Teoria Geral do Serviço Social

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Teoria Geral do
Serviço Social
Professora conteudista: Viviane Junta
Sumário
Teoria Geral do Serviço Social
Unidade I
1 QUESTÃO SOCIAL................................................................................................................................................1
2 O SERVIÇO SOCIAL NA DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO: CONFIGURAÇÕES HISTÓRICAS ....6
3 CONCEITO DE TRABALHO E O TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA .................................. 16
4 TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL ................................................................................................................... 21
5 MERCADO DE TRABALHO: TRANSFORMAÇÕES CONJUNTURAIS E A INSERÇÃO DO
ASSISTENTE SOCIAL ............................................................................................................................................ 29
Unidade II
6 SERVIÇO SOCIAL E INSTRUMENTOS LEGAIS......................................................................................... 35
7 AS COMPETÊNCIAS DO ASSISTENTE SOCIAL E SUAS INSERÇÕES EM ESPAÇOS
SOCIOINSTITUCIONAIS ...................................................................................................................................... 41
7.1 Trabalho profissional: dilemas para reflexão ............................................................................. 50
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
Unidade I
1 QUESTÃO SOCIAL
As diretrizes gerais para o curso de serviço social,
preconizadas pela ABEPSS1, determinam que “o serviço
5 social se particulariza nas relações sociais de produção e
reprodução da vida social como uma profissão interventiva
no âmbito da questão social expressa pelas contradições do
capitalismo monopolista”(ABESS/CEDEPSS, 1997, p. 60 apud
Netto, 2004, p. 41).
É imprescindível, portanto, o aprofundamento no conceito
de questão social para a compreensão do trabalho do assistente
10 social.
Netto (2004) afirma que diversas são as compreensões acerca
da questão social, não sendo consensual o entendimento sobre
o conceito, o que demarca a necessidade de aprofundamento e
precisão nessa definição.
15
O autor retoma a história da expressão, datando o início de
sua utilização, há cerca de 170 anos, por diversos sujeitos do
cenário político.
A utilização do termo surge com as novas características da
20 pobreza e das desigualdades sociais, que, com a industrialização
na Europa, assumiram uma agudização até então desconhecida.
É certo que faz parte da história da humanidade as iniquidades
sociais, bem como as disparidades entre as classes, mas a
massificação e uma nova dinâmica deram um novo caráter à
pobreza no século XVIII (Netto, 2004, p. 42).
Associação Brasileira de Pesquisa e Ensino em serviço social,
anteriormente denominada como Associação Brasileira de Escolas de
lserviço social.
1
1
Unidade I
Essa pobreza caracterizava-se pela proporcionalidade
na relação: aumento da capacidade de produzir riqueza e
aumento de excluídos do acesso aos bens e serviços produzidos.
Assim, na medida em que o desenvolvimento das tecnologias
5 e das forças produtivas garantia a capacidade de aumento da
produção da riqueza, crescia também, e contraditoriamente,
a população extremamente pauperizada. Se, anteriormente,
a população experimentava a pobreza por uma escassez em
certa medida geral, que se determinava fortemente pelo
nível de capacidades das forças sociais e produtivas da
10 sociedade, o “pauperismo”, a agudização e generalização da
pobreza, trazia como dinâmica nova o alto desenvolvimento
das forças produtivas que poderiam reduzir ou acabar com a
pobreza (idem, p. 43).
A referência a esse pauperismo como questão social tem
significados políticos. Faz alusão a não aceitação da classe
pauperizada, que por diversos meios confrontou a ordem
burguesa então colocada. Não cabia, assim, a simples referência a
tal contexto como pauperismo, passando-se então à designação
20 de questão social (idem, 2004).
15
A história da utilização do termo demonstra que, se antes
a questão social era utilizada por diversos sujeitos na esfera
política, ela passa então a ser caracterizada a partir da segunda
metade do século XIX no âmbito do vocabulário mais conservador
25 (ibidem).
