A RESPONSABILIDADE DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO NA CRIAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL Luisa Comar Riva1, Sidinéa Faria Gonçalves da Silva 2 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – Unidade de Nova Andradina Rua Valter Hubacher, 138 – Vila Beatriz – Nova Andradina (MS) RESUMO A divisão do estado de Mato Grosso em duas partes, e a conseqüente formação do estado de Mato Grosso do Sul, ocorreu em 11 de outubro 1977, devido a motivos tanto de cunho político, quanto histórico e econômico. A Assembléia Legislativa, então formada para os trabalhos de estruturação do novo Estado, formulou uma Constituição Estadual respaldada na Constituição Federal então vigente. Essa pesquisa buscou estudar a criação do estado de Mato Grosso do Sul, tanto no âmbito histórico quanto no âmbito jurídico; revisar o material bibliográfico acerca do tema por meio de consulta em livros, artigos, pesquisas, resenhas e banco de dados informatizados e coletar dados que sirvam de base teórica para a pesquisa na qual essa está vinculada. A metodologia utilizada foi de cunho bibliográfico. Palavras-chave: Constituição Estadual. Constituição Federal. Divisão. Formação. ABSTRACT The division of the state of Mato Grosso in two parts, and consequent formation of the state of Mato Grosso do Sul, occurred on 11 October 1977 due to reasons of both political slant, as historical and economic. The Legislative Assembly, then formed to work on structuring the new state, made a State Constitution supported the Constitution then in force. This research aims to study the creation of the state of Mato Grosso do Sul, both in history as the legal framework, reviewing the literature on the subject material by means of consultation in books, articles, surveys, reviews and database systems and collect data serving as a theoretical basis for research in which this bound. The methodology used was bibliography stamp. Keywords: Constitution State. Federal Constitution. Split. Training. 1 2 Bolsista Orientadora INTRODUÇÃO No Brasil, a Constituição Federal, criada pelo Poder Constituinte Originário, estabelece o Poder Constituinte Derivado, atribuindo-lhe a função de organizar a forma como os Estados-Membros da União irão se estruturar dentro do contexto nacional. Sendo que da atuação desse Poder nasceu o estado de Mato Grosso do Sul. A presente pesquisa está vinculada à pesquisa denominada “A Constituição Jurídica do Estado de Mato Grosso do Sul: trinta anos de História Jurídico-Política”, desenvolvida nesta Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS – Unidade de Paranaíba, coordenada pela professora Me. Sidinéa Faria Gonçalves da Silva. Esta investiga um tema relevante, pois diz respeito ao direito de todo cidadão, não apenas o sul-mato-grossense, uma vez que, qualquer cidadão de outro Estado-membro tem o direito de conhecer a origem de seu Estado, de suas leis e de seu funcionamento. Em Mato Grosso do Sul esse direito é de difícil acesso ao cidadão comum devido à escassez de material, documentos e relatos que permitam conhecer como se deu a divisão de Mato Grosso, acrescido ao fato de que parte das fontes consultadas discutem temáticas regionais e para narrarem a história enfatizam questões políticas percorrendo por épocas distantes, conforme relatam Alves (2008) e Arakaki (2008). Para apresentação do relatório final da presente pesquisa optou-se por estabelecer os objetivos, a metodologia, a coleta do material bibliográfico que subsidia o tema, a discussão e o resultado do material investigado, e ao final as últimas considerações do presente trabalho. A citada pesquisa tem como objetivos: Estudar a criação do Estado de Mato Grosso do Sul, tanto no âmbito histórico quanto no âmbito jurídico; revisar o material bibliográfico acerca do tema por meio de consulta em livros, artigos, pesquisas, resenhas e bancos de dados informatizados; coletar dados que servirão de base teórica para outras pesquisas; proceder à analise documental, interpretar as informações reunidas; explicar os aspectos históricos/causas que ensejaram a divisão do Estado de Mato Grosso e apresentar os aspectos político-jurídicos que formaram o Estado de Mato Grosso do Sul. METODOLOGIA A metodologia teve como base o levantamento bibliográfico do material teórico a respeito da temática pesquisada. Para coletar os dados foi realizada a pesquisa acerca do tema em livros, artigos, estudos, resenhas e bancos de dados informatizados na biblioteca da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS. Em seguida, o material localizado ou