o embrião humano e sua utilização sob a ótica da

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CAMILA FRANCIS SILVA
O EMBRIÃO HUMANO E SUA UTILIZAÇÃO SOB A ÓTICA
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
MESTRADO EM DIREITO
UNIFIEO/OSASCO
2010
CAMILA FRANCIS SILVA
O EMBRIÃO HUMANO E SUA UTILIZAÇÃO SOB A ÓTICA
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Dissertação apresentada à banca de defesa do
Centro Universitário Fieo de Osasco, como
exigência para a obtenção do título de Mestre
em Direito (Direitos Fundamentais), sob
orientação da Professora Doutora Débora
Gozzo.
UNIFIEO/OSASCO
2010
SILVA, Camila Francis.
O embrião humano e sua utilização sob a ótica da dignidade da pessoa humana; orientação
Professora Doutora Débora Gozzo. Osasco, 2010. 98f.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito do Centro
Universitário Fieo.
34:57
1. Biodireito. 2. Dignidade.
CAMILA FRANCIS SILVA
O EMBRIÃO HUMANO E SUA UTILIZAÇÃO SOB A ÓTICA DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Dissertação apresentada à banca de defesa do
Centro Universitário Fieo de Osasco, como
exigência para a obtenção do título de Mestre
em Direito
Campo de conhecimento:
Direitos Fundamentais
Data da aprovação:
17 de março de 2010.
Banca Examinadora:
Professora Doutora Débora Gozzo
Professora Doutora Maria Garcia
Professor Doutor Luis Carlos Azevedo
Ao Eduardo, sem o qual, jamais teria
conseguido.
Pela dedicação, carinho e apoio, que
somente o amor pode explicar.
Para você, com todo amor, para sempre!
Agradeço aos meus amigos, cuja amizade
é uma honra, que me ajudaram tanto nos
dias alegres quanto nos difíceis.
Agradeço a minha mãe, Rosângela, ao
meu pai, José Francisco, e ao meu irmão
Rodrigo, pelas grandes lições de vida,
pelos virtuosos valores e pela tolerância
de minha ausência.
Homenagens à Professora Doutora Débora
Gozzo, minha orientadora e mentora. Pelo
privilégio de suas preciosas lições. Pela
admiração
de
seu
caráter,
força,
integridade e inteligência. Pela coragem
de embarcar neste projeto. Em especial,
pelo carinho e humanidade.
“Viver consiste em tirar o maior bem do maior mal.”
Machado de Assis
Resumo
Com o avanço da ciência e tecnologia, a sociedade é colocada diante
de diversas situações novas, dentre elas a necessidade de identificação e
proteção do embrião humano. As dificuldades em encontrar o momento em
que se inicia a vida humana e os problemas éticos quanto a sua utilização
são entraves que confrontam com a necessidade da continuidade das
pesquisas para busca de tratamentos de doenças.
A autorização das pesquisas pelo julgamento efetuado pelo Supremo
Tribunal Federal da ação direta de inconstitucionalidade – Adin 3510 – que
tornou legitímo o artigo 5º da Lei 11.105, de 24 de março de 2005 (Lei de
Biossegurança). Ainda assim, a ciência busca entender a capacidade das
células-tronco para a aplicação efetiva, com intuito de prolongar e auxiliar,
aqueles que necessitem de tais terapias e a dignificar a existência desses
embriões.
Palavras-chave
Embrião humano, células-tronco embrionárias humanas, dignidade da
pessoa humana, direito fundamental à vida.
Abstract
With the advancement of science and technology, the society is
placed in front of many new situations, the need of identify and protect the
human embryo. The difficulties of finding the exact moment that human life
begins and the ethics issues involving its utilization, stuck and confront to
the necessity of continuation of the research to find disease treatment.
The release of research at trial by the Supreme Court of the direct
action of unconstitutionality - Adin 3510 - came to legitimize the Article 5
of Law 11.105/2005 (Biosafety Law). However, the science still seeks to
understand the potential of stem cells such cells for the effective
implementation, aiming to extend and help those in need of such therapies,
and to dignify the being oh this human embryos.
Key words
Human embryo, human embryo stem cells, dignity of the human
person, fundamental right of life.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
I - O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E O EMBRIÃO HUMANO
........................................................................................................... 13
1.1 Dignidade e o direito à vida ............................................................ 14
1.2 O embrião e o início da vida ........................................................... 18
1.3 Início da vida na era da ciência ....................................................... 20
1.3.1 Teoria concepcionista .................................................................. 24
1.3.2 Teoria de singamia ...................................................................... 26
1.3.3 Teoria da cariogamia ................................................................... 27
1.3.4 Teoria da nidação ........................................................................ 29
1.3.5 Teoria da formação rudimentar do sistema nervoso ........................ 30
1.3.6 Teoria do pré-embrião .................................................................. 33
1.3.7 Teoria da pessoa humana em potencial .......................................... 35
1.4 Vida embrionária e o direito fundamental ......................................... 36
1.5 Direitos de personalidade do embrião ............................................... 38
II- SOBRE O EMBRIÃO HUMANO E O SEU ESTATUTO JURÍDICO
............................................................................................................ 42
2.1 Conceito de embrião humano para o Direito ..................................... 43
2.2 O embrião congelado e seu status perante o ordenamento jurídico....... 46
2.2.1 Os embriões excedentes e a utilização do embrião congelado .......... 49
2.2.2 Pesquisas com células-tronco embrionárias .................................... 51
2.3 Início da personalidade humana e os direitos do embrião ................... 57
2.4 A proteção jurídica do embrião ........................................................ 59
2.5 Comentários ao artigo 5º da Lei 11.105/2005 – A Lei de Biossegurança
.............................................................................................................61
2.5.1 Considerações sobre a ação direta de inconstitucionalidade - Adin
3510 ................................................................................................... 64
III – DIREITOS FUNDAMENTAIS, O DIREITOS À VIDA E O
EMBRIÃO .......................................................................................... 72
3.1 Respeito à vida como direito fundamental .........................................72
3.2 Direito à vida do embrião congelado ................................................ 74
3.3 Utilização do embrião e direito à vida: Colisão de direitos ................ 78
3.4 Regime legal .................................................................................. 85
CONCLUSÃO ..................................................................................... 89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................... 91
Introdução
O presente estudo tem a finalidade de analisar o embrião humano,
dentro de sua complexidade, sua existência e utilização, de acordo com a
legislação pátria, sob a ótica da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido
foi utilizado o método de compilação, através de pesquisas em diversas
fontes de informação, de várias áreas do conhecimento.
Diante da não obrigatoriedade na utilização da reforma ortográfica da
língua vernácula, em razão de vacatio legis, realizou-se o estudo na
ortografia da língua portuguesa em vigor.
Dividiu-se a temática em três capítulos, com a finalidade de melhor
abranger o conhecimento buscado.
Como início da investigação, fez-se necessário identificar a vida
contida no embrião e sua natureza, bem como entender o momento de início
desta vida. Portanto, lançou-se mão das teorias da ciência de início de vida,
bem como para entender as diversas etapas no desenvolvimento humano, em
especial, para a formação do embrião, ainda, relacionando a dignidade e o
direito à vida.
Buscou-se,
assim,
entender
a
vida
embrionária,
passando
pelo
processo natural de fecundação, na qual se identifica o embrião nidado; e
pela reprodução assistida, que tem como fruto o embrião in vitro,
percorrendo por todas as etapas desta vida efêmera.
Desse modo, foi necessário entender o conceito de embrião para o
Direito, a existência de proteção dos direitos fundamentais ao embrião, bem
como à dignidade. Posteriormente, estuda-se o início da personalidade
humana, momento em que os direitos do embrião são discutidos, bem como
sua proteção jurídica.
O embrião congelado é estudado quanto a sua posição para o Direito,
bem
como
quanto
a
sua
utilização,
verificando-se
as
possibilidades
existentes para ele na condição em que se encontra.
Diante das novas possibilidades propostas pela ciência, verifica-se a
tecnologia utilizando-se células-tronco, em que se procura entender sua
dinâmica, bem como distinguindo as pesquisas com células-tronco adultas e
embrionárias.
A possibilidade da utilização das células-tronco para pesquisa e
terapia é constatada quando do tratamento analítico do artigo 5º da Lei de
Biossegurança em todos os seus aspectos, inclusive pelo exame do
julgamento do referido dispositivo pelo Supremo Tribunal Federal por
ocasião da ação direta de inconstitucionalidade proposta – Adin 3510.
À frente, buscou-se situar o direito à vida como um direito superior,
bem como a necessidade do respeito à vida, e, por iguais razões, entender o
direito à vida do embrião, e que direito é esse.
Perante o conflito existente entre o direito à vida do embrião e o
direito à vida digna, tratou-se de entender a colisão de direitos na busca da
prevalência de um direito predominante na utilização do embrião. Para tanto,
foi necessário o entendimento das questões bioéticas envolvidas.
Ao final, procurou-se trazer à baila todo o regramento existente que
embasa
a
utilização
do
embrião
para
extração
de
células-tronco
embrionárias, especialmente quanto aos tratados internacionais que são
supedâneos para a legislação vigente.
I. O Direito fundamental à vida e o embrião humano
O direito à vida é o primeiro de todos os direitos. É oriundo do
jusnaturalismo 1, posto que a vida humana e o direito à sobrevivência são
anteriores a qualquer regramento jurídico existente, sendo considerado um
direito natural.
Nas palavras de Renata da Rocha: “(...) um direito primário,
personalíssimo, essencial, absoluto, irrenunciável, inviolável, imprescritível,
indisponível e intangível, sem o qual todos os outros direitos subjetivos
perderiam o interesse para o indivíduo.”
2
Neste contexto, a vida humana é mais que um bem, é condição para a
existência de todo o ordenamento jurídico, no regramento da conduta social.
Portanto, é a partir da vida humana que se constitui a sociedade.
Todavia, a vida humana nem sempre foi reconhecidamente importante,
sendo que um longo processo houve de ser trilhado para que o direito à vida
e todos os seus reflexos pudessem ser reconhecidos e protegidos.
Neste sentido, os direitos fundamentais visam proteger o principal
direito das pessoas, que é o direito à vida. Solidificados como cláusulas
pétreas, os Direitos Fundamentais, terminologia adotada pelo constituinte
para designar os Direitos Humanos em nossa Constituição, estão positivados
a partir do artigo 5º estendendo-se até o artigo 17.
O direito à vida está declarado como garantia fundamental no caput do
artigo 5º de nossa Carta Magna.
Muito mais do que um direito, a vida
humana é também considerada como valor, conforme pondera José Afonso
da Silva “(...) constitui fonte primária de todos os outros bens jurídicos.” 3,
isso porque há a necessidade da existência da vida humana para que sejam
garantidos todos os demais direitos.
1
LE MB O, Cláudio. A Pessoa e seus Direito s. Mano le: Bar uer i, 2007 , p. 11 .
2
ROCHA, Renata d a. Direito à Vida e a Pesquisa co m Célula s- Tro nco: Li mit es Ét ico s
e J urídico s. E lsevier: Rio de J aneir o, 2 008, p. 111 .
3
SI LVA, Jo sé Afo nso da. Curso de Direit o Co nstit ucio na l Po sit ivo. 2 6ª E d., São Paulo :
Malheiro s, 20 06, p.198 .
1.1. Dignidade e o direito à vida
A dignidade da pessoa humana em nosso sistema jurídico está
positivada na Constituição de 1988, no artigo 1º, III, como sendo
fundamento da República Federativa do Brasil; subentende-se, portanto, que
o ser humano é a finalidade do Estado e razão de sua existência.
4
Neste aspecto, José de Oliveira Ascensão afirma:
O ho mem não só funda o Direito, co mo se destina to do a ser vir o
ho mem. É p ara a realização do ho mem q ue a ord em j urídica
existe. A glob alid ade da sua or ganização, mesmo no s aspecto s
mais técnico s, tem o sentido d e ser vir o ho mem q ue a integr a. 5
A importância e indispensabilidade do ser humano permeiam a difícil
conceituação da dignidade, que longe de ter significado unívoco, é
fundamento, princípio, direito e valor basilar de todo direito brasileiro.
Por isso, Edinês Maria Sormani Garcia assevera:
Quando unificado s o s co nceito s de d ignid ade e p essoa, tem-se o
entend imento d e q ue o ho mem é p o nto de partid a e d e chegad a;
q ue o ho mem não ad mite sub stituição eq uivalente; q ue o ho mem é
o único ser q ue co mp r eend e um valor inter no e, q ue por final, não
há no mund o valo r q ue sup er e ao d a p essoa huma na. 6
Portanto, a dignidade existe em razão do ser humano, decorrente de
sua condição humana.
7
A dignidade complementa e protege o ser humano
em todos os sentidos de seu ser, fazendo com que todo o arcabouço jurídico
garanta a existência do ser humano condizente com suas características
únicas.
Nesse diapasão, Rosa Maria de Andrade Nery afirma:
4
GARCI A, E d inês Mar ia So r mani. O Fundamento da Co nsagração d a Pesso a Humana no
T exto Co nstitucio nal Br asileir o d e 19 88. I n:
SE GALL A, Jo sé Rob er to Martins;
ARAÚJ O, Luiz Alberto David. 15 a no s da Constituição Federa l em B usca da
Ef et iv idade. Baur u: Faculdade de Dir eito de B aur u, 20 03, p. 2 24.
5
ASCE NSÃO, Jo sé de Oliveira. Pesso a, Direitos Fund amentais e Dir eito da
Per so nalidad e. I n: DELGADO, Mário Luiz; ALVE S, Jo nes Figueiredo. Questões
Co ntrovert ida s: Parte Gera l do Có dig o Civ il. São Paulo : ANO, p. 121 .
6
GARCI A, E d inês Mar ia So r mani. O Fundamento da Co nsagração d a Pesso a Humana no
T exto Co nstitucio nal Br asileir o d e 19 88. I n:
SE GALL A, Jo sé Rob er to Martins;
ARAÚJ O, Luiz Alberto David. 15 a no s da Constituição Federa l em B usca da
Ef et iv idade. Baur u: Faculdade de Dir eito de B aur u, 20 03, p. 2 13.
7
SARLET , I ngo Wo lfgang. Dignida de da Pesso a H uma na e Direito s F unda ment ais na
Co nst it uição de 19 88. 6ª. Ed. Po rto Alegr e: Livraria d o Ad vo gado. 2008 , p.44 .
O ho mem e m sua d ignid ade é o fund amento de toda mo r al, e o
Direito se cur va a esse p rimado para tr açar o co nceito de q ue
necessita para imp lementar a célula mestra da Ciência J ur íd ica,
q ue é d elinear o q ue vem a ser sujeito d e d ir eito s e obr igaçõ es. 8
Sob este prisma, é a dignidade que fornece ao Direito subsídios para a
ampla existência do ser humano e sua garantia, já que toda pessoa é
detentora de dignidade.
9
De ampla significação e abrangência, a dignidade
da pessoa humana propõe a proteção dos direitos da pessoa.
A dignidade, pois, reveste a existência da pessoa. Não se trata de algo
que emana de suas características pessoais, mas que advém de seu status de
ser humano e das relações para com outras pessoas.
10
Para tanto, ressalta, a
exemplo do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Edinês
Maria Sormani Garcia: “Todas as pessoas que, biologicamente consideradas,
são os seres humanos nascidos de mulher, são destinatários do princípio da
dignidade da pessoa humana”
Portanto,
a
11
dignidade
inerente
às
pessoas
conjuga
diversas
características que, embora não consigam delimitar o sentido de vida digna,
possibilita a não afronta a uma existência moral e íntegra. Assim é que, para
Alexandre de Moraes, a dignidade humana
( ...) é um valo r espir itual e mo ral inerente à p essoa, q ue se
manifesta singular mente na autod eter minação co nsciente e
r espo nsável d a pró pr ia vida e q ue tr az co nsigo a pr etensão ao
8
NE RY, Ro sa Mar ia de And r ad e. No ções P relimina res de Direito Civ il. São Paulo :
Revista do s T r ib unais, 200 2, p . 13 6.
9
SARLET , I ngo Wo lfgang. Dignida de da Pesso a H uma na e Direito s F unda ment ais na
Co nst it uição de 1988. 6 ª. E d. Por to Alegr e: Livr ar ia do Ad vo gado. 20 08, p. 46. A
r espeito d a titular id ade, I ngo Wo lfgang Sar let afir ma: “( ...) atr ib uto intr ínseco da p essoa
hu mana ( mas não prop riamente à sua natureza, co mo se fo sse um atr ib uto físico !) e
expr essar o seu car áter ab so luto, é q ue a d ignid ad e de tod as as p essoas, mes mo d aq uelas
q ue co metem as açõ es ind ignas e infames, não ser á obj eto de desco nsideração.”
10
HAB E RMAS, J ür gen. O F ut uro da Nat ureza H u ma na. T r ad ução de Kar ina J annini.
São Paulo : Martins Fo ntes, 20 04, p. 4 7.
“( ...) a ‘dignid ad e huma na’, entend id a em estr ito sentido mo ral e j ur íd ico, enco ntr a-se
ligad a a essa simetria das relaçõ es. E la não é uma p r opr ied ade q ue se pod e ‘p o ssuir ’por
natureza, co mo a inteligência o u o s olhos azuis. Ela mar ca, antes, aq uela
‘intangib ilidad e’ q ue só pode ter um signif icado nas r elaçõ es inter pesso ais de
r eco nhecimento recíproco e no r elacio namento igualitár io entr e as pesso as.”
11
GARCI A, E dinês Mar ia Sor mani. O Fundamento d a Co nsagr ação d a Pesso a Humana no
T exto Co nstitucio nal B rasileiro de 1 988. I n: SEGALL A, Jo sé Rob er to Martins; ARAÚJ O,
Luiz Alberto David. 15 a no s da Co nst it uição Federa l em B usca da Efet iv ida de. B aur u:
Faculdad e d e Direito d e B aur u, 200 3, p . 22 2.
r espeito por parte d as d emais pesso as, co nstituindo -se em u m
míni mo invulner ável q ue todo o estatuto j urídico deve assegurar ,
d e mo do q ue apenas excep cio nalmente possam ser feitas
limitaçõ es ao exercício d o s d ir eito s fund amentais, mas se mp re
sem meno spr ezar a necessária estima q ue merecem to das as
p essoas enq uanto seres humano s. 12
A dignidade seria, assim, um valor que emana do ser humano
consciente de si e dos demais integrantes da sociedade, impondo a todos
dispor do mesmo tratamento que recebem, em especial no que tange ao
direito à vida. Por isso, segundo Milagros Otero Parga, a dignidade teria
duas vertentes: uma, ontológica, reconhecendo o ser humano superior aos
demais seres vivos existentes, portanto portador de características únicas; e
uma, ética, quando o ser humano trata o seu semelhante com merecimento.
13
Reporta-se, portanto, à visão de João Baptista Villela quanto à
proteção da vida humana trazida pela dignidade: “Força nada tem a ver com
dignidade da pessoa humana. O que importa e o que as constituições
protegem é a vida. A vida em si mesma. Não a potencialidade de sua
duração. Nem sua aptidão de resistir à morte.”
14
Desse modo, a dignidade reflete no ser humano como diversas
garantias e direitos abarcados pelos direitos fundamentais
15
, registrados na
Constituição, no artigo 5º, como o direito à vida, que encontra previsão em
seu caput.
Acerca de tão importante direito, José Afonso da Silva registrou:
Não será co nsid er ada ap enas no seu sentido b io ló gico d e
incessante auto -atividade funcio nal, peculiar à matér ia or gânica,
mas na sua acep ção b iogr áfica mais co mpr eensiva. Sua r iq ueza é
d e d ifícil apr eensão po rq ue é algo d inâmico, que se tr ansfor ma
incessantemente sem p erd er sua p rópr ia id entidade. É um p ro cesso
12
MORAE S, Alexandre d e. Co nst it uição do Bra sil Interpreta da. São Paulo : Atlas,
20 02, p. 1 28 -129 .
13
P ARGA, Milagro s Otero . El Valor Dignidad . I n: Dereito – Rev ist a Xurídica da
Univ ersida de de Sa nt iago de Co mpo st ela. Vo l 12 , nº 1, 2003 . p . 127 .
14
VI LLE LA, João B atista. Varia ções Impo pula res so bre a Dig nidade da Pesso a
H uma na . I n: Sup er ior T r ib unal de J ustiça: Do utr ina, Edição Co memo r ativa 20 ano s. p.
56 6.
15
SI LVA, J osé Afo nso d a. Curso de Direito Co nst it ucio na l Po sitiv o. 26 ª Ed., São
Paulo : Malheir o s, 20 06, p .105. “Dignidad e d a p essoa humana é um valor sup remo q ue
atr ai o co nteúdo d e todos o s d ireito s fundamentais d o ho mem, d esde o d ireito à vid a.”
(p rocesso vital) , q ue se instaur a co m a co ncepção (o u geminação
vegetal) , transfor ma-se, p ro gr ide, mantend o sua id entidad e, até
q ue mud a d e q ualid ad e, deixando , então, d e ser vid a p ar a ser
mo r te. 16
Tal proteção à vida tange a todos os aspectos do ser humano, seu ser,
no sentido material e imaterial, considerando os elementos físicos, psíquicos
e espirituais da pessoa humana, isto é, tudo aquilo que integra o seu ser.
Diga-se, então, que vida digna é a possibilidade da manutenção não apenas
biológica, mas também da abrangência de todos os aspectos da vida humana.
Justamente neste sentido enfatiza Carlos Alberto Bittar:
T rata-se de direito q ue se r eveste em sua p lenitude, d e tod as as
car acterísticas gerais do s direito s d a p er so nalid ade, d evendo -se
enfatizar o asp ecto da ind ispo nib ilid ade, uma vez q ue se
car acteriza, nesse camp o, um d ir eito à vid a e não u m d ir eito sob re
a vid a. Co nstitui-se d ir eito d e caráter negativo , imp o ndo -se p elo
r espeito q ue a to do s o s co mp o nentes d a co letividade se exige.
Co m isso, tem-se a pr esente a ineficácia d e q ualq uer declaração
d e vo ntad e do titular q ue imp or te em cer ceamento a esse d ir eito ,
eis q ue se não pod e ceifar a vid a humana, p or si, o u por o utr em,
mes mo sob co nsentimento , porq ue se entend e, univer salmente, q ue
o ho mem não vive apenas para si, mas para cump r ir missão
pr ópr ia da socied ad e. 17
A vida humana, dentro desta enorme gama de sentidos, deve ser
considerada também desde a sua menor expressão, como a vida embrionária,
que é muito fugaz, e tem a duração de apenas algumas semanas, mas faz
parte do desenvolvimento de cada ser humano existente. Assim é que o
embrião humano é o concepto em si, no estágio inicial, pois a vida
embrionária começa a partir da segunda semana após a concepção e dura até
a sétima semana, isto porque após esse período o concepto é chamado de
feto. 18
16
SI LVA, J osé Afo nso d a. Curso de Direito Co nst it ucio na l Po sitiv o. 26 ª Ed., São
Paulo : Malheiro s, 2006, p .196.
17
BIT T AR, Car lo s Alb er to. O s Direito s da Perso na lida de. 7 ª ed ., atualizad a por
E d uar do Car lo s B ianca Bittar, Fo rense Univer sitár ia: Rio de Janeiro, 2008, p. 71.
18
AC ADE MI A Br asileir a d e Letr as. Dicio ná rio Escolar da Língua P ort ug uesa. 2. ed.
São Paulo : Co mp anhia Ed itora Nacio nal, 2 008, p. 585.
Co nceito de feto : “E mbr ião de q ualq uer animal vivíparo d epo is q ue adq uire asp ecto
semelhante ao d o ad ulto . Na esp écie humana, ser em d esenvolvimento dentro do útero.”
1.2 O embrião e o início de vida
A formação do embrião humano dá-se a partir da fecundação do
óvulo pelo espermatozóide, e constitui uma das fases do desenvolvimento
pré-natal 19. Essa fase é caracterizada pela maior taxa de crescimento em
qualquer estágio da vida, pois o embrião cresce cerca de 10 mil vezes mais
do que o tamanho do zigoto
20
, além de ser o momento em que os principais
órgãos e sistemas se desenvolvem, como o respiratório, o digestivo e o
nervoso. 21
Esse período é de grande vulnerabilidade do embrião, tanto é que
apenas de dez a vinte por cento dos óvulos fecundados chegam a virar
embriões
22
, e quando chegam a esse estágio, aproximadamente cinqüenta por
cento das gestações são interrompidas por aborto espontâneo.
23
Tudo isso se
deve ao fato de serem comuns as más formações, defeitos genéticos, ou
simplesmente a não fixação correta do blastocisto no útero materno.
Os
embriões
fertilizados
in
vitro,
por
sua
vez,
têm
o
seu
desenvolvimento interrompido na segunda semana após a concepção,
momento em que ainda não têm a diferenciação celular iniciada e que todas
19
P AP ALI A, Diane E.; OLDS, W end ko s; Feld man, Ruth Duskin. Desenvo lv imento
H uma no . 10ª ed. T r ad ução Jo sé Car lo s Barbo sa, Carla Ver sace e Mauro Silva. São Paulo :
McGr aw-Hill, 200 9, p . 85 . Sob re as fases de d esenvolvimento, o s autor es explicam:
“Sup er ad a a fase geminal, p rimeiro estágio de d esenvolvimento, no q ual o prod uto d a
fecundação e po sterio r fusão do s pr o núcleo s das células geminais dá or igem ao zigo to, e
este se desenvo lve até fo r mar o b lastocisto ( embr ião p recár io) . A última fase de
d esenvolvimento pr é natal é a fase fetal, q ue se inicia ap ós a 8ª semana de gestação. O
feto, neste mo mento estará co mp letando seu desenvo lvimento , já q ue po ssui todas as
car acterísticas de um beb ê humano .“
20
AC ADE MI A Br asileir a d e Letr as. Dicio ná rio Escolar da Língua P ort ug uesa. 2. ed.
São Paulo : Co mp anhia Ed itora Nacio nal, 2 008, p. 1310.
Definição de zigo to : “Célula r esultante da união do esp er matozó ide co m o ó vulo, dando
or igem ao feto ; o vo .”
21
P AP ALI A, Diane E.; OLDS, W end ko s; Feld man, Ruth Duskin. Desenvo lv imento
H uma no . 10ª ed. T r ad ução Jo sé Car lo s Barbo sa, Carla Ver sace e Mauro Silva. São Paulo :
McGr aw-Hill, 2009 , p . 86 .
22
P AP ALI A, Diane E.; OLDS, W end ko s; Feld man, Ruth Duskin. Desenvo lv imento
H uma no . 10ª ed. T r ad ução Jo sé Car lo s Barbo sa, Carla Ver sace e Mauro Silva. São Paulo :
McGr aw-Hill, 2009 , p . 85 .
23
P AP ALI A, Diane E.; OLDS, W end ko s; Feld man, Ruth Duskin. Desenvo lv imento
H uma no . 10ª ed. T r ad ução Jo sé Car lo s Barbo sa, Carla Ver sace e Mauro Silva. São Paulo :
McGr aw-Hill, 2009 , p . 88
as células são pluripotentes. É o momento em que são avaliados quanto a sua
viabilidade de implantação no útero. Os embriões considerados inviáveis são
congelados, sem destinação certa, que com a autorização da Lei de
Biossegurança – Lei 11.105/2005 - com a permissão dos pais e decorrido o
prazo de três anos de congelamento - podem ser cedidos para pesquisas ou
até para serem destruídos, conforme dispõe o artigo 5º do referido diploma.
O período embrionário é uma das diversas fases que constituem o
desenvolvimento do ser humano, devendo ser protegida na medida de sua
viabilidade, além de poder ser considerada o início da vida.
Eis aqui uma questão muito controvertida: o início da vida.. Existem
diversos critérios criados para estabelecer quando ela ocorre, dependendo de
quem
discursa.
Existem,
contudo,
posições
teológicas,
científicas,
sociológicas, psicológicas, políticas e jurídicas. Todavia, não há qualquer
consenso. Cada visão aquece o debate com argumentos interessantes.
Partindo-se de uma análise da legislação e da sociedade brasileira,
fruto da colonização portuguesa do século XVI, independentemente do
Estado laico constituído, resquícios da doutrina religiosa ainda permeiam o
tema.
Por essa visão, mesmo sem embasamento científico algum, a vida
começaria com a fecundação, notadamente pelo encontro do óvulo pelo
espermatozóide. É por isso que a Igreja, especialmente a Católica, luta pela
manutenção da vida a partir desse momento.
Sem adentrarmos no caráter dogmático, no qual as demais religiões
entendem o começo de vida, para a ciência diversas são as teorias, não
havendo consenso. A Lei 9.434/97 - Lei de Transplante de Órgãos - deu
grande dimensão aos adeptos das teorias de início da atividade nervosa, pois
atesta em seu artigo 3º que a morte será considerada quando não houver
atividade cerebral.
24
24
Portanto, se o final da vida se dá com o final da
B RASI L. Có digo Civil, Co nst it uição Federa l e Leg islação Co mple menta r.
Or ganização do s texto s, no tas remissivas e índices por Antô nio Luiz de T oledo. 1 5. ed.