A consolidação da burguesia resulta na naturalização da
questão social no universo do pensamento conservador e
confessional; sua essência histórica é abandonada na medida
em que a manutenção da burguesia passa necessariamente
30 pela manutenção da questão social; passa-se então a uma
compreensão da questão social como processo naturalizado e
numa perspectiva moralizante, que demanda reformas morais
atinentes ao homem e à sociedade. (ibidem).
2
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
Demarca-se, portanto, uma compreensão liberal da
questão social que individualiza as desigualdades, remete
ao sujeito singular a responsabilidade sobre suas condições,
retirando do âmbito da história coletiva as determinantes
5 das condições sociais, econômicas, culturais, políticas de
uma classe. Possibilita, portanto, o entendimento de que o
enfrentamento às desigualdades deve acontecer no âmbito
da iniciativa individual e solidária, e não enquanto política de
Estado, reconhecedora de direitos. Por fim, esta perspectiva
elimina a compreensão da questão social enquanto questão
10 própria das relações capitalistas de produção.
Por outro lado, um olhar marxista sobre a questão social traz
a seguinte definição:
15
20
O
desenvolvimento
capitalista
produz,
compulsoriamente, a “questão social” – diferentes
estágios
capitalistas
produzem
diferentes
manifestações da “questão social”; esta não é uma
sequela adjetiva ou transitória do regime do capital:
sua existência e suas manifestações são indissociáveis
da dinâmica específica do capital tornado potência
social dominante. A “questão social” é constitutiva
do desenvolvimento do capitalismo. Não se suprime
a primeira conservando-se o segundo (Netto, 2004,
p. 45).
Tem-se, então, o entendimento de que a exploração de
certa classe social por outra é o motor da questão social. A
relação de exploração e de escassez de bens e serviços da
classe expropriada é produzida na sociedade burguesa pela
propriedade privada do excedente socialmente produzido e
30 pelas decisões acerca de sua destinação (idem, 2004).
25
Mudanças radicais, no sentido de atingir as raízes do
problema, não são possíveis dentro do sistema capitalista.
3
Unidade I
O desenvolvimento do capitalismo no pós-Segunda Guerra
Mundial, bem como o Welfare State europeu deram espaço para
o entendimento de que a questão social chegara a seu “fim”.
Desse modo, quando cessou o movimento de expansão do
capitalismo e as políticas neoliberais se estabeleceram, deu-se
5 início à ideia de uma “nova questão social” (ibidem).
Netto (2004) afirma a inexistência de uma “nova questão
social”, mas destaca a existência de mediações diversas. Indica
que há uma “lei geral” de acumulação do capitalismo, mas que
a análise da realidade deve contemplar as particularidades
10 histórico-culturais e nacionais.
Iamamoto (2002) sintetiza essa “lei geral” e algumas
mediações:
15
20
25
A questão social diz respeito ao conjunto das
expressões das desigualdades sociais engendradas
na sociedade capitalista madura, impensáveis
sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese
no caráter coletivo da produção, contraposto à
apropriação privada dos (sic) da própria atividade
humana – o trabalho -, das condições necessárias
à sua realização, assim como de seus frutos. [...]
A questão social expressa, portanto, desigualdades
econômicas, políticas e culturais das classes sociais,
mediatizadas por disparidades nas relações de
gênero, características étnico-raciais e formações
regionais, colocando em causa amplos segmentos
da sociedade civil no acesso aos bens da civilização
(Iamamoto, 2002, p. 20-21).
A observação das mediações que condicionam a questão
social deve compor a postura, o olhar que empregamos para sua
30 análise. Caso essas mediações não sejam apreendidas, incorre-se
o risco de detalhar-se uma perspectiva a-histórica, que não
compreende as transformações históricas e as mediações
4
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
relativas à questão social, não remete à concreticidade da
questão, impossibilitando assim a apreensão da realidade, pois
se apresenta descolada desta, remetendo-se ao âmbito das
análises exclusivamente teóricas.
