CONSTRUÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE UM ATUADOR PIEZOCERÂMICO Paulo Roberto Bueno de Carvalho1 ,Paulo Jorge Brazão Marcos2 1 Tecnólogo em MPCE da FATEC-SP 2 Prof. Dr. do curso de Mecânica de Precisão da FATEC-SP [email protected], [email protected] Resumo Atualmente, diversos sistemas automatizados exigem um alto grau de precisão (com escalas da ordem de alguns micra a nanômetros) como ocorre em sistemas mecânicos utilizados para efetuar posicionamento de amostras, controle de posicionamento de pontas de prova para análise e caracterização elétrica de dispositivos, entre outras aplicações. Todos estes sistemas de posicionamento têm como dispositivo fundamental um atuador, dispositivo que produz movimento, atendendo a comandos que podem ser manuais ou automáticos. Este trabalho teve como objetivo realizar a confecção de um atuador linear utilizando um material piezoelétrico, no caso, o Titanato-Zirconato de Chumbo (PZT). Verificou-se, através de medidas de interferometria a laser, que o dispositivo final apresentou um grau de resolução da ordem de nanômetros. Palavras-chave: atuador, piezoeletricidade, PZT, precisão. 1. Introdução Os atuadores piezocerâmicos oferecem para engenheiros e cientistas uma maneira prática de conseguir níveis extremamente precisos de posicionamento, tempos de resposta mais curtos, melhor operação dinâmica e maiores forças de atuação numa grande variedade de aplicações [1]. Atualmente os sistemas de movimento baseados em atuadores piezocerâmicos substituem cada vez mais as tecnologias clássicas empregadas nestas aplicações, como válvulas eletromagnéticas, atuadores pneumáticos, motores elétricos lineares, melhorando os produtos em termos de miniaturização, precisão e tempo de resposta [2]. Como o efeito piezoelétrico observado em materiais naturais monocristalinos como o quartzo, a turmalina, o sal de Rochelle, entre outros, é muito pouco intenso, foram desenvolvidos materiais cerâmicos piezoelétricos policristalinos como o Titanato-Zirconato de Chumbo (conhecido como PZT), com propriedades melhoradas [1, 3]. As cerâmicas PZT estão disponíveis em muitas variações e são extensamente utilizadas hoje em aplicações que empregam atuadores piezocerâmicos [1]. Os dispositivos atuadores piezocerâmicos, no sentido físico, fazem uso da deformação de um material piezoelétrico quando um campo elétrico é aplicado sobre este, para promover deslocamentos de cargas de pequeno a grande porte e em alta resolução, em escala de nanômetros, variando com as dimensões do atuador, a estrutura do dispositivo e as características da cerâmica PZT [4]. A alta resolução da mudança no comprimento e a grande capacidade de carga da cerâmica piezoelétrica são particularmente interessantes nos campos de alta tecnologia (semicondutores, óptica, telecomunicações, etc.), e também, numa extensão crescente, na área automotiva (sistemas de injeção de combustíveis, microválvulas, etc.) [1]. Tendo tais aplicações como cenário motivador, foi proposto neste trabalho o projeto e a respectiva construção de um atuador piezocerâmico, utilizando as propriedades oferecidas pelo PZT, analisando a influência da geometria de construção da cerâmica sobre as características mecânicas a serem obtidas do atuador final. 2. Procedimento Experimental O projeto do atuador foi efetuado utilizando 6 discos de cerâmica piezoelétrica PZT, de diâmetro de 35 mm por 2 mm de espessura com eletrodos em ambas as faces, compostos de uma liga Cobre-Níquel (CuNi) (Figura 1). Os discos foram doados pela empresa PI Ceramic, com sede na Alemanha. Figura 1 - Fotos dos discos doados pela PI Ceramic Para o dimensionamento do atuador construído, utilizou-se a expressão para dimensionamento de um atuador piezocerâmico multicamadas, dada pela equação (1): ΔL ≈ d 33 • n • U (1) onde: ΔL = deslocamento [m] d33 = coeficiente de deformação mecânica (campo elétrico e deslocamento na direção de polarização) [m/V] Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 28 – pág. 10 a 14 – Abril / 2010 10 n = número de discos cerâmicos U = tensão de operação [V] Como não foi possível conseguir uma fonte de alta tensão disponível para efetuar os testes de funcionamento do atuador acima, foi construída uma fonte de alta tensão ajustável com saída de tensão contínua de 0 a 1000 V aproximadamente (para uso em rede elétrica de 220 V - tensão alternada) e com saída ajustável de 0 a 590 V (tensão contínua) quando usado em rede elétrica de 127 