584 Orthod. Sci. Pract. 2012; 5(20):584-587. Ortodontia e disfunção de ATM: revisão crítica. Orthodontics and ATM’s dysfunction: critical review. Rogério Lacerda dos Santos1 Matheus Melo Pithon2 Maria Isabel Serpa Simões de Farias3 Resumo A articulação temporomandibular (ATM), por estar intimamente relacionada com os dentes, pode ser afetada por interferências traumáticas na oclusão. Uma série de fatores etiológicos tem sido descritos como potencialmente capazes de originar disfunção e, recentemente, dentre eles, coloca-se que o tratamento ortodôntico possa ser um deles. Devido à grande prevalência entre a população, tais desordens têm sido bastante pesquisadas e mantidas como questões complexas. Achou-se importante pesquisar o assunto através de uma revisão de literatura no intuito de compreender melhor a relação entre tratamento ortodôntico e desordem temporomandibular. Descritores: Desordem temporomandibular, ATM, Ortodontia. Abstract The ATM, for being intimately related with the teeth, can be affected by traumatic interferences in the occlusion. There are many etiologic agents able to cause the dysfunction and recently, among them, is placed that the orthodontic treatment can be one these. Due to the great prevalence among the population, such disorders have been researched enough and maintained inside subjects. We thought important to research the subject through a revision of the literature in intention of understanding better the relationship between orthodontic treatment and DTM. Descriptors: Temporomandibular disorder, ATM, Orthodontics. Dr. em Ortodontia pela UFRJ; Prof. Adj. de UFCG - PB. Dr. em Ortodontia pela UFRJ; Prof. Ass. de Ortodontia da UESB- BA. 3 Aluna do Curso de Graduação em Odontologia da UFCG - PB. 1 Artigo de revisão (Review article) 2 Correspondência com o autor: [email protected] Recebido para publicação: 24/08/2011 Aprovado para publicação: 12/03/2012 585 Orthod. Sci. Pract. 2012; 5(20):584-587. Atualmente, uma das grandes preocupações da Ortodontia está relacionada às desordens funcionais que acometem as estruturas do sistema estomatognático. Autores como Helm et al.14 (1989), já levantava tal preocupação com este assunto. Assim, o ortodontista deve realizar um bom diagnóstico nos quadros clínicos que envolvam DTMs. A ATM é um dos mais complexos mecanismos do sistema estomatognático, nenhum procedimento ortodôntico pode ser feito isoladamente sem considerar seus possíveis efeitos sobre a ATM36. O propósito deste trabalho foi realizar uma revisão da literatura sobre a relação do tratamento ortodôntico e as DTMs. Revisão de literatura A Ortodontia está baseada no princípio da oclusão normal e tem como objetivos ótima saúde oral, estética facial agradável, boa função e estabilidade dos resultados nos tratamentos ortodônticos32. Kingsley16 (1888) já manifestava esta preocupação, quando afirmou que “a oclusão dos dentes é o fator mais importante na determinação da estabilidade das novas posições”. Uma correta oclusão dentária tem sua importância10 para a articulação, pois quando a oclusão é alterada, problemas intra e extra-articulares podem surgir de forma provisória ou permanente. Uma vez que interferências oclusais existam, estas levariam à distribuição desigual dos contatos ao longo do arco dental, gerando atividade assimétrica dos músculos da mastigação1, que seriam transmitidas aos músculos reguladores do movimento mandibular10. Schuyler, citado por Mclaughlin19 (1988), afirmou que desarmonias oclusais era a principal causa de problemas de DTM e impacto social31 e recomendou a correção destas para o tratamento da dor, da desordem da ATM o bem estar psicossocial3. Vanderas34 (1993) relatou que a má oclusão não pode ser considerada como um fator etiológico necessário e/ou suficiente da DTM ou da musculatura mastigatória7; porém, situações nas quais o paciente já se encontrou com a desordem