5
Uma perspectiva a-histórica possivelmente faria referência
ao “núcleo duro” do que constitui a questão social, o qual, a
contradição capital/trabalho, determinante da apropriação pelo
proprietário do valor do trabalho produzido pelo trabalhador,
resulta em acúmulo para alguns e miséria para outros.
10 Entretanto, não compreenderia as mediações que possibilitam
entender como a questão social se expressa no contexto atual,
tanto global como particular.
Atualmente, a questão social apresenta-se caracterizada
15 pela criminalização da pobreza e focalização das políticas
de enfrentamento às desigualdades; seu enfrentamento
tem-se dado nas ações de repressão/focalização. A pobreza
é apreendida como caso de polícia, se estabelecendo uma
compreensão da classe trabalhadora como classe perigosa e
não mais laboriosa. O Estado não apresenta uma sistemática
20 política de enfrentamento das condições de pobreza da
classe trabalhadora, sua resposta se dá por meio de políticas
focalizadas ou do aparato coercitivo do Estado (Iamamoto,
2002). Programas como as diversas “Bolsas”, provenientes
desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, devem
25 ser objetos de uma perspectiva crítica e atenta por se
movimentarem no espaço das políticas focalizadas.
São mediações da questão social no contexto atual: o
capital financeiro especulativo, desfocado do âmbito da real
30 produção; a flexibilização do trabalho, caracterizada por
novas relações de gestão, diminuição dos postos de trabalho,
terceirização, transformações no mundo e na demanda
de trabalho, devido aos avanços tecnológicos; políticas de
caráter neoliberal, entre outras (Iamamoto, 2002).
5
Unidade I
Essas mediações podem ser sintetizadas como: as
transformações do mundo do trabalho, e a “perda dos padrões
de proteção social dos trabalhadores e dos setores mais
vulnerabilizados” (Yasbek, 2004, p. 33).
5
É essencial não confundir ou mesmo igualar conceitos como
pobreza, desigualdade social, exclusão social, problemas sociais
à questão social. Estes primeiros seriam expressões da questão
social. Podemos, por exemplo, pensar na desigualdade social,
que faz referência à situação hierárquica que se estabelece entre
diferentes classes sociais; já a questão social remete ao processo
10 determinador dessa desigualdade.
O cotidiano de vulnerabilidades atendido pelo assistente
social torna necessária a compreensão da questão social, já
que essas vulnerabilidades são expressões da questão social. É
devido ao próprio advento e ao processo histórico da questão
15 social que surge o serviço social, que recursivamente toma a
questão social como objeto de sua ação.
2 O SERVIÇO SOCIAL NA DIVISÃO SOCIAL DO
TRABALHO: CONFIGURAÇÕES HISTÓRICAS2
20
As profundas transformações engendradas pelo capitalismo,
mais especificamente da primeira metade do século XIX,
estabelecem-se como um marco, uma ruptura nos modos de
vida, no contexto social. Esta história teve início com o fim
do feudalismo, mas é a Revolução Industrial que apresenta
os determinantes essenciais para o impacto do capitalismo na
história. De acordo com Martinelli (2007, p. 54), “o capitalismo
gera o mundo da cisão, da ruptura, da exploração da maioria
25 pela minoria, o mundo em que a luta de classes se transforma na
luta pela vida, na luta pela superação da sociedade burguesa”.
A barbárie imposta pelo capitalismo provocou a reação dos
trabalhadores, que se colocavam contra o domínio do capital e
30 das máquinas. Essa revolta se inicia juntamente com o processo
Este item foi elaborado tendo por base a obra Serviço social:
identidade e alienação, de Maria Lúcia Martinelli.
2
6
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
de acumulação primitiva, caracterizada pela ruptura entre o
camponês e a terra, e pela criação de uma mão de obra livre.
