos empregos classificados como não qualificados ou semiqualificados, em Belo Horizonte, 55% das vagas estão ocupadas por pessoas com 11 anos ou mais de estudos e 20%, por pessoas com ensino médio incompleto. E 37% dos colocados têm entre 18 e 24 anos. Fonte: Rafante, H. Base de dados SIGAE, das unidades de intermediação municipal. 2009. 4 O Brasil, em 2003, aderiu à Agenda do Trabalho Decente e em 2006 lançou o Plano Nacional de Trabalho Decente, integrando também a Agenda Hemisférica. A questão da qualificação no Brasil A questão da qualificação no Brasil esteve marcada pelo preconceito contra o trabalho manual e o dualismo entre os objetivos da educação acadêmica e da formação profissional. Nos anos 1940, as leis orgânicas da educação nacional definiam como objetivo do ensino secundário e normal o de "formar as elites condutoras do País" e o objetivo do ensino profissional o de oferecer "formação adequada aos filhos dos operários, aos desvalidos da sorte e aos menos afortunados, aqueles que necessitam ingressar precocemente na força de trabalho." Determinação constitucional estabelecendo o ensino vocacional e prévocacional como dever do Estado, com a colaboração das empresas e dos sindicatos, possibilitou a definição das Leis Orgânicas do Ensino Profissional, propiciando a criação de entidades especializadas como o SENAI, em 1942, e o SENAC, em 1946, e a transformação das antigas escolas de aprendizes artífices em escolas técnicas federais. Em 1942, um Decreto-Lei estabeleceu o conceito de menor aprendiz para os efeitos da legislação trabalhista e, por outro Decreto-Lei, dispôs sobre a "Organização da Rede Federal de Estabelecimentos de Ensino Industrial". Com essas providências, o ensino profissional se consolidou no Brasil, embora ainda continuasse a ser preconceituosamente considerado como uma educação de segunda categoria. Na década de 1950 foi introduzida a equivalência entre os estudos acadêmicos e profissionalizantes, permitindo que concluintes de cursos profissionais pudessem continuar estudos acadêmicos nos níveis superiores, desde que prestassem exames das disciplinas não estudadas naqueles cursos e provassem "possuir o nível de conhecimento indispensável à realização dos aludidos estudos". O enfoque dualista, contudo, só desaparecerá formalmente com a Lei federal n.º 4.024/61.Esta foi a primeira lei de diretrizes e bases da educação nacional a estabelecer a plena equivalência entre todos os cursos do mesmo nível, sem necessidade de exames e provas de conhecimentos. De acordo com Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), a educação para o trabalho não tem sido tradicionalmente colocada na pauta da sociedade brasileira como universal. O não entendimento da abrangência da educação profissional, na ótica do di- PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 31 reito à educação e ao trabalho, associando-a unicamente à "formação de mão de obra”, tem reproduzido o dualismo na sociedade brasileira entre as "elites condutoras" e a maioria da população, levando, inclusive, a considerar o ensino normal e a educação superior como não tendo nenhuma relação com educação profissional. A reforma de 1971, durante o governo militar, reformulou a Lei de 1961 e introduziu a profissionalização compulsória no ensino médio, na tentativa de qualificar mão de obra para a expansão industrial. Na realidade, essa "fusão", ao não preservar a carga horária destinada à formação de base, terminou por prejudicar tanto este nível de ensino como a não atender às necessidades da formação profissional. Atenuada em 1982, com a Lei Federal n.º 7.044, que tornou facultativa a profissionalização no ensino médio, deixou como saldo "o desmantelamento de grande parte das redes públicas de ensino técnico, a descaracterização das redes de ensino médio e normal mantidas por estados e municípios e a criação de uma falsa imagem da formação profissional como solução para os problemas de emprego. Após 1982, as escolas passaram a oferecer apenas o ensino acadêmico, às vezes acompanhado de um arremedo de profissionalização" (CNE) Lei federal n.º 9.394/1996 A nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, instituída durante o governo neoliberal, propôs-se a sepultar definitivamente o dualismo, o preconceito e o caráter assistencialista que marca a formação profissional ao definirque "a educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva", a ser "desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada," na perspectiva do exercício pleno da cidadania. Arcabouço central da reforma de 1996 e do Decreto 2.208: Adequação da escola e do ensino profissional às tendências mais recentes do mercado de trabalho (racionalização, flexibilidade, produtividade). Proibição da integração da formação profissional ao ensino médio (revoga lei federal n.º 5.692/71, que institui a profissionalização universal e compulsória). Introdução do conceito de indepen- dência e articulação entre os diferentes níveis e áreas da educação. A formação profissional passa a estar associada ao termo laboralidade. Organização da formação profissional por áreas profissionais. Instituição de três modalidades de formação profissional: • básico - sem requisito de escolaridade; • técnico - cursando ou concluído o ensino médio; • tecnológico - nível superior - concluído o ensino médio. Introdução do conceito de competência e de certificação de competências Instituição das seguintes orientações para o ensino técnico: • competências para a laboralidade; capacidade de o trabalhador moverse entre múltiplas atividades produtivas; • flexibilidade, interdisciplinaridade e contextualização; • identidade dos perfis profissionais; • atualização permanente dos cursos e currículos; • autonomia curricular da escola. A formação profissional no Brasil, nos anos 1990, sofre os impactos da política nacional de privatizações e autoexclusão do estado da esfera de investimento público, entre eles a educação superior e profissional. E entre os anos 1996 a 2002, ocorreram três fatos marcantes na esfera da formação profissional: redução do investimento público nas redes de ensino técnico com o estancamento do número de vagas, cursos e institutos (pela via econômica, acentua a exclusão social do ensino profissional de boa qualidade); surgimento de uma ampla oferta de cursos técnicos da área privada, com autonomia curricular; desenvolvimento de uma oferta pública de qualificação para pobres. O poder público cria o programa de ações de qualificação, na modalidade de formação básica, localizado no Ministério do Trabalho e Emprego, cuja função era o repasse de recursos a organizações civis, sindicatos e instituições da área da educação, com o objetivo de ocupar a mão de obra desempregada e mais vulnerável socialmente, em atividades marginais de geração de renda e empregos desqualificados (Planfor, sucedido pelo Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador - PNQ). A partir de 2004, começa o processo de reversão desse cenário. Vários decretos, pareceres e resoluções alteram a lei de 1996, em particular 32 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 os artigos 39 e 41 e os decretos de 1997 e 2001. Decreto n.º 5.154/2004 revoga o decreto n.º 2.208/1997, regulamenta o § 2.º do art. 36 e os art. 39 a 41 da lei n.º 9.394/ 1996, define novas orientações para a organização da educação profissional. prevê três alternativas de organização da educação profissional: integrada com o ensino médio, concomitante e subsequente. Resolução CNE/CEB n.º 1, de 21 de janeiro de 2004 Estabelece diretrizes nacionais para a organização e a realização de estágio de alunos da educação profissional e do ensino médio, inclusive nas modalidades de educação especial e de educação de jovens e adultos. Parecer CNE/CES n.º 277/2006, aprovado em 7 de dezembro de 2006 Organiza a educação profissional e tecnológica de graduação por eixos temáticos. Integra a formação profissional e tecnológica à política de desenvolvimento. Cria uma matriz dos eixos tecnológicos dividida em três categorias: tecnologias simbólicas, tecnologias físicas e tecnologias organizacionais. Define os eixos tecnológicos que devem ser revistos e atualizados de forma permanente A partir daí, a formação profissional de nível técnico passou a ser enfocada como parte dos instrumentos do desenvolvimento estratégico nacional, requerendo, portanto, a intervenção do estado quanto a recursos, programa curricular e planejamento da oferta de formação. O PNQ, que substituiu o Planfor, foi reformulado no sentido de definir carga horária mínima, estabelecer os desempregados como público prioritário, e limitou sua execução aos governos estaduais e municipais, através de convênios. Permaneceu, contudo, nos marcos do conceito de qualificação para pobres, com forte conotação assistencial por parte das instituições gestoras dos recursos e executoras. Política Urbana Inclusão socioespacial e construção do direito à cidade na trajetória da política de regularização de BH O presente artigo aborda a política de regularização urbanística e fundiária das vilas-favelas de Belo Horizonte. A conformação histórica dessas áreas remete à dinâmica de urbanização brasileira, caracterizada por fenômenos como a magnitude das desigualdades de renda e da pobreza urbana, o alto grau de informalidade e de precariedade ambiental, e os processos de segregação e de exclusão social, econômica e espacial. A análise empreendida compreende duas seções, além das considerações finais. Na primeira seção, faz-se uma breve recuperação da trajetória da temática da regularização fundiária na agenda pública do País, colocando em relevo os avanços político-institucionais introduzidos pela Constituição Federal de 1988 e, adiante, no Estatuto da Cidade e seus desdobramentos posteriores. A segunda seção é dedicada ao exame da política de regularização fundiária implementada em Belo Horizonte, que tem como marco a proposição do Programa Municipal de Regularização de Favelas (PROFAVELA), ocorrida em meados dos anos 1980. Nas consi* ** Arquivo SMURB FLÁVIA DE PAULA DUQUE BRASIL* RICARDO CARNEIRO** A política de regularização fundiária implementada em Belo Horizonte tem, como marco, a proposição do Programa Municipal de Regularização de Favelas (PROFAVELA) derações finais, retoma-se a discussão relativa à experiência belorizontina, procurando-se, ao mesmo tempo, chamar a atenção para os desafios imbricados nesse tipo de intervenção e apontar possíveis caminhos para fazê-lo avançar. A emergência da regularização fundiária na agenda da política urbana nacional A tematização e a mobilização em torno da questão da urbanização e regularização das áreas de vilas-favelas têm ocorrido no País envolvendo um conjunto amplo de atores coletivos. São relevantes, no processo, os movimentos de moradia organizados a partir de diferentes bases sociais e motes de atuação (moradores de cortiços, moradores de favelas, ocupações, sem-teto e outros); as articulações movimentalistas, que remontam aos anos 1980; as associações de base territorial e as entidades vinculadas à Igreja Católica; as associações profissionais; as assessorias aos movimentos; e, mais recentemente, as organizações não governamentais (ONGs). No âmbito nacional, em diversos momentos, os atores organizados pressionaram a agenda pública com ações de natureza diversa (BRASIL, 2004). De forma mais ampla, tem se salientado a influência dos atores coletivos Mestre e doutoranda em Sociologia pela UFMG; Professora e Pesquisadora da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Doutor em Ciências Humanas: Sociologia e Política; Professor e Pesquisador da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 33 e de seus projetos voltados para a inclusão e democratização, sobretudo a partir da Assembleia Constituinte (DAGNINO, 2002; BRASIL, 2004; BRASIL e MENICUCCI, 2005). A Constituição Federal de 1988 reflete tal influência apresentando avanços em três eixos fundamentais: a descentralização e ampliação da autonomia municipal; o alargamento dos direitos sociais; e a democratização do Estado e de suas relações com a sociedade, especialmente por meio da participação. Nesse contexto, destaca-se a formação do Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU), articulando uma ampla rede de atores coletivos em torno de uma plataforma de reforma urbana, cujo núcleo básico aglutina o direito à cidade e à moradia, a função social da propriedade e a gestão democrática das cidades. O referido movimento encaminha uma emenda popular que é em parte assimilada pelo texto constitucional, nos artigos referentes à política urbana. O artigo 182 da CF 88 avança no enunciado da função social da propriedade e da cidade, dentre outros pontos, e o artigo 183 remete à regularização fundiária, via usucapião urbano e concessão. No entanto, novas mobilizações fizeram-se necessárias para que a moradia fosse incorporada como direito - fato que só veio a ocorrer em 2000, por meio de emenda constitucional. Também foram requeridas mobilizações para a efetivação da necessária regulamentação do capítulo constitucional de política urbana, por meio do Estatuto da Cidade, servindo também de veículo para o encaminhamento de outras reivindicações, como a criação do Fundo Nacional de Moradia Popular, dentre