Os limites do conhecimento humano na filosofia kantiana: Beweisgrund e os Sonhos de um visionário Marcio Tadeu Girotti1 Resumo: Trata-se de uma argumentação acerca do papel da experiência no contexto da filosofia kantiana com ênfase na década de 1760. Os escritos em questão, Beweisgrund (1763) e Sonhos de um visionário (1766), apontam para a problematização da razão em seu campo lógico-conceitual na prova da existência dos objetos, bem como dos conceitos racionalmente constituídos. Com isso, buscamos elucidar a questão da experiência como limite para o conhecimento daquilo que se pode, de fato, conhecer. Nesse âmbito, apontamos os Sonhos como um escrito que poderia configurar a ‘virada crítica’ da filosofia kantiana, tomando a década de 1760 como um período que contém aspectos da filosofia crítica de Kant, inaugurado historicamente em 1770. Palavras-chave: Criticismo. Racionalismo dogmático. Experiência. Abstract: This is an argument about the role of experience in the context of the Kantian philosophy with emphasis on the decade of 1760. The writings in question, Beweisgrund (1763) and Dreams of a Visionary (1766), pointing to the problematization of reason in its logical-conceptual field in the proof of the existence of objects, such as the concepts rationally made. Therefore, we intend to clarify the question of experience as a limit for the knowledge of that what we can, in fact, know. In this context, we point out the Dream as a writing that could set the 'critical turn' of the Kantian philosophy, taking the decade of 1760 as a period which contains aspects of the critical philosophy of Kant, historically opened in 1770. Keywords: Criticism. Dogmatic rationalism. Experience. Introdução Para apontar os Sonhos como um escrito de cunho crítico e talvez como um escrito de virada crítica, deve-se ter como base três pontos básicos, a saber: a consciência da existência de dois mundos sensível e supra-sensível; os limites da razão e a caracterização do espaço e tempo como meios para se abarcar aquilo que é possível conhecer; esses três pontos desembocam na Dissertação de 1770 e também na Crítica. Levando isso em consideração, pode-se retomar o escrito de 1766, e perceber quais os temas ali tratados e remetê-los aos temas que serão abordados nas duas obras posteriores. Já é sabido que a distinção entre mundo sensível e mundo inteligível é a 1 Bacharel e Mestrando em Filosofia da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília. Orientador: Profº. Dr. Lucio Lourenço Prado. Email: [email protected]. Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 6 base da argumentação da “Dissertação de 1770”, além de espaço e tempo serem caracterizados como formas puras da intuição sensível do mesmo modo como encontramos na Crítica. Nesse sentido, pressupõe-se que os Sonhos é um escrito que poderia adiantar a argumentação acerca do espaço e tempo, bem como a existência de dois mundos distintos. Como fio condutor, é possível retomar o ponto chave do escrito de 1766 em relação à caracterização espaço-temporal. Lá, os visionários abarcavam seus objetos que transcendiam o mundo sensível por meio do espaço e tempo, uma vez que toda a descrição deles era possível colocando-os dentro das características espaço-temporal. Além disso, os visionários caíam em confusão ao utilizar espaço e tempo para abarcar coisas do mundo suprassensível, uma vez que estes são instrumentos da intuição sensível. Assim, parece que é em 1766 que Kant se dá conta de que espaço e tempo são responsáveis por aquilo que se pode conhecer, além de perceber que é o sujeito que possui as formas espaço-temporal. Com efeito, a obra Sonhos de um visionário possivelmente pode ser caracterizada como um escrito que se encaixa no contexto crítico se considerarmos o tema que concerne ao espaço e tempo e a distinção dos dois mundos; além dos limites da razão que configura de vez a obra com a possibilidade de ser caracterizada como o marco da virada crítica (se ela for considerada no contexto da idealidade do espaço e tempo e os limites do conhecimento). Só há uma coisa a dizer acerca dos limites do conhecimento humano com relação ao escrito de 1766 desembocando na Crítica de 1781: tudo aquilo que se quer conhecer está no campo sensível – na experiência – e isso já foi apontado no Beweisgrund e agora nos Sonhos, pois, quimeras são fantasias que transpostas para o campo sensível não passam de ilusões. Ou