mito: do sonho a linguagem - Revista

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Volume 6, Número 6, Ano 6, Março 2013
Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia
ISSN 1983-3946
MITO: DO SONHO A LINGUAGEM
Um processo de desenvolvimento humano
Abiasleia Costa Almeida¹
Rita de Cássia Oliveira²
RESUMO: A minha proposta neste empreendimento é analisar a origem do mito que, com base em
Joseph Campbell, se dá a partir dos sonhos; e também discutir sobre a relação do mito com a
linguagem tendo como referência o ponto de vista de Ernst Cassirer. A princípio estes dois pontos
podem até parecer dissociáveis, mas veremos que se encontram intimamente ligados, uma vez que, um
completa o outro, ou melhor, possibilita a inauguração do outro. É válido que, ao considerarmos a
origem do mito a partir dos sonhos, torna-se indispensável uma explicitação da origem dos sonhos, que
neste caso se dão a partir do relacionamento do homem com a natureza, com o outro, e aqui nos
colocamos diante da primeira experiência social. Nessa experiência o homem já se apossa de uma
linguagem, onde essa linguagem é tida como um instrumento mediador, que permite a passagem do
sonho para o mito.
PALAVRAS-CHAVE: Mito, Sonho, Linguagem, Cultura.
1. Considerações sobre os sonhos
Acerca da análise dos sonhos pode-se encontrar em três distintas abordagens:
a científica, a religiosa e cultural. Dentro da abordagem científica o sonho é tomado
como uma experiência da imaginação do inconsciente que ocorre durante o nosso
período de sono; da abordagem religiosa podemos dizer, a groso modo, que considera
o sonho como uma espécie de “despertamento” de algo que vai acontecer ou que está
acontecendo; e ainda, o sonho é tomado como a realização de um desejo.
¹Graduanda de Licenciatura em Filosofia – UFMA
²Profª. Drª. Do Departamento de Filosofia – UFMA
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A psicologia moderna adotara a idéia de Platão e Aristóteles de que o sonho
seja a “ação da imaginação durante o sono”. Em compensação, dentro da filosofia, o
sonho é tomado por alguns filósofos como um elemento de dúvida teórica.
Campbell discorre algo pertinente sobre o sonho, quando o mesmo faz a
seguinte colocação:
(...) O simbolismo perene da iniciação é produzido espontaneamente
pelo próprio paciente no momento de sua emancipação. Ao que
parece, há nessas imagens iniciatórias algo que, de tão necessário
para a psique, se não for fornecido a partir do exterior, através do mito
e do ritual, terá de ser anunciado outra vez por meio do sonho, a partir
do interior – do contrario, nossas energias seriam forçadas a
permanecer aprisionada num quarto de brinquedos, banal e há muito
fora de moda, no fundo do mar. (CAMPBELL, 2005, p. 22).
O que fica explícito aqui é que o sonho se constitui como sendo um processo de
maturação das idéias, uma vez que, ele processa o que o consciente deixa
passar. Esse processo de maturação é que proporciona o desenvolvimento da cultura
humana.
2. Considerações sobre a origem do mito
É pertinente considerarmos que a formação do mito, e até mesmo seu avanço,
se deram em diferentes épocas e em lugares distintos, o que nos faz pensar o mito
como um meio para se chegar às manifestações culturais.
Em todo o mundo habitado, em todas as épocas e sob todas as
circunstâncias, os mitos humanos têm florescido; da mesma forma,
esses mitos têm sido a viva inspiração de todos os demais produtos
possíveis das atividades do corpo e da mente humana. (Iden, p 15).
No entanto me dedico aqui a discorrer sobre a origem do mito, deixando para
outro momento a análise sobre a posição do mito na cultura humana.
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Joseph Campbell na sua obra “O herói de mil faces” empreende uma
argumentação, no prólogo “Monomito”, sobre o mito e o sonho. Na mesma ele coloca
que o mito advém das atividades físicas e mentais do individuo, o que tomo aqui como
base para minha argumentação.
O inconsciente envia toda espécie de fantasia, seres estranhos,
terrores e imagens ilusórias à mente – seja por meio dos sonhos, em
plena luz do dia ou nos estados de demência; pois o reino humano
abarca, por baixo do solo da pequena habitação, comparativamente
corriqueira, que denominamos consciência, insuspeitadas cavernas de
Aladim. (Iden, p.18-19).
Associando esse pensamento à idéia de que o homem primeiramente procurou
firmar sua relação com o outro e com a natureza, para então a internalizar; podemos
afirmar que o sonho foi um primeiro passo para a formação do mito. O que quero dizer
com isso é que o sonho, sendo uma figuração daquilo que o homem vive ou já viveu,
ele possibilitou o surgimento do mito, quando o homem passou a contar e expressar
sua experiência imaginativa.
O sonho é o mito personalizado e o mito é o sonho despersonalizado;
o mito e sonho simbolizam, da mesma maneira geral, a dinâmica da
psique. Mas, nos sonhos, as formas são distorcidas pelos problemas
particulares do sonhador, ao passo que, nos mitos, os problemas e
soluções apresentados são válidos diretamente para toda
humanidade. (Iden, p. 27).
O que Campbell quer dizer ao colocar que o mito é o sonho despersonalizado é
que o mito já se encontra externalizado. Portanto, o mito vai falar de uma psique
coletiva, enquanto que o sonho fala de uma psique individual.
Desta feita, nesse processo narrativo, o homem passou a personificar as figuras
que lhe apareciam em sonho, atribuindo a elas um papel específico. Neste contexto
as figuras do herói e do monstro-tirano ganham uma maior atenção, uma vez que,
suas posições são comuns às mitologias e verossímeis à realidade.