outros avanços. Afinado com essa perspectiva e frentes de mobilização, o MNRU rearticulou-se, em 1989, como Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), congregando movimentos de moradia, associações sindicais, ONGs de assessoria e formação e, ainda, associações profissionais. Sob essa nova roupagem, atua no decorrer de toda a década de 1990, especialmente em prol da aprovação do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2004). Aprovado apenas em 20011, o Estatuto da Cidade veio regulamentar a política urbana no País, consoante os artigos 182 e 183 da CF 88. A referida lei apresenta princípios, diretrizes, objetivos e instrumentos que permitem intervir nas questões urbanas e habitacionais, tendo em vista a realização da função social da cidade. São dispositi- vos institucionais que ensejam uma ordem socioespacial mais justa e includente, devendo-se destacar, neste sentido, a regulamentação de instrumentos de regularização fundiária, a preconização da gestão democrática da cidade e a participação no planejamento. Outros avanços têm ocorrido mais recentemente, impulsionados pela criação, no primeiro Governo Lula, do Ministério das Cidades, responsável pela formulação de um conjunto de políticas urbanas e habitacionais, onde se destaca a instituição do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS). No bojo dos avanços normativos determinados pela Constituição e pelo Estatuto da Cidade, interessa ressaltar o reconhecimento do direito à moradia e à cidade. As áreas de ocupação informal foram historicamente ignoradas pelo poder público, não constituindo objeto de planejamento e intervenção com vistas à sua efetiva incorporação ao tecido urbano formal, ou seja, à cidade oficial. Ao lado disso, não raro foram objeto de remoção. A partir dos novos marcos legais, passam a ser contempladas com políticas e programas de regularização urbanística e fundiária. No âmbito local, os municípios devem assumir o norteamento dos novos ordenamentos normativos e os princípios mais gerais introduzidos no âmbito federal (como a função social da propriedade, o direito à moradia e a gestão democrática das cidades) e aplicar os instrumentos regulamentados de regularização fundiária, ao lado de outros voltados para o desenvolvimento urbano. Sobre a questão, cabe observar que no curso dos anos 1990, anteriormente, portanto, à aprovação do Estatuto da Cidade, diversos municípios (como Belo Horizonte) já haviam avançado no reconhecimento do direito à cidade e à moradia, incorporando as áreas informais como objeto de intervenção. Tem-se sublinhado, na literatura, que os governos locais vêm se afirmando como loci de experimentalismo e inovação (FARAH, 2000) e, no campo das políticas de regularização, podem-se associar estes avanços voltados para a inclusão e democratização às questões tematizadas pela sociedade civil e à sua influência na agenda governamental, bem como, em diversos casos, ao perfil progressista dos governos locais. O caso de Belo Horizonte, a seguir abordado, constitui uma referência precursora no País de reconhecimento de assentamentos informais como objeto de políticas públicas. 1 A trajetória da política de regularização em Belo Horizonte Ainda na primeira metade dos anos 1980, de forma pioneira no País, o governo de Belo Horizonte reconheceu a ocupação informal das favelas, via legislação que prevê a regularização urbanística e fundiária destes assentamentos, implicando o desenho de instrumentos com tal finalidade. Isto se faz por meio da Lei n.o 3.532, promulgada em 6 de janeiro de 1983, que autoriza o executivo municipal a criar o já citado Programa Municipal de Regularização de Favelas2 . A pressão então exercida pela atuação dos movimentos sociais e associações de moradores das favelas (ao lado de entidades ligadas à Igreja Católica) sobre a agenda pública nos anos 1980 mostrou-se decisiva para a ocorrência dos avanços no tratamento da questão. Esses atores lograram sucesso em influir na formulação do instrumento regulatório que constitui o arcabouço inicial de intervenção, ensejando o reconhecimento das áreas de ocupação informais como um setor especial — SE-4 — na Lei de Uso e Ocupação Solo de 1986 (BRASIL, 2007). Tal inovação é precursora no País do que veio a ser adiante o estabelecimento do instrumento jurídico-urbanístico das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que têm, como horizonte, a regularização dessas áreas de ocupação informal. O protagonismo que o município de Belo Horizonte assume na busca de soluções para o atendimento das demandas habitacionais dos segmentos populacionais inscritos na pobreza, que não encontram atendimento por meio do mercado imobiliário, ganha maior impulso com a Constituição Federal de 1988. Refletindo os efeitos descentralizantes do texto constitucional, há um alargamento do repertório de intervenções adotadas pela administração local, "com a incorporação de novos princípios, formatos e conteúdos, na linha das ações de regularização fundiária ou da realização de investimentos em urbanização e melhorias no acesso a serviços de infraestrutura urbana" (SOUZA e CARNEIRO, 2007, p. 380). Ao longo dos anos 1990, o conteúdo substantivo e as formas de intervenção dos programas de urbanização e de regularização foram redesenhados ou aprimorados em diversas ocasiões no Município. Uma inflexão mais significativa nesse sentido ocorreu a partir de 1993, com a formulação da Política Municipal Lei n.o 10.257, promulgada em 10 de julho de 2001. O PROFAVELA visava a criar condições institucionais para a urbanização e regularização jurídica de favelas, sendo aplicável, no entanto, somente àquelas áreas mais densamente ocupadas por população carente, existentes até o levantamento aerofotogramétrico realizado em 1981 (Lei n.o 3.532). 2 34 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 Arquivo SMURB O Programa Vila Viva é um aprimoramento da política que vem se desenvolvendo em Belo Horizonte desde 1993. de Habitação e a criação do Sistema Municipal de Habitação, constituído pela Secretaria Municipal de Habitação e a Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (URBEL) - órgão responsável pela regularização jurídica e urbanística dos assentamentos informais, pelo Conselho Municipal de Habitação, pelo Fundo Municipal de Habitação e pelo Orçamento Participativo (OP). Em 1996, institui-se o Orçamento Participativo da Habitação (OPH). Esse progressivo aprimoramento da política de regularização e de seus programas desembocou na adoção de um instrumento de planejamento para balizar as intervenções estruturais nas vilas-favelas, denominado como Plano Global Específico (PGE). O PGE adotou uma abordagem multidimensional a partir de três linhas de ação: regularização urbanística, regularização fundiária e desenvolvimento socioeconômico e organizativo (BRASIL, 2007). Vale notar que a diretriz que informa a concepção dos PGEs é a de se evitar a remoção das famílias das áreas onde residem, como reivindicado historicamente pelos movimentos de moradia, o que se justifica, sob a ótica do morador, tanto pela localização relativamente favorável de tais áreas quanto pelas redes sociais nelas constituídas. 3 Dentro desta perspectiva, a remoção ocorre apenas nos casos de ocupação em áreas de risco, por necessidade de intervenções viárias ou ainda para possibilitar reassentamentos, que têm ocorrido em parte por meio da construção, pelo poder público, de unidades habitacionais verticais nas próprias vilas. Destaca-se que as negociações com os moradores, nos casos de remoção, mostram-se como um dos fatores de complexidade desse tipo de política. A concepção do PGE abriu espaço para algumas formas de participação de cunho mais localizado. Isto se dá no decorrer de seus processos de formulação e implementação, que envolvem etapas intensivas e extensivas de negociação e redefinições, ainda que pontuais, em relação às alternativas de intervenção selecionadas. Um elemento fundamental de inovação consiste na incorporação da participação por meio das instâncias formalmente estabelecidas no âmbito das políticas propostas, como o Conselho Municipal de Habitação e o OP, anteriormente mencionados, além da Conferência Municipal de Habitação. Também o Conselho Municipal de Política Urbana (no que se refere às interfaces com o Plano Diretor e a legislação de uso e ocupação do solo) e as Conferências de Política Urbana possibilitam, em alguma medida, a participação na formulação das políticas e programas de regularização. No campo dos avanços normativos vinculados a esses espaços, destaca-se a aprovação, em 2000, de uma emenda ao Plano Diretor que regulamenta as ZEIS e os PGEs, estabelecendo parâmetros urbanísticos e diretrizes para tais intervenções. A despeito dos avanços, um dos limites relevantes refere-se ao alcance e ritmo de implementação da regularização fundiária propriamente dita, podendo-se notar que embora a maior parte das vilas já tenha atualmente seu PGE, a operacionalização ainda é lenta. De fato, até o final de 2009, haviam sido formulados 54 PGEs, atendendo a 77 comunidades (282,7 mil habitantes) e outros cinco encontravam-se em andamento, atendendo a cinco novas comunidades (31,8 mil habitantes)3 . No entanto, apenas 11.719 escrituras ou títulos haviam sido emitidos entre 1986 e 2007 (PBH, 2009 apud SIQUEIRA, 2009). Cabe observar que a titulação depende não apenas do plano, mas também da regularização urbanística, de modo que o ritmo lento pode ser atribuído, em parte, à complexidade inerente a De acordo com dados da PBH (http://portalpbh.pbh.gov.br). PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 35 este tipo de intervenção, desde os já mencionados processos de negociação até os levantamentos requeridos da situação urbanística e da situação fundiária. No tocante à variável fundiária, por exemplo, a regularização depende da informação relativa à condição de propriedade, pois envolve instrumentos distintos no caso de propriedade pública, quando se aplica a concessão, e privada, quando se aplica o usucapião, salientando-se que, não raro, as vilas-favelas e aglomerados apresentam-se mistas, com diversas situações de propriedade. Recentemente, foi instituído o Programa Vila Viva, que basicamente apresenta a mesma estrutura, lógica e instrumentos de intervenção já consolidados, podendo-se considerá-lo como um aprimoramento da política que vem se desenvolvendo desde 1993. O referido programa ampliou a escala de intervenção a partir da mobilização de parcerias, como a realizada com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e da captação de recursos junto a fontes de financiamento variadas, como a Caixa Econômica Federal (CEF), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), dentre outras. Pode-se notar, também, o alargamento do escopo de intervenções, sobretudo no que se refere à linha de desenvolvimento social, com iniciativas de capacitação profissional, geração de emprego e renda, e de educação sanitária e ambiental (SIQUEIRA, 2009). Ao lado dos programas de regularização urbanística e fundiária, as vilasfavelas têm sido foco de intervenção no campo das políticas sociais por meio do Programa BH Cidadania, voltado para a inclusão de famílias em situação de vulnerabilidade e exclusão social. Coordenado pela Secretaria Municipal de Políticas Sociais - conjuga intersetorialmente programas, projetos e ações nas áreas de educação, saúde, cultura, lazer, esportes e inclusão produtiva. Ganha relevância, nesse contexto, o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), equipamento da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social voltado para o encaminhamento de demandas sociais e a realização de atividades endereçadas a segmentos específicos da população, como crianças, adolescentes e idosos, dentre outros. Outro espaço de participação é a Comissão Local, composta por coordenadores do CRAS, gerentes de equipamentos públicos municipais das áreas de intervenção e representantes da comunidade, que têm um papel chave no processo de discussão e de aprovação de um plano local de ação (BRASIL, 2007). Considerações finais A abordagem da trajetória da política de regularização urbanística e fundiária de Belo Horizonte revela avanços e inovações inegáveis vinculados ao reconhecimento do direito à moradia e à cidade, à inclusão e justiça socioespacial e à participação e gestão democrática. Como visto, o Município introduziu avanços normativos de forma pioneira nos anos 1980 e, adiante, já no início dos anos 1990, reestruturou de forma mais robusta a política de regularização, que apresenta diversos traços inovadores - como a lógica multidimensional de abordagem e a previsão de participação, bem como constituiu um sistema municipal de planejamento e gestão que conta com instâncias participativas. Do início dos anos 1990 até o presente, a relativa continuidade das premissas dessa política e de sua implementação tem implicado, certamente, aprendizagens coletivas que se refletem nos diversos avanços relativos ao seu desenho, às lógicas de planejamento e intervenção e às formas de gestão. Os potenciais que têm sido atribuídos à intersetorialidade de intervir de forma mais efetiva nas múltiplas dimensões da pobreza e dos processos de exclusão sugerem que se pode avançar na articulação entre os programas de moradia (de regularização urbanística e fundiária) e os demais programas sociais. A maior articulação entre os programas também favorece, em tese, a mobilização e participação da população local, uma vez que se apresentam diversos canais e formas pontuais de participação nos processos de gestão destas políticas. Os desafios são vários e de natureza diversa, a começar pelo ritmo relativamente lento de implementação, ain- da que consideradas a complexidade e dificuldades inerentes a este tipo de intervenção. Ao lado disso, tendo em vista o maior aprimoramento da política de regularização, mostram-se relevantes os avanços nas formas de acompanhamento e avaliação, em especial no que se refere à pós-ocupação. A questão da violência e segurança, que constitui um problema crítico em muitas das vilas-favelas, apresenta-se como outro desafio para as intervenções nas áreas em foco. Embora tal questão não se inscreva no rol de atribuições municipais, algumas linhas de ação no bojo da política de regularização, para além da urbanização, como as de iniciativas de fortalecimento das redes sociais locais e de inclusão produtiva, podem contribuir para o enfrentamento do problema. Finalmente, um desafio central consiste no aprofundamento da participação nas instâncias vinculadas à política de regularização, que se mantêm em funcionamento desde o início dos anos 1990, considerando os potenciais de fortalecimento dos atores societários que dela participam e o aprimoramento das intervenções endereçadas à inclusão socioespacial. Abstract The present article approaches the landed and urban regulation policy of Belo Horizonte village-slums. The historical conformation of these areas remits to the Brazilian urbanization dynamics, characterized by a phenomenon like the magnitude of the income inequalities and of the urban poverty, the high degree of informality and of enviroment precariousness, and the social economical and spatial segregation and exclusion. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Flávia de Paula Duque. Participação cidadã e reconfiguração nas políticas locais dos anos 90. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. v. 6, n.o2, 2004. 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Monografia de Especialização em Gestão Pública. FJP, 2007. SOUZA, José Moreira; CARNEIRO, Ricardo. Moradia popular e política pública na Região Metropolitana de Belo Horizonte: revisitando a questão do déficit habitacional. In: FAHEL, Murilo e NEVES, Jorge Alexandre. Gestão e Avaliação de Políticas Sociais. Belo Horizonte: Editora PUC, 2007, p. 361-418. 36 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 Política Urbana A Cidade dos Bondes1 Elementos para uma política pública a partir do resgate da memória do transporte coletivo NELSON DE MELLO DANTAS FILHO* MÍRIAM GONTIJO DE MORAES** O artigo apresenta elementos para pensar políticas públicas de gestão urbana com base nas noções de desenvolvimento, como orientador do planejamento em transporte; patrimônio, como preservador de uma memória, e de espaço, como veiculador dela. Ao propor uma "Cidade dos Bondes", o trabalho visa costurar soluções urbanísticas contemporâneas com as novas ferramentas de transporte; novos paradigmas econômicos com as atuais metas ambientais. A escolha do modo de transporte é a chave para construir cidades vibrantes e amigáveis e está ligada a uma mudança de paradigma: a implantação dos novos centros regionais apregoados no modelo de cidades policêntricas junto às extremidades da "cidade dos bondes". 1. Introdução Existe um reconhecimento de que a política pública de transportes não só é uma ferramenta da mobilidade sustentável, mas, devido à intersetorialidade, uma ferramenta estratégica para que a cidade possa alcançar suas metas de desenvolvimento urbano e de qualidade de vida. Assim, o alcance das medidas de transporte em desenvolvimento urbano, meio ambiente e saúde não se limita a um subproduto, passando a incorporar o corpo do problema. Ao longo do grande ciclo, quando oscilaram as culturas ocidental e oriental das principais cidades, entramos em ciclos menores que irão formatar as cidades contemporâneas a partir da tecnologia disponível. Denominada como Era dos Engenheiros, a disponibilidade das máquinas a vapor e elétricas que possibilitaram as ferrovias, os bondes e os metrôs ajudou a formatar a cidade industrial, ou a cidade moderna (BETING, 2009). É a partir dela que criamos a nossa memória urbana e, neste contexto, acrescentamos a questão do espaço e da me- mória ao enfoque tradicional do urbanismo e dos transportes, visando a um resgate da identidade, no qual sugerimos o resgate simbólico das regiões impactadas pelo bonde e que sofreram uma descontinuidade de investimentos provocada pela especulação imobiliária. Para esse resgate, buscamos em Nora a categoria analítica dos "lugares de memória", que são espaços criados pelo indivíduo contemporâneo diante da crise dos paradigmas modernos, com os quais se identifica, se unifica e se reconhece agente de seu tempo. "Ela obriga cada um a se relembrar e a reencontrar o pertencimento, princípio e segredo da identidade. Esse pertencimento, em troca, o engaja inteiramente".. (NORA, 1993). Na discussão em torno das noções de memória e história, e a formação da memória coletiva que permite ao indivíduo a identificação, a reflexão de Nora, está ancorada pelo descontentamento geral com o mundo pós-industrializado e a crise que refletia a necessidade da reelaboração da sociedade moderna altamente historicizada, dando origem à chamada "crítica da modernidade". Assim, procura-se agregar ao corpo da problemática urbana um diálogo dos sistemas econômicos, do desenvolvimento regional, urbano, tecnológico e de gestão; e inserir a questão da identidade, memória e espaço em um contexto de América Latina, lembrando que, além de metas ambientais, incluir a redução da violência nos objetivos de uma política de transporte faz parte do tomador de decisão socialmente responsável. 2. Conformação urbana e suas narrativas A necessidade de se criar um Índice de Civilidade é contemporânea porque existe a nítida impressão de perda de algo inerente à cidade. Realmente, os indicadores de violência identificam as nossas grandes cidades como análogas a regiões em conflito ou guerra. "Uma geração que ainda fora à escola em um bonde puxado por cavalos se encontrou ao ar livre numa paisagem em que nada permanecera inalterado, exceto as nuvens, e debaixo delas, num campo de forças de torrentes e explosões, o frágil e minúsculo corpo humano". Essa narrativa aparentemente tão bucólica faz parte de um dos mais fortes textos sobre a descontinuidade do tempo histórico (BENJAMIN, 1994) e o fim da narrativa provocada pela grande guerra. Se tivéssemos de apontar apenas um elemento - comum e o suficientemente forte - para definir ci- * Mestre em Engenharia de Transporte - Coppe/UFRJ - [email protected]. Doutora em Ciência da Informação- PPG/CI da UFMG - [email protected]. 1 Artigo baseado no 1.º lugar do concurso de Monografias CBTU 2009. ** PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 37 dades brasileiras histórica e regionalmente distintas, ele seria sem dúvida a existência (e permanência no tempo) de contrastes profundos entre condições urbanas radicalmente distintas convivendo, muitas vezes conflitando, no interior da mesma cidade (ROLNIK, 1999) Numa sociedade regulada como a nossa, a cidade tem a conformação de dois vetores. O primeiro, de atribuição do Poder Público no uso de instrumentos de regulação da ocupação do solo, como o Plano Diretor e a Lei de Uso e Ocupação do Solo. Os arranjos produtivos visando à implantação da infraestrutura também. Assim, as redes elétricas, de iluminação, de saneamento, de comunicação e de transporte foram implantadas. A princípio, tal vetor representa o interesse da coletividade; a disponibilidade e o custo de implantação de infraestrutura; o conjunto de técnicas e de conhecimento disponível e a mediação política dos diversos interesses manifestos. O segundo vetor representa as forças econômicas e os seus interesses. Deveriam ser apenas parte da força considerada no planejamento público. No entanto, hoje, são essas forças que têm moldado a conformação das cidades. 2. 1. A Cidade Industrial "Foi apenas na segunda metade dos anos 1950 (...) que a elite empresarial se mostrou capaz de elaborar um projeto político de dominação centrado na industrialização. É nesse momento que essa elite se instaura como sujeito político condutor de uma determinada ordenação da sociedade. Tal ordenação, baseada no princípio da racionalidade e pensada inicialmente dentro do espaço fabril para garantir o aumento da produtividade, foi aos poucos extrapolada para toda a sociedade. É assim que, neste momento, no Brasil, não só a fábrica, mas a cidade, a casa, a rua e os meios de transporte passam a sofrer intervenções que pretendem superar uma visão do mundo considerada ultrapassada, na medida em que não condiz com o ritmo do desenvolvimento desejado. A 'racionalidade' passa a orientar as políticas públicas e também a iniciativa privada, no sentindo da construção do equipamento necessário para que o ritmo do progresso se acelere." (PIMENTEL, 1993). A cidade racional, industrial, moderna apresenta um jogo de luzes e sombras ao não contemplar o ser humano, o seu usuário no desenho final. As dicotomias apresentadas de Centro/Periferia, Urbano/Rural, a dimensão humana/da máquina mostram como as cidades perderam o lugar da representação humana plena. A deterioração das condições de vida nas periferias dos centros urbanos e outros locais de residência dos mais pobres pode ser vista, portanto, como a face ambiental do processo excludente de desenvolvimento: não apenas a renda e a riqueza se concentraram nas mãos das elites, mas também o direito a um ambiente saudável (como, de modo geral, o acesso a outras formas de bem-estar - segurança, educação, serviços de saúde). A noção de subúrbio contém uma nova concepção de espaço, uma nova sociabilidade, em que ocorre a ruptura e a transição para a modernidade da cidade. O subúrbio representa o ser dividido entre o urbano e o propriamente rural. Um conceito que não teve até hoje relevância no mundo acadêmico e foi substituído pela noção de periferia que é seu contrário. Na periferia se concretiza a subordinação da cidade e da urbanização à renda da terra, a periferia é a negação das promessas transformadoras, emancipadoras, civilizadoras e até revolucionárias do urbano, do modo de vida urbano e da urbanização (SOTO, 2008). Assim, a industrialização não resolveu os problemas de pobreza e degradação ambiental nos espaços urbanos a princípio identificados com a "modernidade". Por fim, se a socie- 38 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 dade de consumo de massas fosse efetivamente estabelecida, qual seria a pressão sobre recursos naturais? Por exemplo, qual seria o tamanho dos engarrafamentos nas metrópoles brasileiras se os pobres tivessem mais acesso à aquisição de veículo próprio? A crise social atual obriga, porém, que essas outras manifestações do processo de exclusão e marginalização sejam incluídas na análise: a violência urbana, os conflitos de terra e a exclusão ambiental são as outras faces do desenvolvimento excludente. A revalidação da análise centro-periferia exige a inclusão desses outros elementos, visto que o objetivo fundamental não é meramente o crescimento econômico, mas o desenvolvimento sustentável. 2.2. Cidades pós-modernas "A cidade radioconcêntrica industrial faliu. Ela molesta os homens impondo as circulações quotidianas, mecânicas e frenéticas, e determinando uma mistura congestionada dos locais de trabalho e dos locais de habitação; cinturões sucessivos e sufocantes, interpenetrando-se como engrenagens, estabelecimentos industriais e bairros de comércio, oficinas e subúrbios, subúrbios próximos e distantes" (GOMES, 1996). A cidade pós-moderna é fluida como suas definições, por exemplo, é onde habita o sujeito descentrado, que na maioria das vezes perde a orientação espacial num hiperespaço em que tudo (pessoas, objetos, ideias...) está fora de lugar. Assim, nos labirintos da cidade pós-moderna encontramos contradições bastante acentuadas entre seus habitantes, entre crescimento e qualidade de vida, e entre o planejamento e seus resultados. Esses labirintos representam o fluxo e a transição constantes, resultado da obsolescência de todas as coisas, do impacto das novas tecnologias e das transformações ecológicas, mas principalmente da afluência de indivíduos que carregam consigo conhecimentos, ideias e crenças as mais variadas. A cidade do século XXI já está desenhada, cabendo ao urbanista a formulação de estratégias de intervenção nessa cidade, adequando-a e conferindo-lhe novas qualidades que correspondem a novos desejos sociais. 