instalada, observou-se que a melhora na condição oclusal, em alguns casos, significa melhora sintomática30 e, em outros casos, é insignificante, para considerar a oclusão como fator etiológico isoladamente. As DTMs constituem uma entidade patológica de etiologia multifatorial acometendo até 75% da população26, principalmente o gênero feminino, podendo levar ao comprometimento de outras estruturas do sistema estomatognático, além das ATM, apresentando como sinais e sintomas, dores na articulação e nos músculos mastigatórios, sons articulares (estalido, crepitação), cefaleia, limitação dos movimentos mandibulares, desgaste dental, otalgia, zumbidos, olhos lacrimejantes, entre outros7. Ao considerarmos a ATM, a posição correta do côndilo mandibular na cavidade articular constitui-se num dos aspectos fundamentais para um perfeito funcionamento de todo o sistema estomatognático6, sendo a DTM uma combinação de fatores tais como: estresse2,21, má oclusão, disfunção muscular, hábitos parafuncionais2,21, genética36, anormalidades na formação e função da ATM e condições sistêmicas23. Bandeen et al.4 (1985) apresentam casos clínicos onde os sinais e sintomas de DTM são amenizados após a finalização da terapia ortodôntica. O papel do ortodontista é estar atento a ATM antes, durante e após a Ortodontia, para garantir o sucesso fisiológico e funcional do tratamento ortodôntico4, sendo assim, o tratamento ortodôntico pode ser uma das melhores formas conservativas e permanentes de contribuir para a correção dos distúrbios da ATM37, mas não pode garantir que uma DTM seja solucionada. Greene12 (2001) recomenda um maior cuidado ao lidar com pacientes que tem um histórico de DTM, pois estes podem ser mais vulneráveis a sintomas recorrentes durante os tratamentos do que indivíduos normais. Hirsch et al.15 (2009) revelam que intervenções ortodônticas em crianças e adolescentes, pelo menos em relação as DTM e bruxismo, não só tem nenhum efeito negativo, como pode vir a fornecer benefícios a longo prazo, reduzindo atividades parafuncionais. Discussão Dentre os resultados apresentados à comunidade internacional, conclui-se que o tratamento ortodôntico prévio não alterava de forma significativa a incidência de DTM5,7,8,33,35, e que as pessoas com história de tratamento ortodôntico realizado durante a adolescência não aumenta nem diminui a prevalência de sintomas de DTM (incluindo sons na ATM), sendo que em casos de extrações de pré-molares não aumentava as chances de DTM e nem estava associada a um deslocamento mandibular distal. Apesar de Tenti31 (1991) Santos RL, Pithon MM, Farias MISS. Introdução e proposição Artigo de revisão (Review article) 586 Orthod. Sci. Pract. 2012; 5(20):584-587. ter encontrado uma maior incidência de DTMs nos casos com extração, na ocorrência de DTM, a sintomatologia era mais prevalente em mulheres, fazendo exceção ao bruxismo, cuja ocorrência maior foi no gênero masculino27. Entre os artifícios disponíveis para a avaliação da DTM, verifica-se a ressonância magnética e radiografias transcranianas para evidenciação dos espaços articulares anterior e posterior25, avaliação da dor a palpação muscular (temporal anterior, médio e posterior; origem, inserção e corpo do masseter superficial; masseter profundo; digástrico posterior; esternocleidomastoideo e trapézio superior), ausculta da ATM para avaliar a presença de ruídos, mensuração do grau de abertura máxima ativa (incluindo o trespasse)7,8, método de avaliação postural corporal e avaliação da pressão de oclusão29. Esses artifícios têm como objetivo evidenciar a gravidade do quadro clínico de DTM do paciente e sua necessidade e/ou possibilidade de tratamento ortodôntico inicial12. Para Gebeile-Chauty et al.11 (2010), há ausência de argumentos científicos que justifiquem a relação do tratamento ortodôntico com o aumento, ou mesmo o surgimento, da disfunção temporomandibular. Por outro