seja, se não está no espaço e no tempo e muito menos visível por todos não é possível de ser conhecido, e se alguém afirmar que vê e acredita ser verdadeiro é porque, segundo o próprio Kant, está comedido por alguma doença mental. Em outras palavras, é um louco. Beweisgrund e os Sonhos: o papel da experiência e os limites do conhecimento No Beweisgrund, Kant define, por um lado, que a existência é ‘posição absoluta’, por outro lado, ela não é predicado real, mas um predicado verbal que não Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 7 acrescenta nada ao conceito do objeto enquanto um simples possível. Deste contexto, pode-se tirar o argumento que aponta o estatuto da razão como impossibilitada de abarcar por meio de categorias lógico-formais a existência daquilo cujos conceitos são adquiridos por inferência. A razão poderia, portanto, engendrar conceitos através de inferências, mas não pode por meio delas provar que o conceito existe de fato, ou seja, a razão só dá conta da essência das coisas e não da existência das mesmas. Com essa afirmação, Kant desemboca no argumento do simples possível e da existência do mesmo no plano real, no campo da experiência. Sabe-se que o simples possível é um conceito que não se encontra em contradição, mas o mesmo pode possuir todos os atributos favoráveis à sua existência e mesmo assim não existir. Um exemplo seria o caso da sereia, uma mulher com rabo de peixe que existe enquanto conceito racional (criado pela própria razão), mas que nunca pôde ser observada no campo sensível (há quem diga que já viu, mas não existe prova concreta sobre isso). Tem-se que o conceito de sereia é um simples possível que não existe na realidade sensível, mas poderia um dia existir e, se existir de fato, não possuirá nada a mais do que possui enquanto conceito. Ou seja, a existência não é um atributo que pode ser acrescentado ao conceito, ela é a posição absoluta deste. Assim, se a existência é, segundo Kant, a posição absoluta de um objeto efetivo, tal objeto está posto, ele está no espaço, ele está na experiência sensível. Portanto, a experiência no contexto do Beweisgrund possibilita a validade do conceito de simples possível, e lembremos aqui que neste escrito Kant ainda não define espaço como forma da sensibilidade pura, mas o mesmo já está relacionado com a existência daquilo que nos aparece – representação dos objetos sensíveis. Em 1766, com os ‘Sonhos de um visionário’, Kant também atribui um papel importante à experiência e mesmo ao espaço, mas aqui o contexto ganha outra forma: os limites do conhecimento racional (aproximação mais estreita com os argumentos da Dissertação de 1770 acerca da existência de dois mundos e do espaço e tempo como formas da intuição pura). Nos Sonhos, Kant anuncia a aproximação da metafísica tradicional com as histórias do visionário Swedenborg, o qual acredita ultrapassar a barreira do sensível e atingir o mundo do suprassensível, além de trazer para o campo da experiência tudo Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 8 aquilo que lá observou ou mesmo contar o que ‘conversou’ com os espíritos. No escrito, o tratamento dado ao conceito de espírito pode ser aproximado ao contexto do Beweisgrund no que concerne a existência deste conceito racional. O espírito, definido como um ser imaterial que age sobre o corpo, existe enquanto conceito, mas nunca houve uma prova concreta sobre sua aparição. Segundo Kant, muitos utilizam tal conceito, afirmam sua existência, mas nenhum deles sabe definir o que é um espírito, como ele atua e como se dá a ligação entre o corpo material com esse ser imaterial, além da passagem do mundo sensível ao mundo suprassensível. Esse último passo é dado por Swedenborg e, segundo Kant, pela metafísica dogmática (Escola Leibniz-wolffiana), que fala de espírito e utiliza tal conceito sem a prova da sua existência e sem, ao menos, definir de forma clara o que é que seja tal ser. Considerando o papel da experiência em 1766, pode-se dizer que ela tem como função possibilitar a observação daqueles seres suprassensíveis que são trazidos ao campo da sensibilidade. Os visionários acreditam ver aquilo que observam no outro mundo e transportam essas quimeras dando-lhes formas estruturais configuradas no espaço e tempo. Ou seja, quando eles falam de seres que estão além da sensibilidade, os mesmos são postos no espaço (experiência) e são pensados através do tempo. Assim, as