3. Cidades a partir de outras dimensões É nas cidades que se dá a emancipação dos indivíduos, onde a urbanidade, condição urbana da humanidade, se edifica. Mais do que uma circunstância econômica, social e arquitetônica, a urbanidade é a temporalidade da comunidade, percebida do ponto de vista do indivíduo. Para entender melhor o conceito de urbanidade, resgatamos nos lugares da memória o Código de Hamurabi e, nele, os conceitos de urbanidade e civilidade, que passaram a fazer parte da tradição do que é viver nas grandes cidades e também do que é viver em sociedade. A urbanidade é a virtude presente naquele que habita a urbe. Nos dicionários, pode significar delicadeza requintada, observação das boas maneiras no relacionamento com os outros, acompanhadas geralmente de finura e elegância na linguagem, distinção no porte, nas atitudes. Deve-se entender esta acepção de urbanidade à luz de uma ancestral oposição entre a cidade e a ruralidade, entre a cidade e a barbárie. (AFONSO, 2006). O urbano também se associa ao coletivo. Manifestações políticas e artísticas são essencialmente públicas. Elas só existem se forem absorvidas pela coletividade, pelo público. Civil vem do latim civile, que designava o habitante da cidade civitate. Quando a humanidade se defrontou com o raciocínio e realmente teve a consciência do "Eu", houve a necessidade do respeito mútuo, do respeito ao outro. Começou, então, a codificação de civilidade, isto é, regras de con- vívio social que no início eram somente de respeito do inferior para com seu superior, hierárquico ou sexual, como nos animais irracionais. Fernando Gallo (2009) pondera que o grau de civilidade de uma cidade pode ser medido pela largura de suas calçadas. "A largura de suas calçadas, quem poderia imaginar? E, no entanto faz tanto sentido, mais espaço para as pessoas, menos para as máquinas, abrir lugares para os calçados, que barulho não fazem, ou fazem menos do que motores, engrenagens, e toda sorte de componentes ruidosos que se põem a invadir os nossos ouvidos, mal não haverá em mais dignidade ao trânsito dos pedestres, tão alijados do processo de ir e vir nessas calçadas estreitas, a desviar uns dos outros, dos postes, a transitar pelo meio-fio, o risco de cair na pista e lhe passarem as rodas por cima a qualquer momento" (GALLO, 2009). E continua: "A largura das calçadas deveria integrar um índice de civilidade, mais ou menos nos moldes desse que chamamos IDH2, utilizado pelas Nações Unidas para auferir o desenvolvimento humano nos países (alvissareiro que pensadores bem intencionados tenham conseguido estabelecer alguma humanidade e ciência nisso que temos chamado economia, e que trata tudo tão vagamente, o mercado, o crescimento e tantas outras palavras que de exatas nada têm), sem fórmulas matemáticas nem metodologias tão acuradas, vamos nos valer apenas de nossa observância, nossa vivência, disso que alguns chamarão empirismo" (GALLO, 2009). Não contente com a largura da calçada, ele vaticina outras medidas. "Estando certo que o ponto de partida de nosso índice serão as calçadas, podemos passar sem grande dificuldade para os outros componentes, mais difícil é começar, pois passaremos logo às nossas outras proposituras: todos os assentos do transporte público serão preferenciais, assim tentaremos corrigir o bem intencionado erro do cidadão que instituiu os bancos exclusivos, e acabou por excluir dos idosos, das grávidas, das pessoas com deficiência e congêneres a preferência que lhes devemos em todo e qualquer assento (...) Gostaríamos de ver dobrado o tempo em que permanecem abertos os faróis de pedestres, mal eles têm permitido que nós cruzemos as ruas, que dirá os mais sedentários, as velhinhas, as pessoas com restrição de mobilidade, essas gentes para quem pouco serve esse sistema de governo a que nos habituamos chamar de democracia, talvez devêssemos chamá-lo oligocracia, pouco tem servido à maioria, que dirá às minorias (...) talvez esteja o leitor a pensar em como pensamos implementar todas as proposições apresentadas, se por força da lei, ao que recordaremos tratar-se de civilidade, civilidade que se faz com bom senso, gentileza, generosidade e outros que andam por aí escanteados, mas que nunca se fizeram por força da lei, senão pela bondade humana" (GALLO, 2009). O tempo das urbes é linear, mas segmentado e retalhado pela atividade econômica e social que, apesar de tudo, possibilita um não-tempo destinado ao lazer e à intimidade, oferecendo as condições necessárias à criatividade e à exploração de si. As sociedades rurais celebram a repetição, ritualizando a vivência coletiva do ciclo, ao passo que as sociedades urbanas aderiram a um tempo indefinido, sem um sentido óbvio e que se caracteriza por um acumular de vestígios, de um lado, e, do outro, por uma necessidade de superação. O tempo é como uma estrada que nos foge debaixo dos pés. As cidades são comunidades de indivíduos em trânsito no tempo. É então que surge a questão da memória e é então que surgem as narrativas coletivas, em primeiro lugar, logo seguidas dos relatos pessoais, à medida que a escrita se vulgariza, à medida que as cidades se expandem. 3.1. Resgate para uma nova cultura urbana Muito do conhecimento que formatará a cidade desse novo século já está consolidado no que se denomina estadoda-arte. O que tem diferenciado a sua implantação nas diversas sociedades é o estado-da-prática, e a atomização do conhecimento vem dificultando o diálogo entre atores tão díspares e que perderam a continuidade no processo de planejamento, projeto, implantação e operação da mobilidade urbana. Essa descontinuidade do poder público, somada a uma democratização tardia, mudança de tecnologia, mudança de concepção urbana, de paradigma econômico, torna a crise contínua e arraigada. Se as cidades pós-modernas nascem com a missão de romper com a cidade opressora, tanto a radio-concêntrica industrial quanto a cidade moderna especializada e compartimentada, a resultante foi a criação de cidades confusas, feias, sem qualidade de vida e ineficientes. O consumismo levado às últimas consequências consumiu espaço e mobilidade de modo irresponsável, instituindo um modo de vida identificado por casas de subúrbio e automóveis de maneira insustentável. Já a irracionalidade de ocupação das forças de mercado se move pelo gradiente da especulação imobiliária e o marketing fantasioso, congelando bairros; explodindo, demograficamente, outros; relaxando fronteiras e criando outras. Nos transportes públicos, a inflexão na curva de desenvolvimento na cidade desenhada pelo Bonde provoca uma ruptura no desenvolvimento construído e planejado em parceria entre o poder econômico e o poder público. O sucateamento dos bondes nos Estados Unidos gerou um forte problema de suprimento das peças de reposição do principal fornecedor de tecnologia do Brasil. Especulativamente, é razoável imaginar que as forças que atuaram no desmonte dos sistemas de bonde americano também atuaram na América Latina com igual impacto. As mesmas forças que lutaram contra a mão-forte do planejamento do estado, a crença no livre mercado, produziram o estado mínimo sem capacidade de regular as forças gravitacionadas pelo capital, mas capaz de manter um estado assistencialista, por vezes paternalista, orbitado por um sem número de interesses menores. Uma boa contribuição para o problema de equilíbrio regional vem do Ministério da Integração, trazendo para o estado-da-prática o conceito de estagnação econômica que se incorpora às regiões deprimidas econômicas nas prioridades de investimento compensatório (INTEGRAÇÃO, 2006). O conceito de estagnação usado no desenvolvimento regional pode e deve ser incorporado ao desenvolvimento urbano. Augé (1994) define o lugar, enquanto espaço antropológico, como um espaço identitário, relacional e histórico e o não lugar será, então, um lugar que não é relacional, não é identitário e não é histórico. As autoestradas, os aeroportos, as grandes superfícies são exemplos de não lugares, mas também "campos de refugiados, campos de trânsito, grandes espaços antes concebidos para a promoção do mundo operário e tornados insensivelmente o espaço residual onde se encontram os sem abrigo e sem emprego de origens diversas: por toda parte, espaços inqualificáveis, em termos de lugar, acolhem, em princípio provisoriamente, 2 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa que engloba três dimensões: riqueza, educação e esperança média de vida. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população. O índice foi desenvolvido em 1990 pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, e vem sendo usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no seu relatório anual. PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 39 Paulo Fernando Vieira de Almeida A cidade dos bondes pode vir acompanhada de uma cidade mais humana aqueles que as necessidades do emprego, do desemprego, da miséria, da guerra ou da intolerância constrangem à expatriação, à urbanização do pobre ou ao encarceramento" (AUGE, 1994). Um modelo interessante é a Criação do Índice de Cultura Urbana. A partir de um peso atribuído a cada modo de transporte, soma-se a diferença entre o tempo de implantação do primeiro e do último sistema de cada cidade. No comparativo para a América Latina, foram utilizados cinco sistemas: bonde de tração animal; bonde de tração elétrica; chegada do trem regional; metrô e trólebus. Usando esse ranking, observa-se uma aplicação de recursos urbanos incompatíveis com o rastro histórico, mostrando um grande desequilíbrio regional (DANTAS, 2009). Herdeiras diretas das cidades da Idade Média, as cidades americanas cresceram sobre o signo dessa concepção monocêntrica, com um centro urbano ao qual a periferia se dirige para suprir suas demandas. Se havia semelhanças entre a cidade europeia e a americana até o início do século XX, a chegada do automóvel mudou radicalmente os dois modelos e, na América, a crença de que o automóvel seria o meio de transporte acabou alterando significativamente a ocupação e as viagens urbanas. A possibilidade de acessar qualquer ponto da cidade dentro do orçamento de tempo disponível pulverizou as viagens, atomizando as atividades e roubando a competitividade do transporte público que precisa de grandes volumes para se viabilizar. O contraponto dessa cidade atomizada é a cidade policêntrica, na qual cada bairro tem seu centro, onde os cidadãos encontram o emprego, a escola, o posto de saúde, o 40 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 comércio, as casas de entretenimento e toda a infraestrutura. O que anima essa nova estrutura é a descentralização, pressuposto para a democracia, a cidadania e a eficiência. Num primeiro momento, o transporte individual seduz pela possibilidade do serviço porta a porta e pelo conforto proporcionado, mas, no segundo momento, a baixa eficiência de transporte provoca congestionamentos que exigem pesados investimentos em sistema viários que resolvem até novos e maiores congestionamentos. A baixa eficiência energética rouba competitividade da cidade e sua poluição rouba expectativa de vida da sua população. Isso explica o porquê do desenvolvimento europeu. Lá, a preservação do seu sítio histórico exigiu pesado investimento em transporte público, principalmente ferroviário, e, mais recentemente, em bicicletas; não por acaso, os dois modos de transporte mais eficientes energeticamente. Indiferente a essas questões, as cidades brasileiras promoveram a implantação de Planos Diretores que promoviam a desconcentração da Área Central sem se preocupar em adensar novas centralidades, contribuindo, assim, para o fenômeno de Erosão Urbana preconizado pela jornalista Jane Jacobs. 