adquirido foi selecionado e fichado. O levantamento possibilitou compilar um material com conteúdo que atendesse aos objetivos da temática investigada. Para a apresentação desse Relatório Final privilegiou-se o material bibliográfico que atendesse aos objetivos da presente pesquisa e as normas para sua apresentação. Marconi e Lakatos (2006, p. 25) mostram a importância da pesquisa bibliográfica afirmando: A pesquisa bibliográfica é um apanhado em geral sobre os principais trabalhos já realizados, revestidos de importância por serem capazes de fornecer dados atuais e relevantes relacionados com o tema. O estudo da literatura pertinente pode ajudar a planificação do trabalho, evitar duplicações e certos erros, e representa uma fonte indispensável de informações podendo até orientar indagações. A pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras. A análise do material coletado deu-se de forma descritiva e interpretativa. I. O PODER CONSTITUINTE Desde que passou a viver em sociedade o homem precisou organizar a forma de convivência com outras pessoas e para isso criou o direito, para que esse permitisse uma convivência pacífica e eficaz para todos. Seja qual for a natureza que, em diferentes épocas, se haja atribuído à sociedade, o certo é que quando o homem (em qualquer área cultural) adquiriu consciência da existência da ‘sociedade’, sentiu-a como organização; por isso falar de sociedade é falar de organização social (SALDANHA, 1986, p. 27). Vicente Paulo (2007) afirma que se pode conceituar o Estado como a organização de um povo num território determinado e que seja dotado de soberania. Claro que essa é uma definição simples, mas que contém os elementos necessários para a formação do Estado. De forma que todo Estado tem de ter uma organização para se constituir. E, de forma ampla, essa organização é estabelecida em normas, que são formalizadas ou não num documento único, chamado de Constituição. O mesmo autor (2007, p. 01) ensina, ainda, que “o estudo sistemático e racional do fenômeno constitucional somente se desenvolvem a partir do surgimento das primeiras constituições escritas, elaboradas para desempenhar o papel de lei fundamental do Estado”. O movimento político, jurídico e ideológico que pregou a idéia de estruturar o Estado por meio de uma Constituição foi chamado Constitucionalismo e se espalhou pelo mundo todo, de modo que, hoje, todo Estado tem uma constituição, num sentido amplo.(PAULO, 2007). Desta forma, as normas de uma constituição devem dispor sobre como organizar esse Estado, dos órgãos que estabelecem sua estrutura, da aquisição do poder e de seu exercício. Mas também estabelecem os limites a esse poder do Estado. Com relação a isso, Vicente Paulo (2007, p.05) continua “...estabelecem as limitações especialmente mediante a separação dos poderes (sistemas de freios e contrapesos) e a enumeração de direitos e garantias fundamentais”. Assim, o Estado que adotar constituição escrita há de ter um processo de elaboração dessas normas constitucionais. Nesse sentido, o poder de elaborar normas constitucionais é dado ao Poder Constituinte. Vicente Paulo (2007, p.79) ensina que “[...] a teoria do poder constituinte foi inicialmente esboçada pelo abade francês Emmanuel Sieyès, alguns meses antes da Revolução Francesa. Inspirou-se nas idéias iluministas [...] e foi aperfeiçoada pelos constitucionalistas franceses posteriores”. O ponto fundamental dessa teoria é a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos. O Poder Constituinte é o chamado originário e tem o poder de criar a Constituição. E ainda de acordo com esse autor (2007) o Poder Constituinte Originário faz a constituição e não se prende a limites formais, é essencialmente político e faz nascer uma nova ordem jurídica. 1. Poder Constituinte Originário O Poder Constituinte Originário é autônomo e tem força atuante para fazer uma nova Constituição, ele também é inicial, ilimitado e incondicionado. É ele o responsável por criar a nova Constituição quando a anterior não mais estiver atuando de forma satisfatória, com isso é ele quem dará as diretrizes a serem respeitadas durante a vigência da próxima ordem normativa (MORAES, 2008). Assim o Poder Constituinte originário estabelece a Constituição de um novo Estado, organizando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade. Tanto haverá Poder Constituinte no surgimento de uma primeira Constituição, quanto na elaboração de qualquer Constituição posterior (Assembléia Nacional Constituinte apud MORAES, 2005, p. 89). O Poder Constituinte Originário pode se expressar de várias formas, pois