lado, desarranjos internos da ATM em pacientes em crescimento podem causar alguma assimetria mandibular leve, e isso deve ser levado em conta no início e durante o tratamento ortodôntico12,13. No entanto, não há necessidade de tratar a ATM, uma vez que, frequentemente, ela se adapta a nova posição12. Uma relação de Classe I não é indicativa de estabilidade oclusal. Algumas das mais perfeitas oclusões de Classe I colapsam enquanto algumas das más oclusões mais óbvias permanecem estáveis9. Diversos aspectos oclusais caracterizam os grupos de DTM, tais como mordida aberta esquelética anterior, sobressaliências maiores que 6 e 7 mm, deslizes entre RC (relação cêntrica) e MIH (máxima intercuspidação habitual) maiores de 4 mm, mordida cruzada unilateral e perda de 5 ou mais dentes posteriores25, em que contribui em cerca de 10 a 20% na caracterização das DTM20. O tratamento ortodôntico precoce favorece ao crescimento e desenvolvimento normais, embora qualquer procedimento odontológico que produza uma condição oclusal que não seja harmônica com a posição músculo esqueletal estável da articulação, pode predispor o paciente à problemas de DTM24, uma vez que o tratamento ortodôntico pode ser considerado causa ou fator preventivo das disfunções, por ser responsável pela alteração do padrão oclusal do paciente e resultar na presença de sinais e sintomas de desordem funcional, mesmo durante o tratamento pelo uso de determinadas mecânicas ortodônticas6. Frente a mecânica com aparelhos funcionais, os ortodontistas devem compreender os efeitos desses aparelhos na mandíbula em crescimento, evitar a sua utilização em pacientes adultos e terminar o tratamento ortodôntico22 com a ATM em uma posição biologicamente aceitável12,13. Os pacientes com DTM devem ser selecionados para um pré-tratamento dos sinais e sintomas significativos de DTM12,28. As placas miorrelaxantes têm sido utilizadas com sucesso como desprogramadoras da ATM e, consequentemente, causando relaxamento muscular e diminuição das sintomatologias9,20,24. No entanto, deve-se ser mais cauteloso ao lidar com pacientes que têm história significativa de DTM, pois podem ser mais vulneráveis a surtos e recorrências dos sintomas durante o tratamento ortodôntico do que nos indivíduos normais12,13. Se os sintomas da DTM surgem pela primeira vez durante o tratamento ortodôntico5,12, o ortodontista deve estar preparado para reconhecer e administrar os sintomas e, momentaneamente, interromper a terapia ortodôntica ativa. Se os sintomas continuam persistindo, talvez seja necessário adotar um plano de tratamento de compromisso ou, até mesmo, interromper o tratamento completamente12. Porém, deve-se ressaltar que em pacientes com DTM associados a dor orofacial, o sucesso do tratamento está diretamente relacionado à melhora do quadro biopsicossocial antes de qualquer terapia ortodôntica3,12. Em suma, avaliar a oclusão do paciente funcionalmente desde o diagnóstico inicial17,18 até o final do tratamento, incluindo a pós-contenção, e associar essas avaliações com os relatos do paciente em cada estágio para que o ortodontista possa observar o impacto do tratamento ortodôntico nas ATMs, pode ser de grande valia, uma vez que os sinais e sintomas da DTM são alteráveis, inconsistentes e efêmeros em muitos pacientes ortodônticos. Considerações finais 1. Não existiu uma relação na literatura de que o tratamento ortodôntico fosse capaz de tratar ou causar DTMs. Assim, é necessário que o ortodontista tenha maior atenção desde o exame inicial, buscando relacionar fatores locais e sistêmicos que possam acometer as ATMs. 2. O ortodontista tem papel fundamental na avaliação e diagnóstico das DTMs e deve ter conscientização da necessidade de uma equipe multidisciplinar para o tratamento completo das DTMs, objetivando, além da correção da má oclusão, o bem estar do paciente. 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