4. Cidade dos Bondes — uma proposta de gestão urbana Uma data de inflexão dos investimentos no transporte por bonde foi a da entrada do Brasil na segunda guerra mundial. Os dados de produção falam da primeira metade dos anos 40 como o ápice dos transportes por bonde. A dificuldade de importação de peças e a incipiente concorrência dos ônibus fizeram com que em 20 anos os bondes entrassem em extinção total. Esse modo de transporte foi o último de uma cidade cordial, elegante, onde as regras de sociabilidade são respeitadas e percebidas na ocupação do solo. Coincidentemente, exatamente em 1942, fruto de acordo entre o governo brasileiro e o estadunidense, chegaram ao País Walt Disney, a revista Seleções, a Coca-cola, a Kibon..., e o olhar norte-americano do consumismo, do individualismo, do automóvel, do pragmatismo, do desperdício enfeitiçou toda uma geração. Esse olhar, somado ao vigoroso processo de urbanização, acabou criando uma cidade de excluídos e a especulação urbana passou a ser protagonista no desenho das metrópoles embrionárias. A transformação de uma cidade industrial em metrópole pós-industrial - bem como uma sucessão de planos diretores que ajudaram na formação de uma cidade que privilegia o automóvel em detrimento da utilização e ampliação dos transportes públicos - comprometeu a função da rede ferroviária e, consequentemente, a composição dos espaços urbanos e do uso de seu entorno. O que antes determinara a qualificação espacial hoje representa seu ocaso: terrenos vazios, prédios abandonados, espaços degradados (LORENZETTI, 2008). Resgatar a cidade dos bondes significa resgatar a construção histórica das grandes cidades de meados do século XX, interromper a quebra da narrativa histórica, a criação de não lugares, preservá-la da erosão urbana, fortalecer a instituição urbana. A cidade de 1942 é um marco na história brasileira das cidades e é uma cidade que, hoje, faria uma transição entre o que é centro e o que é periferia e que possui regiões estagnadas em função da especulação imobiliária desenfreada. Para isso, é bastante a implantação dos novos centros regionais apregoados no modelo de cidades policêntricas junto às extremidades da "cidade dos bondes", deixando a montante destinada a transportes de menor capacidade e a jusante, em direção ao centro, os investimentos mais pesados, como as linhas de metrô, VLT3, ou VLP. Nesses pontos, teríamos a captura do motorista para um meio de transporte mais adensado. Ao contrário das estações-shoppings, as novas estações deverão ter uma grande permeabilidade com a região de entorno. Levantamento para Belo Horizonte, que já teve 75 km de linha de bonde, indica que a "cidade do bonde" teria uma área de 44 km2, contra uma área de oito km2 da parte interna da Avenida do Contorno, considerado centro, e os 330 km2 de toda a Cidade. Em Belo Horizonte, "a pluralidade das soluções de transporte, visíveis nas ruas, escondia um processo de exclusão em curso, pois o modelo de desenvolvimento capitalista levaria a uma vertiginosa metropolização e a uma racionalização dos serviços de transporte, quando restou praticamente sozinha a modalidade dos ônibus" (DANTAS,2009). A Cidade dos Bondes pode vir acompanhada de uma cidade mais humana. Resgatar os antigos cursos de água da cidade através da construção de ciclovias no seu leito e a devida identificação, denominando as ciclovias como os antigos córregos resgatam a memória à medida que promove um meio de transporte não poluente. Importante evitar a concorrência das ciclovias com o transporte de alta capacidade. Entre 1988, promulgação da Constituição, e 2001, aprovação do Estatuto da Cidades, houve um grande avanço dos instrumentos jurídicos, das formulações de ferramentas teóricas, tais como: o direito de preempção; outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; transferência do direito de construir e operações urbanas consorciadas. A opção pelo pragmatismo levou à mediocridade e à rejeição de utópicos. 3 Ao identificar vários ciclos que agem na formatação das cidades e fazendo um paralelo entre as cidades americanas e europeias é possível caracterizar a mudança de sistemas e sua consequência, a crise, como uma oportunidade de avançar na implantação de planos de mobilidade sustentável. O diálogo entre as "ciências doces" e as "ciências duras" procura agregar elementos da memória e da identidade na construção de novos parâmetros a serem tratados dentro do escopo tradicional dos transportes. Uma "Cidade dos Bondes" visa a costurar soluções urbanísticas contemporâneas com as novas ferramentas de transporte; novos paradigmas econômicos com as atuais metas ambientais e um diálogo das cidades modernas com as cidades pós-modernas. Isso, de uma maneira de fácil identificação, facilitando a adesão de tomadores de opinião. Abstract The article presents elements to think about public policies of urban management based on the development notions as planning orientator in transport, patrimony, as memory and space preserver and their transmitter. When it proposes a "StreetCar City", the work aims to sew contemporaneous urban solutions to the transport tools, new economical paradigms with the current enviromental goals. The choice of the transport way is the key to construct vibrant and friendly cities and it is linked to a paradigm changing: the implantation of new regional centers announced in the polycentric cities attached to the extremities of the "Street-Car City". REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFONSO, David. Urbanidade, Site 5ª Cidade Cidades, Cultura Urbana e Reabilitação. Lisboa. 2006, disponível em <www.quintacidade.com AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da modernidade, Lisboa, Bertrand, 1994. BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. 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Veículos Leves sobre Trilhos PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 41 Previdência Padrões de financiamento da saúde do trabalhador: da Seguridade Social ao seguro saúde1 ELI IOLA GURGEL ANDRADE* PEDRO PAULO DE SALLES DIAS FILHO** Este artigo pretende analisar as alterações no padrão de financiamento da saúde do trabalhador no País, desde os tempos antes da criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966, vis à vis o processo de penetração das relações capitalistas de produção no âmbito da assistência médica. Para contribuir para a compreensão desse fenômeno, serão analisadas as políticas previdenciárias (CORDEIRO, 1984). A retomada no processo de construção de um siste ma de Seguridade Social no Brasil não pode pres cindir da necessária revisão de fatos e momentos decisivos, que ainda permanecem, vinte anos depois, como entraves relevantes à consolidação dos princípios constitucionais que, em 1988, pontuaram a criação de um estado de bem-estar no País. Dentre os fatos, o modo específico como se deu a montagem de um setor privado de prestação de serviços médicos, desde o interior do sistema previdenciário, seu desenvolvimento e ampliação ao longo da construção do Sistema Único de Saúde (SUS), de forma a constituir o principal segmento de prestação, quando se fala de cobertura ao conjunto dos trabalhadores/empregados no Brasil. Ao longo dessa história, é possível constatar que o trabalhador, principalmente dos setores secundário e terciário da economia, passou a pagar duas vezes pelo benefício à saúde. Se antes ele estava amparado no seguro social previdenciário, hoje se vê ancorado na saúde suplementar, vinculado aos planos coletivos de empresas, financiando total ou parcialmente a sua assistência médica e a de seus dependentes, a despeito da continuidade das contribuições previdenciárias. O trabalho procura resgatar a participação sindical no que se refere às políticas de assistência médica ao trabalhador. Apesar de alguns autores (COSTA, 1994; VIANNA, 1998)2 identificarem o processo de expansão do mercado de planos * de saúde no País como decorrente das demandas sociais dos trabalhadores e de seus sindicatos, que emergiram das negociações coletivas dos anos 1980, segundo Pina, Castro e Andreazzi (2006), existem elementos suficientes para não se considerarem satisfatórias essas interpretações acerca da interlocução do sindicalismo com o SUS e os planos privados de saúde. Por fim, a questão do subfinanciamento da saúde pública e o decorrente racionamento dos serviços, limitações corretamente identificadas em Faveret e Oliveira (1990), permitirão introduzir a revisão do conceito de Universalização Excludente de ambos. O desafio que se levanta, por fim, é, partindo da gênese e desenvolvimento do setor privado de saúde suplementar no Brasil, compreender as implicações da coexistência de um sistema público e privado de assistência com formas diferenciadas de acesso, financiamento e produção de serviços, a despeito dos direitos constitucionais a uma assistência gratuita e universal a toda a população. Evolução da assistência no âmbito previdenciário e a introdução capitalista nas práticas médicas A assistência médica no âmbito previdenciário teve início com a edição, em 1947, da Portaria 42, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que autorizava o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) a conceder assistência médica, cirúrgica e hospitalar, mediante contribuição suplementar. Segundo Oliveira e Teixeira (1986), o processo de rápida urbanização, deflagrado a partir do surto industrial dos anos 1950, teve como consequência a criação de expectativas de consumo próprias do modo de vida citadino, acrescido da deterioração das condições de vida urbana, criando necessidades de consumo de bens, como assistência médica, que não poderiam ser satisfeitas no mercado, dado o baixo poder aquisitivo dos salários (p. 203). A Previdência Social, então privada, formada pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP), assumia, aos poucos, a assistência médica de seus beneficiários, tendo em vista as necessidades de saúde da população de contribuintes e seus dependentes. Em 1957, o Congresso dos Industriários aprovou a extensão da assistência médica aos beneficiários do IAPI em todo o País, com manifestações favoráveis Doutora em Demografia, Professora Associada da Faculdade de Medicina da UFMG Mestrando em Saúde Coletiva no IMS/UERJ 1 Trabalho apresentado no Seminário CEBES, Seguridade social e cidadania: desafios para uma sociedade inclusiva, em 4 e 5 de setembro de 2008, Rio de Janeiro. 2 apud Pina; Castro; Andreazzi, 2006. ** 42 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 à cobrança de uma taxa suplementar de 1% sobre os salários para seu provimento. A assistência médica é vista como uma forma de garantir a produtividade do trabalhador, além de possibilitar economias pela redução das aposentadorias precoces (CORDEIRO, 1984, p. 35-37). Ainda segundo Cordeiro (1984), entre 1964 e 1966, ocorreram importantes medidas normativas que favoreceram os convênios entre empresas e grupos médicos como modalidade assistencial apoiada pela Previdência Social. Com a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) de 1960, o governo permitiu oficialmente que as empresas atendessem a seus empregados e dependentes por meio de serviços próprios e contratados. Em maio de 1964, foi assinado o primeiro convênio-empresa, homologado pela Previdência Social com a Volkswagen, prática que pouco depois se generalizaria com a unificação dos IAP no INPS, em 1966 (p. 45). O financiamento da assistência médica privada se dava sob a forma de retribuição. O IAPI retribuía às empresas que assumissem a assistência dos empregados 1% sobre a folha de pagamento das empresas, mas logo em seguida a retribuição passou a se fazer em função do salário médio mensal, incidindo sobre o montante da folha de contribuição. Outra modalidade de retribuição usada era a do reembolso das despesas por unidade de serviço prestado, dentro de limites fixados para cada especialidade (CORDEIRO, 1984, p. 48). A unificação da Previdência Social no INPS, em 1966, marcou a entrada do governo como ator principal da política previdenciária, para além da regulação. A previdência tornouse pública, na esteira dos acontecimentos que limitavam a atuação dos institutos de previdência dos trabalhadores, considerando os déficits financeiros e as irregularidades, sonegações e fraudes cometidas nos IAP. Para Cordeiro (1984), formulou-se uma política mais explícita e articulada de assistência médica, incorporando-a aos benefícios da população previdenciária. As prestações médico-assistenciais tanto poderiam ser da responsabilidade de serviços próprios quanto de credenciados, prevendo-se a participação do usuário no custeio dos serviços. Grupos médicos que emergiram como resultado de investimentos de médicos autônomos, e que lograram êxitos na implantação do modelo assistencial da medicina de grupo, obtiveram legitimidade e sustentação política e financeira por parte da Previdência Social (p. 59). Os sentidos das políticas estatais de saúde e previdência, redemocratização e reforma sanitária A unificação da Previdência Social e a criação do INPS possuem desdobramentos fundamentais na medida em que o Estado passou a assumir um papel de ator principal da política previdenciária, a que Oliveira e Teixeira (1986) caracterizam como o crescente papel do Estado como regulador da sociedade, além de apontarem para o simultâneo alijamento dos trabalhadores do jogo político (p. 201). Segundo Malloy (1976)3, o processo de unificação das instituições previdenciárias insere-se numa perspectiva de modernização da máquina estatal, aumentando seu poder regulatório sobre a sociedade, além de, obviamente, ter funcionado como componente de desmobilização das forças políticas estimuladas no período populista, para excluir a classe trabalhadora organizada como uma força social e diminuir seu papel como mecanismo articulador e de pressão na defesa dos interesses dos trabalhadores. 