estruturas espaço-temporal que são utilizadas para abarcar objetos sensíveis são também utilizadas para abarcar objetos que transcendem a sensibilidade, causando as ilusões e a não distinção daquilo que é real com aquilo que é irreal (quimeras). Nesse sentido, Kant começa a esboçar os limites do conhecimento humano, mostrando que o conhecimento está com base naquilo que é possível conhecer, aquilo que pode ser dado na experiência sensível, além de observar que as estruturas espaçotemporal possibilitam a apreensão dos objetos sensíveis. Abaixo cito uma passagem retirada dos Sonhos que aponta o papel da experiência e a impossibilidade do conhecimento humano transpor a barreira do sensível: Agora, todo aquele que for racional logo se conformará com o fato de a compreensão humana chegar aqui a seu fim, pois somente através da experiência podemos dar-nos conta de que coisas do mundo, por nós chamadas materiais, possuem uma tal força [impenetrabilidade], mas jamais conceber a sua possibilidade. (KANT, 2005, p. 150, grifo do autor). Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 9 Tem-se, portanto, que o conhecimento humano prende-se ao sensível e necessita da experiência para provar aquilo que realmente é dado como existente. Na citação, Kant aponta a questão da impenetrabilidade, uma vez que os seres imateriais atuam no mesmo campo dos seres materiais sem preencher o espaço. Portanto, o ser material e imaterial ocupam um mesmo espaço e a força da impenetrabilidade deveria ali atuar, visto que ela é possível de ser observada na experiência (choque entre corpos materiais). Aqui, Kant busca afirmar que o ser material não causa resistência ao imaterial e este está no campo da experiência ao ocupar o corpo que é regido pela força da impenetrabilidade. Questão: como um ser pode ocupar o mesmo lugar de outro sem preencher o espaço? Esse é o problema que Kant aponta fazendo referência à força de impenetrabilidade, afirmando que no mundo residem coisas materiais e do resto não se pode saber, chegando a compreensão humana até o limite da experiência. Sabe-se que o problema do espaço na filosofia de Kant foi abordado ao longo dos escritos da modernidade pré-crítica. A maior ênfase deste assunto encontra-se na obra de 1756 “Monadologia Física”, com a tentativa de conciliação entre as teses leibnizianas e newtonianas, respectivamente, um espaço ideal-relativo e um espaço realabsoluto. Esta tentativa de conciliação, por parte de Kant, desembocou no aceite da tese do espaço relativo, porém, em 1768 (“Acerca do primeiro fundamento da diferença das regiões do espaço”) Kant retoma a tese do espaço absoluto. Aceitar a tese de Newton não levou Kant a abandonar, definitivamente, a tese do espaço de Leibniz, já que Kant engendra sua tese sobre o espaço tomando-o como ideal. Assim, é possível observar a construção do espaço kantiano como ideal-subjetivo, mostrando que o sujeito possui uma estrutura cognitiva espaço-temporal que permite abarcar os objetos da sensibilidade. Isso mostra o papel do sujeito no conhecimento do mundo e os limites desse conhecimento, tema que Kant aborda na “Dissertação de 1770” com a divisão entre mundo sensível e inteligível e espaço e tempo como formas da sensibilidade pura. Vimos nos Sonhos de um visionário, que a estrutura espaço-temporal era um dos meios para abarcar os objetos que transcendiam a experiência, uma vez que os visionários acreditavam transpor os objetos suprassensíveis para o campo da sensibilidade. Uma vez colocados no campo sensível tais objetos adquirem um ‘lugar’, portanto, estão colocados no espaço sendo pensados através do tempo. Ou seja, espaço e Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 10 tempo são abordados em 1766 como meios para se conhecer um objeto, caso este que será melhor engendrado na “Dissertação de 1770”. Nesse contexto, busca-se abordar o tema do espaço e tempo já na obra de 1766, na tentativa de mostrar que tal obra adiantaria, em certo sentido, alguns dos argumentos que Kant utilizará para construir sua tese sobre o espaço e tempo e sobre o modo de conhecer do sujeito cognitivo. Além disso, ao dar ênfase ao conhecimento daquilo que pode ser apresentado ao sujeito no campo sensível (por meio do espaço e tempo), Kant esboça os limites do conhecimento humano, articulando razão e sensibilidade ao afirmar que não se pode conhecer além do sensível, utilizando isso no enfrentamento das histórias