São Paulo : Saraiva, 2 009.
Lei 9.43 4/9 7, Art. 3º; “A r etirada po st mo rtem d e tecido s, ór gão s o u p ar tes do corp o
hu mano d estinado s a tr ansp lante o u tratamento d everá ser pr ecedid a de d iagnó stico de
mo r te encefálica, co nstatad a e registrad a po r do is méd ico s não p ar ticipantes d as eq uip es
d e remo ção e tr ansp lante, med iante a utilização d e cr itér io s clínico s e tecnoló gico s
d efinido s po r r esolução do Co nselho Fed er al de Med icina.”
atividade nervosa, o inverso seria verdade para se estabelecer o início da
vida.
No entanto, não é tão simples, pois, sob o ponto de vista da ciência, é
possível entender o funcionamento biológico da reprodução humana.
1.3. O início da vida na era da ciência
A vida humana, como objeto de estudo científico, levantou diversas
teorias. Nos séculos XVII e XVIII havia um grande debate científico quanto
à origem da vida. De um lado, os animaculistas
25
- estes cientistas eram
chamados de animaculistas, pois naquela época era animacules o nome dado
aos espermatozóides – e, de outro lado, os ovistas
26
– que assim eram
chamados, pois os óvulos também recebem o nome de ovo - tinham visão
oposta.
Somente
com
o
trabalho
de
Kaspar
Friedrich
Wolff,
ficou
demonstrado que não havia criaturas já formadas no espermatozóide do pai,
nem mesmo no óvulo da mãe, que ambos contribuíam para a formação de um
novo ser. 27
Com efeito, o início de todo o processo que irá culminar na vida
humana começa na fecundação. A fecundação é o processo no qual o
espermatozóide, célula reprodutiva masculina, também chamada de gameta
25
P AP ALI A, Diane E.; OLDS, W end ko s; Feld man, Ruth Duskin. Desenvo lv imento
H uma no . 1 0ª ed . T rad ução de Jo sé Car lo s Barbo sa, Carla Ver sace e Mauro Silva. São
Paulo : McGr aw-Hill, 2009 , p . 63 .
Os animaculistas acr editavam q ue a vid a humana estava co ntid a na cabeça do s
esper matozóid es, pr o nta, co m todas as car acter ísticas d e um b ebê for mado , co ntud o em
tamanho micro scóp ico e q ue p ara cr escerem er a necessár io o d epó sito do esper matozóid e
em u m a mb iente nutritivo e p rop icio ao seu crescimento até o nascimento , d entro do
útero.
26
P AP ALI A, Diane E.; OLDS, W end ko s; Feld man, Ruth Duskin. Desenvo lv imento
H uma no . 10ª ed. T r ad ução Jo sé Car lo s Barbo sa, Carla Ver sace e Mauro Silva. São Paulo :
McGr aw-Hill, 2009 , p . 63 .
Os o vistas entendiam q ue o s peq uenino s ser es estar iam j á d ispo sto s no s o vário s, sendo
necessár io o esper matozó ide ap enas p ara ativar o seu crescimento .
27
P AP ALI A, Diane E.; OLDS, W end ko s; Feld man, Ruth Duskin. Desenvo lv imento
H uma no . 10ª ed. T r ad ução Jo sé Car lo s Barbo sa, Carla Ver sace e Mauro Silva. São Paulo :
McGr aw-Hill, 2009 , p . 63 .
masculino, adentra o óvulo feminino
28
, célula reprodutiva feminina, por sua
vez, também chamada de gameta feminino.
As células sexuais, ou gametas, são completamente diferentes das
demais células do organismo que abrigam toda a codificação genética de um
ser humano, ou seja, todas as informações de determinada pessoa, composta
por vinte e três pares de cromossomos
29
, ou quarenta e seis cromossomos no
total. A célula sexual, por sua vez, por meio de um processo de divisão
chamado meiose
30
, abarca apenas vinte e três cromossomos, isto é, metade
da codificação genética de um ser humano. 31 Isso porque, com a junção dos
núcleos dos gametas, processo esse também chamado de cariogamia, que
culminará na formação do ovo (célula formada), esta célula conterá quarenta
e seis cromossomos, ou a informação necessária para a formação de um ser
humano, sendo que metade da informação genética foi enviada de cada um
dos pais. Quando o ovo começa a se dividir dá-se a origem do zigoto (célula
que contém substâncias nutritivas necessárias ao seu desenvolvimento, e que
já contém toda a informação biológica necessária para guiar do seu
desenvolvimento até um bebê humano 32), que por sua vez divide-se em duas
células e depois quatro células até formar o blastócito (fase inicial do
embrião, ou como muitos dizem, um embrião precário). Este, em caso de
28
NE RI , Demetr io. A Bio ét ica em La bo rató rio: Célula s- Tro nco, Clo nag em e Sa úde
H uma na . T rad ução d e Or lando So ares Moreir a. [S.l.] : Lo yo la, 20 04, p. 31 .
29
CROMOSSOMOS. Dispo nível em: http://www.u fv.br /db g/lab gen/cro m.html. Acesso em
02 set. 2009.
“Cr o mo sso mo s (Kr o ma=cor , so ma=cor po) são filamento s esp iralado s d e cro matina,
existente no suco nuclear de todas as células, q ue cor am intensivamente co m uso d e
corante citoló gico ( carmin acético, or ceína acética, r eativo d e Schiff) , co mp o sto por
DNA e p roteínas, sendo ob ser vável à micro cop ia d e luz d ur ante a d ivisão celular .”
30
FONSE CA,
Kr ukemb er ghe.
M eio se.
Disp o nível
em:
http://www.b r asilesco la.co m/biolo gia/meio se.htm. Acesso em 02 set. 2 009.
“A meio se ( sigla = R!) é um p ro cesso d e d ivisão celular p elo q ual uma célula d iplóid e
(2 N) or igina q uatr o células hap ló ides ( N), red uzind o à metade o númer o d e cro mo sso mo s
co nstante d e uma espécie. Sendo subd ivid ido em d uas etapas: a pr imeir a d ivisão meió tica
( meio se I) e a segund a d ivisão meió tica ( meio se II ).“
31
P AP ALI A, Diane E.; OLDS, W end ko s; Feld man, Ruth Duskin. Desenvo lv imento
H uma no . 10ª ed. T r ad ução Jo sé Car lo s Barbo sa, Carla Ver sace e Mauro Silva. São Paulo :
McGr aw-Hill, 2009 , p . 65 .
32
P AP ALI A, Diane E.; OLDS, W end ko s; Feld man, Ruth Duskin. Desenvo lv imento
H uma no . 10ª ed. T r ad ução Jo sé Car lo s Barbo sa, Carla Ver sace e Mauro Silva. São Paulo :
McGr aw-Hill, 2009 , p . 65
estar implantado na mulher, poderá fixar-se à parede do útero que, a partir
de diversas divisões mitóticas 33, dará origem ao embrião humano.
34
É,
portanto, o blastócito que na fecundação in vitro poderá ser congelado, caso
seja excedente para a reprodução assistida.
Esse embrião ficará desenvolvendo-se no útero até a sétima semana de
gestação, dividindo-se e especializando suas células que derivarão os órgãos
do
organismo.
A
partir
da
oitava
semana,
esse
ser
em
fase
de
desenvolvimento é chamado de feto. Neste momento, ele já terá as feições de
um ser humano, contudo, ainda em formação, havendo a necessidade de
conclusão da gestação para que todas as funções fisiológicas que o manterão
vivo per si possam funcionar.
O embrião humano também pode existir mediante a ação mecânica não
espontânea do homem, que é realizada pela fecundação em laboratório. Neste
processo, são retirados diversos gametas da mulher (óvulos) e do homem
(espermatozóides), juntando-os em ambiente estéril. Sob manipulação dos
cientistas, em situação propícia e adequada verifica-se, após o período de
nove a doze horas, a formação do ovo. Este é mantido nas condições
necessárias para a formação do embrião humano (blastocisto)
35
.
Esse amontoado de células é considerado embrião após terem se
diferenciado das células, que, como explica Henri Atlan,: “(...) produzirão a
placenta e os envoltórios amnióticos, de um lado (os ‘anexos’), e aquelas
que se diferenciarão e formarão os tecidos e órgãos do embrião propriamente
dito.”
36
A diferenciação celular é o momento em que o embrião começa a ter
delimitadas as suas próprias células e estas células começam a se
33
J UNQUEI RA, Luiz C.; CARNE I RO, J osé. Bio log ia Celular e M olecular. 8 ª. E d. Rio
d e Janeiro : Guanab ar a Koo gan, 200 5, p . 14 2.
34
AT LAN, Henri. O Útero Art if icia l. T r ad ução I rene E r nest Dias. [ S.l.]: E d. Fio cr uz,
[2 003] , p. 46 -4 7.
35
MOSE R, Antô nio . Biotecno log ia e B io ética: Pa ra O nde Va mo s? Petróp olis: Vo zes,
20 04, p. 1 62 -165 .
36
AT LAN, Henri. O Útero Art if icia l. T r ad ução I rene E r nest Dias. [ S.l.]: E d. Fio cr uz,
[2 003] , p. 47.
especializar para a formação dos tecidos com função específica. Nesse
sentido explicam Luiz C. Junqueira e José Carneiro:
Difer enciação ser á mais b em co mp r eend id a co nsider ando -se q ue
cad a célula é d otada d e d uas car acterísticas: a d iferenciação e a
po tencialidad e. Difer enciação é o grau d e esp ecialização d a
célula, enq uanto a potencialid ade é a capacid ade q ue a célula tem
d e o riginar o utro s tipos celulares. E m q ualq uer célula, q uanto
maio r for a for ça d e po tencialidad e, meno r ser á a difer enciação e
vice-ver sa. As pr imeiras células emb rio nár ias (b lastô mer os) da
maio r ia das espécies animais po dem o r iginar q ualq uer tipo
celular . E ssas células têm gr au de d iferenciação zer o e, por tanto
po ssuem 100 % d e p otencialid ade, sendo deno minadas totipo tentes
( to ti = to tal). No o utro extremo estão, por exemp lo, as células
ner vo sas, as do cristalino do globo o cular e as do músculo
card íaco , q ue p erd er am até a cap acidade de d ivisão mitótica, não
po dend o or iginar seq uer o utr as células iguais. E ssas células são
10 0% d iferenciad as e sua po tencialidad e é igual a zero. Os
exemp lo s são extremo s, a maioria das células exib e graus
inter med iário s de d iferenciação e po tencialidade. 37
Este complexo processo de início da atividade vital humana traz
consigo um grande mistério, a saber: quando efetivamente é possível afirmar
que tem início a vida humana? Em que momento dessa engrenagem
biológica, o ser em formação passa a ter vida? A partir de que momento é
considerado um ser vivo na fecundação? Ou o processo começaria quando da
formação dos tecidos especializados?
Existem correntes em todos os sentidos. No Brasil, todavia, as
correntes mais sólidas são a da concepção, na qual se insere Alice Teixeira
Ferreira, que conta com o apoio das igrejas cristãs, em especial a Igreja
Católica. E a teoria do pré-embrião, ou teoria do décimo quarto dia, que
sustentam Mayana Zatz e Lygia da Veiga Pereira, cujos pareceres basearam
os membros do Congresso Nacional ao editar a Lei de Biossegurança, Lei
11.105 de 24 de março de 2005.
Não há consenso, porém, quanto a este instante inicial da vida
humana. Assim, portanto, passa-se a analisar algumas das mais importantes
teorias sobre o início da vida embrionária, a fim de se demonstrar a
complexidade do tema que ora se estuda.
37
J UNQUEI RA, Luiz C.; CARNE I RO, J osé. Bio log ia Celular e M olecular. 8 ª. E d. Rio
d e Janeiro : Guanab ar a Koo gan, 200 5, p . 21 9.
1.3.1. Teoria concepcionista
Essa teoria defende que a vida humana tem início no momento da
concepção, que ocorreria de doze a vinte e quatro horas após a fecundação
38
do óvulo pelo espermatozóide, caracterizada pela fusão dos pronúcleos dos
gametas, que geraria um novo ser. Conforme Fernanda dos Santos Sousa, a
partir de então:
“(...)está-se diante do zigoto, ser autônomo que possui a
condição plena de pessoa, sendo-lhe inerentes todos os valores pertencentes
aos demais seres da mesma espécie.” 39
Ainda neste aspecto, esclarece Renata da Rocha:
A teor ia co ncep cio nista, co nsid er ando a pr imeir a etapa do
d esenvolvimento embr io nár io humano , entende q ue o emb rião
po ssui um estatuto mo r al semelhante ao d e um ser humano ad ulto,
o q ue eq uivale a afir mar q ue a vida humana inicia-se, para o s
co ncepcio nistas, co m a fertilização d o o vócito secund ár io pelo
esper matozóid e. A par tir desse evento , o embr ião já po ssui a
co nd ição plena d e pesso a, co mp r eend endo , essa co nd ição, a
co mp lexid ade de valo res inerentes ao ente em d esenvo lvimento . 40
Portanto, para essa teoria, a célula formada com suas próprias
características e que a partir daquele momento esse ser teria condições de se
desenvolver independentemente de interferência de terceiros.
Nesse mesmo diapasão, Alice Teixeira Ferreira, grande defensora
desta teoria menciona:
Cientista q ue d iz não saber q uando inicia a vida humana está
mentind o. Qualq uer texto d e embr io lo gia clínica (o u humana)
afir ma q ue se inicia na co ncepção. E m 1 827, com o au mento d a
sensib ilid ad e do micro scópio, p er mitindo visualizar o ó vulo e os
esper matozóid es, Kar l Er nst Vo n Baer descreveu a fecundação e o
d esenvolvimento emb rionár io. Os méd ico s europ eus, fr ente tais
evid ências, passaram a defender o ser humano d esd e a co ncep ção,
co ntra o abor to. E m 1 869 a I nglater ra fo i o pr imeir o p ais a to r nar
38
AC ADE MI A Br asileir a d e Letr as. Dicio ná rio Escolar da Língua P ort ug uesa. 2. ed.
São Paulo : Co mp anhia Ed itora Nacio nal, 2 008, p. 579.
Definição d e fecundação : “Ato o u efeito de fecundar. Fo r mação da célula r epro d utora
p ela união do ó vulo co m o esp er matozó id e. Fer tilização.”
39
SOUSA, Fer nand a do s Santos. Células- Tro nco Embrio nária s: Aspecto s Ét ico s e
J urídico s da Ut ilização do s E mbriões Excedent es para F ins Tera pêut ico s à Luz da
Lei de B io sseg ura nça . Mestr ado em Direito, or ientado pela P ro fessor a Do utor a Ana
Paula Seb be Felipo , Santo s, 2009 , p . 65 .
40
ROCHA, Renata d a. O Direito à Vida e a s P esquisa s co m Célula s- Tronco: Limit es
Ét ico s e J urídico s. E lsevier: Rio de Janeiro, 2008 , p. 75.
o abor to ilegal. O Papa P io I X, tamb ém em 1 8 69 aceito u ( q ue) o
fato de q ue a vid a humana se inicia na co ncepção. É um fato
científico e não um d ogma d a I gr eja Cató lica o u d e q ualq uer
r eligião. Par a não d izer q ue está ultrap assado os emb r iolo gistas,
em 2 0 05, afir mam não só q ue a o rigem d o ser hu mano se dá na
fecundação co mo , do ponto de vista mo lecular, a pr imeira d ivisão
do zigo to d efine o no sso d estino . 41 ( sic)
Todavia, a ciência não é unânime em entender que a concepção é o
momento do início da vida. Grandes são as críticas a esta teoria, pois alegam
os cientistas que, o ser humano se diferencia dos demais seres viventes
devido a sua autoconsciência, sua capacidade de saber que existe. Logo esta
teoria se mostra frágil, vez que nem todo ser concebido terá a consciência de
si. O maior exemplo são os fetos anencéfalos, aqueles fetos que não possuem
cérebro, e que após o nascimento não sobrevivem mais do que algumas
horas. 42
O que dá a identidade ao ser humano é o seu cérebro, que comanda
não só as funções involuntárias vitais, como todas aquelas que são
voluntárias. O ser humano, em caso de doença, pode substituir alguns de
seus mais importantes órgãos, todavia caso conseguisse substituir seu
cérebro, jamais seria a mesma pessoa.
Ademais, como explica Ramiro Carlos Rocha Rebouças, não é certo
que com a concepção, a vida se inicie, pois o processo na maior parte das
vezes não culmina na vida humana. Em suas palavras:
Há a p rimeir a q uestão a ser po sta em fo co. Sendo vida a
cap acidade de autop oiese 43, e visto q ue o ó vulo fecund ado , o
zigo to não tem cap acidad e autopo ética autôno ma antes de
41
E ntrevista
co ncedida
a
Her mes
Rod rigues
Ner y.
Dispo nível
em:
http://www.cleo fas.co m.br /vir tual/texto.p hp?doc=E NT RE VI ST A&id=ent00 28. Acesso em
20 jun. 2009.
42
RE BOUÇAS, Ramiro Carlos Rocha. Inco nsistência s da teo ria co ncepcio nista co mo
a bso luta e única de defesa do direit o à vida f rent e a o s conflito s j urídico s da
a nencefalia
e
o ut ro s.
Dispo nível
em:
http://www.a me ms.or g/ame ms/ind ex.p hp?op tio n=co m_ co ntent&view=article&id =247 :j ur i
stas&catid=1 35:co ntr a&Itemid =416 . Acesso em 20 jul. 2009 .
43
REI S, Leo n B ur ko wski do s. Auto po iese Auto-o rga niza ção.
Dispo nível
em:
http://www.unicamp .br /fea/or tega/temas530 /leo n.htm. Acesso em 1 3 j an. 20 10. Co nfor me
d escr eve o auto r: “A teor ia autopo iética tem como id éia b ásica um sistema o r ganizad o
auto -suficiente. E ste sistema prod uz e r ecicla seus próp rio s co mpo nentes difer enciando se do meio exter io r. O ter mo Auto po iese fo i criado pelo s b ió lo go s chileno s Humb er to
Matur ana e Francisco Var ela.”
co mp letar fases co mp lexas d e desenvo lvimento, entr amo s numa
q uestão fund amental. A vida em p o tencial. Vida p otencial x vida
p lena.
Os gr upo s fund amentalistas entendem q ue a vida hu mana co meça
no mo mento da co ncepção. E afir ma m ser u ma teo ria d e b ases
científicas. E sta fundamentação co ncep cio nista da vid a humana
tem b ases científicas e ló gicas suficientes par a garantir d ir eito s
fund amentais, mas é fr aca, cientificamente tanto q uanto em sua
ló gica p ara ser a única teor ia q ue defina o s direito s fundamentais
do ser humano .
Defend emo s q ue apó s a fecundação em co nd ições natur ais, iniciase um p ro cesso de vida em p o tencial. A fecund ação nas tub as d e
falópio não é garantia que haverá imp lantação da mó r ula, estágio
q ue o embr ião é ainda um aglo mer ado d e células, do zigo to no
útero. A med icina pod e o ferecer estatísticas atualizad as de q ual
p ercentual estimado d e ó vulo s fecund ado s q ue co meçam sua
d ivisão celular na migr ação até o úter o, e não co nseguem
co mp letar a imp lantação no endo métrio , e são simp lesmente
d escartado s sem q ue a mulher seq uer tenha noção d e q ue tro uxe
em si u m zigo to . Não é uma r espo sta d ifícil d e ser atualizad a
p elo s esp ecialistas em o b stetr ícia e esp ecialmente por ser ro tina a
fecundação in vitro no s d ias de hoje.
Po r o utro lado um ó vulo fecund ado in vitro pod e ser imp lantado
artificialmente e evoluir à for mação d a p lacenta, ao
d esenvolvimento emb rio nár io, avançand o ao perío do fetal,
cump r ind o tod as as etap as até o nascimento de um ser humano
saudável. Destaq ue-se, a fecundação ocorrendo to talmente fora do
corpo feminino, totalmente em ap arato técnico co nstr uído p elo ser
hu mano em temp o s po steriores a segund a metade d o século XX. 44
( sic)
Diante da divergência de argumentos passa-se a analisar as demais
teorias, isto é, a teoria da singamia e cariogamia, que decorrem da teoria
concepcionista.
1.3.2. Teoria da singamia
Essa teoria tem como defensor Roberto Adorno. Oriunda da teoria
concepcionista, contudo mais superficial por crer não ser importante, como é
na teoria analisada anteriormente, a junção dos materiais genéticos das
células somáticas. Para os seus defensores, a vida humana tem início no
exato instante em que o espermatozóide consegue transpor a camada exterior
44
RE BOUÇAS, Ramiro Carlos Rocha. Inco nsistência s da teo ria co ncepcio nista co mo
a bso luta e única de defesa do direit o à vida f rent e a o s conflito s j urídico s da
a nencefalia
e
o ut ro s.
Dispo nível
em:
http://www.a me ms.or g/ame ms/ind ex.p hp?op tio n=co m_ co ntent&view=article&id =247 :j ur i
stas&catid=1 35:co ntr a&Itemid =416 Acessado em 20 jul. 200 9.
do óvulo, adentrando-o. Isso porque esta operação desencadeia diversas
reações químicas que culminam na junção dos pronúcleos dos gametas.
45
Descrevendo a teoria da singamia, Reinaldo Pereira e Silva assevera:
Assi m, a teor ia da singamia d istingue-se da teoria da car io gamia
na med ida em q ue ad mite o p rimó rd io da ind ividualid ade humana
antes da co ncep ção, isto é, no exato mo mento da fer tilização, q ue
o corr e q uando apenas um, d e apro ximad amente d uzento s a
seiscento s milhões de esp er mato zó ides liber ados na ej aculação,
co nsegue atr avessar a zona pelúcid a do ó vulo, apó s passar atr avés
d a cor o na r ad iata, co nstituíd a por camadas d e células foliculares
q ue igualmente cir cund am o ó vulo . 46
Assim, a junção dos gametas é irrelevante
47
, sendo considerada apenas
a penetração do espermatozóide no óvulo para haver impulso inicial de vida,
sendo considerado, portanto, vida após a fecundação.
48
1.3.3. Teoria da cariogamia
Essa teoria, igualmente, decorre da teoria concepcionista, e por ela
defende-se que o início da vida humana se dá quando ocorre a concepção
propriamente, ou quando há a efetiva junção dos pronúcleos masculino e
feminino,
fundindo-se
e
criando
um
código
genético
próprio,
individualizando-o de qualquer outro ser humano existente.
Neste sentido Reinaldo Pereira e Silva sinaliza:
( ...) na teor ia da car iogamia o co nceito de "co ncep ção" é b em
mais esp ecífico , já q ue apenas r eco nhece o início da existência
hu mana apó s a fusão do s p ro núcleo s masculino e feminino no
inter ior do o vo. Dessa maneir a, a teor ia da car io gamia defend e
q ue d esde a co ncepção, entend id a co mo a fusão d o s pro núcleo s
do s gametas masculino e feminino , o q ue já existe é uma vida
hu mana em ato, isto é, um ind ivíd uo humano do tado de
45
SI LVA, Reinaldo Pereira. Int ro dução ao B io direit o: Inv estigaçõ es Polít ico-J urídica s
so bre o est at uto da Co ncepçã o H uma na . São Paulo : LT R, 2002 , p. 84 -85.
46
SI LVA, Reinaldo P er eira. B io ética e B iod ir eito: I mplicaçõ es de u m Reencontro .
Disp o nível em
http://ad vocacia.paso ld.ad v.br /ar tigo s/ar q uivo s/bio eticaebio direito .do c Acessado em 2 1
j ul. 20 09.
47
ROCHA, Renata d a. O Direito à Vida e a s P esquisa s co m Célula s- Tronco: Limit es
Ét ico s e J urídico s. Rio d e Janeiro : Elsevier , 2008 , p. 77.
48
SOUSA, Fer nand a do s Santos. Células- Tro nco Embrio nária s: Aspecto s Ét ico s e
J urídico s da Ut ilização do s E mbriões Excedent es para F ins Tera pêut ico s à Luz da
Lei de B io sseg ura nça. Mestrado em Direito, or ientado pela pro fessor a do utor a Ana Paula
Sebbe Felipo , Santo s, 2009 , p . 68 .
po tencialidad e. Rechaça-se, assim, a fór mula do Co mitê
Co nsultivo Francês de É tica ( Co mité Con su ltatif d 'É th ique
F rança is) segundo a qual o zigo to é um in d ivíd uo humano
po tencial, o u p ura po tência d e humanid ade. 49
O maior argumento dessa teoria funda-se no fato de que a célula
formada já é distinta de qualquer outra célula, de qualquer outro ser humano
existente, que, por haver patrimônio genético próprio, individualizado, já
seria um ser humano.
Assim, discorre Fernanda dos Santos Souza:
Decorr em, então , do no vo cód igo genético for mado p ela
co ncepção, três p ropr ied ades: 1 ) a id entid ad e especificamente
hu mana do zigo to , pois seu geno ma d er iva da fusão d e do is
geno mas humano s; 2) ind ivid ualidade do zigoto po rq ue o cód igo
genético o d iferencia de todo s o s d emais seres humano s; 3) a
do tação d e um geno ma q ue gar ante ao co ncep to a plena
po tencialidad e e não mer a po ssibilidad e de sua gr ad ual r ealização
hu mana. 50
Portanto, para os defensores dessa teoria, como Angelo Serra, a partir
da formação dessa célula, oriunda da concepção, a vida teria início e esse ser
se
desenvolveria
de
uma
forma
autônoma,
gradual
e
coordenada,
representando o primeiro estágio de desenvolvimento do ser humano.
51
Parece que essa teoria, bem como as demais concepcionistas, não
explicam, de fato, o início da vida humana, embora tragam indícios da forma
com que esse início se revela. Isso porque, ainda que com a fecundação, as
reações químicas derivam para a junção dos materiais genéticos cedidos
pelos genitores, e que esta nova célula – zigoto_ seja única e irrepetível,
ainda assim não é possível falar em indivíduo, já que esse zigoto pode
dividir-se gerando dois embriões com o mesmo material genético.
49
SI LVA, Reinaldo Pereir a. Bioét ica e B io direito: As implicaçõ es de um Reenco ntro .
http://www.scielo.cl/scielo.p hp?p id=S1726 Disp o nível
em:
56 9X2 002000 200004 &scr ip t=sci_ ar ttext. Acesso em 21 j ul. 200 9.
50
SOUSA, Fer nand a do s Santos. Células- Tro nco Embrio nária s: Aspecto s Ét ico s e
J urídico s da Ut ilização do s E mbriões Excedent es para F ins Tera pêut ico s à Luz da
Lei de B io sseg ura nça. Mestrado em Direito, or ientado pela pro fessor a do utor a Ana Paula
Sebbe Felipo , Santo s, 2009 , p . 70 .
51
ROCHA, Renata d a. O Direito à Vida e a s P esquisa s co m Célula s- Tronco: Limit es
Ét ico s e J urídico s. E lsevier: Rio de Janeiro, 2008 , p. 78.
1.3.4. Teoria da nidação
A nidação é a fixação do blastócito no útero, que, após a jornada pela
trompa de falópio, anexa-se ao organismo da mulher para começar a
formação da placenta e os demais anexos que alimentarão e protegerão o
embrião, posteriormente feto. O útero é o local preparado para a fixação e
desenvolvimento do embrião, que fornece as condições adequadas para seu
crescimento.
52
Como explica Cristiane Beuren Vasconcelos:
E sta teoria ap rego a q ue so mente a p ar tir da nidação ( fixação) do
o vo no útero mater no é q ue co meça, d e fato , a vida. T endo em
vista q ue esta fase começa em to r no d o sexto d ia – q uando
co meçam a o corr er as primeir as tro cas mater no -fetais – e ter mina
entre o sétimo e o décimo segundo d ia apó s a fecundação , p ela
do utr ina da nidação d o o vo, enq uanto este estágio evo lutivo não
fo r atingid o, existe tão-so mente um amo nto ado d e células, q ue
co nstituiriam o alicer ce do emb r ião . 53
A fixação ocorre aproximadamente do 9º ao 12º dia após a fecundação.
A mulher só é considerada grávida após a fixação desse ovo em seu útero,
pois é a partir desse momento em que é produzido o hormônio gestacional
que circula em seu organismo.
54
Antes da nidação, esse amontoado de
células pode ser expelido pelo organismo, o que para os defensores dessa
teoria, nunca teria constituído uma vida.
Sobre essa teoria, Fernanda dos Santos Sousa afirma:
Os ad epto s desta teo ria afir mam q ue o s embr iõ es in vitro não
po ssuem co nd ições d e d esenvolvimento fo ra do útero mater no
enq uanto não imp lantado s e nidad o s e, antes deste instante,
tamb ém nenhu ma mulh er pod er á ser co nsiderad a gr ávida. E ssa
afir mação enco ntro u mod er namente um corr elato b io ló gico , já
q ue, d e aco rdo co m as últimas hipó teses sob re o tema, o
d esenvolvimento pleno do zigoto só se alcança uma vez q ue este
esteja imp lantado, po sto q ue, mantid o num me io d e cultivo, o u
fr eia o seu desenvo lvimento ao chegar no estágio de tr inta
52
DOURADO, Rob er to. Ensa io: Qua ndo Co meça a Vida? Dispo nível
http://recantod asletras.uo l.co m.br /ensaio s/13 47168 . Acessado em: 22 j ul. 2009.
em
:
53
VASCONCE LOS, Cristiane B eur en. A pro teção do Ser H uma no in vitro na Era da
B iot ecno log ia. São P aulo : Atlas, 2 006, p. 35.