3 4 Apesar do caráter antidemocrático e limitador da participação dos trabalhadores, é importante destacar que a unificação previdenciária acaba por ter um resultado socialmente inclusivo. Esse sentido de inclusão pode ser traduzido pela tendência a uma ampliação da cobertura previdenciária, nos moldes de uma seguridade social clássica, através de medidas como a integração ao INPS dos seguros relativos a acidentes de trabalho (1967), a extensão da previdência aos trabalhadores rurais (1971), às empregadas domésticas (1972), e aos autônomos (1973). Excetuando-se os trabalhadores do mercado informal de trabalho, todos os demais trabalhadores, urbanos e rurais, passam a ser cobertos pela Previdência Social (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986, p. 205). Por outro lado, quanto à expansão dos serviços de natureza assistencial, de acordo com Andrade (1999, p. 58), coube ao sistema previdenciário, a partir de meados dos anos 1960, um papel duplamente fundamental: o sistema passou a se responsabilizar não só pela prestação de assistência médica, mas também pela expansão da cobertura dessa assistência, colocando-se na condição de "socioprovedor" do chamado complexo médico-industrial-previdenciário que, constituindo-se como uma articulação específica entre o Estado e o setor privado de prestação de serviços de saúde, foi responsável pela expansão da assistência médica individual no Brasil. Finalmente, em 1974, o governo dá um grande impulso às organizações médicas capitalistas ao lançar o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS) que destinou recursos, principalmente à iniciativa privada, para a construção e reforma de instalações hospitalares, sob a forma de financiamentos a juros reduzidos, proporcionando grande impulso à remodelação e ampliação do setor privado produtor de serviços médicos. A esse respeito Faveret e Oliveira (1990, p. 148) apontam que a ênfase na opção privatista se manifestou de diversas formas na política do INPS, e posteriormente do INAMPS, e produziu um resultado inequívoco: o fortalecimento do setor privado. Com esse fenômeno concorreu, também, a orientação para os agentes privados das linhas de financiamento à saúde do FAS. Braga e Goes de Paula (1986)4 mostram que, em 1977, 80% do valor dos financiamentos aprovados para a área de saúde destinaram-se ao setor privado. Portanto, os sentidos das políticas públicas de assistência e previdência no período analisado até então, ou seja, fim dos anos 1940 a até meados dos anos 1980, consenso entre os vários autores aqui citados, teria sido em primeiro lugar o privilegiamento da assistência médico-hospitalar em detrimento das ações de saúde coletivas. Em segundo, o modelo de prestação de serviços e extensão de cobertura foi o da subcontratação pelo setor público, de serviços junto a prestadores privados, em detrimento do crescimento dos agentes públicos e serviços próprios. Durante o período de redemocratização do País, o destaque foi a 8.ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que fundou as bases universalizantes do sistema público de saúde, influenciou o capítulo da Seguridade Social do texto constitucional de 1988 e concorreu para a fundação do SUS, universal. O SUS foi aprovado na Constituinte de 1987/88, sendo o relatório da 8.a Conferência a base para a discussão do modelo do setor de saúde (BATISTA, 1996). No entanto, Baptista esclarece que colocar em prática uma política tão abrangente não seria uma tarefa fácil, considerando-se os limites da descentralização e do financiamento. apud Oliveira e Teixeira, 1986, p. 202. apud Faveret e Oliveira, 1990, p. 148 PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 43 Os avanços e limites da Reforma Sanitária dos anos 1980, a competição dos planos de saúde privados com o setor público produtor de saúde e a posição dos trabalhadores A Reforma Sanitária brasileira completa 20 anos e, no entanto, encontra-se inconclusa. Apesar disso, a universalização foi um ganho importantíssimo para a sociedade, por ter facultado acesso a serviços de saúde antes exclusivos dos empregados contribuintes da previdência social. Hoje, a rede de serviços do SUS disseminada pelo País possui 63.662 unidades ambulatoriais e 5.864 hospitais, com 441.591 leitos, responsáveis por cerca de 12 milhões de internações/ano. Em 2005, o SUS realizou mais de 1 bilhão de procedimentos de Atenção Básica. São 2,3 milhões de partos por ano, mais de 14 mil transplantes de órgãos e 97% da oferta de terapia renal substitutiva, todos os procedimentos providos pelo SUS (8,9 milhões de procedimentos realizados em 2005) (SOLLA, 2006). Tendo-se reconhecido o avanço da universalização como um princípio, há de se abordar a causa primordial do que queremos chamar de universalização inconclusa, o subfinanciamento. Antes, um parêntese: o conceito de universalização inconclusa, que queremos trazer ao debate, propõe uma revisão do conceito de universalização excludente de Faveret e Oliveira (1990). Não é objetivo deste artigo tratar com profundidade essa questão específica, conceitual; no entanto, cabe esclarecer a ideia. De um lado, o subfinanciamento estrangula a oferta do SUS, o que faz com que pessoas e famílias, para ampliar a sua segurança, busquem acessibilidade no setor suplementar. Faveret e Oliveira (1990) chamam esse fenômeno de universalização excludente, pois acreditam na expulsão de segmentos da sociedade do atendimento SUS. Por outro lado, queremos introduzir a revisão desse conceito, no qual a mesma ideia toma uma outra dimensão: em certa medida, o subfinanciamento não permite a expansão da oferta do SUS a ponto de evitar o racionamento dos serviços, razão pela qual a demanda extra-SUS se sustenta. A universalização não se concluiu, já que ainda não consegue atender a todos qualitativamente. Nesse caso, uma melhora 44 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 nos serviços do SUS pode, depois de reconhecida pela população, desestimular a demanda pela cobertura de planos de saúde de contratação individual, por exemplo. Essa é uma perspectiva diferente de dimensionar a universalização, que pode se tornar inclusiva uma vez que derivem, dessa nova visão, esforços e propostas para ampliação do financiamento à saúde, inaugurando uma segunda fase da Reforma Sanitária brasileira. Mais importante é que a universalização, conseguida na Constituição de 1988, ante uma luta política legitimada por importante mobilização social, não seja condenada como excludente. Ela está inconclusa. Apresentamos, no Quadro 1, o perfil do financiamento à seguridade num período de 17 anos, antes e após a criação do SUS. A tabela demonstra o gasto social federal no período de 1980 a 1996, com um recorte dos gastos em saúde comparados ao gasto com previdência e assistência (OLIVEIRA JÚNIOR, 1998). Pode-se observar que, em 1987, com o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS, antecessor do SUS), houve uma suplementação orçamentária para a saúde, com parte dos recursos da assistência transferidos da rubrica da previdência para a saúde. No entanto, a partir da década de 1990, observou-se uma redução dos gastos federais per capita em saúde, sendo que o gasto de 1996 representava 83% do total gasto em 1980. O Quadro 2 demonstra o gasto social em saúde e previdência, vis à vis o gasto total, relativamente ao Produto Interno Bruto (PIB). Relativamente ao PIB, em 1996, a saúde tinha o mesmo peso que em 1980. Os ganhos obtidos em 1987 foram sendo progressivamente perdidos ao longo da década de 1990. Na previdência, há aumento da participação relativa pelos mesmos motivos apontados nos comentários ao Quadro 1. Essa demonstração é suficiente para se verificar que a saúde não estava na centralidade do governo federal no período analisado, tampouco a política social (SALLES DIAS, 2008). A partir de 1992, a saúde não mais participa do financiamento via orçamento de previdência social. Na conjuntura de incertezas que caracterizam a primeira metade da década, o setor passa a trilhar cada vez mais o campo próprio na definição de sua sustentação. Primeiro, na malograda defesa da divisão tripartite do orçamento da seguridade social entre as políticas de previdência, saúde e assistência social, seguido da (até hoje) inconclusa batalha pela regulamentação de emenda constitucional para definição do financiamento orçamentário setorial. Na esteira do amplo e complexo processo de descentralização e municipalização que se iniciou, a partir da edição das Normas Operacionais Básicas de financiamento (NOB), em 1993, consolida-se o subsistema privado de prestação de serviços no Brasil, concorrendo estrategicamente com avanços na implantação de um sistema público e universal de saúde no Brasil. Relatório da OECD (2008) indica que os mercados de plano de saúde privados são amplamente influenciados pela estrutura regulatória. A partir de uma perspectiva da política pública, o plano de saúde particular pode ser considerado uma alternativa ou uma fonte adicional de acumulação de reservas para financiar os sistemas de saúde, especialmente quando os orçamentos públicos estão no limite. Para Faveret e Oliveira (1990), o que possibilitou a demanda por essas inovações teria sido uma estratégia empresarial de ofertar aos empregados benefícios sob a forma de salário indireto, sendo o plano de saúde um deles. Os autores apontam, também, o fato de estar se tornando cada vez mais usual, nos centros sindicais mais organizados, a incorporação na pauta de reivindicações da efetivação, por parte das empresas, de planos privados de saúde. Esses esquemas de financiamento tendem a ser custeados em parte por recursos de empresas e, em parte, por descontos salariais, sendo, ainda, objeto de deduções fiscais. Do ponto de vista da política sindical, é possível afirmar que, embora seja correto o argumento da oferta ao empregado, por parte do empregador, do plano de saúde subsidiado a título de benefício indireto, o interesse da pauta reivindicatória trabalhista nesse quesito é limitado em face de algumas razões. Em primeiro lugar, a maioria dos trabalhadores com cobertura extra-SUS continua a depender do setor público para resolver problemas de média e alta complexidade, que não são total ou parcialmente cobertos pela atenção médica supletiva (MENDES, 2001; COTTA; MUNIZ; MENDES; COTTA FILHO, 1998)5. Assim, conforme Pina, Castro e Andreazzi (2006), a inserção de tais segmentos nos planos de saúde não significa sua total saída do sistema público e, muito menos, deveria explicar, necessariamente, o afastamento do sindicalismo da efetiva mobilização pela melhoria do SUS (p. 838). Os autores recordam que, nos anos 1970, sindicatos de trabalhadores apresentaram inúmeros questionamentos ao convênio-empresa, denunciados pela falta de isenção na prática médica, subordinada ao empregador, pela queda da qualidade assistencial, restrita a prescrições simplórias, além de recusa para tratamentos complexos de recuperação longa. Em 1981, a reunião da Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT) propunha a extinção dos convênios médicos, concomitante à criação de uma rede base e pública de previdência (p. 839). Cordeiro (1984) informa-nos sobre as manifestações contrárias ao convênio-empresa e às empresas médicas no I Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, em 1979, na Câmara Federal. Ressaltou-se, ali, que: outros tipos de serviços de saúde privados, como a medicina de grupo e as cooperativas médicas, estimulados pela Previdência Social, são também lesivos aos interesses dos trabalhadores, porque induzem a uma atenção médica diferenciada, de acordo com níveis de renda, e exercem papel de controle sobre a força de trabalho. (CORDEIRO, p. 100). 5 6 Nesse mesmo Simpósio, o representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, Francisco de Araújo Filho6, afirmou: [...] somente o Estado está capacitado a desempenhar o papel de gestor do serviço de saúde, pois somente ele pode reagir com impessoalidade e isenção, sem olhar o status do cliente, vendo-o como uma pessoa humana [...] em que pese a desigualdade econômica, financeira, intelectual e outras similares. Para concluir, reafirma-se que, ao contrário do que defendem alguns autores, o interesse do trabalhador na cobertura extra-SUS é difuso e não converge de forma exclusiva para o fortalecimento ou expansão do setor suplementar privado. Sem prejuízo do reconhecimento de que a cobertura privada seria de fato um benefício indireto presente nas negociações salariais, as resistências dos trabalhadores a um maior controle por parte das empresas não pode ser desprezada. 8.ª Conferência Nacional de Saúde e a reação do setor privado: o novo modelo de gestão capitalista da saúde do trabalhador A 8.ª Conferência Nacional de Saúde marca a politização do debate em torno da Reforma Sanitária Brasileira. A releitura do Relatório Final permite avaliar que o debate fez emergir o conflito público/privado. Vale destacar que a palavra expropriação é expressa algumas vezes. O debate sobre estatização dos serviços de saúde foi marcante. Embora a proposta de estatização imediata tenha sido recusada, houve consenso sobre o fortalecimento e expansão do setor público. Foi firmado que a participação do setor privado deveria dar-se sob a forma de concessão, o que não foi incorporado em 1988 pelo texto constitucional. O tema expropriação volta a ser abordado no Tema 2. O tom de ameaça emerge nas seguintes deliberações: "deverá ser considerada a possibilidade de expropriação dos estabelecimentos privados nos casos de inobservância das normas estabelecidas pelo setor público", sinalizando um forte controle da atividade privada no âmbito da saúde. No Tema 3, Financiamento do Setor, p. 21, o fim da renúncia fiscal foi sugerido. Propunha-se que a maior participação do setor público como prestador de serviços poderia ser viável, justa e socialmente desejável (p. 16, item 16), com expansão da oferta de serviços públicos, no entanto não houve o entendimento acerca da fixação de um percentual mínimo de dotação orçamentária para a saúde (p. 19, item 3 e notas de rodapé); pior do que isso abriu-se a possibilidade explícita de redução da dotação orçamentária com a separação dos orçamentos da saúde do da previdência (p. 3, item 3). Este período (anos 80) da história das políticas de saúde no Brasil foi marcadamente um período político-ideológico, em que se desenvolveram os principais alicerces de discussão para a política de saúde a ser implementada. A importância dessa fase está na capacidade de mobilização e implicação de diversos atores, políticos, sociais e institucionais, na avaliação e construção de um ideal político para a saúde. (BAPTISTA, 1996, p. 26) O ponto central que queremos destacar é que as proposições de caráter estatizante da 8.a Conferência criaram desconforto entre empresários das empresas médicas e hospitais. Ao final da década de 1980, estava em curso na cena política um processo ideológico de quebra de hierarquia, segundo o conceito de Braudel (1987). apud Pina, Castro e Andreazzi, 2006, p. 838. apud Cordeiro, 1984, p. 101. PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 45 existem condições sociais para o surto e o êxito do capitalismo. Este exige certa tranquilidade da ordem social, assim como uma certa neutralidade, ou fraqueza, ou complacência, por parte do Estado. [...] O capitalismo tem necessidade de uma hierarquia [...]