A expansão do mercado exigia um grande contingente de
5 mão de obra, de trabalhadores livres. Para tanto, era necessário
revogar a legislação da época, que previa punições severas aos
trabalhadores que a transgredissem. Essa legislação data dos
séculos XV e XVI e determinava, de modo geral, a subordinação do
servo ao senhor feudal, não podendo aquele circular livremente
(Martinelli, 2007).
10
Desse modo, a classe burguesa passa a encampar a luta pela
liberdade de trabalho, de comércio e mesmo religiosa da classe
trabalhadora, colocando essa como a luta pela liberdade de todos.
Observa-se, entretanto, que esta não passa de uma estratégia
mercantilista, já que o crescimento do capital dependida de
15 uma grande quantidade de mão de obra, inclusive de reserva.
A bandeira de liberdade para todos escondia a profunda
desigualdade social, dissimulando ainda “sua real intenção de
promover a livre circulação do trabalhador, metamorfoseando-o
em mercadoria” (Martinelli, 2007, p. 56).
20
Por interesse da burguesia, no início do século XIX, o Estado
baixou o custo de gêneros alimentícios e outros que faziam
parte da subsistência dos trabalhadores no sentido de baratear
os salários, significando, por fim, uma redução de custos para a
classe burguesa, bem como a garantia da existência do exército
25 de reserva (Martinelli, 2007).
É importante observar nesse contexto o caráter
contraditório das relações e “conquistas”. A liberdade que
se apresenta como grande avanço para classe trabalhadora,
e em grande medida o é, caracteriza-se também por ser
30 uma liberdade retórica, na medida em que o trabalhador
depende das condições do mercado para sobreviver, depende
de outrem para garantir sua sobrevivência, não possuindo
autonomamente as condições necessárias para tanto.
7
Unidade I
É relevante perceber como o processo de ruptura deste
trabalhador com a terra o privou do acesso às condições
mínimas de sobrevivência. Verifica-se que a burguesia
promoveu esta “conquista” transmutando-a em conquista
5 do trabalhador, demarcando um processo ideológico3 que
incessantemente percorre nossa realidade.
No século XVI, promulgou-se a Lei dos Pobres, que
permaneceu ativa por muitos séculos. Ela determinava o
confinamento em Casas de Correção dos que recebiam
10 assistência do Estado. As Casas de Correção abrigavam homens
e mulheres que recusavam alguma proposta de trabalho, seja
ela qual fosse. Nas Casas de Correção, eles eram obrigados
a realizar todo tipo de trabalho, sendo destituídos de sua
cidadania econômica, e ficavam à disposição do Estado. A
15 pobreza era aqui compreendida como um problema de ordem
moral, de caráter. Ao trabalhador cabia sua inserção no mercado
de trabalho ou a perda de sua cidadania econômica, o que o
tornava coisa pública (Martinelli, 2007).
As lutas dos proletários se intensificavam, mas enfrentavam
20 também grandes derrotas e barreiras, como o Estatuto dos
Trabalhadores, de 1349, que não permitia reivindicações
quanto ao salário e à organização do processo de trabalho. Os
movimentos operários reclamavam a diminuição da jornada de
trabalho, a regulamentação do trabalho, o atendimento às suas
25 necessidades. Na França, em 1848, regulamentou-se a jornada
de 12 horas. Em 1850, determinou-se na Inglaterra a jornada
de 10 horas e a jornada do trabalho infantil, e, em 1870, a luta
dos trabalhadores fez com que o Estado assumisse a educação
básica (ibidem).
30
A expansão do capitalismo marcava o crescimento e
aprofundamento dos problemas sociais, os centros urbanos
apresentavam de maneira marcante um quadro de pobreza
(ibidem).
Processos ideológicos são caracterizados pela ocultação, pelo
obscurecimento, de determinada realidade. Apresenta-se certo fato de uma
maneira que não é possível facilmente verificar o que realmente o move, o
que o define.