devido a sua não limitação e sua incondicionalidade ele não precisa seguir regras, e sim pode criar tais pressupostos. Contudo, ao estudarmos a história de muitos países e de suas Constituições, percebemos que o Poder Constituinte Originário se manifesta classicamente de duas formas, uma pela maneira da outorga, na qual existe uma declaração unilateral, visto que é o próprio governador que diz até onde irá seu poder. E a outra forma é a que conhecemos por Assembléia Nacional Constituinte, que se estabelece por meio da representação popular, ou seja, quem estabelece os limites do poder do governante são pessoas escolhidas pelo povo (MORAES, 2008). Existem duas correntes que têm como objetivo explicar a natureza do Poder Constituinte Originário, são elas: a Jusnaturalista que diz ser “[...] um poder de direito decorrente do direito natural à liberdade de autodeterminação” (MORAES, 2005, p. 91). E a outra corrente, denominada Positivista que diz que esse poder vem do próprio Estado, afirma ser ele uma força social exercida pelas autoridades, ou mesmo pela própria Constituição. É o poder de fato do Estado de iniciar uma ordem jurídica. Na mesma linha, há autores que propugnam a existência de limites impostos pelo direito natural à atuação do poder constituinte originário. Para eles, imperativos de direito suprapositivo, de valores éticos superiores, de uma consciência jurídica coletiva imporiam limites ao conteúdo das normas constitucionais postas pelo constituinte originário. (PAULO, 2007, p 83) O fato é que esse poder é dado a uma assembleia formada por um conjunto de cidadãos, escolhidos dentre o povo e pelo povo, a quem se atribui o exercício desse poder constituinte. E é por isso que há necessidade de um corpo de representantes dos interesses de toda a comunidade, e esses representantes vão elaborar o texto jurídico fundamental, a Constituição. (TAVARES, 2006) O autor André Ramos Tavares (2006, p. 46) afirma que “Já BURDEAU distingue entre poder constituinte originário e instituído, o primeiro se compreende como toda potência de elaborar uma Constituição, sendo o segundo textualmente interior às Constituições modernas”. De fato, o Poder Constituinte Originário elabora, cria a normas fundamentais que regem um Estado, por isso, no seu próprio texto já estabelece como será organizado e estabelecido o poder de reformar, revisar ou atualizar essa Constituição. Fazendo surgir o Poder Constituinte Derivado. 2. Poder Constituinte Derivado De maneira que o Poder Constituinte Derivado deriva do Poder Constituinte Originário, sendo subordinado a este, de forma que suas ações são condicionadas e sofrem limitações por regras impostas pelo Poder Originário, ou seja, deve respeitar as regras préestabelecidas na Constituição para sua atividade. Como já explicou Hans Kelsen (1990) as normas centrais formadoras de um Estado Federal devem ser respeitadas em todo o seu território, essas advindas do Poder Constituinte Originário, e normas locais, validas apenas para determinadas porções do espaço geográfico nacional, essas por sua vez, formadas pelo Poder Constituinte Derivado. O Poder Derivado se subdivide em Reformador e Decorrente. O Poder Constituinte Reformador é aquele que prevê que algumas alterações no texto constitucional poderão ser feitas. Ele diz que certas normas podem vir a sofrer modificações com o intuito de melhorar o andamento da União, é o caso das Emendas Constitucionais. Esse também é o responsável por decorrer sobre como estas ocorrerão. Na Constituição Federal de 1988 podemos falar, ainda, mais especificamente, em poder constituinte derivado reformador e poder constituinte derivado revisor, haja vista que foram estabelecidos dois procedimentos distintos para modificação do texto constitucional, a saber: o procedimento de reforma, previsto no art. 60 da Constituição, e o procedimento de revisão, previsto no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT (esses procedimentos e limitações serão examinados em momento futuro, no estudo das regras de modificação da CF/88). (PAULO, 2007, p. 84) O Poder Constituinte Derivado Decorrente é, de maneira geral, a liberdade que os Estados-Membros têm de tutelar sobre determinados assuntos, sempre relacionados à estruturação de sua sociedade em particular. O Poder Constituinte Derivado Decorrente, por sua vez, consiste na possibilidade que os Estados-membros têm, em virtude de sua autonomia político-administrativa, de se auto-organizarem por meio de suas respectivas constituições estaduais, sempre respeitando as regras limitativas estabelecidas pela Constituição Federal (MORAES, 2005, p. 92). Ainda, segundo Moraes (2008, p. 29), o Poder Constituinte Derivado tem como características a subordinação e condicionalidade, sendo que: É derivado porque retira sua força do Poder Constituinte originário; subordinado porque se encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto constitucional, às quais não poderá contrariar, sob pena de inconstitucionalidade; e por fim, condicionado porque seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição Federal. Sua função é permitir que os Estados-Membros se auto-organizem por meio de sua Assembléia Legislativa, é por esse Poder que a Assembléia tem autonomia, ainda que restrita, para criar suas Constituições Estaduais e demais normas necessárias ao bom desenvolvimento do Estado. De forma que os Estados poderão legislar sobre determinados assuntos levando em consideração suas particularidades em relação ao restante do país, sempre respeitando as limitações impostas pelo Poder Constituinte Originário. Para Moraes (2005, p. 642) “[...] os Estados-Membros são tradicionalmente instituições estruturais de um Estado Federal, caracterizando-se pela autonomia organizacional, governamental e político-administrativa”. Essa competência de cada Estado-Membro de fazer normas particulares para atender as suas necessidades ocorre pela tríplice capacidade atribuída a cada um desses pelo Poder Originário de auto-organização e normatização própria, autogoverno e autoadministração. A auto-organização e normatização própria consiste na possibilidade dos Estadosmembros as auto-organizarem por meio do exercício de seu poder constituinte derivado-decorrente, consubstanciando-se na edição das respectivas Constituições Estaduais e, posteriormente, mediante sua própria legislação (CF, art. 25, caput), sempre, porém, respeitando os princípios constitucionais sensíveis, princípios federais extensíveis e princípios constitucionais estabelecidos (MORAES, 2005, p. 714). Para isso devem respeitar os princípios constitucionais sensíveis, que são aqueles os quais sua inobservância pode levar o Estado-Membro a sofrer intervenção na sua autonomia política por parte do Estado Federal, previstos, no art. 34, VII, da Constituição Federal de 1988. Ainda, devem ser respeitados os princípios federais extensíveis, que são normas comuns à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Por fim, devem ser respeitados os princípios constitucionais estabelecidos, que servem para estabelecer preceitos, ditam acerca da competência e da pré-ordenação. II. PODER CONSTITUINTE DERIVADO DECORRENTE E A FORMAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL Existem na Constituição Federal brasileira, tanto na atual quanto na vigente na época da divisão do estado de Mato Grosso, quatro formas de se mudar a divisão interna do território nacional: a fusão, a cisão, o desmembramento-anexação e finalmente aquele que nos interessa: o desmembramento-formação, sendo essa última a utilizada para a criação do Estado de Mato Grosso do Sul. O desmembramento-formação significa a divisão do Estado-Membro em duas partes, uma delas manterá as características do Estado origem e a outra criará sua própria sociedade, será agora um novo Estado-Membro. Para que tal divisão aconteça será necessário o respeito a três requisitos: Consulta prévia às populações diretamente interessadas, por meio de plebiscito (cf. art. 4º da Lei nº 9.709/98, [...]; Oitiva das respectivas Assembléias Legislativas dos Estados interessados (CF, art. 48, VI); Lei complementar federal específica, aprovando a incorporação, subdivisão ou o desmembramento (MORAES, 2005, p. 643). Lembrando que em 1977 não vigia Lei 9.709/98, nem o artigo 48 da CF/88 inciso VI. De forma que esses não foram os critérios seguidos pela então Assembléia Legislativa. Em 11 de outubro 1977, o estado de Mato Grosso, por meio do processo denominado desmembramento-formação, foi dividido em duas regiões. A região norte que permaneceu com o mesmo nome e a região sul passou a ser denominada de Mato Grosso do Sul. Segundo Corrêa (1999), os primeiros movimentos separatistas ocorreram no final do século XVIII, mas ganhou força com as desavenças políticas entre a população do norte e do sul do Estado de Mato Grosso. “A progressiva adesão do povo sul-mato-grossense ao movimento separatista foi consequência da política regionalista e discriminatória, adotada pelos dirigentes de Cuiabá, em relação ao sul do Estado” (CORRÊA, 1999, p. 63). O autor, com base em historiadores, continua enfatizando as questões políticas como fonte das discórdias entre a população do estado de