fantasiosas de Swedenborg e nas provas mal fundamentadas daqueles que Kant intitulava como dogmáticos da razão. Assim, nos Sonhos, observa-se a articulação entre dois mundos: o que é possível de ser conhecido (sensível) e aquele que é suposto como existente (suprassensível), o qual a razão busca conhecer e cai em ilusão ao pretender ultrapassar os limites da experiência sensível. A divisão dos dois mundos é uma das teses presentes na “Dissertação de 1770” e os limites da razão enunciados nos Sonhos podem ser configurados em 1770 com a tese kantiana acerca do espaço e tempo como formas da intuição sensível, mantendo relação com a Faculdade do Entendimento e com a experiência sensível, ou seja, a intuição pura do sujeito faz a ‘ponte’ entre a sensibilidade e o entendimento. Considerando que os dois temas tratados na Dissertação de 1770 são apresentados nos Sonhos, ainda que aqui os argumentos não estavam bem definidos, pode-se dizer que a obra de 1766 marcaria a “virada crítica” da filosofia kantiana, ou ao menos, fecharia o período pré-crítico abrindo as portas para o criticismo, ou ainda adiantaria temas que serão encontrados e melhor trabalhados nas Crítica da razão pura. Em seu livro, Roberto Torretti afirma que “o período pré-crítico, em que Kant teria aderido à metafísica dogmática tradicional e que termina com o radicalismo dessa metafísica posta em questão nos Sonhos de um visionário [...]” (1980, p. 40, grifo do autor, tradução nossa), estaria encerrado com a obra de 1766 e a Dissertação de 1770 estaria como o escrito de passagem entre os dois períodos. Algo semelhante encontra-se em Jaume Pons, que considera o escrito de 1766 como a obra que mistura a metafísica com as fantasias de Swedenborg e aponta a crítica ao idealismo, culminando nos limites Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 11 da razão. Para Pons, os Sonhos é a obra que está mais próxima do criticismo presente na Crítica, pois é este o escrito que guarda o conteúdo que será tratado em 1781 (1982, p. 44). Além desses dois interpretes da filosofia kantiana, encontram-se também interpretes que possuem o mesmo ponto de vista, entre eles: A. Philonenko, DavidMénard, Lombardi e Daniel O. Perez. Ambos acreditam na possibilidade da obra de 1766 ser caracterizada como um escrito relevante dentro do período pré-crítico e que traz traços importantes que podem configurar o amadurecimento de Kant diante das questões abordadas na Crítica. Tomado dois argumentos que estão nos Sonhos e que voltam a ser abordados posteriormente com grande ênfase (espaço e tempo e limites do conhecimento), pode-se afirmar a possibilidade de aproximação entre eles (e a própria Dissertação de 1770) seguindo as palavras de Kant: Mas, como a filosofia que adiantamos era igualmente um conto do país das fadas da metafísica, não vejo nada de inconveniente em deixar aparecer a conexão entre um e outro. E por que então não deveria ser mais louvável deixar-se iludir pela confiança cega nos argumentos aparentes da razão do que imprudentemente dar fé a histórias enganosas. (2005, p. 194, grifo do autor). O que se observa na citação é a conexão entre os dois mundos (sensível e inteligível), possibilidade dada nos Sonhos – para soar como crítica à metafísica dogmática – e definitivamente não concedida na Dissertação de 1770, mas nos dois escritos o tema é o mesmo: os limites do conhecimento. Além disso, Kant articula a credibilidade das histórias fantasiosas com as provas dadas in abstrato pela metafísica tradicional, consolidando sua crítica com a ironia de chamar a filosofia como “um conto do país das fadas da metafísica”. O que se vê é a necessidade de se impor limites à razão que busca conhecer o outro mundo, além da busca por uma melhor fundamentação da metafísica. Lembre-se de que a metafísica nos Sonhos era a ciência dos limites da razão e na Crítica a metafísica será interrogada como uma possível ciência, aquela que Kant antes de 1770 acreditava não ter avançado, ou melhor, estar ainda tateando em meio a conceitos e provas confusas (1983, p. 11-12). Diante disso, Kant afirma: Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 12 Quem está de posse de meios mais fáceis que possam conduzir a esta compreensão, este não recuse seu ensinamento a alguém cioso de saber, diante de cujos olhos muitas vezes, no progresso da investigação, erguem-se Alpes, lá onde outros vêem um caminho plano e cômodo, no qual eles