3
8
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
Esse contexto representava problemas para a
autopreservação do capitalismo; era necessário ocultar
a exploração, a dominação, a generalização da miséria,
promovidas por ele, para que este sistema se estabelecesse
(ibidem).
5
10
15
20
25
Era crucial para o capitalismo manter sempre
escondida, ou no mínimo dissimulada, essa
massacrante realidade por ele produzida, evitando
que suas próprias condições e antagonismos
constituíssem fatores propulsivos da organização do
proletariado e da estruturação de sua consciência
de classe. De acordo com a moral burguesa, era
preciso, ao contrário, generalizar a imagem do
capitalismo como um regime irreversível, como uma
ordem social justa e adequada, enfim, como um
ponto terminal da história da humanidade. Manter
intocada a sociedade burguesa e a ordem social por
ela produzida era um verdadeiro imperativo para
a burguesia. Para tanto, tornava-se indispensável
recorrer a estratégias mais eficazes de controle
social, capazes de conter o vigor das manifestações
operárias e a acelerada disseminação da pobreza e do
conjunto de problemas a ela associados (Martinelli,
2007, p. 61).
Observando as relações que historicamente compuseram
o cenário da exploração e da produção das coisas, o escravo
e o senhor, o plebeu e o nobre, o vassalo e o suserano,
conclui-se que as práticas de assistência, que ratificavam
a exploração, são condição de continuidade da servilidade
(Martinelli, 2007).
30
Ainda, o processo de alheamento da realidade, a ruptura
que se realiza entre esta e o homem, próprio da sociedade
onde há a propriedade privada e/ou a alta divisão do trabalho,
não permite a compreensão de que as construções sociais são
9
Unidade I
realizadas pelo homem, de que a realidade é fruto da ação
humana.
No seio da burguesia, a alienação consiste na ocultação
5 do fato de que os processos por ela engendrados são prenhes
de dominação, exploração, transgressões de direitos sociais.
Para esta classe, representa um olhar de naturalização sobre
a realidade, o alheamento dos processos históricos, o que
justificaria a existência da pobreza e o constante avanço do
capital.
10
Para a classe trabalhadora, o processo de alienação consiste
numa relação objetiva/subjetiva. Trata-se da sua ruptura com
as condições que lhe permitem a sobrevivência. Nesse sentido,
configura-se mesmo como usurpação do seu acesso à terra,
15 às tecnologias e aos instrumentos, e, fundamentalmente, ao
fruto do seu trabalho. A própria vida do trabalhador já não o
pertence, este não possui autonomia sobre ela, o seu tempo
também pertence a outrem. Este processo, mediatizado por
outros, provoca igualmente o processo de estranhamento do
trabalhador diante a realidade, uma não compreensão de sua
20 essencialidade histórica.
25
Separar o trabalhador dos meios de produção, levá-lo
à alienação de sua própria força de trabalho, exercer
um rigoroso controle sobre seus movimentos, seja
no interior da fábrica, seja no contexto social mais
amplo, eram, entre outros, os mecanismos usuais
dos quais a burguesia se valia para consolidar o seu
poder de classe e fortalecer a malha alienante que
envolvia a sociedade por ela engendrada (Martinelli,
2007, p. 62).
30
Era interessante, portanto, a racionalização da assistência
enquanto ferramenta auxiliar no processo de consolidação do
capitalismo. Para tanto, a burguesia se aproximou da filantropia,
mais especificamente da Escola Filantrópica, que possuía
10
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
fundamentação idealizada. Ela colocava como norte de sua
ação uma sociedade em que todos eram burgueses, mas não
apreendia as contradições da realidade concreta, desse modo,
não objetivava nenhuma alteração substancial na ordem social4
(Martinelli, 2007). A burguesia associou-se ao Estado e à Igreja
5 para constituir a racionalização da assistência.