V (tensão alternada), ambas as condições para uma corrente de saída baixa (até 250 mA). Feita a montagem do circuito para o controle do atuador piezocerâmico, foi efetuada a montagem do atuador na configuração tipo multicamadas, ou em pilha (stack actuator). Entre os discos foram colocados espaçadores metálicos para poder haver espaço para colocar os contatos que efetuam a polarização dos discos, como mostra a figura 2. Os espaçadores e os discos foram fixados utilizando uma cola condutiva à base de prata, para poder haver o contato elétrico entre os discos cerâmicos pelos eletrodos e fixar a estrutura ao mesmo tempo. Figura 2 - Discos piezocerâmicos com espaçadores metálicos montados. Cada disco foi posicionado sobre a pilha de forma que a face onde se encontra o eletrodo positivo (eletrodo avermelhado) fosse colocada em contato com o eletrodo positivo do outro disco e da mesma forma o eletrodo negativo em contato com o eletrodo negativo do disco posterior, até ser completada a pilha, formando um atuador multicamadas contendo 6 discos. Em seguida, foram fixados os contatos com a fiação para aplicar a polarização nos discos paralelamente, onde cada contato feito através de um terminal tipo forquilha foi fixado em cada eletrodo utilizando a cola condutiva, formando a estrutura ilustrada pela figura 3. Os terminais que estão ligados ao fio preto são polarizados negativamente e os terminais fixados com fio vermelho são ligados na saída positiva da fonte de tensão utilizada. Depois de feita a montagem, foi deixada para cura o material durante 24 horas para poder secar a cola e manter a estrutura estável. A partir de então, foram realizados os testes com o atuador montado. Figura 3 - Parte ativa do atuador piezocerâmico montado com os terminais. 3. Testes de acionamento do atuador e obtenção de medidas Para efetuar a medida de deslocamento do atuador piezocerâmico construído, foi montado um interferômetro de Michelson (figura 4), onde o espelho móvel é o que se encontra sobre o atuador piezocerâmico da figura 3. O feixe de laser He-Ne, cujo comprimento de onda é de aproximadamente 632 nm, é direcionado ao atuador que se encontra na posição vertical através de um espelho posicionado a um ângulo de aproximadamente 45º para desviar o feixe para o espelho que se encontra no atuador e retransmitir o feixe ao divisor de feixes. Os feixes de laser refletidos seguem em direção à lente do anteparo, que ao atravessar esta lente atinge uma folha de papel sulfite posicionada no outro lado do laboratório alinhada a esta lente, servindo como anteparo. Figura 4 – Diagrama do Interferômetro de Michelson. Os espelhos foram ajustados até que fossem observadas na folha de sulfite, as franjas de Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 28 – pág. 10 a 14 – Abril / 2010 11 interferência dos dois feixes de laser refletido para o anteparo, conforme ilustrado na Figura 5. Este deslocamento de franjas observado ocorre em função do deslocamento do espelho que se encontra sobre o atuador piezocerâmico (figura 3), o qual desloca este espelho numa variação dada por ΔL. Considerando que para cada franja deslocada, há um deslocamento igual a metade do comprimento de onda do laser (λ/2), pode-se determinar a variação de deslocamento do espelho por [5]: ΔL = Figura 5 – Franjas de interferência observadas. Em seguida, ligou-se o atuador piezocerâmico à fonte de alta tensão ajustável e entre ela e o atuador, ligou-se um multímetro para monitorar a tensão que estava sendo aplicada sobre o atuador. Antes de iniciar o ajuste da tensão, marcou-se um ponto na folha de sulfite sobre uma franja escura presente na folha. Em seguida, iniciou-se o ajuste da tensão através do potenciômetro de ajuste da fonte de alta tensão. A tensão foi aumentada gradativamente, observando-se o deslocamento das franjas de interferência. No momento em que uma outra franja escura se posicionasse sobre o ponto marcado, era interrompido o aumento da tensão e anotava-se então o valor da tensão observada naquele instante no multímetro. Para verificar o padrão dos resultados, este procedimento experimental foi repetido quatro vezes sendo aferidas as tensões obtidas para cada deslocamento, aplicando sobre o atuador tensões de 0 V a 500 V. λ (2) 2 Baseado na equação 2, foi determinado o ΔL experimental de acordo com o comprimento de onda do laser utilizado, resultando em ΔL Experimental igual a 316,4 mm para uma variação de tensão aplicada igual a 100 