54
ROCHA, Renata d a. O Direito à Vida e a s P esquisa s co m Célula s- Tronco: Limit es
Ét ico s e J urídico s. Rio d e Janeiro : Elsevier , 2008 , p. 80.
b lastô mero s, o u se d ivid e d e for ma ind efinida até alcançar uma
mo la d e gr and e tamanho , mas sem lo grar maio r d iferenciação . 55
Em contraposição à mencionada teoria, existem casos registrados pela
ciência de gravidez extra-uterina
56
, como a gravidez ovariana, que ocorre
dentro do ovário, a gravidez tubária, quando o zigoto se fixa na trompa
57
,
além de outras formas incomuns. Esse tipo de gestação raramente chega a
termo. De qualquer forma contradiz a teoria da nidação, pois nesses casos
houve gestação sem nidação, isto é, sem a fixação do ovo no útero, e mesmo
assim houve vida.
1.3.5. Teoria da formação rudimentar do sistema nervoso
Para a Lei 9.434/1997, que disciplina sobre os transplantes de órgãos,
considera-se morte, quando houver a cessação da atividade nervosa, isto é,
55
SOUSA, Fer nand a do s Santos. Células- Tro nco Embrio nária s: Aspecto s Ét ico s e
J urídico s da Ut ilização do s E mbriões Excedent es para F ins Tera pêut ico s à Luz da
Lei de B io sseg ura nça. Mestrado em Direito, or ientado pela pro fessor a do utor a Ana Paula
Sebbe Felipo , Santo s, 2009 , p . 72 .
56
SOUSA, Fer nand a do s Santos. Células- Tro nco Embrio nária s: Aspecto s Ét ico s e
J urídico s da Ut ilização do s E mbriões Excedent es para F ins Tera pêut ico s à Luz da
Lei de B io sseg ura nça. Mestrado em Direito, or ientado pela pro fessor a do utor a Ana Paula
Sebbe Felipo , Santo s, 2009 , p . 73 .
“T od avia, tal teo ria é equivo cad a uma vez q ue, fertilizado o ó vulo, o desenvo lvimento d o
emb r ião indep end e d e q ualq uer co nd ição o u pr é-req uisito, tendo inclusive sido registrad o
amp lamente p ela impr ensa em 1 983, o nascimento de uma menina or iunda d e uma
gr avidez abdo minal”
57
CAMP OS,
SHIRLE Y.
Grav idez
Ext ra -uterina .
Disp o nível
em:
http://www.d r ashir leyd ecamp o s.co m.b r/noticias.p hp?no ticiaid =2861 &assunto =Gravid ez/P
arto/Ob stetr %C3 %ADcia . Acesso em 2 2 j ul. 20 09 .
“O aninhamento do o vo fecundad o é feito for a da cavid ade uterina, isto é, na tro mp a, no
o vár io ( gr avidez o var iana) o u em q ualq uer lugar d a cavid ade abdo minal. Nor malmente, o
o vo humano , 9 a 12 d ias depois d a fecund ação, apó s ter p assad o p ela tromp a, efetiva seu
aninhamento na muco sa uterina, especialmente pr ep arada p ara receb ê-lo. Se por uma
r azão o u o utr a, o caminho d o o vo em d ireção ao útero estiver o bstr uído , ele se fixará
eventualmente no local em q ue se enco ntr ar no 9º o u no l2º dia. a) Em alguns caso s,
extremamente r ar o s, o o vo não d eixa o o vár io no mo mento d a o vulação, sendo aí
fecundad o po r um esp ermato zó id e; o feto d esenvo lve-se no lo cal, se b em q ue o ó vulo e os
ór gão s abd o minais vizinho s deixem p o uco espaço para a placenta ( gr avid ez o variana). b)
T rata-se freq üentemente d e estr eitamento d a tro mp a per ito neal, em co nseq üência de
d esenvolvimento insuficiente, inflamação e cicatr izes, q ue b arr am o caminho d o o vo ; o
esper matozóid e, sendo muito meno r , introd uz-se atr avés d o ob stáculo e o o vo fecundado
se fixa na tr o mp a ( gravid ez tubária). E m ger al, a gr avidez extra-uter ina mo str a-se p eno sa
d esde o pr incíp io. A mu lher apr esenta sinais de gr avidez nor mal ( sup ressão d as regras,
d esenvolvimento do ventr e, aumento do s seios) so frend o, por ém, d e dor es no baixo
ventre e de pressõ es no peritô nio , co m p erd as d e sangue enegr ecido .”
quando ocorrer a morte encefálica, conforme o artigo 3º. Portanto, o início
da atividade nervosa configuraria o início da vida. Essa é a tese dessa teoria.
Assim, o embrião in vitro, que ainda se encontra na fase de
blastócito, não tem os traços de atividade nervosa, portanto não tem vida em
si, apenas a potencialidade de vida.
Segundo Fernanda dos Santos Sousa:
E sta teor ia o stenta co mo pr incip al defensor o b ió lo go
co ntemp orâneo J aq ues Mo nod, prêmio Nobel d e Biolo gia em 1 965,
o q ual defend e q ue, po r ser o ho mem u m ser fund amentalmente
co nsciente, não é po ssível ad miti-lo co mo tal antes do q uarto mês
de
gestação ,
q uando
se
pod e
co nstatar,
eletroencefalo gr aficamente, a ativid ad e d o sistema ner vo so central
d ir etamente r elacio nado à po ssib ilidade de po ssuir co nsciência. 58
A atividade nervosa somente seria constatada em tal embrião
aproximadamente na oitava semana de gestação, momento em que os
aparelhos cerebrais e nervosos iniciam a sua funcionalidade.
59
A este respeito, explica Renata da Rocha:
A teo ria do s r ud imentos d o sistema ner vo so central r elacio na o
início da vida humana ao aparecimento do s primeir os sinais de
fo r mação do có rtex central, q ue o corr e entre o d écimo q uinto d ia e
o q uadragésimo d ia d a evo lução emb r io nária.
A ativid ade elétrica d o céreb ro co meça a ser r egistrad a a p ar tir da
o itava semana d e d esenvo lvimento emb r io nário. 60
Todavia não há consenso dos cientistas a esse respeito dentro da
própria teoria, pois uma vertente defende que a vida começaria na oitava
semana, quando o feto já teria um complexo sistema nervoso composto de
três neurônios necessários para a atividade cerebral.
A outra corrente alega que as ondas cerebrais somente seriam
possíveis a partir da vigésima semana, quando a mulher sente os movimentos
58
SOUSA, Fer nand a do s Santos. Células- Tro nco Embrio nária s: Aspecto s Ét ico s e
J urídico s da Ut ilização do s E mbriões Excedent es para F ins Tera pêut ico s à Luz da
Lei de B io sseg ura nça. Mestrado em Direito, or ientado pela pro fessor a do utor a Ana Paula
Sebbe Felipo , Santo s, 2009 , p . 75 .
59
DOURADO, Rob er to. Ensa io: Qua ndo Co meça a Vida? Dispo nível
http://recantod asletras.uo l.co m.br /ensaio s/13 47168 Acessado em 22 j ul. 200 9.
60
em:
ROCHA, Renata d a. O Direito à Vida e a s P esquisa s co m Célula s- Tronco: Limit es
Ét ico s e J urídico s. E lsevier: Rio de Janeiro, 2008 , p. 80.
feitos pelo feto, oriundos das pernas, mãos e cabeça, constatando a atividade
cerebral. 61
Parece que tal teoria é a que melhor define o início da vida, levandose em consideração que se trata de vida humana, na qual é indispensável a
consciência de que o que torna o ser humano diferente de qualquer outro ser
vivo é a capacidade humana de transcender a si mesmo
62
, reconhecendo a si
e o mundo, fruto de sua consciência.
Isso torna por demais plausível o disposto no artigo 3º da Lei
9.434/1997, que dispõe sobre a morte encefálica, pois quando há uma morte
humana declarada, durante um certo tempo as células desse corpo continuam
funcionando, mas não há a possibilidade de restabelecer a consciência
atividade nervosa -
63
–
sendo o fim da vida humana, mas não exatamente da
vida biológica.
61
MUT O, E liza; NARLOCH, Leandro . O Pr imeiro I nstante. Revista Super Interessa nt e.
[ São Paulo ]: Abril, ed . 219 , No v. 2005 , p . 61 .
“E p aíses co mo o Br asil e o s E UA d efinem a mo r te co mo a ausência de o ndas cer ebr ais.
A vid a co meçar ia, por tanto , co m o aparecimento do s pr imeiro s sinais de atividade
cer ebr al. E q uando eles sur gem? Bem isso é o utra polêmica. E xistem d uas hipó teses par a
a r espo sta. A primeir a diz q ue já na 8 ª semana d e gravid ez o emb rião – do tamanho de
uma j abo ticaba – po ssui ver sões pr imitivas de tod os o s sistemas d e ór gão s b ásico s do
corpo humano , incluindo o sistema ner vo so. Na 5 ª semana, o s pr imeir os neurô nio s
co meçam a ap arecer ; na 6 ª semana, as pr imeir as sinap ses p odem ser r econhecid as; e co m
7 ,5 semanas o embr ião apresenta o s p rimeiro s reflexo s em r espo sta a estímulo s. Assim,
na 8ª semana, o feto – que j á tem feições faciais mais o u meno s d efinidas, co m mão s, p és
e ded inho s – tem u m cir cuito básico de 3 neurô nio s, base de um sistema ner vo so
necessár io par a o pensamento r acio nal.
A segund a hipó tese apo nta par a a 2 0ª semana, q uando a mulher consegue sentir o s
pr imeiro s mo vimento s do feto, capaz de se sentar de p er nas cr uzad as, chutar, d ar
coto velad as e até fazer caretas.”
62
SI LVA, Reinaldo Pereir a e. Intro dução ao B io direito : Invest igações P olít ico J urídica s Sobre o Estatuto da Co ncepção H uma na . LT R: São Paulo, 2002 , p . 152 .
63
E ntr evista co ncedida po r Alessandr o de Mello Varani à autor a via e-mail. O
entrevistado é Do utor em B io tecno lo gia pela Universid ade de São Paulo, E specialista em
B io infor mática pelo Labor ató rio Nacio nal de Co mp utação Científica ( LNCC) e
Grad uação em B io med icina pelo Centro Univer sitár io "Bar ão d e Mauá" (2 000 - 48 a
T ur ma). Atualmente r ealiza estágio de Pó s-Do utor ado no Cen tre Na tiona l de la
R echerche S cien tifiqu e ( CNRS) em T o ulo use / Fr ança, o nde d esenvo lve p rojeto
r elacio nado a análise d e elemento s do tipo I S (I nsertio n Seq uences) em geno mas
b acteriano s, utilizando a p latafor ma I SFind er ( http://www-is.b io to ul.fr /) T em exp er iência
na área de Bioinfor mática e Genética Molecular e d e Microor ganismo s, atuando
pr incipalmente no s seguintes temas: Mo ntagem, Ano tação e Análise de Geno mas, Banco
d e Dado s Bioló gico s, Análise in-silico de Pro teínas, Genô mica, Genô mica Co mp ar ativa,
Filo genia Mo lecular, T ransferência Genética Hor izo ntal e E lemento s Genético s Mó veis
em B actérias.
Como exemplo da vida humana e consciência, o caso de Phineas Gage
64
desafiou o mundo da ciência quando sofreu grande lesão cerebral em
decorrência
de um
acidente,
passando
a
não
ser
mais
ele
mesmo,
demonstrando que o que torna o ser humano único e irrepetível, além de seus
genes, edifica-se na consciência humana.
1.3.6. Teoria do pré-embrião
Também chamada de teoria do décimo quarto dia ou do embrião
precário, a teoria do pré-embrião defende que, depois de passado o período
de quatorze dias após a fecundação, tem início a vida humana, pois é nesse
64
SABB AT INI, Renato . O Espa nto so Ca so de P hinea s Gag e. Disp o nível em:
http://www.cer ebro mente.or g.br /n02 /historia/p hineas_p .htm. Acesso em 05 set. 2 009.
“P hineas Gage era um jovem sup er viso r d e co nstr ução d e fer ro vias da Rutland e B ur land
Railro ad, em Ver mo nt, E UA. E m setemb ro de 18 48, enq uanto estava pr ep arando uma
car ga d e pó lvo ra par a exp lod ir uma p edra, ele so co u uma b ar ra de aço inad vertid amente
no b ur aco . A exp lo são resultante proj eto u a bar ra, co m 2 .5 cm d e d iâmetro e mais de um
metr o d e co mp r imento co ntra o seu cr ânio, a alta velocid ade. A bar ra entro u p ela
bo checha esq uerd a, d estr uiu o o lho , atravesso u a par te fro ntal do cér ebro , e saiu p elo
topo do cr ânio, do o utro lado. Gage perd eu a consciência imediatamente e co meço u a ter
co nvulsões. Por ém, ele recup ero u a co nsciência mo mento s d epo is, e fo i levado a médico
local, Jo nh Har lo w q ue o so corr eu. I ncr ivelmente, ele estava falando e po dia caminhar.
E le per deu muito sangue, mas dep ois d e alguns p rob lemas de infecção, ele não só
sob reviveu à hor rend a lesão, co mo tamb ém se r ecupero u b em, fisicamente. Por ém, po uco
temp o depois P hineas co meço u a ter mud anças surp reend entes na p er so nalid ade e no
hu mo r. E le to r no u-se extravagante e anti-so cial, p raguejad or e mentir o so , co m p éssimas
maneir as, e já não co nseguia manter -se em um trabalho por muito tempo o u p lanejar o
futur o. ‘Ga ge já não era Gag e’, d isser am seus amigo s. E le mo rr eu em 18 61, treze ano s
d epo is do acidente, sem d inheir o e epiléptico, sem q ue uma autóp sia fosse realizada em
seu cér ebr o. O médico q ue o atend eu, Jo hn Har lo w, entr evisto u amigos de parentes, e
escr eveu do is artigo s sob re a histór ia méd ica r eco nstr uída de Gage, u m e m 1 84 8,
intitulado ‘P a ssagem d e u ma Ba rra de Ferro P ela Ca beça’, e o utro em 18 68, intitulado
‘R ecuperação da Pa ssagem de uma Ba rra d e F erro Pela Cabeça’ . P hineas Gage to r no u-se
um caso clássico no s livr o s de ensino d e neurolo gia. A p ar te do cér ebro q ue ele tinha
p erd ido, o s lobo s fro ntais, passo u a ser asso ciad a às funções mentais e emo cio nais q ue
ficar am alter adas. Har low acr ed itava q ue, ‘o eq uilíb rio en tre a s faculd ades in telectuais e
a s propen sões a nima is pa recem ter sido d estru ída s’ . O crânio dele fo i r ecuperado por ém,
e p reser vado no W arr en Med ical Museu d a Univer sidade de Har var d. Mais recentemente,
do is neuro bio lo gistas p or tugueses, Hanna e Antô nio Damasio da Universidad e d e Io wa,
utilizar am co mp utação gr áfica e técnicas d e to mo grafia cer ebr al p ara calcular a pro vável
traj etó ria d a b arr a d e aço pelo cérebr o d e Gage, e p ublicar am o s r esultado s em Science,
em 1 9 94. Eles d escob rir am q ue a maior p ar te d o dano d eve ter sido feito à região
ventro med ial do s lobo s fr o ntais em amb o s os lado s. A p ar te d o s lobo s fro ntais
r espo nsável p ela fala e funçõ es mo tor es foi aparentemente po upada. Assim eles
co ncluír am q ue as mud anças no co mp or tamento social ob ser vado em P hineas Gage
pr o vavelmente fo ram d evido s a esta lesão, po rq ue o s Damasio s ob ser varam o mes mo tipo
d e mud ança em o utro s pacientes co m lesõ es semelhantes, causando déficits
car acterístico s no s pr ocesso s d e d ecisão r acio nal e de co ntrole d a emo ção .”
momento que começa a individualização do ser humano, que até então era
um amontoado biológico de material orgânico.
Vários são os argumentos que sustentam essa teoria. O primeiro é que
até o décimo quarto dia, o zigoto pode dividir-se, não se sabendo por quê
65
,
gerando dois indivíduos idênticos – gêmeos monozigóticos - oriundos do
mesmo zigoto. Até esse momento, então, não se sabe se haverá uma ou
várias vidas geradas. A cisão poderá ocorrer até o 14º dia após a fecundação,
não sendo certo, até então, a individualização do ser humano.
Também serve como fundamentação o fato de que nesse estágio, surge
no embrião a linha primitiva que assegura a organização espacial da simetria
humana, em tamanho diminuto, mas já sinalizando sua natureza.
66
O argumento mais contundente para a teoria, no entanto, encontra-se
especialmente no fato de que é no décimo quarto dia, após a fecundação, que
as células desse embrião perdem a sua potencialidade, ou seja, é o momento
em que as células começam a se diferenciar para formar os diversos órgãos e
tecidos do futuro feto, formando o seu organismo. Melhor esclarecendo,
Reinaldo Pereira e Silva leciona:
E scor ada neste d ado, a teor ia do p ré-emb rião tamb ém entend e q ue
não se p ode falar em ind ivid ualidad e genética enq uanto a
totipo tência, q ue car acter iza o zigo to e as pr imeiras células
d eco rrentes d e sua clivagem, não fo r sup erada pela esp ecialização.
I sto po rq ue, antes de d efinidas as células q ue formar ão o emb r ião
pr opr iamente d ito, o u o s emb r iões mo no zigóticos, e as células q ue
se d estinar ão às estr utur as extr a-emb r io nár ias, q ue ser vem às
necessid ades d e seu desenvo lvimento, não é po ssível falar em vid a
hu mana em ato. Par a a teor ia do pr é-embr ião, so mado à
po ssib ilid ade de cisão gemelar , o p eríodo de ind iferenciação
celular ved a o reco nhecimento d a ind ivid ualidade humana. 67
65
SI LVA, Reinaldo Per eir a. Biodireito: A Nova F ro nt eira do s Direit os H uma no s. São
Paulo : LT R, 2003 , p. 112 . E afir ma, aind a, o citado autor: “No q ue d iz r esp eito à geração
do s gêmeo s mo no zigó tico s, é imp or tante r essaltar q ue aind a não são co nhecidas as causas
naturais d a cisão gemelar . Ora se defende a pr ed ispo sição genética, or a apo ntam-se
fatores amb ientais.”
66
SOUSA, Fer nand a do s Santos. Células- Tro nco Embrio nária s: Aspecto s Ét ico s e
J urídico s da Ut ilização do s E mbriões Excedent es para F ins Tera pêut ico s à Luz da
Lei de B io sseg ura nça. Mestrado em Direito, or ientado pela pro fessor a do utor a Ana Paula
Sebbe Felipo , Santo s, 2009 , p . 78 .
67
SI LVA, Reinaldo Per eir a. Biodireito: A Nova F ro nt eira do s Direit os H uma no s. São
Paulo : LT R, 200 3, p .113.
A teoria do pré-embrião foi utilizada por grande parte dos países para
embasar a legislação de manipulação de embriões para fins de pesquisas
feitas com as células totipotentes do embrião até o décimo quarto dia,
possibilitando-lhe a capacidade de transformar-se em quaisquer células
humanas. Essa vertente originou-se do Informe Warnock sobre a Fertilização
e Embriologia, publicado no Reino Unido em 1984, seguido pelo Relatório
de Waller, publicado na Austrália em 1984 e, posteriormente pelo Informe
de Palácios, da Espanha, em 1986. 68
No Brasil, as pesquisas que utilizam células-tronco, permitidas pela
lei de biossegurança, fazem uso de embriões crioconservados, frutos de
fertilização in vitro com até quatorze dias pela capacidade que elas contêm.
1.3.7. Teoria da pessoa humana em potencial
Nessa vertente, não há como identificar exatamente o momento em que
ocorre o início da vida, contudo é certo que a célula inicial formada a partir
da fecundação tem em si todos os requisitos para tornar-se pessoa humana,
ou seja, tem a potencialidade de tornar-se ser humano, não importando
realmente o momento exato em que a vida ocorre. Sobre essa teoria, Renata
da Rocha ensina:
Sob a ó tica da teo ria d a pesso a humana em po tencial, não é
po ssível identificar to talmente o emb rião humano co m a p essoa
hu mana, uma vez q ue aind a não é d otado de p er so nalid ade, e, p ara
tanto, o emb r ião ter ia de ser cap az de exercer d ireito s e d e
co ntrair ob rigações. Po r o utro lado, tamb ém não se ad mite r ed uzir
seu status a um mer o aglo mer ado d e células, uma vez q ue seu
d esenvolvimento d estina-se inelutavelmente, à fo r mação d e um
ente humano .
Diante d isso, o s auto res q ue se filiam a essa cor rente pr eferem
r eco nhecer no emb r ião uma p esso a humana em p o tencial, o u seja,
r eferem-se à po tencialidade de p essoa p ara d esignar a auto no mia
emb r io nár ia e reivindicar estatuto p rópr io 69
68
SI LVA, Reinaldo Per eir a. Biodireito: A Nova F ro nt eira do s Direit os H uma no s. São
Paulo : LT R, 200 3, p .110.
69
ROCHA, Renata d a. O Direito à Vida e a s P esquisa s co m Célula s- Tronco: Limit es
Ét ico s e J urídico s. Rio d e Janeiro : Elsevier , 2008 , p. 88.
Essa corrente afirma que ainda não há normatização específica para o
embrião, que, mesmo não sendo pessoa, merece respeito, pois já possui todas
as características genéticas e biológicas de um ser humano, sendo necessário
apenas o seu desenvolvimento para se tornar pessoa.
1.4 Vida embrionária e o direito fundamental
A partir do fim da segunda semana após a fecundação, o embrião
começa sua odisséia que dura até a oitava semana, a vida embrionária. Esse
período é marcado por um rápido crescimento e estruturação rudimentar dos
principais sistemas do corpo humano. É, também, nesse momento que são
desenvolvidas as estruturas de apoio que irão garantir a troca de nutrientes
entre a mãe e o embrião, como a placenta e o âmnio, que, inclusive, auxiliam
na eliminação de resíduos produzidos pelo embrião.
A gastrulação
71
70
, que ocorrerá próximo da terceira semana, define onde
será a cabeça e a cauda
72
, o ventre e o dorso, também a formação da
notocorda - linha primitiva da coluna vertebral - além da constituição das
diversas camadas de pele – ectoderma, mesoderma e endoderma. 73
Essas camadas de tecido têm a proeminente função de formar desde o
tecido de revestimento do corpo, passando pelo esqueleto, diversos órgãos
internos, sangue, até a formação do mais complexo, o sistema nervoso
central. O desenvolvimento do embrião continuará incessante e acelerado,
70
SI LVA, Reinaldo P ereir a e. Intro dução a o B io direito: Invest igações polít ico j urídica s so bre o esta tuto da co ncepção huma na . São Paulo : LT R, 2002, p. 42.
71
GONÇALVE S,
Fabiana
Santo s.
Ga strulação.
Disp o nível
em:
http://www.info esco la.com/b io lo gia/gastr ulacao/. Acesso em 0 2 set. 200 9. A autor a
explica:
“Ga st rula ção é o no me do pro cesso p elo q ual o corr e uma invaginação no s tecido s do
emb r ião, for mando o s folheto s emb rio nár io s. E m hu mano s, a gastr ulação d á or igem a u m
d isco emb r io nár io co m tr ês lâminas, o u três fo lheto s ger minativos: endo derma ,
meso derma e ecto derma , send o car acterizad os como triblástico s.” ( gr ifo s d a auto ra)
72
Cauda é ter mo científico utilizado para designar um p ro lo ngamento da co luna ver tebral
pr ecár ia, q ue na p ar te anter ior for ma o intestino, d esap arece em algumas semanas.
73
SI LVA, Reinaldo P ereir a e. Intro dução a o B io direito: Invest igações polít ico j urídica s so bre o esta tuto da co ncepção huma na . São Paulo : LT R, 2002, p. 42.
tanto é que, nessa fase são produzidas cerca de cem mil células por minuto.
74
E assim, mais uma fase na formação de um ser humano é completada,
até que no fim da oitava semana o concepto é chamado de feto, encerrando a
última das três fases pré-natais.
75
Todavia, a vida do embrião nem sempre é certa. A incerteza é
condição presente desde os tempos remotos na vida de um ser humano, e não
seria diferente em seu início.
Os direitos fundamentais vêm, nesse contexto, garantir a proteção à
vida, de modo que a proteção permita ao embrião o seu desenvolvimento.
Portanto, a proteção à vida é o primeiro desdobramento dos direitos
fundamentais, constituindo direito natural do ser humano.
Para tanto, esclarece José Afonso da Silva quando afirma:
E sse tema d esenvo lveu-se à so mb ra das co ncepções j usnatur alistas
do s d ir eito s fundamentais do ho mem, o nd e pro mana a tese de q ue
tais dir eito s são inato s, ab so luto s, invioláveis (intransfer íveis) e
imp r escritíveis. 76
O embrião humano em desenvolvimento no útero materno recebeu a
proteção de seu desenvolvimento até o nascimento, por meio do disposto na
segunda
parte
do
artigo
2º
do
Código
Civil.
Verifica-se, portanto, que tal proteção é mais que um direito, é
também uma garantia
77
, porque, quando concedida a proteção de sua vida,
no sentido de que esta se tornaria vida humana após o nascimento,
imediatamente, a sua interrupção configura-se crime de aborto, devidamente
tipificado no Código Penal, disciplinado nos artigos 124 a 127. Embora a
74
SI LVA, Reinaldo P ereir a e. Intro dução a o B io direito: Invest igações polít ico j urídica s so bre o esta tuto da co ncepção huma na . São Paulo : LT R, 2002, p. 443.
75
MUT O, E liza; NARLOCH, Leandro . O Pr imeiro I nstante. Revista Super Interessa nt e.
ed. 2 19, [ São Paulo] : Abr il, no v. 2005, p. 61.
76
SI LVA, Jo sé Afo nso. Curso de Direito Const it ucio na l Po sit ivo. 26 ª ed . revista e
atualizad a, São P aulo: Malheiro s, 2006, p. 180 .
77
LE NZA, Pedr o. Direito Co nstit ucio na l Esquema t iza do. 13 ª ed . revista, atualizada e
amp liada. São Paulo : Sar aiva, 20 09, p. 671 . O auto r distingue: “o s d ireito s são bens e
vantagens p rescr ito s na no r ma co nstitucio nal, enq uanto as gar antias são o s instr umento s
atr avés do s q uais se assegur a o exer cício do s alud ido s direito s (pr eventivamente) o u
pr o ntamente os r epar a, caso vio lado s.”
proteção destinada ao embrião humano em desenvolvimento seja apenas no
que tange à continuidade de sua vida embrionária, é medida de importância
para a defesa dessa categoria de direitos inalienáveis, invioláveis e
irrenunciáveis.
Contudo, nesse contexto, o embrião congelado não é pessoa, posto que
ainda não nasceu, não tem vida. Ademais não é nascituro, já que não está a
se desenvolver no útero feminino; mesmo sendo um ente que ainda não tem
tratamento adequado na legislação, não se pode negar a sua natureza
humana, não no sentido de ser pessoa, mas por ter dentro de suas poucas
células todas as informações necessárias para a formação de um ser humano,
portanto tendo potencialidade para tornar-se um ser humano.
Nesse exato sentido, Carlos Ayres Britto, como relator da ação direta
de inconstitucionalidade 3510, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, aduz
em seu voto:
Não esto u a aj uizar senão isto : a po tencialidade de algo p ar a se
tor nar p essoa humana j á é mer itór ia o bastante p ara acob ertá-lo,
infr aco nstitucio nalmente, co ntra tentativas esdr úxulas, levianas
o u fr ívo las de ob star sua natural co ntinuidad e fisio ló gica. Mas
três r ealidad es não se confund em: o emb r ião é o emb r ião, o feto é
o feto e a p essoa humana é a pesso a humana. E sta não se antecip a
à metamo r fo se do s o utro s do is or ganismo s. É o prod uto final
d essa metamo r fo se. 78
É irrefutável a assertiva que, mesmo sendo um microscópico corpo,
esse ente tem a potencialidade de tornar-se pessoa, e que, portanto, merece
tratamento digno, na proporção de sua dignidade; pela vida biológica que
tem; para tanto, que lhe seja garantida a proteção em decorrência de sua
natureza humana.
1.5 Direitos de personalidade do embrião
A personalidade jurídica é a habilidade de toda pessoa em adquirir
direitos e contrair deveres. Condição inerente à pessoa 79, a personalidade
78
Ação d ireta de inco nstitucio nalid ade 3510, j ulgada em 28 e 29 d e maio d e 2008 , no
Supr emo T rib unal Federal, vo to d o r elator Car los Ayr es Br itto ( ainda não p ub licad o).