. (p. 62/63). A 8.a Conferência, que não contou com a participação dos empresários, pode ser compreendida como uma tentativa espontânea, não intencional, de quebra da hierarquia. No entanto, o capital compreendeu bem 'a mensagem subliminar' emanada dessa conferência. Os grupos atuantes não tinham essa dimensão braudeliana; entretanto, o fato é que aquele ideário provocou, por certo, uma reação do mercado7, que resultou na expansão capitalista do subsistema da saúde suplementar. Esse segmento, que já havia criado suas bases na década de 1960 e 1970, expandiu-se vigorosamente nos anos 1980. De dez empresas existentes em São Paulo no ano de 1965, passa-se a 200 em 1978. Para ilustrar a expansão do segmento nos anos 1980 e 1990, recorremos a Andreazzi (2002), com dados expressos da Tabela 1. A comparação com o tamanho da população economicamente ativa (PEA) em alguns anos dá conta da dinâmica de crescimento do setor privado de saúde no Brasil: em 1970, a população de usuários de planos de saúde representava 6,7% da PEA, estimada em 29.557.224 pessoas; em 1980, essa proporção subiu quase quatro vezes, atingindo 25,6% e, em 1990, o percentual de 48,8% representava a metade de uma PEA estimada em 58.456.145 pessoas. Essa expansão, que se passa a descrever a seguir, tem outros contornos, que vão além da justificativa econômica, como nos fazem ver Faveret e Oliveira (1990). Sustenta-se esse argumento, que nos remete ao Quadro 1, apresentado anteriormente, e aos dados apresentados na Tabela 28. Os gastos per capita em saúde sofreram queda pronunciada logo após as recessões de 1982 e 1991. A redução do gasto per capita de 1983 e 1984 foi seguida da expansão de vínculos a planos de saúde, podendo-se supor que a ausência do poder público poderia ter impulsionado a expansão do setor privado da saúde; entretanto, o mesmo não ocorreu entre 1992 e 1993, pois existe outro fator responsável pela expansão do segmento suplementar que vai além da fundamentação econômica; fator esse, abordado a seguir. Faveret e Oliveira (1990) atribuem o crescimento da medicina suplementar a um certo tipo de inovação financeira. Os autores apontam que houve, nos anos 1980: O surgimento e acelerada proliferação de uma série de inovações financeiras que viabilizaram o acesso de amplas camadas populacionais ao subsistema privado de saúde, o que, em última instância, possibilitou a autonomização do subsistema privado na definição e sustentação de seu processo expansivo. (p. 149). As inovações a que se referem os autores são os planos de saúde de contratação individual e coletiva. Destacar os planos e seguros-saúde e compará-los a inovações financeiras que teriam surgido nos anos 1980, inovações determinantes da expansão do setor suplementar nessa década, é não reconhecer que as empresas médicas já existiam no Brasil desde os anos 1960; operavam tais produtos há vinte anos, razão pela qual não nos parece adequada a caracterização desses produtos como inovações. Também não é suficiente encontrar neles os determinantes da expansão do setor suplementar. A causa da expansão teve um componente de reação política. No entanto, está correta 7 a assertiva de que a expansão do seguro saúde, nos anos 1980, possibilitou uma autonomização do setor, o que representou uma alternativa à onda estatizante. As inovações, no caso, eram os meios alternativos de reprodução capitalista, financeirizados, virtuais e que, no entanto, não representavam as causas da expansão, mas os meios. Nessa discussão, é importante enfatizar que, num ambiente político fortemente ideologizado e propositivo de ações estatizantes, os empresários do setor, já bastante descontentes com os rumos das discussões em torno da reforma sanitária, buscaram meios que transcenderam à lógica de prestação dos serviços diretamente ao Estado e, diferentemente do modelo que predominou durante duas décadas, trataram de ampliar a oferta direta de serviços às pessoas físicas ou jurídicas. Por isso, vale recepcionar o argumento de Faveret e Oliveira (1990) de que essa autonomização sustentou o processo de expansão do subsistema suplementar nos anos 1980. A autonomização pode ser entendida como uma menor dependência do Estado como único comprador do subsiste- Proprietário dos meios de produção, hospitais, e do capital financeiro acumulado na própria expansão das operações de pré-pagamento. apud Andreazzi, 2002, p. 83 46 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 financiamento, não apenas para a saúde, mas do conjunto do sistema de seguridade social no País. Abstract ma privado ao ampliar-se a gama de clientes que demandam procedimentos médico-hospitalares, sobretudo pela expansão da carteira de serviços dirigida às empresas. A autonomização permitiu aos capitalistas reduzirem a exposição ao padrão de dependência do Estado, diminuindo os temores da ameaça estatizante. Os capitalistas passaram, em seguida, a influenciar conservadoramente o processo de discussão da Reforma Sanitária, na Constituinte eleita em 1986, por intermédio do grupo de pressão denominado Centrão9, antes mesmo que a universalização estivesse operando. Chegamos ao final para constatar que a saúde do trabalhador, em 1966, com o INPS, era gratuita - a política previdenciária era quem administrava e custeava a assistência médica, nos padrões clássicos de seguridade social - e, a partir de meados dos anos 1980, o seguro saúde, privado e pago, passou a ser responsável pela gestão da saúde do trabalhador do setor formal da economia. Como se observa, o padrão de financiamento da saúde do trabalhador moveu-se, em menos de duas décadas, da seguridade social ao seguro saúde. Atualizando-se o argumento de Oliveira e Teixeira (1986, p. 213), ele paga duas vezes10 ao recolher contribuições previdenciárias e ao custear um plano de saúde, com ou sem patrocínio do empregador. A evolução do número de usuários de planos coletivos de saúde nos últimos três anos assinala a hegemonia dessa modalidade de contrato na prestação do subsistema privado, como pode ser visto no Quadro 3. Nesse cenário, ganha novo sentido a intrincada política de incentivos que passa a caracterizar a participação do setor público no faturamento dos planos de saúde, consolidando um novo padrão de articulação entre os segmentos público e privado no Brasil. Segundo Bahia (2008), esses gastos somaram, em 2005, pelo menos R$7,5 bilhões, distribuídos entre financiamento de planos de saúde para servidores federais, gastos públicos com internações de clientes de planos privados, gastos tributários de pessoas físicas, de pessoas jurídicas e de empresas estatais. Assim, aproximadamente 20% dos gastos com o financiamento dos planos e seguros de saúde provêm de fontes públicas. Esse padrão de financiamento dispara consequências políticas diretamente relacionadas às possibilidades de avanço na universalização de uma assistência pública de qualidade, da mesma forma que retira atores relevantes do suporte político (hoje imprescindível) para o resgate de novas bases de This articles aims to analyze the changes in the financing worker’s health pattern in the country before the creation of the National Social Segurity Institute (INPS) in 1966, vis-à-vis the penetration process of the production capitalist relations concerning to the medical assistance. To contribute to this phenomenon understanding will be analysed the previdenciary policies. REFERÊNCIAS ANDRADE, E.I.G (Des)equilíbrio da previdência social brasileira 1945-1997 (componentes econômico, demográfico e institucional). 232 f. Tese (Doutorado) - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG, Minas Gerais, 1999. 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[...] conseguiu reverter o encaminhamento de diversas propostas encaminhadas na primeira fase de trabalho da Constituinte, dentre elas a proposta aprovada para a política de saúde. (p. 40) [...] algumas propostas do texto da saúde implicaram em algumas perdas, tais como: a participação da iniciativa privada como forma complementar ao SUS, a não definição de um percentual de recursos para a saúde, a não explicitação dos mecanismos de viabilização da descentralização e de unificação do sistema, dentre outras [...] Mais uma vez chegava-se a um grande consenso que não definia pactos substantivos, criando uma situação de total instabilidade para o setor e suas propostas reformistas (p. 41). (BAPTISTA, 1996). 10 Para Oliveira e Teixeira (1986), o PNS, de 1968, propõe o regime de livre escolha, sendo os honorários médicos pagos parcialmente pelo Estado através dos recursos previdenciários e parcialmente pelo cliente, ou seja, ele paga duas vezes. A atualização desse conceito resulta no seguinte: o usuário de planos de saúde, além de pagar as contribuições previdenciárias, paga seu plano de saúde, parcial (patrocínio empregador) ou integralmente. Ele paga duas vezes. PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 47 Resenha Política de Segurança Pública: como avaliar? ROBSON SÁVIO REIS SOUZA* Uma das consequências das rápidas transformações sociais dos últimos anos é que as agências encarregadas pela aplicação da lei (especialmente do sistema de justiça criminal) não se prepararam para os impactos com relação ao incremento da violência e especificamente com o recrudescimento da criminalidade urbana. Com este quadro de insegurança vivido pela população, as pessoas e instituições foram obrigadas a tomar medidas de proteção individuais como construção de muros altos nas residências, instalação de câmeras de vídeo, de detectores de metal e a contratação de segurança particular, na ilusão de estarem se prevenindo da violência. Os cidadãos trouxeram para o âmbito privado um problema notadamente público. Algumas pesquisas mostram que as medidas individuais como estas não resolvem os problemas de violência e da segurança pública e trazem sérias consequências sociais, como, por exemplo, o aumento do individualismo, o imobilismo frente ao incremento da violência, a inibição da participação no espaço público, deixando as pessoas ainda mais vulneráveis. Isso se deve à diminuição dos mecanismos de coesão social provocados pelo medo e pela insegurança crescentes, transformando todos os cidadãos em potenciais suspeitos ou até mesmo em potenciais infratores. No Brasil, porém, o aumento significativo da criminalidade, principalmente urbana, não é um problema localizado, mas nacional. Nas décadas de 1980 e 1990, presenciamos um vertiginoso aumento dos crimes nas maiores cidades brasileiras. Relatório divulgado em outubro de 2004 pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, aponta que "em 2003, no Brasil, foram registradas pelas Polícias Civis 40.630 ocorrências de homicídios dolosos, propiciando uma taxa de 23 ocorrências de homicídio doloso por 100 mil habitantes. Desse total, 33,7% concentram-se nas capitais das Unidades da Federação" (BRASIL, Senasp 2004). Ainda segundo essa fonte, houve um crescimento de 17% nas taxas de ocorrências de crimes violentos contra o patrimônio, entre 2001 e 2003, sendo que as ocorrências de roubo aumentaram no período 17% e as ocorrências de furto tiveram um incremento de 24,5%. Esses dados, certamente, não indicam a realidade, dado que muitos eventos criminosos são altamente sub-notificados, conforme atestam pesquisas de vitimização nacionais e internacionais. Pesquisas recentes têm demonstrado que em alguns municípios, como o Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, gastam-se cerca de 5% do Produto Interno Bruto com o combate à criminalidade. O Rio de Janeiro é o município que, proporcionalmente, mais gasta com violência: em 1995, foram R$2,5 bilhões. São Paulo gastou, em 1999, R$9,4 bilhões e Belo Horizonte, R$900 milhões. Segundo projeção de estudiosos e especialistas, o Brasil aplica cerca de R$70 bilhões por ano combatendo a criminali* dade; Minas Gerais, cerca de três bilhões e os gastos na capital mineira já giram em torno de um bilhão de reais por ano. Os cálculos dos custos da criminalidade levam em conta o que se perde com a morte prematura de pessoas, longos tratamentos de saúde, gastos com segurança pública e privada e os gastos privados com seguros, além das perdas diretas. Não se contabilizam, geralmente, as perdas simbólicas que podem ser muito maiores. Por exemplo, o que as pessoas deixam de gastar em compras, lazer e turismo ao não saírem de suas casas com medo de serem vitimizadas; a sensação de insegurança que produz fobias e longos tratamentos de saúde e a