Mato Grosso. [...] naquela época, facções políticas antagônicas disputavam, pela força das armas, a hegemonia no Estado. Contrariados em seus interesses, lideres da oposição insurgiam-se e depunham governadores que haviam sido eleitos e empossados legalmente [...] nesse ambiente de permanente disputa pelo poder, as lideranças políticas do norte estimulavam a discórdia e a rivalidade entre os chefes políticos do sul, lançando uns contra os outros, com o intuito de enfraquecê-los, e assegurar, dessa forma, o predomínio do norte (CORRÊIA, 1999, p. 64). Associada às questões políticas, essa divisão teve como causa a concorrência com outros fatores de caráter interno. A população da parte sul do antigo Estado sentia-se excluída da vida social e econômica deste, isso porque a grande área abrangida pelo Estado dificultava a interação entre eles e o norte, onde estava a capital Cuiabá (CORRÊIA, 1999, p. 65). Corrêia (1999, p. 64) relata que atrelada a distância estava a dificuldade apresentada pelos meios de transportes, sendo que até a década de 40 do século passado o transporte aéreo era incipiente e que “[...] o único meio de acesso à capital do Estado era o barco a vapor que, a partir de Corumbá, levava pelo menos oito dias, rio acima, até alcançar Corumbá”. O autor afirma ainda, que a realização de obras ou simples reforma de pontes e prédios públicos dependia da autorização de Cuiabá e que o processo moroso demorava até anos. Dessa forma, a população do hemisfério sul do Estado de Mato Grosso não se sentia amparada e assistida pelas políticas implantadas pelos governos da época, visto serem grandes as diferenças e necessidades sociais e econômicas de cada região do então Estado de Mato Grosso. Para agravar ainda mais a questão, existia a diferença cultural entre a população do norte e a do sul, o que fazia com que não se tivesse nem ao menos uma união cultural para que se fosse possível uma união física do Estado de Mato Grosso (CORRÊIA, 1999, p. 64). A questão cultural também é abordada por Silva (2003). Em 11 de outubro de 1977 foi assinada a Lei Complementar nº 31 que desmembrou em 1º de janeiro de 1979 o Estado de Mato Grosso e criou o Estado de Mato Grosso do Sul, contendo 357.125 quilômetros quadrados e a capital na cidade de Campo Grande. Desde o início do século XX, a região sul de Mato Grosso aspirava tornar-se um Estado independente, idéia rejeitada pela região norte, que temia o esvaziamento econômico do Estado. Em 11 de outubro de 1977, foi aproada a Lei Complementar nº 31, que desmembrou a parte sul do Estado do Mato Grosso, transformando-a em Estado em 1º de janeiro de 1979 (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. O ontem e o hoje do judiciário sul-mato-grossense, 2004, p. 09). Com a assinatura do então Presidente Ernesto Geisel nasceu mais um Estado brasileiro, com o objetivo de pacificar as diferenças e oferecer um maior respaldo para a população da região sul da área dividida. A Lei Complementar nº 31, além de empossar em 1º de janeiro de 1979 o primeiro governador de Mato Grosso do Sul, Harry Amorim Costa, também naquele dia instalou a Assembléia Constituinte a qual viria a servir de base para a futura Assembléia Legislativa. Outro órgão criado em 1º de janeiro daquele ano foi o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que deveria conter o número inicial de 07 desembargadores. Quatro desses foram nomeados pelo governador e tomaram posse naquele dia primeiro. Os outros três desembargadores foram indicados na primeira sessão do Tribunal, a qual se realizou em 08 de janeiro de 1979. Também os 18 deputados do novo estado de Mato Grosso do Sul tomaram posse nessa data. Durante a formação do Estado de Mato Groso do Sul o Poder Constituinte Derivado Decorrente agiu de forma a organizar o novo Estado dentro das normas e regras previstas e impostas pelo Poder Constituinte Originário. A Assembléia Legislativa de 1979 fez uma Constituição Estadual que respeitasse as particularidades da população local, ao mesmo tempo em que respeitasse normas imutáveis da Constituição Federal de 1967. No dia 13 de junho do ano de 1979 a primeira Constituição do estado de Mato Grosso do Sul era promulgada, tendo tido como relator o deputado Ramez Tebet. Verifica-se que tudo que foi estudado até aqui sobre a criação do Estado de Mato Grosso do Sul e suas particularidades conta com o amparo e a tutela do Poder Constituinte Derivado Decorrente, desde a possibilidade de sua criação, por meio da divisão de outro Estado-Membro da nação, até a instalação de seu Tribunal de Justiça. O Poder Constituinte Derivado