79
DI NI Z, Maria Helena. Curso de Direit o Civ il Bra sileiro: Teoria Geral do Direito
Civil. 26 ª ed . refor mulada. São Paulo : Sar aiva, 2 009, p . 115. A autora exp lica so bre
jurídica consagra aos titulares de direitos, às pessoas, todo o amparo da
estrutura normativa do Estado.
O Código Civil brasileiro indica que a personalidade civil das
pessoas naturais tem início com o nascimento com vida, esclarecendo que
pessoa é todo aquele ser já nascido com vida.
80
Assim, discursa Sílvio de Salvo Venosa:
( ...) ao co nj unto d e po der es co nfer ido s ao ser humano p ar a figurar
nas r elações j uríd icas d á-se o no me d e p er so nalid ade. A
cap acidade é elemento d esse co nceito ; ela co nfere o limite da
p er so nalid ade. Se a cap acid ade é p lena, o ind ivíduo co nj uga tanto
a capacid ad e de d ir eito co mo a capacid ad e de fato; se é limitada,
o indivíd uo tem a capacidad e de d ireito, co mo tod o ser humano ,
mas a cap acid ade d e exer cício está mitigad a; nesse caso , a lei lhe
r estringe alguns o u todo s os ato s da vid a civil. 81
Esta capacidade em ter resguardados os seus direitos, ou usufruir de
todas as garantias já existentes em todo ordenamento jurídico, são
declinadas apenas para os seres humanos já nascidos. Isso porque a primeira
parte do artigo 2º do Código Civil assim o diz. Todavia a lei ressalva a
proteção para o nascituro, reflexo desses direitos, que tem o cunho de
garantir
a
continuidade
de
sua
vida
biológica,
quer
dizer,
seu
desenvolvimento, com a finalidade de que este ser possa tornar-se pessoa e
usufruir de personalidade jurídica.
Nascituro é o concepto, o ente já concebido em desenvolvimento no
útero feminino, contudo ainda não é pessoa, mas há possibilidade de ser, a
partir de seu completo desenvolvimento, culminando com o seu nascimento
com vida.
Acerca do nascituro, Sílvio de Salvo Venosa disciplina:
p essoa: “(...) é o ente físico o u coletivo suscetível d e dir eito s e obr igaçõ es, send o
sinô nimo de sujeito d e d ir eito s. Suj eito de d ireito é aq uele q ue é o sujeito d e um d ever
j ur íd ico , de uma pr etensão o u titular id ade j ur íd ica, q ue é o poder de fazer valer, atr avés
d e uma ação, o não cump r imento do d ever j urídico, o u melhor , o poder de inter vir na
pr od ução da decisão j ud icial.”
80
B RASI L. Có digo Civil, Co nst it uição Federa l e Leg islação Co mple menta r.
Or ganização do s texto s, no tas remissivas e índ ices por Antô nio Luiz de T o led o Pinto. 1 5.
ed. São Paulo : Saraiva, 2009 . p . 23. Art. 2º. “A p er so nalid ad e civil da p essoa co meça
co m nascimento co m vid a; mas a lei põ e a salvo , desd e a co ncep ção , o s d ireito s do
nascituro.”
81
VE NOSA, Sílvio de Salvo . Direito Civ il: Part e Geral. 6 ª ed., São P aulo : Atlas, 2 006,
p . 124 .
O nascituro é um ente já co nceb ido q ue se d istingue d e todo
aq uele q ue não fo i ainda co nceb ido e q ue pod er á ser suj eito de
d ir eito no futuro, depend endo do nascimento, tratando -se d e uma
pr ole eventual. E ssa situação no s remete à no ção d e d ireito
eventual, isto é, um d ireito em mer a situação de po tencialidad e,
d e fo r mação, p ar a q uem nem ainda fo i co nceb ido . É po ssível ser
b eneficiado em testamento o ainda não co nceb ido. Por isso,
entend e-se q ue a co ndição de nascituro extrapola a simp les
situação d e expectativa d e d ireito. Sob o prisma d o d ireito
eventual, o s d ireito s do nascituro ficam so b co nd ição suspensiva.
82
Todavia, entendemos que, embora o nascituro seja o concepto não
nascido, os direitos de personalidade são apenas uma expectativa de direito
ou, segundo Maria Helena Diniz: “(..) é a mera possibilidade ou esperança
de adquirir um direito”.
83
Isso se deve ao fato de o nascituro não ser pessoa,
entretanto provido de capacidade de tornar-se, e então, adquirir os direitos
inerentes à pessoa.
Dessa forma, também não pode ser considerado condição suspensiva,
já que as condições são restrições da eficácia do negócio jurídico por
determinação volitiva das partes.
84
Ou seja, faz parte do negócio jurídico,
que tem base em declarações de vontade com intuito de produzir efeitos
jurídicos
85
, o que não parece o caso.
O nascimento é fato jurídico natural que traz consigo a aquisição de
direitos de personalidade, portanto não é negócio jurídico.
82
VE NOSA, Sílvio de Salvo . Direito Civ il: Part e Geral. 6 ª ed., São P aulo : Atlas, 2 006,
p . 127 .
83
DI NI Z, Maria Helena. Curso de Direit o Civ il Bra sileiro: Teoria Geral do Direito
Civil. V. I. São Paulo : Saraiva, 2 003, p. 326.
84
ORLANDO GOME S, Int ro dução ao Direito Civil. Atualizado por Ed valdo B rito e
Reginalda Par anho s de Br ito. 19ª ed . Rio d e J aneiro : Fo rense, 2008, p. 345.
85
P E RE I RA, Caio Mário d a Silva. Inst it uiçõ es de Direit o Civil: Introdução ao Direito
Civil, Teo ria Gera l do Direito Civ il. V. I . Rio d e Janeiro : For ense, 2002 , p. 304 -3 05.
Para tanto o autor exp lica: “(...) salientamo s de pr incíp io o suped âneo vo litivo , co nsiste
na d eclar ação d e vo ntade, atr avés da q ual se concretiza uma ação, o u um ato, e q ue é
vinculada a uma intenção . Mas é pr eciso q ue este ato seja lícito , req uisito resultante de
sua co nfro ntação co m o or denamento j ur íd ico, e co nseq üente sub ord inação do agente às
imp o sições da lei. No negó cio j ur íd ico há de estar pr esente uma finalid ade j ur íd ica, q ue o
d istingue do ato indiferente, o u de mer a sub missão p assiva ao pr eceito legal, e q ue é
encarecido co mo um do s seus extr emo s, assente na ob tenção de u m r esultad o
efetivamente q uerido p elo agente.”
De qualquer forma, além da proteção ao direito da manutenção da
vida, é resguardado ao nascituro o direito à filiação, à integridade física, aos
alimentos, a uma adequada assistência pré-natal, à representação. 86 Acerca
da titularidade deste direito, afirma Carlos Alberto Bittar:
E sse d ir eito estende-se a q ualq uer ente trazido a lume p ela esp écie
hu mana, indep end entemente d o mo do d e nascimento , d a co nd ição
d e ser, d e seu estado físico o u d e seu estado p síq uico. Basta q ue
se trate d e for ma humana, co nceb id a o u nascida natural o u
artificialmente ( in vitro, o u po r inseminação ), não imp ortando ,
po rtanto: fecund ação artificial, p or q ualq uer processo ; eventuais
ano malias físicas o u p síq uicas, d e q ualq uer gr au; estado s
anor mais: co ma, letar gia o u de vida vegetativa; manutenção do
estado vital co mo o auxílio d e pro cesso s mecânico s, o u o utro s
(d aí po r q ue q uestõ es co mo a mo r te ap ar ente e a da r essurr eição
po sterio r devem ser r eso lvidas, à luz d o direito , sob a égide d a
extinção , o u não , da chama vital, r emanescendo a p er so nalid ad e
enq uanto pr esente e, po rtanto, intacto o d ireito cor respo ndente). 87
Todavia, com a proteção estendida pelo ordenamento jurídico ao
nascituro, na segunda parte do artigo 2º do Código Civil, isto é, a proteção
de sua vida pré-natal, para que venha a receber os demais direitos quando
nascido, configura direito de personalidade restrita, limitado apenas à
proteção da vida. O direito de preservação da vida, garantido ao nascituro,
para João Baptista Villela, compõe um direito primário – direito originário de onde todos os outros tiram sua existência.
88
Não obstante haja esta proteção ao nascituro, o mesmo não ocorre com
o embrião in vitro, que não é nascituro, porquanto este ser não se encontra
em desenvolvimento no ventre materno e, dessa forma, alheio à proteção
oferecida pelo Estado.
Jussara Maria Leal de Meirelles expõe que:
Representando r ealidad e no va, to talmente alheia à tr ad ição q ue
fund amento u a cod ificação civil br asileira, o embr ião co ncebid o e
mantid o em labo ratór io mo stra-se estr anho ao mo delo clássico.
Não é pessoa nat ural, po is inexistente o nascimento co m vid a;
não é na scit uro, p orq uanto à épo ca do Cód igo , evid entemente
86
DI NI Z, Maria Helena. Curso de Direit o Civ il Bra sileiro: Teoria Geral do Direito
Civil. 26ª ed . r efor mulada. São Paulo : Saraiva, 2009 , p . 204 .
87
BIT T AR, Car lo s Alb er to. O s Direito s da Perso na lida de. 7 ª ed ., atualizad a por
E d uar do Car lo s B ianca Bittar, Rio de Janeiro: Forense Univer sitária: 200 8, p. 7 1.
88
VI LLE LA, Jo ão B ap tista. O Nov o Có digo Civil Bra sileiro e o Direito à Recusa de
Trata ment o M édico. in Ro ma e América . Dirit to Ro ma no Co mune. Modena: Mucchi,
20 03, p. 5 9.
car acterizava-se co mo tal ap enas o ser co nceb ido e em
d esenvolvimento no ventre mater no ; tampo uco é pro le eventual,
po sto q ue co ncepção já ho uve, o q ue p arece afastar a
eventualid ade. 89 ( gr ifo s da auto ra)
A situação do embrião in vitro não está definida perante a legislação,
não sendo extensiva a proteção oferecida ao nascituro, que mesmo não tendo
esse status, faz-se imperioso respeitá-lo e protegê-lo pela entidade que é.
Maria Helena Diniz defende a personalidade jurídica formal ao
embrião criopreservado, que somente alcançará os direitos de personalidade
materiais em caso de nascimento com vida.
90
Não obstante a lacuna apresentada pela legislação no que tange a uma
ampla consideração e proteção ao embrião in vitro, há de ser ressaltada a
proteção já existente a esse ente, consagrada pela Lei 11.105/2005 (Lei de
Biossegurança) que proíbe engenharia genética utilizando-se o embrião
humano e clonagem humana.
91
Ademais, a Resolução 1358/92 do Conselho
Federal de Medicina, que implantou os fundamentos éticos para a reprodução
assistida, garante que as intervenções em embriões somente poderão ocorrer
em caso de diagnóstico com a finalidade de detectar doenças hereditárias, ou
tratamento, a fim de que tais doenças não possam ser transmitidas, sempre
com o consentimento informado do casal.
II.
Sobre o embrião humano e o seu estatuto jurídico
Para continuidade da investigação faz-se necessário entender o
embrião, sua formação e possibilidades existentes para ele. As condições de
89
MEI RE LLE S, J ussara Mar ia Leal de. A Vida E mbrio ná ria e sua Prot eçã o J urídica .
Rio d e J aneiro : Reno var , 2001, p. 57.
90
DI NI Z, Maria Helena. Curso de Direit o Civ il Bra sileiro: Teoria Geral do Direito
Civil. 26ª ed . r efor mulada. São Paulo : Saraiva, 2009 , p . 204 .
91
B RASI L.
Lei
1 1.105
de
2 4.03 .2005 .
Dispo nível
em:
HT T P://www.p lanalto.gov.br /ccivil_03 /_ Ato2004-2 006 /2005 /Lei/L11105 .htm. Acesso em
30 o ut. 200 8. Ar t. 6º “Fica pro ib ido : (...) II - engenharia genética em or ganismo vivo o u o
manejo in vitr o de ADN/ARN natur al o u r eco mb inante, realizado em d esacordo co m as
no r mas previstas nesta Lei; I II - engenharia genética em célula geminal humana, zigoto e
emb r ião humano ; IV- clonagem hu mana;”
utilização do embrião também devem ser analisadas sob o prisma da
dignidade.
Importante, ainda, situá-lo no ordenamento jurídico, analisando suas
proteções e características.
2.1 Conceito de embrião humano para o Direito
O embrião humano, para fins de conceituação e alocação perante a
legislação e doutrina, é separado em: embrião em desenvolvimento no útero
materno ou embrião in vitro.
O embrião nidado no útero, seja por fecundação natural ou in vitro, é
chamado pela legislação pátria de nascituro, conforme segunda parte do
artigo 2º do Código Civil. Embora o dispositivo legal não especifique se o
ente está ou não no útero, a situação é solucionada pela doutrina que
conceitua nascituro como produto da gravidez.
92
Logo, o nascituro é aquele
já foi concebido, e que se desenvolve mediante o auxílio e a troca de
substâncias da mãe – como hospedeiro no útero – independendo seu
nascimento da vontade na gestante.
93
O nascituro, em razão do exposto, não pode ser confundido com o
embrião criopreservado, que embora seja um ente concebido
94
, não é
92
MEI RE LLE S, J ussar a Mar ia Leal de. E mb riõ es Humano s Mantido s em Labor atór io e a
Pro teção da P essoa: O No vo Código Civil Br asileir o e o T exto Constitucio nal. I n:
B ARB OZA, Helo isa Helena; MEI RE LLE S, J ussar a Mar ia Leal d e; B ARRET O, Vicente d e
Paulo ( Or gs.). Novo s Tema s de Bio direito e Bioética. Rio de Janeiro : Reno var, 2003 , p .
85 .
93
OSE LKA, Gab riel Wo lf; OLIVEI RA, Reinaldo Ayer ( coord .) Do ent e Termina l.
Dest ino de P ré- Embriões. Clo nag em. M eio Ambient e. São Paulo : Co nselho Regio nal d e
Med icina do E stad o d e São Paulo . Centro d e B io ética, 200 5, p . 43 .
“( ...) ter mo usado co m a lguma fr eq üência é na scitu ru s - ser es ‘d estinados’ a nascer, cujo
nascimento é assegur ado. I sto é, não há alter nativa: já está co m o d estino mar cad o par a
chegar ao nascimento”pr é-emb r ião é muito utilizad o. É uma maneira de escapar d a
necessid ade d e ad otar valo ração o nto ló gica de q uando co meça o embr ião. T ais pr éemb r iõ es – q ue, por acor do tácito, corr espond em ao s pr imeiro s quato rze dias da
co ncepção – são tamb ém signo d e potencialid ad e: ainda não são, mas chegarão a ser
‘emb r iõ es’”
94
NASCI MBE NI, Asdr ubal Franco . P esquisa co m Células- Tro nco: Implica ções Ética s e
J urídica s. São Paulo : Lex, 200 8, p .119 .
“( ...) q ue esse ‘mo mento d a co ncep ção ’, atualmente, gera muitas po lêmicas, em r azão d e
po der ela aco ntecer tamb ém fo ra do cor po d a mulher – o u seja, no s caso s de rep rod ução
assistid a ( in vitro ), em q ue a fecundação é feita d e maneir a não natural, para po sterio r
nascituro, pois não se encontra fixado no útero. A diferença dá-se quanto à
tutela e proteção oferecida ao nascituro – extensão da proteção de alguns
direitos de personalidade – que não é oferecida ao embrião congelado. Esta
lacuna é explicada por Renata da Rocha, quando afirma:
A p ropo sta de se estender ao emb rião pr é-imp lantatór io a mesma
tutela o utor gad a ao nascituro so fre críticas p or parte de alguns
auto res, q ue co mp r eendem q ue o emb rião co nceb ido in vitro não
se insere na categor ia j ur íd ica de nascituro, uma vez q ue na épo ca
d a elab oração do co nceito d e nascituro, só era po ssível supo r q ue
a co ncep ção se efetuasse in u tero, inexistindo, aind a, a
po ssib ilid ade hoje bastante co mu m d e se co nceber um ser hu mano
extracorpo reamente. 95
É fato que os avanços da ciência permitiram realizar novas formas de
concepção antes não conhecidas pela humanidade. É função do Direito,
agora, alinhar-se a essas novas possibilidades para abarcar novas proteções
indispensáveis à nova realidade. A esse respeito, precisamente afirma
Jussara Maria Leal de Menezes que:
( ...) é p o ssível afir mar inadeq uar -se ao embr ião in vitro a
catego rização de p essoa natural. T amb ém não é nascituro. E nem
se car acteriza co mo pro le eventual. No entanto, não há co mo
negar a sua natureza humana. E essa co nstatação é, por si só,
suficiente para q ue se lhe reco nheça a necessid ade d e pro teção
j ur íd ica.
Para pro teger o embr ião mantido em laboratór io não há a
necessid ade de se lhe o uto r gar p er so nalid ade j ur íd ica. Não é
pr eciso car acterizá-lo co mo suj eito de d ir eito, titular de d ir eito
subjetivo. 96
Constata-se que o embrião congelado não é, de fato, nascituro. Para
ser
nascituro
é
necessária
a
viabilidade
dessa
vida
97
e
o
seu
imp lante d o( s) emb r ião(õ es) no útero mater no, visando ao seu desenvo lvimento p ara
futur o nascimento.”
95
ROCHA, Renata da. O Direito à Vida e a P esquisa co m Célula s- Tro nco: Limit es
Ét ico s e J urídico s. Rio d e Janeiro : Elsevier , 2008 , p. 90 -9 1.
96
MEI RE LLE S, J ussar a Mar ia Leal de. E mb riõ es Humano s Mantido s em Labor atór io e a
Pro teção da P essoa: O No vo Código Civil Br asileir o e o T exto Constitucio nal. I n:
B ARB OZA, Helo isa Helena; MEI RE LLE S, J ussar a Mar ia Leal d e; B ARRET O, Vicente d e
Paulo ( Or gs.). Novo s Tema s de Bio direito e Bioética. Rio de Janeiro : Reno var, 2003 , p .
91 .
97
COE LHO, Fáb io Ulho a. Curso de Direito Civ il. V.I . 2. Ed. São P aulo: Saraiva, 2006,
p . 150 .
“( ...) o deb ate ideo ló gico d eve pr ecisar é o momento em q ue estão d adas as co nd ições
p ara o desenvo lvimento d e um ser biolo gicamente independ ente. Há co nd içõ es
necessár ias e suficientes. É, assim, necessário q ue um ser humano d o sexo masculino
desenvolvimento em organismo vivo
98
- o embrião in vitro tem apenas a
possibilidade de ser implantado, mas não necessariamente de ser viável.
Contudo, a lei precisa acompanhar essa nova realidade, trazendo proteção a
esse embrião.
Para tanto, existem três posições que tentam conceituar o embrião
congelado na tentativa de dissuadir o legislador na criação de estatuto
próprio. A primeira corrente, chamada de concepcionista, tem como
defensores: Pontes de Miranda, Ives Gandra da Silva Martins e André Franco
Montoro. Para eles, o embrião humano já é pessoa desde a concepção, por já
contar com todas as características humanas.
99
A segunda corrente é a genético-desenvolvimentista, que indica que o
ser humano antes de seu nascimento passa por diversas fases indispensáveis
para seu desenvolvimento: pré-embrião, embrião e feto. Portanto, defende a
utilização de embriões congelados até o décimo quarto dia após a fecundação
– período em que são considerados pré-embriões. Esse entendimento tem seu
fundamento no Relatório de Warnock, e também é utilizada no Brasil para
congelamento de embriões fertilizados in vitro.
100
A terceira corrente baseia-se no fato de o embrião não ser uma pessoa
humana, mas ter potencialidade para tornar-se um ser humano, já que o
embrião contém em si toda a codificação necessária para a formação de um
ser
humano
completo,
necessária,
apenas,
desenvolvimento, que poderá ou não ocorrer.
as
especificas
para
seu
101
pr od uza esper mato zóides e q ue um d o sexo feminino pro d uza ó vulo s. É necessár io ,
ademais, q ue um d o s esp er mato zó ides fecund e o ó vulo. Mas essas cond ições não são
suficientes. P ara q ue tenha início o p rocesso d e for mação d o ser b io lo gicamente
independ ente é necessário q ue o ó vulo fecund ado enco ntre um amb iente p rop ício para
tanto. E nco ntrar o amb iente p rop ício ao pr ocesso de desenvo lvimento do ser
b io lo gicamente independ ente é co nd ição não só necessária, mas suficiente p ar a a
existência de no vo ser humano .”
98
CONT I , Matild e Caro ne Slab i. Bio direito: A Norma da Vida . Rio d e Janeiro: Forense,
20 04, p. 1 63.
99
CONT I , Matild e Caro ne Slab i. Bio direito: A Norma da Vida . Rio d e Janeiro: Forense,
20 04, p. 1 62.
100
CONT I , Matild e Carone Slab i. B io direito: A Norma da Vida. Rio de J aneiro :
For ense, 20 04, p. 1 63.
101
CONT I , Matild e Carone Slab i. B io direito: A Norma da Vida. Rio de J aneiro :
For ense, 20 04, p. 1 63 - 164 .
O último posicionamento, parece, demanda a elaboração de minucioso
e específico estatuto para o embrião, já que, por esse embrião conter a
informações para formação de um ser humano adulto, bem como as
instruções precisas para o seu desenvolvimento, é importante o suficiente
para ser relegado à analogia ou à lacuna legal. Diante da informação
genética presente neste embrião, ao menos, deve ser considerado patrimônio
genético, recebendo a proteção devida que a Constituição Federal trata no
artigo 225, II.
2.2 O embrião congelado e seu status perante o ordenamento
Os embriões podem ser formados de maneira natural, pela fecundação
dentro do organismo feminino, através das relações sexuais, e por meio de
utilização de técnicas de reprodução assistida, que são utilizadas quando é
constatada a infertilidade do casal que deseja ter filhos, e não tiveram êxito
da forma natural.
Para Álvaro Petracco, os problemas de fertilidade constatadas no
mundo ocidental são inegáveis, sendo que um em cada seis casais tem
problemas para gerar filhos, e vinte por cento não teriam filhos sem a
utilização das técnicas de reprodução assistida.
102
Dessa forma, diversos
casais lançam mão de tais procedimentos com o intuito de gerarem seus
próprios filhos.
Existem dois métodos de fertilização humana assistida: o ZIFT e o
GIFT. O primeiro, que nos interessa, é uma abreviação do nome dado ao
Zibot Intra Fallopian Transfer, em que são extraídos gametas femininos (os
oócitos ou óvulos) e os gametas masculinos (os espermatozóides); a
fertilização ocorre em laboratório, na proveta. Esta técnica denomina-se
fertilização in vitro (FIV). Já no segundo método – redução de Gametha
Intra Fallopian Transfer – o óvulo é fecundado na mulher pela inoculação
do espermatozóide, não há qualquer manipulação do óvulo fora do corpo
feminino. Nesse caso, havendo fertilização, o desenvolvimento dar-se-á
102
PET RACCO, Álvaro , outr as. B ioética e Repro dução Assistida. I n: Gra ndes Tema s da
At ua lida de. B io ét ica e B io direito . For ense: Rio de J aneiro , 20 04, p. 1.
naturalmente. Esse procedimento é conhecido como inseminação artificial.
103
Para haver a fecundação in vitro é necessária a estimulação da
ovulação da mulher pela aplicação de hormônios, no total de injeções diárias
por dez dias
104
, para que os ovários preparem vários óvulos, tornando-os
maduros e assim prontos para a fertilização.
105
Essa fertilização reproduz as trompas de Falópio, ambiente propício
para a fecundação. 106 Nesse aspecto, Cristiane Beuren Vasconcelos explica as
diversas etapas:
a)
estimulação d a o vulação ; b) p unção folicular e cultura d e
ó vulo s; c) co leta e p reparação do esp er ma; d ) ar mazenagem d o s
gametas; e) inseminação e cultur a do s emb riõ es em clivagem; f)
pr eser vação de emb r iões; e, finalmente, g) introd ução d o s
emb r iõ es no útero . 107
Para que haja sucesso na fertilização, Cristiane Beuren Vasconcelos
explica que são necessários: “(...) os óvulos maduros, espermatozóides
ativos normais e um meio de cultura apropriado.” 108 Esses diversos fatores
são indispensáveis para a reprodução do ambiente natural.
Em condições normais, conforme já explanado, o organismo por
muitas vezes expele o zigoto antes mesmo de sua fixação, portanto, para
aumentar as chances de efetivação da gravidez, são concebidos diversos
103
DINI Z, Mar ia Helena. O Esta do At ua l do B iodireit o. 5ª ed . revista e atualizad a, São
Paulo : Saraiva, 2008, p. 52 0.
104
SZANI AW SKI, E limar. O E mb r ião E xced ente - O Pr imado do Direito à Vid a e d e
Nascer : Análise do ar t. 9º d o P rojeto de Lei d o Senado nº 90/99. I n: Rev ista Trimest ra l
de Direito Civ il, Volume 8 o ut/d ez 2001, p. 87.
“Os ho r mô nio s pro vocarão o aumento d a o vulação, d e ap enas um p or mês, para q uinze
ó vulo s no mesmo p eríodo .”
105
VASCONCE LOS, Cr istiane B eur en. A Pro teção J urídica do Ser H uma no in vitro na
Era da Bio tecnolo gia . São Paulo : Atlas, 2006, p. 26.
106
FE RNANDE S, Silvia da Cunha. As Técnica s de Repro duçã o H uma na Assist ida e a
Necessida de de sua Regula menta ção J urídica. Rio d e J aneiro : Reno var , 2005, p. 32.
107
VASCONCE LOS, Cr istiane B eur en. A Pro teção J urídica do Ser H uma no in vitro na
Era da Bio tecnolo gia . São Paulo : Atlas, 2006, p. 22.
108
VASCONCE LOS, Cr istiane B eur en. A Pro teção J urídica do Ser H uma no in vitro na
Era da Bio tecnolo gia . São Paulo : Atlas, 2006, p. 23.
embriões. Assim, a mulher submete-se a quatro tentativas de implantação,
em caso de insucesso, sendo uma por mês
109
, na qual são transferidos para o
útero feminino até quatro embriões por tentativa – limite estabelecido pelo
Conselho Federal de Medicina, pela Resolução 1.358/92, I, 6 – de modo que
não é permitida a transferência de um número maior de embriões com o
intuito de evitar expor a mulher a gravidez múltipla e colocar em risco sua
saúde e dos nascituros.
110
Em caso de constatado receio de doenças genéticas hereditárias
suscetíveis de transmissão ao embrião, a mesma Resolução 1.358/92 do
Conselho Federal de Medicina
111
permite, apenas em alguns casos, a
realização do diagnóstico pré-implantatório, com a exclusiva função de que a
criança a ser gerada não seja acometida por doença genética da qual os
genitores são portadores.
112
Esta análise prévia à implantação não pode ser
realizada ao acaso, sendo proibida sua utilização com o escopo de selecionar
características desejadas no embrião.
A respeito das possibilidades de constatação de gravidez, conforme
Cristiane Beuren Vasconcelos indica: “Os índices de sucesso das técnicas de
fertilização in vitro em geral variam de 24 a 31%”
113
. Por esse motivo, faz-
109
SZANI AW SKI, E limar. O E mb r ião E xced ente - O Pr imado do Direito à Vid a e d e
Nascer : Análise do ar t. 9º d o P rojeto de Lei d o Senado nº 90/99. I n: Rev ista Trimest ra l
de Direito Civ il, Volume 8 o ut/d ez 2001, p. 87.
110
FE RNANDE S, Silvia da Cunha. As Técnica s de Repro duçã o H uma na Assist ida e a
Necessida de de sua Regula menta ção J urídica. Rio d e J aneiro : Reno var , 2005, p. 32.
111
CONSE LHO FE DE RAL DE ME DI CI NA. Reso lução 1 358 /92. [B rasília], 199 2. “( ...) VI
DI AGNÓST ICO
E
T RAT AME NT O
DE
P RÉ -EMB RIÕE S
As técnicas de RA tamb ém p o dem ser utilizad as na p reser vação e tr atamento de doenças
genéticas o u hered itár ias, q uand o per feitamente ind icad as e co m suficientes gar antias de
d iagnó stico e ter apêutica.
1 - T od a inter venção sobr e pr é-emb r iões " in vitr o", co m fins d iagnó sticos, não pod er á ter
o utr a finalid ade q ue a avaliação d e sua viab ilidade o u d etecção d e do enças her editár ias,
sendo o br igatór io o co nsentimento info r mado do casal.
2 - T od a inter venção com fins terap êutico s, sobre pr é-embr iõ es "in vitro", não ter á o utr a
finalid ade q ue tr atar uma d oença o u imp ed ir sua tr ansmissão , co m garantias r eais d e
sucesso, sendo ob rigatório o co nsentimento informad o do casal.”
112
GOZZO, Débor a. Diagnó stico Pr é-I mp lantatór io e Respo nsabilidad e Civil à Luz do s
Direitos Fundamentais. In: COST A, J udith Mar tins; MŐLLE R, Letícia Lud wig. ( coord s.)