desconfiança crescente que fragiliza os órgãos do sistema de justiça criminal. Desde o início do século XX, pesquisadores das áreas do Direito, da Sociologia, da Política e da Antropologia começaram a produzir estudos sobre violência, criminalidade e, em menor escala, sobre segurança pública no Brasil. Rápida revisão bibliográfica aponta para pesquisas sobre a precariedade das técnicas de investigação policial e a inserção das polícias no sistema de justiça criminal e sobre o perfil burocrático do sistema de justiça criminal. Outros estudos apontam que as mediações burocráticas são responsáveis pela lentidão nos processos desse sistema, sendo que uma modernização institucional com novos arranjos estruturais torna-se imprescindível com o incremento da criminalidade, atualmente. E, ainda, que as organizações policiais funcionam como no século XIX, mas enfrentam os complexos problemas do século XXI. O que se verifica é que há pouca produção acadêmica sobre importantes enfoques, como, por exemplo, a gestão da segurança pública e a avaliação de políticas públicas de segurança. A Editora UFMG e o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) se associaram para a produção da coleção "Segurança e Espaços Urbanos". Esta coleção tem por objetivos, entre outros, discutir aspectos práticos na implementação de políticas, programas e projetos em segurança pública. Segundo seu organizador, o coordenador do Crisp, Cláudio Beato, "existe uma crença de que muito se sabe sobre a matéria, basta apenas colocar em prática esse conhecimento. Isso não é verdadeiro. Sabemos pouco e menos ainda sobre as diversas facetas das políticas públicas em segurança, das estratégias mais eficazes e das maneiras mais viáveis de obter resultados". A coleção se baseará na análise de projetos, programas e políticas a partir de uma perspectiva empírica. Ou seja, os autores dos textos, além de sólida base teórica, têm algum tipo de envolvimento prático nos temas que serão abordados. "Mais que um enfoque ensaístico, deve-se partir da robustez e da qualidade da base empírica a sustentar diferentes possibilidades de decisão nessa área. Isso é importante, Pesquisador do Centro de Estudos da Criminalidade e Segurança Pública (UFMG); pesquisador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (PUC Minas) e coordenador do Núcleo de Direitos Humanos (PUC Minas). 48 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 pois, no Brasil, a segurança pública e seus projetos têm se pautado por forte componente impressionístico de conteúdo frequentemente ideológico. Necessitamos de um enfoque mais pragmático que, contudo, não obscureça a necessidade de as discussões apresentadas serem amparadas por forte base teórica e conceitual a dar-lhes sustentação", pondera o coordenador do Crisp, ao explicar, na introdução do primeiro livro, esse tipo de opção editorial. O primeiro livro da coleção, Compreendendo e Avaliando Projetos de Segurança Pública pretende suprir uma grave lacuna nos estudos sobre a segurança no Brasil: a carência de instrumentos de avaliação e monitoramento, bem como de diagnósticos abrangentes e úteis para fins de planejamento e implementação de programas e projetos de segurança pública. Os textos apresentados no livro dedicamse justamente a diferentes aspectos relevantes da organização da informação e da avaliação de programas de segurança pública. A obra apresenta quatro textos: o primeiro trata do uso de mapas para o planejamento e avaliação. "A utilização de mapas tem possibilitado verdadeiras revoluções gerenciais no âmbito das polícias brasileiras, da mesma forma como ocorreu em outros países. Mas não basta apenas que existam. É crucial que sejam utilizados como ferramentas de planejamento de atividades operacionais e como componentes para a implementação de projetos de prevenção social em áreas de risco. Daí eles terem impulsionado a criação de unidades de analistas de crime e de setores estatísticos que dêem suporte à atividade operacio- nal das polícias e ao desenvolvimento de projetos e programas sociais". "Avaliação econômica de programas de prevenção e controle da criminalidade no Brasil", o segundo texto do livro, apresenta algumas análises de custo-benefício de programas de prevenção que, infelizmente, são raríssimas no universo das políticas públicas de segurança no Brasil. "Ao contrário do que ocorre em muitos outros setores da administração pública, decisões são tomadas sem levar em conta as consequências econômicas e o custo para a sociedade". O texto seguinte apresenta uma discussão crítica das estratégias de prevenção aplicadas aos homicídios no Brasil e em outros países. Analisando alguns programas de prevenção à criminalidade, o texto aponta que, ao contrário do que muitos acreditam, esses projetos não se compõem "apenas de boas intenções e voluntarismo, mas de estratégias intensivas e conhecimento aplicado a cada situação na qual ocorrem os incidentes". Por fim, o último texto do livro tem como escopo "buscar nas raízes e na forma de atuação das polícias uma orientação sobre as diferentes possibilidades de reforma e de sua viabilidade política. Extrai-se do texto que o peso e a importância que as polícias têm na discussão sobre segurança pública no Brasil sugerem fortemente que esse é um tema que não deve ser destinado apenas a policiais - é de interesse de toda a sociedade brasileira". O livro Compreendendo e Avaliando Projetos de Segurança Pública está à venda nas lojas da Editora UFMG ou no site: www.editora.ufmg.br PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 49 Instruções para colaboradores A revista PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL é uma publicação da Câmara Intersetorial da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Com periodicidade trimestral, a publicação pretende, além de informar sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido pela PBH no âmbito das diversas áreas temáticas sociais (Abastecimento, Assistência Social, Cultura, Educação, Esportes, Direitos de Cidadania e Saúde), criar um espaço de reflexão sobre estas ações, em qualquer âmbito. Os trabalhos oferecidos para serem publicados, sempre que o editor geral julgar necessário, serão submetidos à apreciação de dois membros do Conselho Consultivo, constituído por representantes da comunidade acadêmica de belo-horizontina, nacional e internacional, notoriamente reconhecidos como especialistas nas supra citadas áreas. A estes será dado o direito de recusar algumas colaborações, explicitando os critérios utilizados na avaliação, ou fazer sugestões quanto à estruturação e redação dos mesmos para tornar mais prática a publicação e manter a uniformidade editorial. No caso de artigos reenviados, a decisão final subre sua publicação cabaerá ao editor geral. A publicação é constituída por: 1- Artigo: revisão crítica sobre tema pertinente à política social com o máximo de 10 páginas, em corpo 12, espaço 1/2, fonte Times New Roman, entregue em CD, disquete ou enviado por e:mail. 2- Opinião: opinião qualificada sobre tema específico da política social, a convite dos responsáveis pela publicação (máximo de cinco páginas, espaço 1/2, em corpo 12, fonte Times New Roman, entregue em disquete, CD ou enviado por e:mail). 3- Debate: artigo teórico que se faz acompanhar de respostas a questões apresentadas por representantes de distintos setores ou correntes de opinião relacionados ao assunto em pauta, convidados pelo editore e/ou sugeridos pelos integrantes do Conselho Consultivo. O texto principal deverá conter no máximo sete páginas, com espaço 1/2, corpo 12, fonte Times New Roman, a ser enviado por e-mai l ou entregue em disquete ou CD. 4- Tese: resumo de tese ou dissertação de interesse da política social, defendida no último ano (máximo de 10 páginas, espaço 1/2, em corpo 12, fonte Times New Roman, entregue em CD, disquete ou enviado por e:mail). Obs: todas as colaborações devem utilizar em programas compatíveis com DOS ou Windows. Artigos, Opinião e Tese Nas colaborações na forma de Artigo, Opinião ou resumo de Tese devem constar os títulos, podendo o editor-geral solicitar alterações sempre que houver duplicidade ou semelhança com os títulos de outros textos entregues anteriormente pelos respectivos autores. Todos os trabalhos devem ser assinados, com referência explícita à principal função, título ou cargo ocupado pelo autor. Ilustrações O espaço destinado às Tabelas e/ ou Figuras (gráficos, mapas, desenhos etc.) não será acrescido ao do texto, conforme as indicações anteriores. O editor-geral poderá, contudo, solicitar a redução do número de ilustrações em função do espaço total (texto + ilustrações) destinado ao artigo e que não deverá ultrapassar a sete páginas da revista. As tabelas, gráficos, mapas, desenhos etc. deverão ser entregues em separado, devendo constar no texto apenas a indicação do local onde devem ser inseridas. No caso das ilustrações serem entregues já digitalizadas, os arquivos deverão ser salvos em formato Tiff, EPS, JPEG ou versão compatível com o Corel Draw. Cada ilustração deve ter um título e a fonte de onde foi extraída. Cabeçalhos e legendas devem ser suficientemente claros e compreensíveis sem necessidade de consulta ao texto. As referências às ilustrações no texto deverão ser mencionadas entre parênteses, indicando a categoria e número da tabela na figura. Ex: (Tabela 1). Fotos As fotos poderão ser coloridas ou em preto-e-branco, ficando a critério do editor avaliar sua qualidade estética e de reprodução. Estas deverão vir acompanhadas de autorização do autor, abrindo mão dos direitos autorais. À exceção das fotos adquiridas para a composição de acervos e arquivos, a todas elas será dado crédito de autoria. Notas de Rodapé Na utilização das notas de rodapé e referências bibliográficas serão observadas as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), abaixo sintetizadas. As notas de rodapé têm por objetivo fornecer ao leitor uma explicação ou esclarecimento que não deve ser incluído no corpo do texto para não interromper sua seqüência lógica. As chamadas das notas de rodapé devem ser feitas usando-se algarismos arábicos na entrelinha superior, sem parênteses. No caso das notas de rodapé do tipo bibliográfico, estas devem conter (pela ordem) o nome do autor (ou autores), título da obra e página consultada, de acordo com o exemplo abaixo. Ex: BORJA, Jordi. Descentralización y Gobierno Democrático: critérios para la acción, p.22. Referências Bibliográficas - As Referências devem ser formatadas em ordem alfabética. - Os termos essenciais devem obedecer a seguinte ordem de entrada: o 50 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 nome do autor (ver especificações abaixo), o título da obra (que deverá vir em destaque, itálico), a edição (que só é colocada a partir da segunda e sempre será indicada por algarismos arábicos. Ex: 4.ed., o local da publicação e a editora, cujo nome não é acompanhado por termos que indiquem a natureza jurídica da empresa (Cia., S.A., Filho, Ltda.). A palavra editora só é usada no caso de editoras com nomes de cidades ou países. Ex: Editora Belo Horizonte, e o ano da publicação, sempre indicado em algarismos arábicos, sem ponto dividindo as unidades. - São considerados dados complementares a coordenação, a organização, o subtítulo, a tradução. O nome do coordenador ou organizador deve aparecer na ordem indireta com sua função indicada de forma abreviada entre parênteses. O subtítulo da obra não recebe nenhum tipo de destaque e é antecedido por dois pontos. No caso de tradução, o nome do tradutor figura logo após o título do trabalho. • Pontuação: o sobrenome e o prenome do autor são separados por vírgula. Para separar o título do subtítulo de uma obra deve-se usar dois pontos, que também são usados para separar o local da editora. • O nome do autor deve ser grafado o último sobrenome seguido pelos prenomes. Ex: MARQUES, Gabriel García. • Se o sobrenome for composto, deve ser referenciado a partir do penúltimo sobrenome. Ex: SILVA NETO, João Batista. • Em uma obra escrita por até três autores, todos devem ser citados, usando-se ponto-e-vírgula para separá-los entre si. Se forem mais de três autores, são mencionados os três primeiros seguidos da expressão et al. (e outros). • Entidades coletivas: os órgãos governamentais, empresas e entidades públicas devem ser referenciadas pelo título. Ex: BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. • Local e editora: o local deve ser transcrito na forma que se encontra na publicação. Se houver homônimos, acrescenta-se o Estado ou País. • O nome da coleção deve vir após o ano da publicação, entre parênteses. • O nome do tradutor é citado após o nome da obra. • Quando houver mais de uma obra de um mesmo autor, deve-se colocá-las em ordem alfabética do título ou por ordem cronológica. O nome do autor repetido é substituído por um traço. PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010 51 PENSAR BH/POLÍTICA SOCIAL é uma publicação da Câmara Intersetorial de Políticas Sociais da Prefeitura de Belo Horizonte. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião dos responsáveis pela edição da revista. Não é permitida a reprodução de textos ou fotos sem autorização dos autores. 52 PENSAR/BH POLÍTICA SOCIAL - MARÇO DE 2010