V. Calculando o ΔL Teórico através da equação 1 e comparando com o ΔL Experimental, verificou-se uma margem de erro de 5,5 %. Através da variação da tensão medida sobre o atuador (tabela I) e a variação de deslocamento obtida através do cálculo de ΔL Experimental, construiu-se a Tabela II correlacionando a variação de deslocamento em função da variação de tensão, e, com base nos resultados desta tabela, foi obtido o gráfico da Figura 6, que mostra o comportamento do atuador montado: Tabela II - Deslocamento obtido pelo atuador em função da tensão aplicada. Tensão Deslocamento medida sobre efetuado pelo atuador [m] o atuador [V] 0 0 106 3,16E-07 210 6,32E-07 300 9,48E-07 405 1,26E-06 500 1,58E-06 Tabela I – Deslocamento de franjas em função da variação de tensão. Variação de tensão (V) Deslocamento da franja (adimensional) 0 – 106 1 franja 106 – 210 1 franja 210 – 300 1 franja 300 – 405 1 franja 405 – 500 1 franja -6 Através dos resultados observados visualmente pelo deslocamento das franjas de interferência pelo anteparo da figura 5 em função das tensões observadas no multímetro, constatou-se que a cada variação de aproximadamente 100 V deslocou-se uma franja de interferência observada no anteparo. Foram observadas as seguintes tensões para cada deslocamento de franja: Deslocamento do atuador [10 m] 4. Resultados obtidos 1,80 1,60 1,40 1,20 1,00 0,80 0,60 0,40 0,20 0,00 0 100 200 300 400 500 600 Tensão medida sobre o atuador [V] Figura 6 – Curva da variação de deslocamento do atuador em função da variação de tensão [ΔL X V]. Pode-se determinar a força máxima suportada por este atuador utilizando as equações [1,2]: Boletim Técnico da FATEC-SP - BT/ 28 – pág. 10 a 14 – Abril / 2010 12 Fmax = k T • ΔL0 (3) k T = Adisco • E (4) L0 onde: Fmax = Força máxima suportada pelo atuador; Módulo de elasticidade (E) = 27 GPa = 27 GN/m2 (parâmetro informado pelo fabricante, válido para tensões altas [V > 100 V]); ΔL0 = deslocamento máximo do atuador para tensão igual a 500 Vdc, obtido experimentalmente; L0 = Comprimento do atuador (altura) no estado inicial (sem sofrer deformação). Através destas equações, utilizando-se parâmetros fornecidos pelo fabricante das cerâmicas, determinou-se que a força máxima suportada pelo atuador é de 3419 N. Considerando a aceleração da gravidade g: g ≈ 9,8m / s 2 (5) determinou-se que a massa da carga máxima suportada por este atuador é de 348,8 kg. Foi efetuado o cálculo da freqüência de ressonância (equação 6) e através deste parâmetro pode-se obter o tempo de resposta do atuador depois de aplicada uma voltagem sobre o atuador, por meio da equação 7. kT ⎛ 1 ⎞ f0 = ⎜ ⎟• meff ⎝ 2π ⎠ (6) 1 3 • f0 (7) Tmin ≈ onde: f0 = freqüência de ressonância [Hz] kT = constante elástica do piezo atuador [N/m] meff = massa efetiva do atuador (1/3 da massa total do atuador) [kg] Tmin = tempo de resposta do atuador [s] A freqüência de ressonância calculada foi de 42,766 kHz e o tempo de resposta obtido foi de 7,8 µs. A freqüência de ressonância e o tempo de resposta aqui calculados devem ser considerados para um atuador sem haver uma carga aplicada sobre o mesmo (figura 3). Para poder calcular estes parâmetros, considerando uma carga aplicada, devem-se considerar outros parâmetros dependentes da carga que será aplicada, tais como a massa efetiva da carga aplicada, se ela é constante ou varia de acordo com o deslocamento aplicado pelo atuador (considerando como carga uma mola) e a constante elástica da carga. 5. Conclusões Através dos dados obtidos, pode-se concluir que os testes efetuados com o atuador piezocerâmico multicamadas desenvolvido correspondem às expectativas obtidas na teoria durante o seu estudo, obtendo-se um grau de precisão na resolução do sistema de 3,2 nm/V (considerando um deslocamento de aproximadamente 320 nm para cada 100 V aplicado, valor obtido fazendo uma regressão linear sobre a curva da variação de deslocamento em função da variação de tensão aplicada no atuador), tendo uma estrutura estável sem o encapsulamento, e obtendo resposta em tempo rápido (aproximadamente 7,8 µs) e linear do deslocamento conforme a variação da tensão, observado através da curva variação de deslocamento vs. variação de tensão, sendo praticamente imperceptível o tempo de atraso na resposta de deslocamento em função da variação de tensão linearmente. Referências Bibliográficas [1] Pi Ceramic. Piezoelectric Ceramic Products. Lederhose, Germany, 2006. 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