B ioética e Respo nsa bilida de. For ense: Rio de Janeiro, [2009 ], p . 39 5.
113
VASCONCE LOS, Cr istiane B eur en. A Pro teção J urídica do Ser H uma no in vitro na
Era da Bio tecnolo gia . São Paulo : Atlas, 2006, p. 23.
se necessária a implantação de diversos embriões. Para tanto, somente são
implantados os embriões viáveis, ou aproveitáveis
114
– que seriam aqueles
mais fortes, com maiores chances de desenvolver-se – restando alguns
embriões, que por serem mais fracos e com poucas chances (ou menores
chances) de se desenvolverem, o futuro reserva-lhes apenas o congelamento.
A falta de tratamento perante o ordenamento jurídico impõe e releva
os embriões congelados ao status de gametas preservados, como está
previsto na Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, V, 1,
segundo o qual as clínicas podem armazenar (mediante congelamento) os
espermatozóides, óvulos e pré-embriões
115
. Essa mesma resolução obriga as
clínicas de reprodução assistida congelarem os embriões excedentes, e que o
casal dê o destino para os embriões congelados.
2.2.1
Os
embriões
excedentes
e
a
utilização
do
embrião
congelado
Os embriões excedentes, ou supranumerários
116
, dos procedimentos de
fertilização in vitro (FIV), não utilizados, são envolvidos em uma substância
chamada glicerol, que tem a função de protegê-los quando de seu
congelamento, que é feito em nitrogênio líquido a uma temperatura de - 196º
C.
117
Esse congelamento tem a finalidade de conservação desses embriões
para uma futura utilização.
118
114
VASCONCE LOS, Cr istiane B eur en. A Pro teção J urídica do Ser H uma no in vitro na
Era da Bio tecnolo gia . Atlas: São Paulo, 2006 , p. 26.
115
OSE LKA, Gab riel Wo lf; OLIVEI RA, Reinaldo Ayer ( coord .) Do ent e Termina l.
Dest ino de P ré- Embriões. Clo nag em. M eio Ambient e. São Paulo : Co nselho Regio nal d e
Med icina do E stad o d e São Paulo . Centro d e B io ética, 200 5, p . 43 .
“O ter mo pré-emb rião é muito utilizado . É uma maneir a d e escap ar da necessidade de
adotar valor ação o nto lógica d e q uando co meça o emb rião. T ais p ré-embr iõ es – q ue, por
acor do tácito, corr espo nd em ao s pr imeir o s q uator ze dias da co ncep ção – são tamb ém
signo de potencialid ade: aind a não são, mas chegarão a ser ‘emb r iões’”
116
ROCHA, Renata. O Direito à Vida e a s P esquisa s co m Célula s- Tronco: Limit es
ético s e J urídico s. Rio de Janeiro : E lsevier, 2008, p.4 8.
117
FE RNANDE S, Silvia da Cunha. As Técnica s de Repro duçã o H uma na Assist ida e a
Necessida de de sua Regula menta ção J urídica. Rio d e J aneiro : Reno var , 2005, p. 38.
118
GOLDIM, Jo sé Rob er to. Co ng ela mento de E mbriões.
http://www.b ioetica.ufr gs.b r/co ngela.htm. Acesso em 06 set. 200 9.
Dispo nível
em:
Com destino indefinido, esses entes ficam aguardando o porvir.
Poderão ser mantidos sob animação suspensa no congelamento; se não forem
mais úteis aos propósitos do casal, podem ser descartados, doados para
outros casais que desejam implantá-los para gerar um filho, ou, ainda,
cedidos para pesquisa.
Ocorre que, com a efetivação da gravidez, os embriões são esquecidos
pelos casais, relegados ao abandono, e normalmente são destruídos
119
. Ora,
percebe-se um desvirtuamento da finalidade inicial na produção de embriões
pela fertilização in vitro (FIV), já que se buscava o sonho da realização da
maternidade, e por fim destina o embrião, fruto desse sonho, à destruição.
Para tanto, José Roberto Goldim adiciona:
A d estr uição destes embr iõ es é ap enas uma das alter nativas. A sua
utilização em p roj eto s d e pesq uisa e a sua utilização em
pr ocedimento s co m casais estéreis (do ação d e embr ião) são o utras
alter nativas. O imp or tante é d iscutir o "sta tu s" d estes emb riõ es.
São co nsiderado s co mo sendo já uma pesso a, o u são ap enas
po tencialmente uma p esso a, o u então apenas u m agr egado d e
células. E sta é a r eflexão ética q ue d eve ser r ealizad a. Co m b ase
nesta definição , de q uand o co meça a vid a do ind ivíd uo, é q ue
d evem ser estab elecidas as políticas institucio nais d e per mitir o u
não o co ngelamento de emb r iõ es. É d e extr ema imp o r tância, em
função d as altas taxas de aband o no de emb riões, q ue o s cr itér io s
d e destinação do s mes mo s fiq ue claramente estabelecido
pr eviamente a realização do s pr ocedimento s. 120
Aos
embriões
excedentários
deve-se
dispor
todo
o
respeito
e
consideração, para que ainda que não sejam utilizados no respectivo
procedimento para o qual foram criados, que pelo menos sejam utilizados em
alguma finalidade nobre.
Jo sé Rob er to Go ld im exp lica: “O co ngelamento d e emb riões, em suas f ases iniciais de
d esenvolvimento, fo i pro po sto co m o objetivo de p er mitir q ue o s q ue não fo ssem
utilizado s em u m p ro cedimento p ud essem ser armazenado s e imp lantados p o ster ior mente.
A finalid ade seria a de red uzir o s desco nfo rto s e r isco s, especialmente para a mulher caso
ho uvesse a necessidade d e realizar no vo s p rocedimento s. Os prob lemas q ue sur giram
fo ram o s r elativo s ao temp o máximo d e ar mazenamento , preser vando -se a q ualid ade d os
emb r iõ es, e o estab elecimento do s destino a ser d ado ao s embr iõ es não utilizado s.” ( sic)
119
ROCHA, Renata. O Direito à Vida e a s P esquisa s co m Célula s- Tronco: Limit es
ético s e J urídico s. Rio de Janeiro : E lsevier, 2008, p.4 9.
120
GOLDIM, Jo sé Rob er to. Co ng ela mento de E mbriões.
http://www.b ioetica.ufr gs.b r/co ngela.htm. Acesso em 06 set. 200 9.
Dispo nível
em:
2.2.2
Pesquisas com células-tronco embrionárias
No mito grego de Prometeu, que fora castigado por Zeus a ficar
30.000 anos no cume do monte Cáucaso, por ter se utilizado do fogo para a
criação dos homens (o fogo somente era destinado aos deuses, e por não ter
outro material, Prometeu utilizou-se do fogo para criar os homens, motivo
pelo qual estes são superiores aos demais animais). Todos os dias uma águia
comia-lhe o fígado. Devido a sua imortalidade, o seu fígado se regenerava a
cada noite. 121
Diferentemente do mito, e também de diversos animais, as células
humanas têm uma capacidade limitada de autoduplicação, de regeneração.
Essa restrição impede que o organismo consiga tratar diversas moléstias, e,
como solução, o transplante de órgãos começou a ser utilizado.
As primeiras histórias de transplantes datam da antiga Arábia, no
século
III,
passando
inclusive por Cosme
e Damião,
que
haveriam
transplantado a perna de um mouro para um clérigo. Todavia, os registros
científicos são datados do século XX, sendo que o primeiro transplante de
rins ocorreu em 1954.
122
Nem todos os órgãos e tecidos, porém, podem ser transplantados, e,
mesmo quando transplantados, a vida dos pacientes nem sempre é tão
confortável, visto que a maior parte deles tem que fazer uso de medicação
contra rejeição do órgão pelo resto de suas vidas, o que lhes reduz a
qualidade de vida.
Nesse sentido é que a ciência busca uma forma de conseguir a
regeneração das células humanas, que constituem a menor unidade de
matéria viva com capacidade de reprodução.
123
O organismo humano é
composto por trilhões de células, que têm funções distintas, que se agrupam
121
ZUB EN, Newto n Aq uiles Vo n. B ioética e Tecno ciência s: A Saga de P ro met eu e a
Espera nça Pa ra do xa l. Camp inas: Ed usc, 20 06, p .31 -43 .
122
RE HE N, Stevens; P AULSE N, B r una. Célula s-tro nco: O que são? Pa ra que servem?
Rio d e J aneiro : Vieir a & Lent, 2007 , p . 12 .
123
RE HE N, Stevens; P AULSE N, B r una. Célula s-tro nco: O que são? Pa ra que servem?
Rio d e J aneiro : Vieir a & Lent, 2007 , p . 15 .
por função e formam os órgãos, que, por sua vez, formam os sistemas, que
compõem o organismo humano.
124
Para Stevens Rehen:
Atualmente sab e-se q ue as células são estr utur as d elimitad as por
uma me mb r ana co nstituíd a de gord uras e p roteínas, cujo interior é
pr eenchido p or um fluid o , o citop lasma, o nde fica o núcleo co m
seu mater ial genético e vár ias estr uturas especializad as. E m u ma
d eter minada etapa de seu crescimento, a célula se divid e e d á
or igem a d uas no vas células. Po r esses mo tivo s, ela p ode ser
co nsider ada a menor unid ade d a matér ia viva com cap acid ade d e
se autod uplicar .
O mais imp ressio nante é p erceb er q ue toda essa d iver sid ad e e
co mp lexid ade pod em ser originad as de células-tro nco. 125
A partir de um artigo de Robert Langer e Robert Vacanti, publicado na
revista Science em 1993, anunciava-se a possibilidade de criação de tecidos
em laboratório, com o intuito de recuperação de tecidos lesionados. Essa
prática recebeu o nome de engenharia tecidual. Essa engenharia tecidual é
utilizada na medicina regenerativa, pela terapia celular.
126
Espera-se que a
terapia celular seja a esperança da medicina do futuro, por tratar da
regeneração de tecidos ou órgãos danificados através da combinação de
aplicação de células, materiais e fatores adequados. A intenção é que tais
células se desenvolvam, transformando o tecido ou órgão danificado em
sadio.
127
Todavia, a cultura desses tecidos nem sempre é fácil; em
contrapartida, a sua necessidade é indispensável.
Nem todas as células podem ser cultivadas em laboratório, e nesse
sentido, mesmo as que podem ser cultivadas, às vezes não podem ser
utilizadas. Isso porque muitas vezes a célula cultivada nem sempre tem a
124
RE HE N, Stevens; P AULSE N, B r una. Célula s-tro nco: O que são? Pa ra que servem?
Rio d e J aneiro : Vieir a & Lent, 2007 , p . 17 .
125
RE HE N, Stevens; P AULSE N, B r una. Célula s-tro nco: O que são? Pa ra que servem?
Rio d e J aneiro : Vieir a & Lent, 2007 , p . 17 .
126
RE HE N, Stevens; P AULSE N, B r una. Célula s-tro nco: O que são? Pa ra que servem?
Rio d e J aneiro : Vieir a & Lent, 2007 , p . 19 .
127
LAC ADE NA, J uan Ramó n. E xper imentação co m E mb r iõ es: o d ilema ético do s
emb r iõ es excedentes, o s emb r iões so mático s e o s emb riões parteno genético s. I n:
MART Í NE Z, J ulio Luis (o r g.) . Células- Tro nco H uma na s: Aspect o s Cient íf ico s, Ét ico s
e J urídico s. T rad ução Nico las Nyi mi Camp anár io . São Paulo : Lo yo la, 2005 , p . 65 .
capacidade de transformar-se no tecido esperado, com função específica que
venha a regenerar tecido ou órgão.
Com a descoberta das células-tronco, e todo o seu potencial, verificouse que a sua utilização poderia ser importante no desenvolvimento da terapia
celular, conforme explica Stevens Rehen:
( ...) ‘células-tro nco ’ é uma ap ro ximad a trad ução do inglês stem
cell, ter mo utilizado inicialmente par a d enominar células d e
p lantas co m co mp etência r egenerativa. Atualmente o ter mo p asso u
a identificar q uaisq uer células não -esp ecializadas de esp écies
vegetais e animais co m a cap acidade de se dividir e originar tanto
células id ênticas a elas q uanto o utras mais especializad as e
cap azes d e fo r mar d iferentes tecido s e ó r gãos. 128
Células-tronco
específicas
que
as
129
são,
portanto,
tornam
muito
células
com
importantes:
duas
capacidades
podem
dividir-se
ilimitadamente, gerando outras células-tronco como a primeira, e podem
transformar-se em diferentes tipos de células especializadas.
130
Nesse
mesmo sentido, aliás, assevera Renata da Rocha:
Assi m, é p ossível informar q ue as células-tro nco caracter izam-se
po r d uas propr iedad es fund amentais: a pr imeira delas co nsiste na
cap acidade q ue elas têm d e se autop erp etuar o u auto -rep licar,
d ividindo -se a partir delas mesmas, d ando or igem a o utr as co m
car acterísticas id ênticas; a segund a pr opr ied ad e representa o
pr incipal inter esse do s cientistas nas pesq uisas em células-tro nco
hu manas e co nsiste na habilidad e q ue algumas apr esentam de, em
d eter minadas cir cunstâncias, se co nver terem em o utro s tipo s
celular es esp ecializado s, r espo nsáveis p ela formação do s mais
d iferentes ór gão s do corpo humano . 131
128
RE HE N, Stevens; P AULSE N, B r una. Célula s-tro nco: O que são? Pa ra que servem?
Rio d e J aneiro : Vieir a & Lent, 2007 , p . 23 -24.
129
W AT SON, Step hanie. Co mo F uncio na m a s Célula s- Tro nco . Dispo nível em:
http://ciencia.hsw.uo l.com.b r /celulas-tro nco.htm. Acesso em 09 mar . 200 9.
“Uma célula-tro nco é essencialmente o b loco de co nstr ução d o cor po humano . As célulastro nco dentro d e um embr ião eventualmente crescer ão em cada célula, ór gão e tecido do
corpo do feto. Difer ente de uma célula r egular , q ue pod e se replicar p ara cr iar mais de
seu p rópr io tipo de célula, uma célula-tro nco é plur ipo tente. Quando se divide, ela p ode
fo r mar q ualq uer uma das 220 d iferentes células do corpo humano . As células-tro nco têm
tamb ém a capacidad e d e auto -reno vação – elas pod em se r epro d uzir muitas vezes.”
130
LAC ADE NA, J uan Ramó n. E xper imentação co m E mb r iõ es: o d ilema ético do s
emb r iõ es excedentes, o s emb r iões so mático s e o s emb riões parteno genético s. I n:
MART Í NE Z, J ulio Luis. Célula s- Tronco H uma na s: Aspecto s Científico s, Ético s e
J urídico s. T rad ução Nico las Nyimi Camp anár io. São Paulo : Lo yo la, 200 5, p. 66.
131
ROCHA, Renata. O Direito à Vida e a s P esquisa s co m Célula s- Tronco: Limit es
ético s e J urídico s. Rio de Janeiro : E lsevier, 2008, p.4 1.
Essas células, por conta de sua versatilidade, são conhecidas como
totipotentes, pluripotentes e multipotentes, segundo as suas características
específicas,
conforme
se
explica:
as
células-tronco
totipotentes
são
extremamente poderosas, tendo a ciência constatado que elas estão presentes
nos embriões humanos em fase inicial, chamados de blastômeros até o
estágio de mórula
132
, isto é, quando atingem o tamanho máximo de 16
células. Até esse estágio é possível encontrar presentes no embrião as
células-tronco totipotentes. A totipotência é, enfim, a capacidade da célula
de transformar-se em qualquer outra para a formação do feto, tecidos e
membranas extras, e efetivamente formar uma pessoa completa a partir dessa
célula,
caso
haja
o
desenvolvimento
completo.
Ou
seja,
transformar-se em qualquer célula, por mais especializada que seja.
Nesse
contexto,
explica
Stevens
Rehen
sobre
a
ela
pode
133
célula-tronco
totipotente:
Se imp lantad a num úter o mater no tem a cap acid ad e d e or iginar um
no vo or ganismo. Seu representante único é o ó vulo fecund ado
( zigoto), po is so mente a p ar tir dessa célula é po ssível sur gir um
ind ivíd uo ad ulto. 134
A pluripotência, por sua vez, é a capacidade que uma célula-tronco
tem de transformar-se em todas as células de um feto ou de um ser humano
adulto, mas nunca a partir dela seria possível ser gerado um organismo
humano completo. A célula-tronco pluripotente, no entanto, tem alta
capacidade de autorrenovação, conforme cita Juan Ramón Lacadena:
A p lur ipo tência é a capacidad e funcio nal q ue uma célula tem de
gerar vár ias linhagens celulares o u tecido s diferentes. As célulastro nco emb rio nár ias o u células ES (d e emb ryo Stem cell) pr esentes
132
J OSÉ, Lluís Mo nto liu. Células-tro nco humanas: aspecto s científico s. I n: MART Í NE Z,
J ulio Luis. Célula s- Tro nco Huma na s: Aspecto s Científico s, Ét ico s e J urídico s.
T rad ução Nicolas Nyimi Camp anár io . São Paulo: Lo yo la, 200 5, p. 2 6. E xplica o autor:
“O zigoto co meça a se d ivid ir pr o gredindo p ar a um emb r ião d e d uas, q uatro , o ito ,
d ezesseis, tr inta e d uas etc. células. A p artir d e 4 -8 células o embr ião é deno minado
mó r ula, devid o ao seu asp ecto no micro scó pio .”
133
LAC ADE NA, J uan Ramó n. E xper imentação co m E mb r iõ es: o d ilema ético do s
emb r iõ es excedentes, o s emb r iões so mático s e o s emb riões parteno genético s. I n:
MART Í NE Z, J ulio Luis. Célula s- Tronco H uma na s: Aspecto s Científico s, Ético s e
J urídico s. T rad ução Nico las Nyimi Camp anár io. São Paulo : Lo yo la, 200 5, p. 66.
134
RE HE N, Stevens; P AULSE N, B r una. Célula s-tro nco: O que são? Pa ra que servem?
Rio d e J aneiro : Vieir a & Lent, 2007 , p . 24 .
na massa celular inter na do blastocisto humano são p lur ipo tentes,
mas não to tipo tentes; isto é, podem o r iginar distinto s tecido s o u
ór gão s, mas não gerar o d esenvolvimento co mp leto do emb rião,
po rq ue não pod em pr od uzir as memb r anas e o s tecid os extraemb r io nár io s necessários para o pr ocesso de gestação. Co ntudo ,
uma célula pluripotente d a massa celular inter na p ode co nver ter se em totipo tente. 135
Dessa
forma,
verifica-se
que
as
células
totipotentes
são
mais
importantes para a ciência que as pluripotentes devido a sua capacidade de
formação de diversos tecidos.
As células multipotentes são aquelas encontradas em tecidos ou órgãos
adultos. Elas têm capacidade limitada na formação de células, gerando
apenas algumas linhagens genéticas.
136
Isso significa dizer que, em relação
às totipotentes e pluripotentes, as células multipotentes não são tão
importantes para a ciência, visto que sua capacidade de formação de células
e tecidos especializados é muito reduzida. Ainda, com respeito às células
multipotentes, afirma Juan Ramón Lacadena:
( ...) célula pr esente no s tecido s o u ó r gão s ad ulto s q ue tem u ma
cap acidade limitada para r eativar seu pro gr ama genético co mo
r espo sta a d eter minado s estímulo s q ue lhe per mitem gerar
algumas, mas não tod as, as linhagens celular es d iferenciad as. 137
As células-tronco multipotentes, ou somáticas, são utilizadas para a
terapia celular autoplástica, no qual se utilizam células do próprio indivíduo
para a regeneração da região afetada.
138
135
LAC ADE NA, J uan Ramó n. E xper imentação co m E mb r iõ es: o d ilema ético do s
emb r iõ es excedentes, o s emb r iões so mático s e o s emb riões parteno genético s. I n:
MART Í NE Z, J ulio Luis. Célula s- Tronco H uma na s: Aspecto s Científico s, Ético s e
J urídico s. T rad ução Nico las Nyimi Camp anár io. São Paulo : Lo yo la, 200 5, p. 66.
136
ROCHA, Renata. O Direito à Vida e a s P esquisa s co m Célula s- Tronco: Limit es
ético s e J urídico s. Rio d e J aneir o: E lsevier, 2008 , p.41 . A autora explica sobr e
p lasticidade:
“Muito s usam o ter mo p lasticid ade ao se refer irem às células-tro nco so máticas, a
p lasticidade eq uivale, po is, à capacid ad e funcional q ue uma célula tem d e gerar algumas
linhagens celular es, mas não tod as.”
137
LAC ADE NA, J uan Ramó n. E xper imentação co m E mb r iõ es: o d ilema ético do s
emb r iõ es excedentes, o s emb r iões so mático s e o s emb riões parteno genético s. I n:
MART Í NE Z, J ulio Luis. Célula s- Tronco H uma na s: Aspecto s Científico s, Ético s e
J urídico s. T rad ução Nico las Nyimi Camp anár io. Lo yo la: São Paulo , 200 5, p. 66.
138
SÁNCHE Z, P edro Cuevas. Utilização d as Células-tro nco na T erap ia Celular da
Med icina Regener ativa: Realidades e Fantasias. I n: MART Í NE Z, J ulio Luis. Célula sTro nco H uma na s: Aspecto s Cient íf ico s, Ét icos e J urídico s. T r ad ução Nico las Nyimi
Portanto, verifica-se que existem diversas espécies de células-tronco,
também denominadas: germinais embrionárias ou células-tronco totipotentes;
embrionárias ou células-tronco pluripotentes; e adultas ou células-tronco
multipotentes, como já explicado. Todavia, para efeitos deste estudo, o foco
estará
nas
embrionárias
e
geminais
embrionárias,
portanto
aquelas
pluripotentes e totipotentes, respectivamente.
As células-tronco embrionárias podem ser obtidas de quatro maneiras,
conforme relaciona Juan Ramón Lacadena:
1)
d a massa celular inter na (I CM) d e emb r iões p rod uzido s por
fecundação in vitro ( FIV) co m o único pr opósito de se obter
cultur as d e tecido s;
2)
d a I CM d e emb riõ es excedentes de pro grama de FI V;
3)
d a I CM de emb riões somático s ob tido s por meio d e técnicas
d e clo nagem med iante transferência nuclear ;
4)
( ...) o s emb riõ es p ar tenogenético s. 139
A
obtenção
das
primeiras
células-tronco
embrionárias
humanas
ocorreu em 1998, simultaneamente, por dois grupos de pesquisadores. O
grupo de James A. Thomson, do Centro de Pesquisa Regional sobre Primatas
da Universidade de Winsconsin
140
, e o grupo liderado por John D. Gearhart,
da Faculdade de Medicina da Universidade John Hopkins, em Baltimore.
141
Camp anár io . São Paulo: Lo yo la, 2005, p . 61. O autor esclarece: “A ter apia celular
heterop lástica pr eco niza o uso d e células-tro nco emb r io nár ias, enq uanto a ter apia celular
auto plástica se baseia no uso de células-tr o nco d o próp rio ind ivíd uo . Até agora fo i
d escr ita co mo fo nte mais imp o r tante d e células-tro nco ad ultas a med ula ó ssea e a go rd ur a
sub cutânea.”
139
LAC ADE NA, J uan Ramó n. E xper imentação co m E mb r iõ es: o d ilema ético do s
emb r iõ es excedentes, o s emb r iões so mático s e o s emb riões parteno genético s. I n:
MART Í NE Z, J ulio Luis. Célula s- Tronco H uma na s: Aspecto s Científico s, Ético s e
J urídico s. T rad ução Nico las Nyimi Camp anár io. São Paulo : Lo yo la, 200 5, p. 67.
140
J OSÉ, Lluís Mo nto liu. Células-tro nco humanas: aspecto s científico s. I n: MART Í NE Z,
J ulio Luis. Célula s- Tro nco Huma na s: Aspecto s Científico s, Ét ico s e J urídico s.
T rad ução Nico las Nyimi Camp anár io . São Paulo : Lo yo la, 2005 , p . 29 .
“( ...) ob teve células-tro nco humanas E S a p artir d e b lastocisto s ob tido s em
pr ocedimento s d e rep rod ução humana assistid a ( FI V), ap licando método s eq uivalentes
ao s utilizado s dezessete ano s antes p ara ob tenção d as p rimeir as células-tro nco E S d e
r ato, p rotoco lo s q ue o s mes mo s autor es haviam utilizado tr ês ano s antes p ar a estabelecer
as p rimeir as linhas de células-tro nco emb rio nár ias a partir d e blastocisto s d e pr imatas
não -humano s (do macaco Rhesus).”
141
J OSÉ, Lluís Mo nto liu. Células-tro nco humanas: aspecto s científico s. I n: MART Í NE Z,
J ulio Luis. Célula s- Tro nco Huma na s: Aspecto s Científico s, Ét ico s e J urídico s.
T rad ução Nico las Nyimi Camp anár io . São Paulo : Lo yo la, 2005 , p . 30 .
“... op to u por estabelecer linhas de células-tronco emb rio nár ias hu manas a p ar tir d e
b lastemas ger minais de feto s pro venientes de abor to s terap êutico s, r azão p ela q ual ob teve
Tais descobertas provaram ser possível a manipulação dessas células,
além de diversas possibilidades de utilização. Nesse contexto, esclarece
Renata da Rocha, quando assevera:
Geneticamente manip uláveis, as células-tr o nco emb rio nárias,
d er ivad as d e embr iõ es humano s, pod em ser co ngeladas e clo nadas,
isto é, de uma única célula emb rio nár ia pod e-se criar uma co lô nia
d e células geneticamente idênticas, co m as mesmas p ropr iedad es
d a célula or iginal, a serem ind uzid as a se pr oliferar o u se
d iferenciar , pod endo ser utilizad as, d e acordo co m o s cientistas,
na r eparação de tecido s específico s e na pro d ução de ór gão s. 142
Com a possibilidade de manipulação e multiplicação destas células em
laboratório, as pesquisas estão sendo elaboradas no sentido de conseguir
controlar a diferenciação celular
143
, para que, então seja viável a aplicação
das células-tronco para regeneração. Em caso de sucesso, a terapia celular
poderia representar cura para diversas doenças, em especial neuromusculares
(pois são células que não se replicam), com o intuito de prolongar e
propiciar melhor qualidade de vida aos pacientes.
144
2.3 Início da personalidade humana e os direitos do embrião
O Código Civil brasileiro dispõe sobre o início da personalidade
humana, afirmando expressamente que a aptidão para que direitos sejam
linhas de células ger minais ( EG), não células E S, embo ra em amb o s o s caso s sejam
células-tro nco emb rio nárias plurip otentes.”
142
ROCHA, Renata. O Direito à Vida e a s P esquisa s co m Célula s- Tronco: Limit es
ético s e J urídico s. Rio de Janeiro : E lsevier, 2008, p.4 4.
143
W AT SON, Step hanie. Co mo F uncio na m a s Célula s- Tro nco . Dispo nível em
http://ciencia.hsw.uo l.com.b r /celulas-tro nco3.htm. Acesso em 09 mar . 20 09. Sobre a
estr utura d e tais celular , exp lica a autor a: “Na natureza, células-tro nco são d iferenciad as
po r filas inter nas e exter nas. As filas inter nas são genes d entro d e cad a célula, q ue são
co mo uma sér ie de instruções q ue d itam co mo ela deve funcio nar . As filas exter nas são
lib er adas q uimicamente po r o utras células o u pelo co ntato co m o utr as células – q ualq uer
d as d uas po de mud ar a maneir a co mo a célula funcio na.
Os cientistas sabem q ue ativar e d esativas genes é cr ucial ao pro cesso de d iferenciação,
então eles têm exper imentad o inser ir cer to s genes em p lacas d e cultura e usar estes genes
p ara tentar fund ir células-tro nco p ar a difer enciar em tip o s específico s d e células. Mas
algum sinal é necessár io para desp er tar as células-tro nco a se d iferenciar em. Os
cientistas ainda estão pro cur ando este sinal.”
144
E ntrevista
de
Mayana
Zatz
p ara
a
CNPq.
Dispo nível
http://www.ufp e.br/new/visualizar.p hp?id =6601 . Acesso em 0 6 Set. 2009 .
em:
adquiridos tem início com o nascimento com vida. Assim, para Miguel
Reale:
A p er so nalid ade do ho mem situa-o co mo ser autô no mo ,
co nferindo -lhe dimensão de natureza mo ral. No p lano j ur íd ico a
p er so nalid ade é isto : a capacid ad e genérica de ser sujeito d e
d ir eito s, o q ue é expr essão d e sua auto no mia moral. 145
Assim, conforme cita o referido autor, a personalidade individualiza a
pessoa no contexto social, garantindo-lhe proteção e direitos. Ainda nesse
sentido, explica Cláudia Regina Magalhães Loureiro:
O ter mo p er so nalid ad e tr az co nsigo o sentido de individ ualidad e,
p ar ticular id ade, singularidad e e está intimament e ligado à figura
hu mana. J uridicamente, a p er so nalid ade é tida co mo elemento
car acterizad or o u ind ivid ualizand o a pesso a o u entid ade física o u
j ur íd ica, co m aptidão p ar a ser suj eito ativo o u p assivo de direito s.