andam ou acreditam andar. (2005, p. 152). Pode-se perceber que Kant busca compreender o caminho percorrido pela metafísica e o porquê de suas teses serem tão confusas e incertas. A investigação kantiana para fundamentar a metafísica continua, e os “olhos que no progresso da investigação atingem Alpes” somente podem observar o terreno que a metafísica tradicional acredita ter: um bom alicerce para fundamentar suas teses. Conclusão Pode-se concluir que a pesquisa chega ao seu fim com pelo menos uma conclusão patente: a obra Sonhos de um visionário pode ser configurada como escrito de cunho crítico. Essa afirmação pode ser verdadeira ao considerar os dois argumentos que foram tomados no decorrer desse artigo como argumentos de cunho crítico, uma vez que os mesmos aparecem como tema principal na Dissertação de 1770. Na Crítica eles aparecem novamente no início da obra (Estética Transcendental) e na Dialética Transcendental. Os dois temas que foram considerados como argumentos pertencentes ao criticismo da filosofia kantiana, referem-se à teoria do conhecimento da filosofia transcendental de Kant. O espaço e tempo como formas da intuição sensível pura e os limites do conhecimento humano, foram abordados nos Sonhos em dois momentos: a passagem entre o mundo sensível e suprassensível com as histórias fantasiosas de Swedenborg (juntamente com a aproximação destas com as provas da metafísica dogmática); e, a apresentação dos objetos suprassensíveis no campo da experiência sensível, com o auxílio das estruturas espaço-temporal, que são utilizadas para o conhecimento sensível e não supra-sensível. Aqui, tem-se a ilusão ou loucura daqueles que acreditam transpor ao sensível aquilo que eles acreditam ver no outro mundo (quimeras). Ou seja, o limite do conhecimento está naquilo que se pode conhecer no sensível e o espaço e tempo possibilita este conhecimento. Vol. 2, nº 2, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 13 Nesse sentido, o escrito de 1766 pode ser caracterizado como a obra que antecipa conteúdos do período denominado como crítico, ao mesmo tempo em que fecha a modernidade pré-crítica abrindo as portas para a “Dissertação de 1770”. Essa obra (como marco da “virada crítica”) foi um assunto afirmado por Kant em 1797 em carta a Tieftrunk, o que não deixa dúvida sobre o início do criticismo, por parte de Kant, mas também deixa margem para a interpretação dos Sonhos como o escrito que fecha o período pré-crítico, já que a “Dissertação de 1770” é tomada como início de outra fase. Além disso, é possível que alguém queira interpretar a obra de 1768 (“Acerca do primeiro fundamento da diferença das regiões do espaço”) como uma obra que marca a passagem para o criticismo, uma vez que ela resgata a discussão sobre o espaço no contexto da problemática entre Leibniz e Newton (“Monadologia Física” – 1756), além de apontar a possível subjetividade do espaço – de modo mitigado. Com isso, pode-se dizer que o campo de interpretações da filosofia kantiana é vasto, mas não se pode perder de vista o amadurecimento do pensamento de Kant, além de considerar que os escritos pré-críticos possuem sua importância. Por outro lado, traçar um marco de ruptura entre uma filosofia e outra, serve, em alguns aspectos, para melhor entender a intenção do filósofo e buscar, ao menos, traçar a linha de pensamento deste, a fim de compreender todo o contexto e ampliação de sua filosofia. Por fim, a busca pela interpretação dos Sonhos de um visionário dentro do contexto da filosofia crítica de Kant conduz a outras interpretações e aproximações. Há também possíveis aproximações entre os Sonhos e a Crítica da razão pura (Dialética Transcendental), isso no contexto da ilusão de conhecer o mundo suprassensível. Tal tentativa de aproximação abre as portas para uma pesquisa que fundamente a Dialética Transcendental como uma ampliação da obra de 1766 (algo que pode ser compartilhado com Jaume Pons [1982, p. 44]), passando ainda pela quinta parte da “Dissertação de 1770”, a qual também faz referência à Dialética Transcendental. Ou seja, existem relações entre essas obras, existem pontos em comum entre os argumentos em diferentes etapas do amadurecimento da filosofia kantiana. Referências CAMPO, M. La genesi del criticismo kantiano. Varese: Editrice Magenta, 1953. CASSIRER, E. Kant, vida y doctrina. México: Fondo de Cultura Económica, 1948. 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