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3. Mito e Linguagem
Já havíamos expressado anteriormente que a linguagem possibilitou a
passagem do sonho para o mito, uma vez que, para se externalizar o sonho houve a
necessidade da narração. Neste momento contamos com um ponto de vista diferente
acerca dessa relação, um ponto de vista que não pensa mais essa simples
dependência.
O argumento presente conta com uma análise interessante de Ernest Cassirer
que procura determinar no ensaio “Linguagem e mito” os jeitos peculiares de
“configuração” e “enformação” que se manifestam na linguagem e mito. A principal
proposta de Cassirer, portanto, é discorrer sobre a conceptualização da linguagem e
do mito, a mesma mostrada de formas distinta da conceptualização dada pelas
ciências.
O ensaio é, portanto, em essência, uma indagação sobre a função e a
lógica específica dos conceitos (primários) da língua e do mito,
apresentados como profundamente distintos dos conceitos
cognoscitivos elaborados pelas ciências. (ROSENFELD, Cassirer.
p.14).
Ainda nesse ensaio Ernest apresenta as principais idéias de Max Müller, que
concebia a relação de mito e linguagem da seguinte maneira:
Tudo a que chamamos de mito, é, segundo seu parecer, algo
condicionado e mediado pela linguagem; é, na verdade, o resultado de
uma deficiência lingüística originária, de uma debilidade inerente a
linguagem. Toda designação lingüística é essencialmente ambígua, e
nesta ambigüidade, nesta ’paronímia’ das palavras, esta a fonte
primeva de todos os mitos. (CASSIRER, 1992, p.18).
Neste processo, Max coloca a linguagem vinda antes da ação interna das
figurações por meio dos sonhos, aqui a linguagem não exerce mais aquela função
mediadora que havíamos colocado antes. E o mesmo chega à conclusão de que a
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mitologia é uma necessidade inerente à linguagem. E então o mito passa a ser
pensado como uma idealização decorrente de um erro da linguagem.
(...) a mitologia é, em suma, a obscura sombra que a linguagem projeta
sobre o pensamento, e que não desaparecerá enquanto a linguagem e
o pensamento não se superpuserem completamente: o que nunca será
o caso. (Iden, p.19).
No entanto esta idéia, apesar de ainda ser defendida, encontra-se defasada, o
que leva Cassirer a criticar a mesma. Ele primeiramente discorda dessa relação
necessária entre o mito e a linguagem, a qual promove a não autonomia de ambos os
termos, colocando-os como algo ideal. Levando essa questão às antigas idéias
filosóficas, Cassirer aponta para a argumentação do realismo ingênuo, o qual só
concebia como real aquilo que é dado no mundo, ou seja, aquilo que possui uma
realidade sólida.
Assim, os sons da linguagem se esforçam para “expressar” o acontecer
subjetivo e objetivo, o mundo “interno” e “externo”; mas o que retêm
não são a vida e a plenitude individual da própria existência, mas
apenas uma abreviatura morta. (Iden, p. 21).
Essa idéia lança sua conclusão aos olhos da moderna crítica cética da
linguagem, onde não só o mito e a linguagem, mas até o próprio conhecimento teórico
chegam a ser mera “fantasmagoria”, uma vez que, o mesmo não consegue “refletir” a
original natureza das coisas, delimitando-se a puros conceitos.
Assim, tanto o saber, como o mito, a linguagem e a arte, foram
reduzidos a uma espécie de ficção, que se recomenda por sua utilidade
prática. Mas à qual não podemos aplicar a rigorosa medida da verdade,
se quisermos evitar que se dilua no nada. (Iden, p.21).
Conseqüentemente estas idéias não passam de “meros esquemas”, pois os
conceitos são as “criações do pensar, que, em vez da verdadeira forma do objeto,
encerra antes a própria forma do pensamento” (p. 21). Nessa perspectiva, Cassirer se
reporta à revolução copernicana como uma forma de remediar esta “autodestruição do
espírito”:
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Em lugar de medir o conteúdo, o sentido e a verdade das formas
intelectuais por algo alheio, que deva refletir-se nelas mediatamente,
cumpre descobrir, nestas próprias formas, a medida e o critério de sua
verdade e significação intrínseca. (Iden, p. 22).
Por conseguinte, tanto o mito e a linguagem como a arte e a ciência produzem seu
próprio mundo significativo. A partir daqui temos um novo ponto de vista a respeito do
mito e da linguagem proposto por Cassirer.
4. Considerações finais
A preocupação de Cassirer me chamou atenção quando ele se volta para a
questão da verdade do mito e da linguagem, ou melhor, a real existência de ambos no
mundo. É muito comum ouvir dizer que o mito é só uma ficção, no entanto estes que
dizem tal coisa não levam em consideração que as representações míticas revelam a
totalidade do ser.
É importante falar do mito quando este é responsável pelo amadurecimento do
homem, quando este é o responsável pelo desenvolvimento humano.
(...) Mitos e sonhos vêm do mesmo lugar. (Lidam com) o
amadurecimento do indivíduo, da dependência à idade adulta, depois à
maturidade e depois à morte; e então com a questão de como se
relacionar com esta sociedade e como relacionar esta sociedade com o
mundo da natureza e com o cosmos (CAMPBELL, 1990, p. 36).
Ao relatar sobre a importância do mito, Campbell nesse documentário com
Moyers, expressa algo pertinente, que resumo numa única frase: o mito nos conecta
ao mundo, à sociedade.
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5. Referências bibliográficas
ABBAGNANDO, Nicola. Dicionário De Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 2005.
_____. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.
CASSIRER, Ernst. Linguagem e Mito. 3° edição. São Paulo: Perspectiva. 1992.
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