146
Portanto, quando é reconhecida a personalidade, trata-se de um ser
único, individual, pessoa. O reconhecimento ocorre quando do nascimento
com vida, todavia no mesmo dispositivo em que se garante o início da
personalidade jurídica, artigo 2º do Código Civil, estende-se, também, a
proteção ao nascituro, que, conforme já explicado, é aquele ser já concebido
que se encontra fixado no útero materno, em desenvolvimento.
O nascimento, por sua vez, é a efetiva separação da criança das
vísceras maternas, que pode ocorrer de forma natural ou por meio de
cesariana, momento em que ele abandona o invólucro do útero para adquirir
vida própria e independente. Ademais, a comprovação do nascimento dá-se
pela verificação de pelo menos uma respiração da criança
147
, caso haja
dúvidas de seu nascimento com vida ou não.
A este respeito, Carlos Alberto Bittar leciona:
E rigind o o nascimento co m vid a co mo req uisito suficiente para a
assunção dessa po sição, o o rdenamento jurídico acabo u tamb ém
po r ad mitir d ireito s ao nascituro, desd e a co ncepção, assegur ando lhe pro teção específica, em r eco nhecimento à tese d a necessidad e
145
RE ALE , Miguel. Lições Prelimina res de Direito . São Paulo : Saraiva, 200 7, p . 23 2.
146
LOUREI RO, Cláud ia Regina Magalhães. Intro dução ao B io direito. São Paulo :
Saraiva, 20 09, p. 4 0.
147
VE NOSA, Sílvio de Salvo . Direito Civ il: Parte Gera l. 6 ª ed., São Paulo : Atlas, 2006,
p . 126 .
d e defesa da pesso a (como no sso Cód igo , já citado , q ue ad mite
p er so nalid ade ao nascituro – d esde a co ncepção, mas suj eita, em
sua co ncr etização , à co ndição de nascimento co m vid a – e o
Cód igo Penal, q ue p une o ho micíd io, o infanticídio e o abo rto ). 148
Assim, parece que a personalidade jurídica plena somente é concedida
às pessoas já nascidas. A legislação, contudo, protegeu o nascituro,
garantindo-lhe o desenvolvimento para que ao nascer usufrua de todos os
demais direitos de personalidade. O evento nascimento demonstra ser
condição resolutiva para que o nascituro seja considerado pessoa.
O
nascituro
tem,
de
qualquer
forma,
a
proteção
ao
seu
desenvolvimento. Infelizmente, o mesmo não ocorre com o embrião
congelado, que não tem tratamento dispensado pela legislação.
A Convenção Americana de Direitos Humanos compele aos Estados
signatários a necessidade de criação de lei que proteja desde a concepção,
não especificando se em desenvolvimento no útero ou in vitro. É certo que
na época em que fora realizada, em 1969, pouco se sabia (ou nada) sobre a
vida extra-uterina, mas já é tempo de o Estado proteger esse ente concebido
que merece respeito e dignidade.
2.4 A proteção jurídica do embrião
Embora seu tamanho e delicadeza, o embrião humano é alvo de
proteção jurídica, que reside em diversos diplomas e tratados. Necessário
ressaltar que a proteção oferecida ao embrião, assim como sua conceituação,
difere-se em caso de embrião em desenvolvimento no útero e embrião
criopreservado.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, instrumento que inicia
a investigação, atesta em seu artigo I, que o ser humano é aquele já nascido
dotado de razão e consciência
149
, esclarecendo, portanto, que o embrião não
é ser humano, seja ele em qual estágio se encontrar.
148
BIT T AR, Car lo s Alber to. O s Direito s da Perso na lida de. 7ª ed ., atualizada por
E d uar do Car lo s B ianca Bittar, Rio de Janeiro: Forense Univer sitária, 2008 , p. 2 8.
149
Declar ação Univer sal d o s Dir eito s Humano s. Dispo nível em: http://www.o nubr asil.or g.br/documento s_d ir eito shumano s.p hp . Acesso em 11 jan. 20 09.
Completando essa idéia, a Convenção Americana de Direitos Humanos
- Pacto de São José da Costa Rica – em seu artigo 1º afirma que pessoa é
todo ser humano.
150
Isto é, o embrião não é considerado ser humano, nem
mesmo pessoa, contudo esse mesmo tratado validado pelo Congresso
Nacional em 26/05/1992, através de decreto legislativo,
151
submete os seus
signatários, Estados integrantes, a proteger a vida desde a concepção. Assim,
o Código Civil protegeu o nascituro, que, conforme já explanado, é o
concepto alojado no útero.
A principal proteção do nascituro é a garantia da continuidade de seu
desenvolvimento, que alguns autores afirmam, equivocadamente, ser direito
à vida do embrião
152
, como se essa vida fosse vida humana plena.
Outrossim, a possibilidade de ter assegurado o direito de nascer tem previsão
no Código Penal a partir do artigo 124. Os dispositivos que seguem até o
artigo 127 lecionam sobre a proibição à interrupção da gravidez, cominando
penas para tal prática, levando-se em consideração a preservação do
nascituro. Todavia, em breve análise do conteúdo do artigo 128, que permite
a interrupção da gestação sob a rubrica de aborto necessário e aborto
humanitário, é possível entender que o nascituro não se sobrepõe à vida e à
dignidade da gestante.
Entretanto, o embrião pré-implantatório não dispõe, sequer, de tal
cautela que visa garantir sua vida biológica. Com intuito de alocar o embrião
à proteção já existente, Ivan de Oliveira Silva afirma ser importante recorrer
à Constituição, quando enfatiza:
( ...) emb rião não se r elacio nar co m a exp ressão nascituro pr evista
na legislação civil, há de se d estacar q ue esta for ma d e vid a
mer ece amp ar o no ar cabo uço legislativo pátrio. E ntend emo s,
d iante disso , imp róp rio aband o nar o s emb riões excedentes ao
acaso.
Neste sentid o, sustentamo s a pertinência de amparar o emb r ião in
vitro sob o enfoq ue co nstitucio nal, haja vista a sua inq uestio nável
150
Co nvenção
Ame r icana
de
Direitos
Humano s.
Dispo nível
em:
http://www.p ge.sp .go v.br /centrod eestudo s/b ib lio tecavirtual/instr umento s/sanjo se.htm.
Acesso em 3 0 o ut. 2008 .
151
VASCONCE LOS, Cr istiane Beuren. A P rot eçã o J urídica do Ser H uma no In Vitro na
Era da Bio tecnolo gia . São Paulo : Atlas, 2006, p. 95.
152
VASCONCE LOS, Cr istiane Beuren. A P rot eçã o J urídica do Ser H uma no In Vitro na
Era da Bio tecnolo gia . São Paulo : Atlas, 2006, p. 112.
r epr esentação do p atr imô nio genético , b em co mo d e vid a q ue
car ece d e amp aro d o sistema j urídico p átrio. 153
Assim, tenta categorizar o embrião in vitro como patrimônio genético,
cuja proteção, segundo a inteligência do artigo 225, II, da Constituição, é
dever do Poder Público.
De fato, parece ser a sinalização mais próxima de onde efetivamente
se encontra o embrião congelado, tanto é que a regulamentação do referido
artigo da Constituição gerou a lei de Biossegurança – Lei 11.105/2005 – que
trata, entre outros, da utilização do embrião criopreservado.
2.5 Comentários ao artigo 5º da Lei 11.105/2005 – A Lei de
Biossegurança
A Lei de Biossegurança, sancionada em 24 de março de 2005, revogou
a Lei 8.974/1995, que tratava da engenharia genética, diante dos recursos até
então existentes. Embora o Projeto de Lei estabelecesse, especificamente, a
utilização de células-tronco, o texto aprovado omitiu as células-tronco de
seu corpo.
154
A Lei 11.105/2005 estabeleceu normas de segurança e
mecanismos de fiscalização do momento da criação até o descarte dos
organismos vivos
155
, embora a lei tenha sido criada para tratar de
organismos geneticamente modificados, em especial visando aos vegetais
transgênicos. Ela traz em seu bojo as definições científicas das células
153
SI LVA, I van d e Oliveira. B io direito , Bio ét ica e P atrimô nio Genét ico Bra sileiro. São
Paulo : P illares, 200 8, p . 15 7 -158 .
154
B ARROSO, Luis Rob er to. E m Defesa da Vid a d igna: Co nstitucio nalid ad e e
Legitimid ade d as P esq uisas co m Célula-T ro nco E mb r io nár ias. I n: SARME NT O, Daniel;
PI OVE SAN, Flávia ( coor d s.). No s Limit es da Vida: Abort o, Clo nag em H uma na e
Euta ná sia so b a Perspectiva do s Direito s H uma no s. Rio de Janeiro : Lúmen J ur is, 2 007,
p . 241 .
155
B RASI L.
Lei
11.105/2005 .
Dispo nível
em:
HT T P://www.p lanalto.gov.br /ccivil_03 /_ Ato2004-2 006 /2005 /Lei/L11105 .htm.
Acesso
em: 30 o ut. 200 8. Ar t. 1º “E sta Lei estabelece nor mas de segurança e mecanismo s d e
fiscalização sobr e a co nstr ução, o cultivo, a prod ução, a manip ulação, o tr anspo rte, a
transfer ência, a impo rtação, o ar mazenamento, a p esq uisa, a co mer cialização, o co nsumo ,
a lib eração no meio amb iente e o descarte d e or ganismo s geneticamente mo d ificado s –
OGM e seus d er ivado s, tendo co mo d iretr izes o estímulo ao avanço científico na área d e
b io ssegurança e b io tecno lo gia, a pr oteção à vid a e à saúd e humana, animal e vegetal, e a
ob ser vância do pr incíp io da p recaução p ara a pro teção do meio amb iente.”
geminais humanas, clonagem (reprodutiva e terapêutica), bem como das
células-tronco embrionárias
156
.
E não é só. O artigo 5º permitiu a utilização de embriões humanos
criocongelados, obtidos através da fertilização in vitro, para a pesquisa e
terapia. Ou seja, o embrião humano, concebido com a finalidade de suprir
uma deficiência de procriação do casal, portanto com a intenção de formar
um novo ser humano pode, doravante, ser destruído em favor da ciência.
Evidentemente, vários aspectos têm de ser analisados; primeiro, no
que tange ao inciso I do mesmo dispositivo, pois a Lei somente autoriza a
utilização
dos
embriões
inviáveis,
diga-se,
aqueles
que
não
iriam
desenvolver-se adequadamente, caso implantados. Como visto, após a
concepção de tais embriões, é feita uma análise em que os cientistas
verificam a potência dos embriões, sendo os mais fracos congelados. Tal
qual acontece na fertilização in vivo, em que os embriões fracos são
invariavelmente expelidos pelo organismo, a ciência tenta fazer o papel da
natureza.
Sob esse prisma, o material biológico congelado não teria qualquer
utilidade prática, posto que já seria condenado por sua inviabilidade de
156
B RASI L.
Lei
11.105/2005 .
Dispo nível
em:
HT T P://www.p lanalto.gov.br /ccivil_03 /_ Ato2004-2 006 /2005 /Lei/L11105 .htm.
Acesso
em: 3 0 o ut. 20 08. Ar t. 3º “P ar a efeito s d esta Lei, co nsid era-se: I – o r ganismo : to da
entid ade bioló gica capaz d e repr od uzir o u tr ansferir mater ial genético, inclusive vír us e
o utr as classes q ue venham a ser co nhecidas; II – ácido deso xir rib o nucléico – ADN, ácido
r ibo nucléico – ARN: mater ial genético q ue co ntém info r mações deter minantes do s
car acteres her ed itár io s transmissíveis à d escend ência; III – mo léculas d e ADN/ARN
r eco mb inante: as mo léculas manip uladas fo ra das células vivas med iante a mo d ificação
d e seguimento s de ADN/ARN natural o u sintético e q ue po ssam multiplicar -se em uma
célula viva, o u ainda as mo léculas de ADN/ARN natur al; I V – engenhar ia genética:
atividad e de prod ução e manip ulação d e mo léculas d e ADN/ARN reco mb inante; V –
or ganismo geneticamente mo d ificado – OGM: o r ganismo cujo material genético –
ADN/ARN tenha sido mo d ificad o por q ualq uer técnica de engenhar ia genética; VI –
d er ivad o de OGM: pro duto ob tido d e OGM e que não po ssua cap acid ad e autô no ma d e
r ep licação o u q ue não co ntenha for ma viável de OGM; VII – célula germinal hu mana:
célula-mãe respo nsável p ela for mação d e gametas pr esentes nas glând ulas sexuais
femininas e masculinas e suas d escend entes diretas em q ualq uer grau d e ploid ia; VIII –
clo nagem: pr ocesso d e reprod ução assexuada, prod uzida ar tificialmente, b aseada em u m
único patr imô nio genético , co m o u sem utilização d e técnicas d e engenhar ia genética; I X
– clo nagem p ar a fins r epro d utivo s: clo nagem co m a finalidade d e ob tenção d e um
ind ivíd uo ; X – clo nagem terap êutica: clo nagem co m a finalid ade de p rodução de célulastro nco emb r io nárias par a utilização terapêutica; XI – células-tro nco emb rio nárias: células
d e emb rião q ue apresentam a capacidad e de se transfor mar em células d e q ualq uer tecido
d e um or ganismo.
implantação. Mas, essa sentença seria definitiva? Poderia o embrião,
eventualmente, desenvolver-se, caso fosse alocado em útero?
Além disso, a falta de regramento com relação à quantidade limite de
embriões fertilizados in vitro permite que as clínicas, por conveniência,
concebam em proveta um número de embriões maior do que o necessário
para a reprodução, e que os excedentários ou supranumerários sejam
congelados. Assim, fica difícil o controle diante de uma quantidade cada vez
maior de embriões estocados nas clínicas de fertilização.
Outra imposição da lei para a autorização de utilização de embriões
para pesquisa e terapia versa sobre o tempo de congelamento. Os embriões
devem estar congelados há mais de três anos quando da publicação da Lei,
ou após a sua vigência.
Esse critério infere determinação de prazo de
validade para a utilização dos embriões para tal finalidade. Embora não se
tenha conseguido delimitar o motivo exato pelo qual tal prazo foi
estabelecido, é certo que relegá-los ao esquecimento, igualmente, não é
digno (dentro da dignidade e da existência que pode ter um embrião
congelado).
O critério temporal utilizado, embora sem fundamento científico
comprovado, ao menos permite ao casal que, dentro de prazo razoável, possa
utilizar o embrião para uma nova tentativa de gestação. Ocorre que, em caso
de sucesso na reprodução, os embriões supranumerários são esquecidos.
O terceiro requisito para autorização da utilização desses embriões é a
autorização dos genitores, que são os “detentores” do embrião. A expressão
metafórica é proposital, pois a lei não qualifica o casal, bem como a relação
jurídica existente.
Nesse sentido, o consentimento do casal é importante em todas as
etapas
dos
procedimentos
de
reprodução
assistida,
antes
mesmo
da
existência de embriões supranumerários. Assim, a Resolução 1358/1992 do
Conselho Federal de Medicina exige que o casal dê o destino aos embriões,
em caso de divórcio ou morte de um dos genitores, para que esteja expressa
a vontade do casal quanto ao destino dos embriões nas hipóteses acima.
Um grande debate ético é levantado: a utilização do embrião humano,
e, portanto, sua destruição para extração de células. O ser humano torna-se
detentor e determina quem nasce e quem morre, que nega a natureza humana,
e para alguns a vida já existente no embrião.
Por outro lado, a ânsia da ciência e o apelo popular diante das
supostas utilidades de tratamentos com célula-tronco entalharam acirrado
debate jurídico, mas especialmente científico-filosófico, na discussão da
inconstitucionalidade do referido dispositivo no Supremo Tribunal Federal
em 2008.
2.5.1 Considerações sobre a ação direta de inconstitucionalidade ADIN 3510
A ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador Geral
da República Cláudio Lemos Fonteles, visava à declaração de contrariedade
do artigo 5º da Lei de Biossegurança - Lei 11.105 de 24 de março de 2005 –
que permite a pesquisa e terapia com as células-tronco embrionárias
humanas.
O
157
autor
argumenta que o
artigo
5º
da lei
contraria “(...) a
inviolabilidade do direito à vida, porque o embrião humano é vida humana, e
faz ruir fundamento maior do Estado democrático de direito, que radica na
preservação da dignidade da pessoa humana”.
158
Portanto, contraria o direito
à vida, amparado constitucionalmente.
157
B RASI L.
Lei
11.105/2005 .
Dispo nível
em:
HT T P://www.p lanalto.gov.br /ccivil_03 /_ Ato2004-2 006 /2005 /Lei/L11105 .htm.
Acesso
em: 30 o ut. 2008 . Ar t. 5º. “É per mitida, par a fins de pesq uisa e terap ia, a utilização de
células-tro nco embr io nárias o btid as de emb riões hu mano s prod uzido s po r fer tilização in
v it ro e não utilizado s no resp ectivo p roced imento, atendid as as seguintes co nd içõ es:
I – sejam emb r iões inviáveis; o u I I – sejam e mb r iõ es co ngelado s há 3 ( tr ês) ano s o u mais,
na data da p ub licação desta Lei, o u q ue, j á co ngelado s na d ata d a p ub licação d esta Lei,
d epo is de co mp letar em 3 ( três) ano s, co ntado s a p ar tir d a data d e co ngelamento . § 1º E m
q ualq uer caso , é necessár io o co nsentimento do s genito res. § 2º I nstituições d e pesq uisa e
ser viço s de saúde q ue r ealizem pesq uisa o u terap ia co m células-tro nco embr io nár ias
hu manas d everão sub meter seus p rojeto s à apr eciação e apro vação do s resp ectivo s
co mitês de ética em pesq uisa. § 3º É ved ad a a co mercialização do mater ial b ioló gico a
q ue se r efere este ar tigo e sua p rática imp lica o crime tip ificado no art. 15 da Lei 9.43 4,
d e 4 de fever eiro d e 19 97 .”
158
B RIT T O, Car lo s Ayr es. Vo to no j ulgamento da ação direta d e inco nstitucio nalidade
35 10 ( ainda não p ub licado ).
Ainda, sustentou que: I - a vida humana inicia-se na fecundação; II que o zigoto humano mesmo constituído por apenas uma célula, já é um ser
humano embrionário; III - que a mulher é considerada grávida no momento
em que ocorre esta fecundação; e IV – que as pesquisas com células-tronco
adultas são muito mais objetivas e promissoras que as pesquisas com as
células- tronco embrionárias.
O Presidente da República manifestou-se pedindo pela improcedência
da ação, no qual acatou o parecer jurídico de apud Rafaelo Abritta, que
destacado trecho pelo relator diz:
Co m fulcr o no d ir eito à saúd e e no d ireito d e livr e expr essão da
atividad e científica, a per missão p ara utilização de mater ial
emb r io nár io, em vias de d escar te, par a fins d e pesq uisa e terapia,
co nsub stancia-se em valor es amp arado s co nstitucio nalmente. 159
Como custos juris, Antônio Fernando de Souza – que no momento do
julgamento era o Chefe do Ministério Público Federal – pediu a declaração
de inconstitucionalidade do dispositivo atacado, alegando conformidade com
a inicial.
Foram admitidos como amici curiae, Conctas Direitos Humanos;
Centro de Direitos Humanos – CDH; Movimento em Prol da Vida –
MOVITAE; Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero – ANIS; e
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. A admissão dos
interessados
teve
como
fundamento
os
princípios
constitucionais
do
pluralismo cultural e político.
Todavia, diante da necessidade de esclarecimento da base científica
atacada, bem como na relevância da decisão a ser proferida, com base no
§1º, do artigo 9º, da Lei 9.668/99
160
, o relator designou pela primeira vez na
159
B RIT T O, Car lo s Ayr es. Vo to no j ulgamento da ação direta d e inco nstitucio nalidade
35 10 ( ainda não p ub licado ).
160
B RASI L.
Lei
9 .868 /99.
Dispo nível
em:
http://www.p lanalto .go v.br /ccivil_ 03/Leis/L986 8.htm. Acesso em: 19 jan. 201 0. Art. 9º,
§ 1o “E m caso de necessidad e de esclarecimento d e material o u cir cunstância de fato ou
d e no tór ia insuficiência d as infor mações existentes no s auto s, pod erá o relato r r eq uisitar
infor mações ad icio nais, d esignar perito o u co missão d e p er ito s para q ue emita p arecer
sob re a q uestão , o u fixar data p ara, em aud iência p úb lica, o uvir d epo imento s d e p essoas
co m exp er iência e auto rid ade na matér ia.”
Corte Constitucional, pela alta relevância do objeto
161
, uma audiência
pública, onde vinte e duas autoridades científicas brasileiras puderam
acrescentar informações científicas sobre o debate.
O relator identificou as duas correntes de opinião distintas com
relação à vida contida no embrião humano. A primeira considera o embrião
humano como pessoa em estágio embrionário, munido de personalidade,
como afirmou Carlos Ayres Britto:
( ...) atr ib ui ao emb rião uma pro gressiva função de auto co nstitutivid ade q ue o tor na pr otago nista central de seu pro cesso
d e ho minização, se co mparad o co m o útero femin ino ( cujo pap el é
d e co adj uvante, na cond ição d e ha bita t, ninho o u amb iente
d aq uele, além de fo nte sup rid ora de alimento ).
Ar gu mentando, sobr emais, q ue a retirad a das células-tro nco d e um
d eter minado emb rião in vitro destró i a unid ad e, o p er so nalizad o
co nj unto celular em q ue ele co nsiste. O q ue já corr espo nd e à
pr ática d e um mal disfar çad o abo rto , po is até mes mo no prod uto
d a co ncepção em labor atór io j á existe uma cr iatur a o u or ganismo
hu mano q ue é d e ser visto co mo se fo sse aq uele q ue sur ge e se
d esenvolve no corpo da mulher gestante.
( ...) a p essoa humana é mais q ue individ ualid ade pro traíd a o u
adiada p ar a o mar co factual do parto feminino. A p esso a humana
em sua ind ivid ualid ade genética e especificidade ô ntica já existe
no pró prio instante da fecund ação de um ó vulo feminino p or um
esper matozóid e masculino . Co incidindo, então , co ncepção e
p er so nalid ade (q ualidade de q uem é pesso a), pouco imp or tando o
pr ocesso em q ue tal co ncep ção oco rra: se ar tificial o u in vitro , se
natural o u in vid a.
( ...) Numa síntese, a idéia d e zigo to o u ó vulo feminino já
fecundad o co mo simp les embr ião de uma pessoa humana é
r ed ucio nista, porq ue o certo mesmo é vê-lo co mo um ser humano
emb r io nár io. Uma p essoa no seu estado de embr ião, p ortanto, e
não um emb r ião a caminho de ser pesso a. 162
Verifica-se que a primeira corrente defendeu a proibição de pesquisas,
utilizando-se as células-tronco embrionárias, por entender que mesmo
havendo apenas uma única célula, o zigoto já pode ser considerado ser
humano, portanto, merecedor de dignidade e direitos da pessoa humana.
Para a outra corrente, inversa, defendem-se as pesquisas com embriões
humanos. Para eles uma célula viva não pode ser considerada pessoa
humana,
posto
que
são
necessárias
diversas
condições
para
o
161
NASCI MB E NI, Asdr úbal Franco . P esquisa s co m Célula s- Tro nco: Impli caçõ es Ét ica s
e J urídica s. São Paulo : Lex, 2008 , p . 140 .
162
B RIT T O, Car lo s Ayr es. Vo to no j ulgamento da ação direta d e inco nstitucio nalidade
35 10 ( ainda não p ub licado ).
desenvolvimento
dessa
célula
para
a
formação
de
um
ser
humano.
Identificando-se a esta outra corrente de opinião, o relator analisa:
A o utra cor rente de op inião é a q ue investe, entusiasticamente,
no s experimento s científico s co m células-tr o nco extraíd as o u
r etir adas de emb r iões hu mano s. Células tid as co mo d e maior
p lasticidade o u superior ver satilid ad e para se tr ansfor mar em
todo s o u q uase todo s o s tecido s humano s, sub stituind o -o s o u
r egener ando -o s no s resp ectivo s ór gão s e sistemas. E spécie d e
apo geu da investigação bio ló gica e d a ter ap ia humana,
d esco rtinando um futur o d e intenso br ilho para o s j usto s anseio s
d e q ualidade e d ur ação da vida humana. B lo co de p ensamento q ue
não p adece d e do res mor ais o u d e incô mo do s d e co nsciência,
po rq ue, p ara ele, emb rião in vitro é uma r ealidad e do mund o d o
ser, algo vivo , sim, q ue se põe co mo o ló gico início da vida
hu mana, mas NE em tudo e por igual ao embr ião q ue interro mp e e
evolui nas entranhas d e uma mulher . Send o q ue mes mo a evo lução
d esse último tipo d e emb r ião o u zigoto para o estado d e feto
so mente alcança a d imensão d as incip ientes caracter ísticas físicas
e neurais d a p essoa humana co m a meticulo sa co labo ração do
útero e do tempo . Não no instante p ur o e simp les da co ncep ção ,
abr up tamente, mas por uma engenho sa metamo rfo se o u labo rio sa
pa rceria do emb rião, do útero e do co rrer dos d ias. O útero
p assand o a lider ar todo o co mp lexo pro cesso d e gr ad ual
co nfo r mação d e uma no va ind ivid ualid ade antro po mó r fica, co m
seus d esdob ramento s ético -esp ir ituais; valendo -se ele, útero
feminino (é a leitura q ue faço nas entrelinhas das exp licações em
fo co) , de sua tão mais antiga q uanto inso ndável exper iência
afetivo -r acio nal co m o céreb ro da gestante. Quiçá co m o p rópr io
co smo, q ue subjacente à cientificid ad e das ob servaçõ es acerca do
p apel d e liderança d o úter o mater no transpar ece co mo q ue uma
aura d e exaltação da mu lher – e pr incip almente d a mulher -mãe o u
em vias de sê-lo – co mo por tador a de um sexo sentido existencial
já situado no s do mínio s do inefável o u d o ind izível. Do mínio s q ue
a próp ria Ciência
p ar ece co ndenad a a nem co nfir mar nem
d esco nfir mar, por q ue já p er tencentes àq uela esfer a ô ntica d e q ue o
gênio d e W illiam Shakesp ear e p rocuro u dar co nta co m a céleb re
sentença d e q ue ‘E ntr e o céu e a terr a há muito mais co isa d o q ue
supõ e a no ssa vã filo so fia’ ( Hamelet, ano s de 160 0/1 601, Ato I,
163
Cena V).
A
Adin
atacou
todos
os
dispositivos
do
artigo
5º,
da
Lei
11.105/2005, por isso foi dividido em quatro “núcleos deônticos”, conforme
expressou.
Primeiramente, com relação à parte inicial do artigo, que autoriza a
utilização de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia – a utilização
de experimentos com células-tronco – como já tratada neste trabalho, tem
grande capacidade em transformar-se em qualquer célula do organismo
humano, por mais especializada que seja (totipotentes, pluripotentes e
163
B RIT T O, Car lo s Ayr es. Vo to no j ulgamento da ação direta d e inco nstitucio nalidade
35 10 ( ainda não p ub licado ).
multipotentes). Os embriões autorizados pelo dispositivo combatido são
aqueles fertilizados em técnicas de reprodução assistida, que se encontram,
portanto, congelados.
Sobre as células-tronco, o relator acredita ser: “(...) perspectiva da
descoberta de mais eficazes meios de cura de graves doenças e traumas do
ser humano”. Desse modo, identificou como válidas as pesquisas com tais
células.
Depois, em segunda base, analisaram-se as condições em que tais
embriões possam ser destinados à pesquisa, como o não aproveitamento para
fins
reprodutivos; a
não
viabilidade do
embrião
para utilização
na
implantação na mulher – e nesse contexto o relator citou Débora Diniz, que
explica:
Para o j ulgamento d a ADI , o s o nze ministro s não necessitam
enfr entar o desafio simb ó lico d o início da vid a. A p esq uisa co m
células-tro nco emb rio nár ias ser á p refer encialmente realizad a co m
emb r iõ es inviáveis, isto é, emb r iões q ue mesmo transfer ido s par a
um útero não se d esenvo lverão em u m feto . Não há po ssib ilid ade
d e vida p ar a um emb r ião inviável. Seu destino é o co ngelamento
p er manente o u o d escarte nas clínicas d e r eprod ução assistid a.