Decorrente continua a atuar no Estado de Mato Grosso do Sul, isso porque é ele que durante toda a “vida” de um Estado irá organizá-lo para que esse caminhe em direção à prosperidade, sem que para isso desrespeite uma norma imutável pela Constituição Federal vigente. RESULTADOS Para estudar a criação do Estado de Mato Grosso do Sul, foi necessário abordar por meio de um percurso histórico alguns aspectos que possibilitaram a atuação do processo de divisão no âmbito jurídico e a revisão do material bibliográfico acerca do tema, o qual além de servir de subsídios para outras pesquisas pode mostrar a força do poder político de uma minoria da população em detrimento do interesse social. Se por um lado, o processo de criação do estado de Mato Grosso do Sul, foi lento e conflituoso, por outro, após a divisão tanto o Estado de Mato Grosso como o de Mato Grosso do Sul, galgaram o progresso e o desenvolvimento almejado. Além disso, ainda que propedêutico, o estudo sobre a matéria sugere que para haver progresso e desenvolvimento deve haver solidariedade e responsabilidade tanto por parte da população em geral quanto por parte de seus representantes em particular, os quais denotam compromisso e comprometimento com as futuras gerações. Criado, pois, o Estado de Mato Grosso do Sul os representantes do seu povo, reunidos em Assembléia Estadual Constituinte, criaram e promulgaram a Constituição Estadual do Mato Grosso do Sul em 05 de outubro de 1989; a fim de garantir a dignidade do ser humano, reafirmar os valores de igualdade, liberdade e fraternidade, consolidar o sistema federativo, republicano e democrático, ratificando as exigências previstas na Constituição Federal brasileira. DISCUSSÃO De acordo com a pesquisa realizada e a análise do material coletado através das leituras, podemos constatar a grande discrepância física, política, cultural, social e econômica, que havia entre as porções sul e norte do estado de Mato Grosso até sua divisão no ano de 1979. Dessa forma, a criação do atual estado de Mato Grosso do Sul foi a solução mais adequada para o problema da falta de representação sofrida pela população da porção meridional até aquele momento. Assim como, para que ocorresse o crescimento econômico, o progresso e o desenvolvimento de ambos os estados, conforme mostra Arakika (2008). A análise do material bibliográfico sugere que embora a Constituição Federal previsse na época a possibilidade da divisão de um Estado, na prática o processo foi moroso, pois a questão era vista e direcionada mais em razão de interesses políticos do que sociais. Embora mais populoso, o sul praticamente não participava da representação política do Estado. Os líderes políticos do norte manobravam as convenções partidárias para que os representantes do Estado, no Congresso Nacional, fossem daquela região, enquanto os poucos radicados no sul na Assembléia Estadual eram, quase sempre, políticos radicados no sul, mas oriundos do norte (CORRÊA, 1999, p. 64). Verificamos também que não seria possível a formação do Estado de Mato Grosso do Sul, e de nenhum outro Estado, sem o amparo do Poder Constituinte Derivado Decorrente. E que sem ele também não seria possível que um Estado após sua formação desse o subsídio que sua população precisava para alcançar todas as suas necessidades, visto que hoje existem novos direitos que precisam ser tutelados, e muitas vezes cabem ao Estado-Membro e não à Nação efetivá-los. Isso é claro, se não tratar de situações já tuteladas, ou ainda de situações que não podem vir a ser tuteladas por irem contra o Poder Constituinte Originário. AGRADECIMENTOS Agradeço ao PIBIC/UEMS, por apoiar essas pesquisas, de forma a proporcionar aos estudantes não só a possibilidade de expandir seus conhecimentos, como também de produzir novas informações. Assim como, todos aqueles que de forma direta, ou indireta contribuíram para a elaboração desse trabalho. BIBLIOGRAFIA ALVES, Gilberto Luiz. Mato Grosso do Sul: o universal e o singular. Campo Grande: UNIDERP, 2003. ARAKIKA, Suzana. Dourados: memórias e representações de 1964. Dourados, MS: Editora UEMS, 2008. ASTI VERA, Armando. Metodologia da pesquisa científica. Tradução de Maria Helena Guedes Crespo e Beatriz Marques Magalhães. Porto Alegre: Globo, 1980. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de out. de 1988. Publicada no D.O.U. n.191-A, de 05 de out. de 1988. Brasília, DF: Senado, 2006. BEZZON, Lara Crivelaro. Guia prático de monografias, dissertações e teses: elaboração e apresentação, 3. ed. Campinas: Alínea, 2005. 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