Na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, os
“reformistas sociais”, grupos formados por pessoas da alta
burguesia ligados à Igreja e com apoio das autoridades locais,
10 se propunham a reformar a assistência inglesa. Os burgueses
apoiavam essa iniciativa, compreendendo que ela poderia
amenizar as ameaças à ordem burguesa diante da expansão da
pobreza e a insatisfação da classe trabalhadora (ibidem).
As práticas filantrópicas eram marcadas pelos interesses da
15 burguesia e se engendravam de acordo com as necessidades
próprias da classe burguesa. O discurso de igualdade e harmonia
entre as classes, de real interesse da burguesia pelas condições
da classe trabalhadora, buscava a “sujeição do trabalhador
às exigências da sociedade burguesa constituída (...), [a]
desmobilização de suas reivindicações coletivas” (Martinelli,
20 2007, p. 65).
As décadas de 1850 e 1860 foram marcadas pela retração
da economia capitalista, pela intensificação da pobreza, do
desemprego, da fome e, ainda, pela retomada do poder sindical,
por um novo avanço do movimento dos trabalhadores. Diante
25 de tal contexto:
Burguesia, Igreja e Estado uniram-se em um compacto
e reacionário bloco político, tentando coibir as
manifestações dos trabalhadores eurocidentais,
impedir suas práticas de classe e abafar sua
expressão política e social. Na Inglaterra, o resultado
material e concreto dessa união foi o surgimento da
Sociedade de Organização da Caridade em Londres,
30
Os teóricos da época, em especial Adam Smith e Ricardo,
distinguiam duas escolas teóricas de enfrentamento à questão social, a Escola
Humanitária e a Escola Filantrópica. A Escola Humanitária compreendia o
lado ruim dos modos de produção e recomendava uma amenização das
relações de exploração, a Escola Filantrópica pautava o já colocado.
4
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Unidade I
5
10
em 1869, congregando os reformistas sociais que
passavam agora a assumir formalmente, diante da
sociedade burguesa constituída, a responsabilidade
pela racionalização e pela normatização da prática
da assistência. Surgiam, assim, no cenário histórico
os primeiros assistentes sociais como agentes
executores da prática da assistência social,
atividade que se profissionalizou sob a denominação
de “Serviço social”, acentuando seu caráter de prática
de prestação de serviços (Martinelli, 2007, p. 66, grifos
do autor).
O serviço social surge como profissão no seio da sociedade
capitalista enquanto mecanismo de controle social e traz em seu
bojo os elementos da “alienação, contradição, antagonismo”,
15 próprios do contexto em que se desenvolveu. O serviço social
estabeleceu uma identidade com o capitalismo industrial, já
que nele se gestou. Procurou, então, se afirmar “como uma
prática humanitária, sancionada pelo Estado e protegida pela
Igreja, como uma mistificada ilusão de servir” (Martinelli, 2007,
p. 66).
20
Dentre as outras ilusões criadas pelo capitalismo, o serviço
social surge como mais uma ilusão que objetivava obscurecer
as relações, as leis e os processos deste sistema de produção.
Tem sua identidade atribuída pela repressão e pelo controle, mas
cultuada como instrumento que servia à classe trabalhadora; a
25 ilusão de servir era também a ilusão da classe trabalhadora de
ser servida (Martinelli, 2007).
É importante ter bastante claro o processo de fetichização
e alienação que perpassam as contradições que engendram
30 a história. O surgimento da assistência pública, as relações
de opressão, de acumulação, de desigualdade sofrem o
obscurecimento proveniente dos diferentes interesses em
jogo, da complexidade que as relações assumem, de suas
próprias contradições. Assim, os sujeitos que compõem
12
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
este cenário nem sempre têm clareza dos objetivos,
das finalidades, dos resultados das práticas às quais se
propõem.