Mesmo q ue o Estado adote a med ida drástica de obr igar as
mulher es a gestar seus emb r iões inviáveis co ngelado s, o emb rião
jamais se desenvo lverá em u m feto. 164
O terceiro viés identificado pelo relator versava sobre a necessidade
de que todos os projetos de pesquisa com os embriões humanos fossem
encaminhados para análise anterior aos comitês de ética em pesquisa aos
quais se refere o §2º do artigo 5º da Lei de Biossegurança, que, conforme
Carlos Ayres Britto declara:
( ...) medida q ue se r evela co mo u m nítido co mp ro misso da lei co m
exigências de caráter bio ético. Mas encaminhamento a ser feito
p elo s ser viço s d e saúde e instituiçõ es de pesquisa, j ustamente,
co m células-tro nco embr io nár ias, o q ue red und a na fo r mação
tamb ém o br igatór ia d e um tão específico q uanto co ntro lado b anco
d e dad os. Banco, esse, inib idor do aleató rio d escar te d o material
b io ló gico não utilizado nem r eclamado pelo s r espectivos
do ador es. 165
164
DI NI Z,
Déb ora.
Célula s– Tronco
e
Abort o.
Dispo nível
em:
http://o globo.glo bo.co m/p ais/nob lat/po st.asp?cod_Po st=9 2347 &a=112. Acesso em: 19
jan. 201 0.
165
B RIT T O, Car lo s Ayr es. Vo to no j ulgamento da ação direta d e inco nstitucio nalidade
35 10 ( ainda não p ub licado ).
Em última análise, a quarta base atacada pela ação direta de
inconstitucionalidade foi o contido no §3º, que proíbe expressamente a
comercialização de qualquer tipo de material biológico coletado, isto é, a
venda de gametas, embriões ou outro qualquer material que tenha sido
coletado para a finalidade reprodutiva. Assim, a Lei de Biossegurança faz
referência ao artigo 15 da Lei 9.434/1997 (doação de órgãos e tecidos) que
igualmente proíbe a venda de tecidos, órgãos e partes do corpo humano,
apenando com reclusão tal prática. 166
Para o relator Carlos Ayres Britto tal medida:
( ...) o stenta uma clar a finalid ade ética o u de submissão da p rópr ia
Ciência a imp er ativo s d essa no va r amificação da filo só fica, q ue é
a bio ética, e d essa mais r ecente d iscip lina j urídica em q ue se
co nstitui o chamado “biod ir eito ”.
O julgamento fora norteado pelos valores de dignidade da pessoa
humana, seja com relação ao material biológico que dará início aos estudos,
quanto por aqueles que são portadores de doenças que são foco das
pesquisas.
Assim,
as
pesquisas
com
células-tronco
adultas
não
inviabilizariam as pesquisas com as células-tronco embrionárias.
Carlos Ayres Britto considerou, inclusive, a idéia de as células-tronco
serem tipos celulares diferenciados, que representam maiores possibilidades
para a recuperação das graves doenças, na recuperação da saúde e
reabilitação das pessoas para uma vida menos incômoda.
Por isso, entendeu o reconhecimento dos serem humanos nascidos
vivos, utilizando-se dos conceitos de vida de José Afonso da Silva, em que é
necessário além da vida biológica para o reconhecimento de vida humana.
Explicando sobre esses seres humanos, logo pessoas, o relator assevera:
Falo ‘p essoas físicas’ ou ‘naturais’, d evo exp licar , p ar a abr anger
tão -so mente aq uelas q ue sob revivem ao p ar to feminino e po r isso
mes mo co ntemp lad as com o atr ib uto a q ue o ar t. 2º d o Cód igo
Civil Brasileiro chama d e ‘per so nalidad e civil’, literis: “a
p er so nalid ade civil da p essoa co meça do nascimento co m vid a;
mas a lei p õe a salvo , d esde a co ncepção, o s d ir eito s do
nascituro”. Do nde a interp retação d e q ue é pr eciso vida p ós-parto
166
B RASI L. Lei 9 .434 /199 7. In: Có digo Civ il, Co nst it uiçã o e Legislação
Co mple menta r. Or ganização do s texto s, no tas remissivas e índices po r Anto nio Luiz d e
T oledo. 15. ed. São Paulo : Saraiva, 200 9. Ar t. 15. “Co mp rar o u vend er tecido s, ór gão s o u
p ar tes d o co rpo humano : P ena - r eclusão, d e tr ês a o ito ano s, e multa, d e 2 00 a 360 diasmulta. Par ágr afo único. I ncor re na mesma p ena q uem p ro mo ve, inter med eia, facilita o u
aufere q ualq uer vantagem co m a transação.”
p ara o ganho de uma p er so nalid ade p erante o Dir eito ( teo ria
‘natalista’, po rtanto em op osição às teor ias da ‘per so nalidade
co nd icio nal’ e d a ‘co ncep cio nista’). Mas p er so nalid ade co mo
pr ed icado o u ap anágio d e q uem é pesso a nu ma dimensã o
biográfica, mais q ue simp les bioló gica. 167 ( gr ifo s do autor)
Isto porque, ficou claro diante de todas as argumentações apresentadas
que não há qualquer consenso quanto ao início da vida humana pela ciência,
sequer pelo texto constitucional
168
, de modo que, o entendimento de que
pessoa é aquele já nascido, denominado como indivíduo-pessoa devido às
suas características, sua formação moral e espiritual, manteve-se, como
afirmou o relator quando diz: “Com o que se tem a seguinte e ainda
provisória definição jurídica: vida humana já revestida do atributo da
personalidade civil é o fenômeno que transcorre entre o nascimento com
vida e a morte.”
169
(grifos do autor).
Assim, o Supremo Tribunal Federal teve a árdua tarefa de decidir
entre o direito potencial à vida do embrião e o direito à vida digna de
milhares de pessoas que necessitam de tratamento médico, por conta de
doenças degenerativas e das que ainda nascerão com essas doenças.
170
E não foi só. O relator considerou o início da vida humana, que por
muitos é chamada de potencialidade para tornar-se ser humano, como marco
importante na vida humana, constituindo uma das demais fases de seu
desenvolvimento. Ele afirmou:
Não esto u a aj uizar senão isto : a po tencialidade de algo p ar a se
tor nar p essoa humana j á é mer itór ia o bastante p ara acob erta-lo,
infr aco nstitucio nalmente, co ntra tentativas esdr úxulas, levianas
o u fr ívo las de ob star sua natural co ntinuidad e fisio ló gica. Mas
três r ealidad es não se confund em: o emb r ião é o emb r ião, o feto é
o feto e a p essoa humana é a pesso a humana. E sta não se antecip a
à metamo r fo se do s o utro s do is or ganismo s. É o prod uto final
d essa metamo r fo se. 171
167
B RIT T O, Car lo s Ayr es. Vo to no j ulgamento da ação direta d e inco nstitucio nalidade
35 10 ( ainda não p ub licado ).
168
NASCI MB E NI, Asdr úbal Franco . P esquisa s co m Célula s- Tro nco: Impli caçõ es Ét ica s
e J urídica s. São Paulo : Lex, 2008 , p . 141 .
169
Ad in 3510 – Voto do relato r Carlos Br itto .
170
NASCI MB ENI, Asdr úb al, Franco . P esquisa s co m Célula s- Tro nco: I mplicaçõ es
Ét ica s e J urídica s. São Paulo : Lex, 20 08, p. 1 42.
171
B RIT T O, Car lo s Ayr es. Vo to no j ulgamento da ação direta d e inco nstitucio nalidade
35 10 ( ainda não p ub licado ).
Na visão do relator, diante de todos os argumentos e dados trazidos,
entendeu que o embrião congelado não é um ser humano, nem mesmo em
potencial, contudo que esse aspecto não era o primordial. Era necessária a
proteção do embrião, bem como a dignidade das pessoas que necessitavam
do tratamento com células-tronco. Com base nesse julgamento, Asdrúbal
Franco Nascimbeni analisa:
( ...) q uestão dever as comp lexa e não poderia ser r estr ita a apenas
tratar de ‘q uando co meça a vid a’ ( se no mo mento d a fecund ação
do ó vulo pelo esp er mato zóide – hoje co nseguid a até cm certa
facilid ad e in vitro -, o u se j á em fase ma is adiantad a do
d esenvolvimento das células decor rentes d essa fusão , apó s
d evidamente imp lantad as – nid adas – no útero mater no), mas
d everia se d iscutir até q ue po nto valeria preser var essa fase
emb r io nár ia (o u p ré-embr io nár ia, co mo p refer em uns chamar ) ,
co ngelada, q ue muito po ssivelmente nem se conver ter á em u ma
vida humana ( o ser nascido ), sacr ificando vid as ind iscutíveis de
p essoas q ue assistem à d egeneração e mo r te d e suas células,
co nco mitantemente ao esvaziamento d e co ntinuar em a viver co m
d ignidade. 172
Diante desses questionamentos de ordem moral, científica, filosófica
e, sobretudo jurídica, o relator Carlos Ayres Britto conferiu seu voto pela
improcedência da ação, no qual os Ministros Ellen Gracie, Cármen Lúcia
Antunes Rocha, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello o
acompanharam. Portanto, o Supremo Tribunal Federal, julgou improcedente
a ação direta de inconstitucionalidade, que tentava desclassificar o artigo 5º,
da Lei 11.105 de 24 de março de 2005.
Esta ação foi reconhecida pelo Ministro Celso de Mello, quando diz:
”(...) Causa cujo desfecho é de interesse de toda a humanidade. Causa ou
processo que torna, mais que todos os outros, em nossa Corte Constitucional
uma casa de fazer destino. Pois o que está em debate é mais que a natureza
da concepção ou do biológico início do homo sapiens”
173
. Portanto, a mais
importante de todas as causas julgadas no Supremo Tribunal Federal.
172
B RIT T O, Car lo s Ayr es. Vo to no j ulgamento da ação direta d e inco nstitucio nalidade
35 10 ( ainda não p ub licado ).
173
ME LLO, Celso de. Vo to no j ulgamento da ação direta de inco nstitucionalid ade 3510
( ainda não p ub licado).
III – Direitos fundamentais, o direito à vida e o embrião
Dentro das características dos direitos fundamentais, destacado o
direito à vida, pode-se acreditar no embrião humano como expressão do
menor do ser humano, e, então, ser acobertado pelas garantias existentes.
Mas,
também
poderia
ser
considerada
tão-somente
a
vida
biológica
intrínseca a ele, sem a oferta de tais proteções.
A análise que segue, pretende trilhar o caminho.
3.1 Respeito à vida como direito fundamental
O direito à vida é pressuposto de existência da sociedade, e assim do
próprio Estado. Como primeiro dos direitos, o direito à vida, como signo de
garantia, resguarda o bem maior protegido, a vida humana. Conforme
descreve Daury Cesar Fabriz:
A vid a, antes de ser um d ir eito, é pr essupo sto e fund amento maior
d e todo s o s dir eito s. A vida, no âmb ito do Direito Co nstitucio nal
br asileiro, co nfigura-se co mo um p r incíp io q ue deve ser ob ser vad o
a todo s sem d istinção , de mo do q ue o s seus titulares são todas as
p essoas q ue se enco ntram sub metid as ao ordenamento j ur íd ico
br asileiro. 174
Insta, portanto, frisar que o direito à vida está positivado na
Constituição brasileira no caput do artigo 5º, impondo-se a todos o dever de
zelar pelo respeito à vida humana. Também a todos é garantido o direito de
manutenção da vida.
Dentro dos direitos e garantias existentes, o direito à vida parece ser o
mais indispensável, e que nas palavras de Maria Helena Diniz: “por ser
essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da personalidade”
175
,
levando a crer que em decorrência da vida é que se originam todos os demais
direitos, e em razão disso existe toda a estrutura normativa protetiva.
Ainda, quanto à intangibilidade da vida humana, Maria Helena Diniz
afirma que: “(..) está acima de qualquer lei e é incólume a atos dos Poderes
174
FAB RI Z, Daur y Cesar.
Mand amento s, 2003, p. 267 .
175
B ioética
e
Direito s
F unda ment a is.
Belo
Hor izo nte:
DI NI Z, Mar ia Helena. O Esta do At ual do Bio direito . 5. ed. São Paulo : Saraiva,
20 08, p. 2 0.
Públicos, devendo ser protegida contra quem quer que seja, até mesmo
contra seu próprio titular, por ser irrenunciável e inviolável.”
176
Isso porque
é dever do Estado e dos demais integrantes da sociedade – com já dito acima
- o respeito à vida, e, para tanto, recebe o status de direito fundamental.
Os direitos fundamentais são categoria superior de direitos, que
emanam da natureza humana, com características indispensáveis para a
manutenção da vivência da sociedade, garantindo a dignidade a todos os seus
integrantes.
Nesse sentido, dita José Afonso da Silva,
E sse tema d esenvo lveu-se à so mb ra das co ncepções j usnatur alistas
do s d ir eito s fundamentais do ho mem, d e o nde pro mana a tese d e
q ue
tais
d ireito s
são
inato s,
ab soluto s,
invio láveis
( intransferíveis) e impr escritíveis. 177
Por serem direitos que decorrem da natureza humana, é extensivo a
todos os seres humanos. A esse respeito, Norberto Bobbio analisa:
É ver dad e q ue a id éia d a univer salidad e d a natur eza humana é
antiga, ap esar d e ter sur gid o na histó ria do Ocidente co m o
cristianismo . Mas a transfor mação dessa id éia filo só fica d a
univer salidad e da natureza humana em instituição p olítica ( e
nesse sentido po demo s falar de ‘invenção ’), o u sej a, em u m mo d o
d iferente d e certa maneira r evo lucio nár io de regular as relações
entre go ver nantes e go ver nado s, aco ntece somente na Id ade
Moder na através do j usnaturalismo , e enco ntra a sua pr imeira
expr essão politicamente r elevante nas declar ações de d ireito s d o
fim d o século XVII I. 178
Contudo, muito tempo demorou para que os direitos fundamentais, em
especial análise ao direito à vida, fossem de fato reconhecidos e amparados.
Uma vez declarados, portanto esses direitos compõem bloco estrutural
que caminham, propõem e impõem dignidade, igualdade e liberdade.
179
José Afonso da Silva analisa os direitos fundamentais:
176
DI NI Z, Maria Helena. O Esta do Atual do B io direito. 5. ed. São Paulo : Saraiva, 2008 ,
p . 23 .
177
SI LVA, J o sé Afo nso da. Curso de Direito Co nstit ucio na l Po sit ivo . 26. ed . São P aulo:
Malheiro s, 20 06, p. 1 80 -18 1.
178
BOBBI O, Norberto. A Era do s Direito s. T rad ução d e Car lo s Nelso n Coutinho. Rio d e
Janeiro : Elsevier , 200 4, p . 204 .
179
SI LVA, Jo sé Afo nso d a. Curso de Direito Co nst it ucio na l Po sit ivo. 2 6. ed. São
Paulo : Malheiro s, 2006, p . 179 .
( ...) co nstitui a expr essão mais adeq uada a este estudo, p orq ue,
além d e refer ir -se a pr incíp io s q ue r esumem a co ncep ção do
mu nd o e infor mam a id eolo gia po lítica d e cad a ord enamento
j ur íd ico , é reser vada par a designar, no nível do direito po sitivo,
aq uelas p rer ro gativas e instituições q ue ele co ncr etiza em
garantias de uma co nvivência digna, livre e igual de to das as
p essoas. No q ualitativo fund amentais acha-se a ind icação d e q ue
se tr ata d e situaçõ es j urídicas sem as q uais a pesso a humana não
se realiza, não co nvive e, às vezes, nem mesmo sob revive;
fund amentais do ho mem no sentido d e q ue a to do s, por igual,
d evem ser, não apenas for malmente reco nhecidos, mas co ncreta e
mater ialmente efetivado s. 180
Em razão disso, os direitos fundamentais assumem posição de
destaque, pelos quais a vida, diante de suas diversas expressões, é
devidamente protegida para que sua continuidade seja preservada, até
quando contida nos menores seres.
3.2 Direito à vida do embrião congelado
O embrião fertilizado in vitro foi concebido para uma finalidade
nobre: tornar-se uma criança, para integrar uma família e, então, ser amado.
Uma vez que muitos casais não poderiam ter filhos à maneira trivial,
recorrem a esse tipo de técnica, a esse tipo de procedimento.
181
Ocorre que muitos embriões são fertilizados para que haja mais
sucesso para o tratamento e, conseqüentemente, alguns são considerados
excedentários e outros tantos são atestados como inviáveis.
Em ambos os casos, só lhes resta o congelamento, como meio de
possível utilização futura para uma nova tentativa de gravidez, doação para
180
SI LVA, J o sé Afo nso da. Curso de Direito Co nstit ucio na l Po sit ivo . 26. ed . São P aulo:
Malheiro s, 20 06, p. 1 78.
181
GRACI E, Ellen. Vo to no j ulgamento d a ação d ir eta de inco nstitucio nalidade 35 10
( ainda não p ub licado).
“( ...) a utilização d esse pro cedimento gera, inevitavelmente, o sur gimento d e emb riõ es
excedentes, muito s deles inviáveis, q ue são d escartado s o u co ngelado s p or temp o
indefinid o, sem a meno r p er sp ectiva d e q ue venham a ser imp lantado s em algu m ó r gão
uterino e pro ssigam na for mação de uma p essoa hu mana.”
outros casais, para que sejam cedidos à pesquisa, ou então, para destruição e
descarte.
É
182
inconcebível
que
o
fruto
de
um
sonho
seja
relegado
ao
esquecimento, ou pior, que seja destruído, uma vez que, em um mundo de
probabilidades, é meritório o suficiente ser um zigoto humano; ter um
código genético humano único e inigualável, que nunca existiu e nunca
existirá; ter a possibilidade de desenvolver-se e tornar-se o ser mais
evoluído do planeta Terra; enfim, ter a possibilidade de tornar-se pessoa e
poder entender-se e saber quem é. Nesse sentido, Clarisse Sampaio Alho
analisa:
Do po nto de vista técnico, um zigo to , geneticamente co mp leto,
tem p o tencial b ioló gico p ar a vir a ser um ind ivíd uo d esde sua
or igem, e sua vida, inéd ita na existência, inicia-se exatamente
neste po nto .
Mas, além d o potencial bioló gico, o q ue o zigo to necessita apó s se
fo r mar é se imp lantar no útero mater no p ar a q ue tenha um lugar
p ara se desenvo lver e tenha acesso a o xigênio e a nutr ientes. 183
Embora exista o mencionado potencial biológico para tornar-se ser
humano, invariavelmente o embrião congelado continuará armazenado até
seu destino final.
Não há, nesse caso, como se falar em direito à vida humana, mas
pode-se afirmar a necessidade de respeito a esse ente tão importante. Por
isso, afirma Ellen Gracie, por ocasião do julgamento da Adin 3510:
Fica clar a, po rtanto, a op ção legislativa em d ar uma d estinação
mais no br e ao s embr iõ es excedentes fad ado s ao p erecimento . Por
o utro lado, fica afastad a do ordenamento brasileiro q ualq uer
po ssib ilid ade d e fer tilização de ó vulo s humanos co m o objetivo
imed iato
de
prod ução
de
mater ial
bioló gico
p ara
o
d esenvolvimento d e p esquisas, sejam elas q uais for em. 184
182
CONSE LHO FE DE RAL DE ME DI CINA. Reso lução 1358 de 11 de nov embro de 1992 .
Disp o nível em: HT T P://www. ghente.or g.br /do c_j ur id ico s/r esol1 358.htm. Acesso em: 25
jan. 201 0.
183
ALHO, Clarisse Samp aio . É tica, Genética e Biotecno lo gia: O Uso de Células-T ro nco.
I n: CLOT ET , Joaq uim; FE IJ Ó, Anamar ia Go nçalves do s Santo s; OLIVEI RA, Mar ília
Ger har dt d e. ( coo rd s.) B ioética: Uma Visã o P anorâ mica . Por to Alegr e: E DIPUCRS,
20 05, p. 5 5 -56.
184
GRACI E, Ellen. Voto no j ulgamento d a ação d ireta de inco nstitucionalid ade 35 10
( ainda não p ub licado).
Portanto, defende a Ministra que, não havendo alternativa para a
utilização de tais embriões na situação para a qual foram fecundados, ao
menos sejam utilizados para fins nobres, como as pesquisas com célulastronco embrionárias, no caso de serem inviáveis e doação para outros casais,
em caso de excedentes.
Contudo, a exemplo da lei de proteção de embriões alemã
185
, deve-se
coibir a produção de embriões humanos que não sejam destinados à
procriação, evitando-se assim a produção de material biológico humano a
esmo. Assim, segundo Clarisse Sampaio Alho:
( ...) impo rtante co nsid erar tamb ém q ue cada vez meno s se esper a
d epo sitar emb r iõ es exced entes nas clínicas d e reprod ução
assistid a. As r eso luções q ue regem o s proced imento s p ar a
ob tenção de embr iõ es com fins r epro d utivo s são claras ao indicar
q ue deve ser prod uzido o númer o míni mo de embr iõ es q ue gar anta
o sucesso da imp lantação e da gestação. Paralelamente, a
tecno lo gia, o s pr ocedimento s e método s do s pro fissio nais destas
clínicas estão cad a vez mais p r eciso s e r efinad os, per mitindo q ue
a legislação venha ser cump r ida e evitando o armazenamento de
emb r iõ es excedentes sem o desejo do s pais. 186
Importante, também, não olvidar aqueles que estão congelados,
especialmente os excedentes, que teriam perfeitas condições de serem
implantados, mas sobraram nos procedimentos de reprodução assistida.
Elidia Aparecida de Andrade Corrêa e Marcelo Conrado alegam existir em
relação aos embriões congelados um direito a não serem abandonados. Para
tanto, fundamentam-se no artigo 1.634 do Código Civil, além do disposto
nos artigos 244 a 246 do Código Penal.
187
Ora, não parece ser essa a situação, tanto é que, por inexistir
disposição em contrário, a Resolução 1358/92 do Conselho Federal de
185
CAS ANONA, Carlos Maria Ro meo . I nvestigação e T erap ia co m Células-Mãe
E mb r io nár ias: Qual Regulamento J uríd ico p ara a E urop a? I n: SÁ, Mar ia de Fátima;
NAVE S, Br uno T orq uato d e Oliveir a ( Coo rd s.) . Bioética, B io direit o e o Có digo Civ il de
20 02. B elo Hor izo nte: Del Rey, 200 4, p . 13 3.
186
ALHO, Clarisse Samp aio . É tica, Genética e Biotecno lo gia: O Uso de Células-T ro nco.
I n: CLOT ET , Joaq uim; FE IJ Ó, Anamar ia Go nçalves do s Santo s; OLIVEI RA, Mar ília
Ger har dt d e. ( coo rd s.) B ioética: Uma Visã o P anorâ mica . Por to Alegr e: E DIPUCRS,
20 05, p. 5 5.
187
CORRÊ A, E lidia Aparecida de And rad e; CONRADO, Marcelo. O Emb r ião e seus
Direitos. I n: CORRÊ A, E lid ia Apar ecid a de Andr ad e; GI ACOI A, Gilber to ; CONRADO,
Mar celo. Bio direito e Dignida de H uma na: Diálogo entre a Ciência e o Direito.
Cur itiba: J ur uá, 2007 , p . 101.
Medicina atesta no item V, 3, que é da vontade dos pais o destino a ser dado
aos embriões. De modo que é necessária a ampla e inequívoca ciência dos
pais com relação à quantidade e possibilidades de destino, bem como as suas
conseqüências.
Outrossim, de acordo com a mesma resolução, é possível a doação dos
embriões congelados excedentes a casais necessitados, ou para aqueles
inférteis, sem que tenham que ser extraídos gametas para uma nova
fecundação. Sobre o assunto, discorre Elimar Szaniawski:
( ...) no s incluímo s entr e o s q ue pro cur am solucio nar o prob lema
do s emb r iões excedentes através de sua d oação para ter ceiro s, a
fim d e q ue estes, d esejando a fertilização heteró lo ga, diante d a
ab soluta imp o ssibilidade de ob ter a fecundação por meio s
naturais, po ssa a mulher ser recepto ra d esses embr iõ es e venha a
gerar a cr iança o u, d iante d a impo ssib ilid ade desta gestar, po de
gerar o filho med iante uma mãe sub stituta e, assim, vir o casal a
satisfazer seus desejo s de pater nidade e mater nidade. 188
Como se pode notar, a doação de embriões para outros casais é meio
que evita a destruição e descarte do embrião, e, conforme disposto na
resolução 1358/92, a doação deve proceder-se sem o conhecimento da
identidade dos doadores e dos receptores.
Todavia, com a possibilidade de avanço da ciência na tecnologia com
a
descoberta
do
potencial
das
células-tronco
embrionárias
189
,
outra
possibilidade se anunciou: a doação de embriões para a pesquisa com
células-tronco, através do artigo 5º da lei 11.105/2005.
Em análise ao dispositivo legal, Asdrúbal Franco Nascimbeni aduz:
( ...) a lei exige, p ar a a utilização d o s embr iõ es em p esq uisas, q ue
o s genitor es, isto é, os do ador es d e sêmen e ó vulo s fecund ado s,
auto rizem essa pr ática. Por tanto , em um te ma que envo lve o q ue
em filo so fia se deno mina d esacord o mo ral r azo ável (p essoas b em
intencio nad as e esclar ecid as p ro fessam co nvicções to talmente
op ostas), o legislador tomo u a decisão cor reta: a d e per mitir q ue
cad a um viva a sua auto no mia d a vo ntade, a sua pró pria crença.
188
SZANI AW SK, E limar . O E mb r ião E xcedente - O Pr imado do Direito à Vid a e d e
Nascer : Análise do ar t. 9º do Proj eto d e Lei do Senado n º 9 0/9 9. I n: Revista Trimest ra l
de Direito Civ il, v. 8, out/dez 200 1, p . 98 .
189
NASCI MB E NI, Asdr ubal Fanco. Pesquisa co m Células- Tro nco: Implica ções Ética s e
J urídica s. São Paulo : Lex, 2 008, p . 181. O auto r exp lica acer ca d as células-tro nco
emb r io nár ias: “(...) são as mais co mp lexas e co mp letas, p ois co nseguem se d iferenciar em
todo s o s mais d e 200 tecido s q ue for mam o co rpo humano ( inclusive em p lacenta e em
anexo s emb r io nários).”
Não há r azão para o Sup remo T r ib unal Federal d esautor izar a
d ecisão do Co ngr esso Nacio nal, q ue é razoável e eq uilibr ada. 190
Assim, a proposta para a doação dos embriões dignifica a sua
existência biológica. E, por ser facultativa, não fere a autonomia da vontade
de acordo com a convicção dos envolvidos. Todavia, é modo de evitar que o
embrião, fruto de um propósito tão nobre, seja descartado, como se nunca
houvesse existido.
3.3 Utilização do embrião e direito à vida: Colisão de direitos
O embrião humano é utilizado, como já explicado, para a extração de
células-tronco que são capazes de transformar-se em diversos tipos de tecido
para a aplicação em terapia e pesquisa. Assim, a terapia baseada na
utilização de tais células busca restabelecer e curar portadores de doenças
consideradas incuráveis
191
, como diversos tipos de câncer, doenças auto-
imunes, imunodeficiências, anemia e doenças do sangue, tecidos do coração,
algumas doenças degenerativa nervosas, do fígado, bexiga
192
, a exemplo das
pesquisas para tratamentos com células-tronco adultas, além da regeneração
e
formação
de
órgãos,
que
somente
é
possível
com
células-tronco
embrionárias.
Assim, Hartmut Kress afirma:
A p esq uisa co m células-tro nco emb rio nár ias pod er ia fr anq uear
acesso a no vas o pçõ es terap êuticas, colabor ando em lo ngo prazo
na cura p ar a doenças gr aves e amp lamente p rop agad as, co mo a
do ença d e P ar kinso n, a esclero se múltip la, d iab etes o u infartos
card íaco s. 193
190
NASCI MB E NI, Asdr ubal Fanco. Pesquisa co m Células- Tro nco: Implica ções Ética s e
J urídica s. São Paulo : Lex, 200 8, p . 20 9.
191
MARQUE S, Mar ília Ber nardes. O Que É Célula- Tro nco? São P aulo: Br asiliense,
20 08, p. 1 4.
192
P eer- Reviwed Ref erences Sho wing Applicatio ns of Ad ult Steem Cells T ha t P rod uce
T herap eutic
Benef it
fo r
Hum a n
Pa tients.
Dispo nível
em:
<http ://www.stemcellr esear ch.o r g/facts/asc-r efs.pd f>. Acesso em 28 dez. 2009.
193
KRE SS, Har tmut. Ética M édica. T r ad ução de Hed da Malina. [ São Paulo ]: Lo yo la,
[2 008] , p. 157 -158.
Todavia, a utilização de tais células esbarra em um grande dilema
ético, em que pese a destruição de embriões humanos fertilizados in vitro
com o intuito de extração das células-tronco para a utilização em pesquisas e
terapia celular.
Embora a autorização concedida pela Lei de Biossegurança, apontando
os requisitos e limites para a utilização dos embriões in vitro para esta
finalidade, ainda há muita pressão contra a utilização do embrião em tais
pesquisas, por não serem consideradas éticas no que tange à violação de um
direito à vida.
194
Para tanto, considera-se o embrião humano in vitro um ser humano
desde o momento da fecundação, momento em que ele já teria todas as
características necessárias à pessoa. A respeito do embrião humano, Ives
Gandra da Silva Martins pondera:
( ...) T r ata-se, po is, d esde a pr imeira célula, d e um ser hu ma no, e
não de um ser a nima l. Se ad mitíssemo s q ue aind a não fo sse ser
hu mano , apesar de toda a car ga genética e seu mapa definitivo d e
ser humano j á estar plasmad o no zigoto , ter íamo s q ue ad mitir q ue
todo s nó s ter íamo s sido a nima is nos p rimeiro s ano s d e vida e só
depo is no s tra nsforma do em seres huma no s. 195 ( gr ifo s do autor)
Em análise às palavras do citado autor, não se trata de desmerecer a
natureza humana, ou a animal existente em todas as pessoas, mas de
entender que o ser humano é uma derivação de diversas espécies animais que
não devem ser desprezadas, e que foram necessárias para o desenvolvimento
de nossa espécie, que está contida no reino animal.
Perpassam por essa idéia David Eliot Brody e Arnold R. Brody,
quando afirmam:
Caracter ísticas físicas únicas d esenvolvem-se n o âmbito de cada
espécie em co nseq üência de pr essões amb ientais cir cund antes, em
um p ro cesso semelhante ao do iso lamento reprodutivo ( ...)
( ...) Milhões de ano s depois de o s ho minídeo s ter em se tor nado
isolado s d e o utr os pr imatas no asp ecto d a r epro dução , co meçaram
a emer gir difer enças entre eles em r azão do isolamento
geo gr áfico . E les se adap taram a essas cir cunstâncias amb ientais
194
MARQUE S, Mar ília Ber nardes. O Que É Célula- Tro nco? São P aulo: Br asiliense,
20 08, p. 1 4.
195
MART I NS, I ves Gandra d a Silva. A Dignidad e d a Pesso a Humana d esde a Co ncepção.
I n: MI RANDA, Jor ge; SI LVA, Mar co Antô nio Marq ues. Trata do Luso- Bra sileiro da
Dignida de H uma na. São P aulo: Quar tier Latin, 200 8, p . 14 5.
únicas à medid a q ue a espécie grad ualmente mud o u p ar a Ho mo
sap ien s. 196 ( gr ifo s do s autor es)
Assim, o ser humano demorou (como os demais animais) milhões de
anos para que tivesse as características atuais, portanto participa da natural
evolução das espécies como os demais seres vivos, que não podem ser
diminuídos.
Bom é dizer que é inegável que questões éticas devam ser sempre
levantadas
197
, em qualquer tipo de pesquisa. No caso em tela, corre-se o
risco de o sentido da vida humana ser banalizado, o que para Jürgen
Habermas seria a instrumentalização da vida humana
198
, que deve ser
evitada.
Comungando com o explanado acima, Hartmut Kress indica que os
conflitos de valor são importantes do ponto de vista ético.
199
De fato,
valores divergentes geram debates que, conseqüentemente, criam novas
práticas éticas.
Toda pesquisa deve balizar-se por critérios éticos pré-estabelecidos
dentro de diretrizes internacionais, sob as quais o julgamento de Código de
Nuremberg deu início, como vertente do julgamento de Nuremberg.
200
Por
196
B RODY, David Elio t; B RODY, Ar nold R. As Sete M aio res Descoberta s Cient ífica s
da H istó ria . T r ad ução de Laura T eixeira Mo tta. São P aulo, Co mp anhia das Letras, 1999,
p . 277 . T ítulo Or iginal: T he Science Class Yo u Wo sh Yo u Had .
197
Sta tem ent
on
Stem
Cells.
Disp o nível
em:
http ://www.hugo inter natio nal.or g/co mm_ hugo ethicsco mmittee.p hp . Acesso em: 28 dez. 2 009 .
“Th e Co mmittee is o f th e o pin ion tha t th e p rog ress in stem cell techno log ies crea tes
fu rther eth ica l issu es tha t wa rran t pa rticula r a ttention a nd elabo ratio n. S tem cell
science h a s the po tential to revolu tion ize med ica l ca re. Its impa ct is therefo re o f g reat
impo rta nce no t on ly to the scien tific co mmun ity, bu t a lso to the wo rld a t la rge” ( O
Co mitê tem co mo op inião d e q ue o pro gresso com a tecnolo gia d e células-tro nco pr o mo ve
pr oblemas ético s q ue demand am atenção e elabo ração d e autor ização. A ciência de
células-tro nco tem o po tencial de revolucio nar a med icina. O seu imp acto é, então não só
d e grand e imp or tância para a co munid ade científica, co mo p ar a todo o mund o.) T rad ução
livre pela autor a.
198
HAB E RMAS, J ür gen.O F ut uro da Nat ureza H uma na . T rad ução d e Kar ina Jannini.
São Paulo : Martins Fo ntes, 20 04, p.43 .
199
KRE SS, Har tmut. Ética M édica. T r ad ução de Hed da Malina. [ São Paulo ]: Lo yo la,
[2 008] , p. 157 .
200
CONSE LHO DE ORGANI ZAÇÕE S INT E RNACI ONAIS DE CI Ê NCI AS MÉDI CAS.
Diretrizes Ética s Int erna cio na is para a P esquisa B io médica s em Seres H uma no s.
T rad ução d e Mar ia Stela Go nçalves e Ad ail Ub ir ajar a Sob ral. São P aulo, 200 4, p . 25 .
isso, a partir de 1970, iniciaram-se os estudos de uma nova disciplina:
bioética.
201
Tratando de bioética, Daury Cesar Fabriz conceitua: “(...) representa
um estudo acerca da conduta humana no campo da vida e saúde humana e do
perigo da interferência nesse campo pelos avanços das pesquisas biomédicas
e tecnocientíficas.”
202
Assim, a bioética preocupa-se com a manutenção da
ética diante do avanço da ciência aplicada às ciências ligadas à saúde
humana.
Ainda, Cristian de Paul de Barchifontaine define bioética como:
( ...) um mecanismo d e coo rdenação e instr umento d e r eflexão para
or ientar o sab er b io méd ico e tecno ló gico, em função d e uma
pr oteção cad a vez mais r espo nsável d a vida humana. A b ioética,
po r ser um r amo d a ciência q ue pro cur a estar a ser viço d a vida,
engloba em suas r eflexões o s aspecto s sociais, político s,
p sico ló gico s, legais e esp ir ituais. É uma reflexão sobr e o resgate
d a d ignidad e d a pesso a hu mana fr ente ao s pro gresso s técnico científico s na área d a saúd e, frente à vida. 203
Diversas são as diretrizes internacionais que nortearam – como será
tratado no próximo item – a elaboração de princípios gerais éticos aplicáveis
a este tipo de estudo, que são: princípio de respeito às pessoas; princípio da
beneficência; princípio da justiça.
204
Esses princípios têm a finalidade de orientar os operadores das
pesquisas e práticas médicas no alinhamento de suas condutas em respeito
aos protocolos e diretrizes de pesquisa.
O princípio de respeito às pessoas é conhecido como princípio da
autonomia, na qual o indivíduo pode decidir a respeito da técnica ou
tratamento a ser aplicado. Para tanto, Daury Cesar Fabriz explica:
201
FAB RI Z, Daur y Cesar. B io ét ica e Direito s F unda ment ais: A B ioconst it uição co mo
P ara dig ma do Biodireito . Belo Ho rizo nte: Mandamento s, 200 3, p . 73 .
202
FAB RI Z, Daur y Cesar. B io ét ica e Direito s F unda ment ais: A B ioconst it uição co mo
P ara dig ma do Biodireito . Belo Ho rizo nte: Mandamento s, 200 3, p . 73 .
203
B ARCHI FONT AINE, Chr istian d e P aul de. B ioética e Início da Vida : Alg uns
Desa fio s. [ São Paulo ]: Centro Univer sitár io São Camilo , [2 004] , p. 33 -34.
204
CONSE LHO DE ORGANI ZAÇÕE S INT E RNACI ONAIS DE CI Ê NCI AS MÉDI CAS.
Diretrizes Ética s Int erna cio na is para a P esquisa B io médica s em Seres H uma no s.
T rad ução d e Mar ia Stela Go nçalves e Ad ail Ub ir ajar a Sob ral. São P aulo, 200 4, p . 27 -28.
O pr incípio da auto no mia j ustifica-se co mo princípio d emo crático ,
no q ual a vo ntade e o co nsentimento livr es do ind ivíd uo d evem
co nstar co mo fator es pr epo nd er antes, visto q ue tais elemento s
ligam-se d ir etamente ao pr incípio da d ignidad e humana.
No r elacio namento entre méd ico e p aciente, po r exemp lo, faz-se
necessár io o resp eito à auto no mia d a vo ntade, na med ida em q ue
205
essa ligação demand a segur ança.
A autonomia deve ser exercida dentro do contexto do consentimento
informado, que requer do profissional da área médica a prestação de
esclarecimentos necessários ao pleno entendimento do indivíduo.
206
E ainda
que, em sendo capaz de tomar tal decisão, que seja respeitada sua
autodeterminação 207; caso não seja capaz de tal decisão, que seja amparado
pelo seu representante legal.
208
Pelo princípio da beneficência, entende-se como obrigação de tentar
fazer sempre o bem para o enfermo com o intuito de tentar curá-lo,
produzindo
o
menor
dano,
conforme
orientação
do
conselho
das
Organizações Internacionais de Ciências Médicas:
A b eneficência se r efer e à obr igação ética de maximizar o s
b enefícios e mini mizar o s prej uízo s. E ste pr incípio d á ensejo a
d ir etr izes q ue estab elecem q ue o s risco s d a p esq uisa sejam
r azo áveis à luz do s b enefícios esper ado s, q ue o mo do de
estr uturação da p esq uisa seja válido e q ue o s p esq uisadores sejam
co mp etentes p ara levar a p esq uisa a efeito e p ara pr oteger o b emestar do s sujeito s da pesq uisa. 209
Contíguo a esse princípio, é possível encontrar o princípio da nãomaleficência, do qual se extrai que além do bem ao paciente, é preciso que
205
FAB RI Z, Daur y Cesar. B io ét ica e Direito s F unda ment ais: A B ioconst it uição co mo
P ara dig ma do Biodireito . Belo Ho rizo nte: Mandamento s, 200 3, p . 10 9.
206
CONSE LHO DE ORGANI ZAÇÕE S INT E RNACI ONAIS DE CI Ê NCI AS MÉDI CAS.
Diretrizes Ética s Int erna cio na is para a P esquisa B io médica s em Seres H uma no s.
T rad ução d e Mar ia Stela Go nçalves e Ad ail Ub ir ajar a Sob ral. São P aulo, 200 4, p . 51 .
207
CONSE LHO DE ORGANI ZAÇÕE S INT E RNACI ONAIS DE CI Ê NCI AS MÉDI CAS.
Diretrizes Ética s Int erna cio na is para a P esquisa B io médica s em Seres H uma no s.
T rad ução d e Mar ia Stela Go nçalves e Ad ail Ub ir ajar a Sob ral. São P aulo, 200 4, p . 27 .
208
CONSE LHO DE ORGANI ZAÇÕE S INT E RNACI ONAIS DE CI Ê NCI AS MÉDI CAS.
Diretrizes Ética s Int erna cio na is para a P esquisa B io médica s em Seres H uma no s.
T rad ução d e Mar ia Stela Go nçalves e Ad ail Ub ir ajar a Sob ral. São P aulo, 200 4, p . 27 .
209
CONSE LHO DE ORGANI ZAÇÕE S INT E RNACI ONAIS DE CI Ê NCI AS MÉDI CAS.
Diretrizes Ética s Int erna cio na is para a P esquisa B io médica s em Seres H uma no s.
T rad ução d e Mar ia Stela Go nçalves e Ad ail Ub ir ajar a Sob ral. São P aulo, 200 4, p . 28 .
as práticas médicas também não lhe causem o mal. Há quem afirme que esse
é princípio basilar da ética médica, já que antes de mais nada não se deve
prejudicar o doente.
210
E assim define Darlei Dall’Agnol:
( ...) po demo s for mular o princíp io da não -maleficência d a
seguinte maneir a: Não cause dano s ao s o utro s. Ob viamente, se
r estringir mo s o âmb ito desse p rincípio à ética b io méd ica, ele não
significa senão a ob rigação do p ro fissio nal d a saúd e d e, na
imp o ssib ilid ade d e fazer o b em, ao meno s não causar algum tip o
d e d ano ao p aciente. 211
Embora seja distinto do princípio da beneficência, que demanda uma
ação positiva com o intuito de fazer o bem
212
, o princípio da não
maleficência se integra a ele.
O princípio da justiça tem como função a distribuição dos serviços de
saúde uniforme e acessível a todos. Segundo Paulo R. Sousa,: “(...)
importante indicar que o princípio da justiça obriga a garantia da
distribuição justa, equitativa e universal dos serviços de saúde.”
213
Desse modo, é possível identificar que esse princípio está ligado à
atuação do Estado no sentido de garantir a prestação do serviço de saúde,
inclusive a pesquisa para busca de tratamento adequado.
214
Assim, diante dos princípios e diretrizes estudados na bioética, é
possível entender a preocupação da ciência na procura de soluções e
tratamentos das enfermidades existentes na busca de novas curas, todavia
visando ao menor dano, bem como o dever de observância a todo o exposto.
Portanto, os entraves às pesquisas com as células-tronco embrionárias,
que devem se pautar pela ética, esbarram na necessidade de tais estudos,
210
DALL’AGNOL, Dar lei. B ioética. Rio d e Janeiro : DP &A, 2004 , p.38.
211
DALL’AGNOL, Dar lei. B ioética. Rio d e Janeiro : DP &A, 2004 , p.39.
212
DALL’AGNOL, Dar lei. B ioética. Rio d e Janeiro : DP &A, 2004 , p.39.
213
ZUB EN,
SOUSA, Paulo R.; VALVASORI , Alq uer mes; VON
Element o s da Bio ét ica. [ Camp inas]: P sy, [1998 ], p.16 .
214
Maria
Cristina.
FAB RI Z, Daur y Cesar . B ioética e Direito s F unda ment ais: A B ioco nst it uição co mo
P ara dig ma do Biodireito . Belo Ho rizo nte: Mandamento s, 200 3, p . 11 1.
porque dependem deles milhares de pessoas acometidas por doenças que,
para as quais, atualmente não há cura.
Verifica-se, então, uma clara colisão de direitos entre a utilização do
embrião humano em pesquisa e o direito à saúde e à vida digna das pessoas
acometidas por sérias doenças, cujos estudos apontam ser a esperança.
E é neste sentido que Hartmut Kress destaca: “Por numerosos
exemplos comprova-se que o direito à saúde possui uma função condutora do
pensamento e dirige o interesse da ciência médica para as funções das
pesquisas terapêuticas.”
215
A necessidade da cura e impotência diante da
inexistência de alguns tratamentos aguçam o ímpeto humano na busca de
respostas.
O direito à saúde é um direito fundamental, disposto na Constituição
no caput do artigo 6º, além da previsão também contida nos artigos 196 e
seguintes. Assim, Asdrúbal Franco Nascimbeni afirma:
O d ireito à saúde é um d ireito fund amental so cial, visto q ue
po ssui tod as as caracter ísticas inerentes a esse tipo de dir eito .
Não ob stante a isso , a Co nstituição insere a saúde no ro l do s
d ir eito s fund amentais exp licitamente.
Diante das essenciais imp o r tância e r elevâncias dad as à
pr eser vação da vida, por no ssa Carta Maior , e em r azão das
car acterísticas inerentes ao s d ir eito s fundamentais do ser humano ,
po de-se tamb ém afir mar , co mp lementar mente, q ue o d ireito à
saúde se enco ntr a amp arado p elo ar t. 6 0, §4º, IV, d a CF, q ue lhe
co nfere caráter d e ‘cláusula pétr ea’. 216
A grande importância do direito à saúde decorre do fato de a saúde
ser um direito social ligado à qualidade de vida, indispensável para a
integração da pessoa na sociedade.
217
Assim, falar em direito à saúde,
significa mais do que a garantia de ausência de doença, remete-se à vida
digna. Ainda nesse sentido, Asdrúbal Franco Nascimbeni atesta:
A visão do ho mem co mo indivíd uo já não b asta. E la é necessár ia,
co mo é certo , p ara q ue não se d esapegue d as d iver sid ad es q ue
p lur alizam e asseguram a sobr evivência da huma nidade. Há q ue se
adotar e se pro teger tamb ém o ho mem-so cial, a d imensão humana
215
KRE SS, Har tmut. Ética M édica. T r ad ução de Hed da Malina. [ São Paulo ]: Lo yo la,
[2 008] , p. 158 .
216
NASCI MB E NI, Asdr ubal Franco . P esquisa s co m Célula s- Tro nco: Impli caçõ es Ét ica s
e J urídica s. São Paulo : Lex, 2008 , p . 171 .
217
NASCI MB E NI, Asdr ubal Franco . P esquisa s co m Célula s- Tro nco: Impli caçõ es Ét ica s
e J urídica s. São Paulo : Lex, 2008 , p . 169 .
d a pesso a co mo p ar te integrante d e uma so cied ad e co m a q ual se
co mpr o mete e q ue, identicamente, co m ele se alia para o bem d e
todo s. Por isso q ue o d ir eito não po de deixar de co nsider ar o
d ir eito à vida d igna como d ir eito fund amental excelente, aq uele
q ue se sobr epõ e axio lo gicamente a q ualq uer o utro e q ue infor ma o
sistema co nstitucio nal e infr aco nstitucio nal d e mod o deter minante
em to d a a sua extensão, não se há d e d esco nsid erar minima mente a
b ioética para o cuidado nor mativo d o s no vo s r ealces a serem
d ado s ao s p rincípio s. 218
A partir daí, entende-se que, embora haja uma colisão de direitos entre
o embrião humano congelado e seu direito à vida biológica, e o direito à
vida de uma pessoa, é prioritário o avanço das pesquisas na possibilidade de
que esse embrião que não seria utilizado de outro modo seja a esperança de
cura de milhões de pessoas. Avançando nesse aspecto, Elidia Aparecida de
Andrade Corrêa e Marcelo Conrado afirmam:
( ...) vozes q ue se pr o nunciam a favor d as pesq uisas co m célulastro nco emb rio nárias ar gumenta m q ue não p odemo s p rivar no sso s
p ares e as gerações futuras d os b enefício s q ue lhes p oder ão ad vir.
Defend em aind a q ue as co nq uistas d a ciência prestam-se a
assegur ar a pro teção da vida e a pro messa human itár ia d e inclusão
so cial. Para tais d efensor es, aliviar a dor, o so frimento e devolver
a vida ao s pacientes desacr ed itado s é um ato de so lidariedade e,
assim, d e r eco nhecimento da dignid ad e humana. 219
Percebe-se, portanto, que a lei de biossegurança é o papel do Poder
Público
220
, na tentativa de possibilitar o avanço das pesquisas com célula-
tronco com a finalidade de garantir o direito fundamental à saúde e à vida
com dignidade.
3.4 Regime legal
A utilização das células-tronco para pesquisa e terapia no Brasil teve
regulamentação legal específica pela vigência da lei de biossegurança – Lei
218
NASCI MB E NI, Asdr ubal Franco . P esquisa s co m Célula s- Tro nco: Impli caçõ es Ét ica s
e J urídica s. São Paulo : Lex, 2008 , p . 167 .
219
CORRÊ A, Elíd ia Ap arecida d e Andr ade; CONRADO, Mar celo . O Emb r ião e Seus
Direitos. I n: CORRÊ A, E líd ia Apar ecid a de Andr ad e; GI ACOI A, Gilber to ; CONRADO,
Mar celo ( coo rd.) . Biodireito e Dig nida de da Pessoa H uma na: Diálogo entre a Ciência
e o Direito. Cur itib a: J ur uá, 2007 , p. 81.
220
NASCI MB E NI, Asdr ubal Franco . P esquisa s co m Célula s- Tro nco: Impli caçõ es Ét ica s
e J urídica s. São Paulo : Lex, 2008 , p . 172 .
11.105/2005 – como já explicada em tópico anterior, em que seu artigo 5º
possibilita a manipulação dos embriões frutos de fertilização in vitro para
extração de células-tronco.
Contudo, também necessária a análise de outros documentos e leis que
compõem o supedâneo para a permissão das pesquisas com células-tronco
embrionárias.
O Código de Nuremberg, como ficou mundialmente conhecido, é um
texto composto por dez diretrizes a serem observadas pelos operadores da
saúde. Foi elaborado em 19 de agosto de 1947, a partir da sentença exarada
pelo Tribunal de Nuremberg, que julgou vinte e três pessoas acusadas de
crimes de guerra, diante das atrocidades cometidas na II guerra mundial.
221
Tornou-se importante documento precursor na regulamentação de aspectos
éticos em pesquisa com seres humanos.
222
Esse documento trouxe a recomendação de que, entre outros, os
experimentos produzam resultados benéficos para a sociedade, além de que
as pesquisas sejam testadas em animais antes de serem procedidas em seres
humanos. Mesmo não sendo um texto legal, ou tratado internacional, do qual
o Brasil seja signatário, a sua relevância foi importante para a elaboração
dos demais textos.
Em 1948, foi promulgada a Declaração Universal de Direitos Humanos
pela Organização das Nações Unidas, que à época tinha 51 Estados-membro
223
- incluindo-se o Brasil - os quais ficaram compelidos a criar legislação
protegendo os direitos inseridos naquele documento.
De fato, não houve a criação de nenhum direito, mas a carta de
direitos reconheceu direitos dos inerentes aos seres humanos até então
relegados. De grande importância internacional, a declaração universal de
221
CE NT RO
DE
B IOÉT I CA
–
CRE ME SP.
Dispo nível
http://www.b ioetica.o r g.br /ind ex.p hp?siteAcao=Diretr izesDeclaracoesI ntegra&id=2 .
Acesso em: 05 jan. 2010 .
em:
222
em:
CE NT RO
DE
B IOÉT I CA
–
CRE ME SP.
Dispo nível
http://www.b ioetica.o r g.br /ind ex.p hp?siteAcao=Diretr izesDeclaracoesI ntegra&id=2 .
Acesso em: 05 jan. 2010 .
223
ORGANI ZAÇÃO DAS NAÇÕE S UNIDAS. Dispo nível
br asil.or g.br/co nheca_ hist.p hd . Acesso em: 23 jan. 201 0.
em:
HT T P://www.o nu-
direitos humanos é marco para o início da positivação das proteções às
pessoas, das quais podemos destacar o valor dado ao direito à vida e à
dignidade. Esse instrumento tem grande valor por reconhecer a necessidade
de seu cuidado para com as pessoas.
De grande relevo, como documento válido para balizar as pesquisas, é
a Convenção Americana de Direitos Humanos, texto que ficou conhecido
como Pacto de São José da Costa Rica, elaborado em 1969. É possível
perceber a preocupação na proteção da vida, e sua integridade, impondo a
proibição de tratamentos degradantes e desumanos, convalidando, assim, os
direitos humanos internacionalmente.
Posteriormente, em 1975, foi proclamada pela Assembléia Geral da
ONU, a “Declaração sobre o Uso do Progresso Científico e Tecnológico no
Interesse da Paz e em Benefício da Humanidade”, instrumento que reconhece
a necessidade de implantação de medidas por parte dos Estados, para a
utilização dos recursos científicos em benefício da humanidade.
224
No mesmo texto, em seu artigo 8º, a declaração impõe a obrigação de
vigilância aos signatários, para que os avanços científicos não sejam
desviados para finalidades diversas senão o bem da humanidade, ou seja,
desvio das finalidades das pesquisas científicas.
Anos mais tarde, com o conhecimento oferecido pela ciência, em
1997, na 29ª Conferência Geral da UNESCO
225
, formalizou-se a “Declaração
Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos”, com o intuito de
oferecer proteção ao
genoma humano,
recém-codificado, proteção
às
pesquisas, sem, contudo, esquecer-se da dignidade humana.
224
ASSE MB LÉ I A GE RAL DAS NAÇÕE S UNIDAS. Declar ação sob re o Uso do Pro gr esso
Científico e T ecnoló gico no I nter esse d a Paz e em B enefício d a Humanid ade. I n:
BIT T AR, Ed uardo C. B.; ALME IDA, Guilher me Assis d e. M ini- Có digo de Direit o s
H uma no s. São Paulo : J uarez d e Oliveira, 2008 , p. 220 -221.
Ar t. 7 “T odo s o s E stado s adotar ão as med idas necessár ias, inclusive de o rd em legislativa,
a fim d e seja assegur ad a q ue a utilização dos avanço s da ciência e d a tecnolo gia
co ntrib uam p ar a a mais p lena realização po ssível do s dir eito s humano s e d as liberdades
fund amentais sem d iscr iminação alguma p or mo tivo s d e r aça, sexo, idio ma o u crenças
r eligio sas.”
225
VASCONCE LOS, Cr istiane Beuren. A P roteção do Ser Huma no in vitro na Era da
B iot ecno log ia. São P aulo : Atlas, 2 006, p. 96.
Propõe, entre outros, a liberdade de pesquisa utilizando-se o genoma
humano com a finalidade de garantir a melhora da saúde e do sofrimento dos
seres humanos.
226
Este texto inicia, especificadamente, a permissão para a utilização do
patrimônio genético em pesquisa para avanço da saúde pública, inclusive
proibindo a utilização de tais pesquisas para fins não pacíficos (artigo 15 da
declaração).
Todos os textos de direitos humanos citados foram criados por
organismos internacionais, e embora não sejam textos legais elaborados pelo
país, embasaram a Constituição de 1988 e demais leis brasileiras.
Por ter sido integrante da Organização das Nações Unidas ao tempo da
proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Brasil
submeteu-se a todos os direitos que foram proclamados naquele e nos demais
documentos, integrando-os na Constituição, que garante e protege os direitos
da pessoa, extensivo a todos os seus sentidos.
Portanto, com o intuito de atender e possibilitar a vida digna e saúde
dos cidadãos, a Constituição, por meio do artigo 225, viabilizou a elaboração
da lei de biossegurança.
226
UNE SCO. Decla ra ção Universal do Genoma H u ma no e Direito s Huma no s.
Disp o nível
em:
http://www.d o miniop ublico.go v.br /p esq uisa/DetalheObraFo r m.d o?setect_actio n=&co_obr
a=147 17. Acesso em: 23 já. 2010 . Art. 12, b: “A liberd ad e de pesq uisa, q ue é necessária
p ara o pro gresso do co nhecimento, faz par te d a lib erd ad e d e pensamento. As aplicações
d as p esq uisas co m o geno ma hu mano , incluind o aq uelas em b iologia, genética e
med icina, b uscarão aliviar o so fr imento e a melho r ar a saúd e do s ind ivíd uo s e da
hu manid ade co mo um todo .”
Conclusão
Buscou-se, diante do estudo realizado, situar o embrião humano no
ordenamento jurídico, identificando as possibilidades de sua utilização.
As análises das diversas teorias sobre o início da vida evidenciam a
fragilidade de seu conceito, assim como a divergência de opinião, inclusive
por parte da ciência, levando a crer que não há unanimidade sobre o instante
em que há o início da vida humana, em especial pela ciência.
Contudo, pareceu que em se tratando de vida humana, que abarca
características tão especiais, fica distante falar em vida humana sem estar
presente seu especial diferencial: a consciência. É a consciência, pois, que
faz o ser humano entender o mundo e a si mesmo, tornando-o o único ser
vivente capaz de modificar o meio ambiente.
Embora, para fins de manipulação para reprodução assistida e
pesquisa, utiliza-se a teoria do pré-embrião, ou o critério do décimo quarto
dia, conforme resolução 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, devido
às células ainda terem grande potência de mutação e não requererem um
ambiente necessário para fixar-se.
Portanto, é imprescindível a proteção da vida humana, que sob o signo
de direito fundamental tem status de destaque no arcabouço jurídico
brasileiro. Também é importante proteger o embrião humano, em especial o
congelado, resultante da fertilização in vitro, que excedentário ou inviável
para a implantação no útero, já que o embrião nidado dispõe de tratamento
legal.
Pela natureza humana contida nesses seres, que já dispõem de vida
biológica, é questão de respeito dar-lhes um destino digno. Tenha-se
presente que, de acordo com a resolução 1358/92 do Conselho Federal de
Medicina, esses embriões podem ser congelados, doados para outros casais,
doados para pesquisa, ou relegados ao descarte e destruição, ficando a
decisão a critério dos genitores.
Com
o
avanço
da
ciência
e
tecnologia,
descobriram-se
as
possibilidades na utilização das células-tronco, em especial das extraídas de
embriões, que têm maior capacidade. Essas células têm a capacidade de
transformar-se em quaisquer células ou tecidos do organismo humano e,
portanto, essas pesquisas tornaram-se esperança para a cura de diversas
doenças.
Para tanto, com a regulamentação da lei 11.105/2005 e com o posterior
julgamento da Adin 3510, renovou-se a esperança de milhões de pessoas,
pela possibilidade de avanço das pesquisas com essa tecnologia.
Assim, dignificar a existência do embrião congelado, que não será
nada além do que material genético depositado em nitrogênio líquido, é
possibilitar que ele seja utilizado para um propósito nobre: salvar vidas.
Urge, então, que se dispensem ao embrião criocongelado respeito e
consideração decorrentes de sua natureza humana, além do cumprimento de
um papel social.
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