5
A inserção do serviço social, em especial no capitalismo
maduro, caracteriza certo papel para este no contexto da
produção; papel que não se refere apenas à dimensão ideológica,
mas também às possibilidades de produção e reprodução da
classe trabalhadora. Os benefícios e serviços oferecidos à classe
trabalhadora contribuem para sua subsistência. O assistente
10 social faz parte, portanto, de um processo de trabalho criador
de valor, pertencente ao processo de criação da mais-valia5.
O assistente social se insere no mercado como profissional
que vende sua força de trabalho, portanto, trabalhador
15 essencialmente assalariado. A condição de assalariamento
faz com que o assistente social “precise” se articular a outras
forças produtivas sob o domínio de certa classe. Esta se
constitui em umas das principais determinantes da inserção do
assistente social na divisão do trabalho, visto que as relações se
desenvolvem a partir da posição que se ocupa no processo de
20 produção (Guerra, 2007).6
O serviço social, portanto, surge dentro de uma racionalidade
burguesa, quando o Estado assume a responsabilidade de dar
respostas à questão social. Apresenta, desse modo, a função de
integrar a classe trabalhadora à ordem vigente. Nesta lógica,
25 a eficácia do serviço social é medida a partir das mudanças
realizadas na vida de seus usuários e de sua capacidade de
integrá-los à lógica do capital (Guerra, 2005).
(...) Há que se refletir sobre a contradição que a
própria razão de ser do Serviço social porta, qual
30
A mais-valia diz respeito ao processo essencial de exploração do
trabalhador; neste, o trabalhador produz por meio de sua força de trabalho
determinado valor, mas apenas uma parte é repassada a ele. Por exemplo,
em dez dias, o trabalhador produz o valor suficiente para pagar seu salário, o
restante dos dias em que trabalha por força do contrato estabelecido com o
empregador irá produzir valor a ser apropriado pelo patrão. A compreensão
da mais-valia demonstrou cientificamente o processo de exploração do
trabalho.
5
Este tema é aprofundado na Unidade II desta apostila.
6
13
Unidade I
5
10
seja, o processo de interesses e demandas das classes
sociais que se antagonizam no processo produtivo
capitalista. Aqui, a contradição se localiza no fato
de que o Serviço social, embora se constituindo em
estratégia de enfrentamento do Estado no tratamento
das questões sociais e instrumento de contenção das
mobilizações populares dos segmentos explorados,
tem sua gênese vinculada à produção desse mesmo
segmento populacional. A mesma lei geral que produz
a acumulação capitalista, para o que, necessariamente,
tem que produzir e manter uma classe da qual possa
extrair um excedente econômico, cria os mecanismos
de manutenção material e ideológica dessa classe,
dentre eles o serviço social (Guerra, 2007, p. 153).
15
Iamamoto (2004), demarcando o trabalho do assistente
social como uma “especialização do trabalho coletivo”, analisa
sua função no “processo de reprodução das relações sociais”,
entendida como a reprodução material da vida, mas também
como reprodução da consciência social, ou seja, reprodução das
maneiras como se apreende as condições materiais da vida, o
20 que cria e recria as relações de classe, suas correlações de poder
e hegemonia.
A compreensão essencial que se deve ter é do caráter
contraditório da profissão, que se insere na divisão social do
25 trabalho a partir da existência da demanda por reproduzir
as desigualdades sociais, as explorações entre as classes, mas
que, historicamente, construiu um projeto ético-político que
propõe o rompimento dessas relações. É essencial destacar
que o caráter contraditório da profissão é o próprio caráter
30 contraditório da realidade, o que indica que os serviços sociais
possibilitam também certa ampliação de acessos e qualidade de
vida, e se pautam no âmbito do direito da classe trabalhadora.
A contraditoriedade da realidade possibilita caminhos para a
busca de ampliação dos direitos, da participação política e das
transformações sociais.
14
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
Síntese da Unidade I
• Há diversas compreensões sobre o conceito de questão social, o
que exige precisão e uma definição.
1 Questão social
• O conceito data do século XIX e faz referência à nova dinâmica da
pobreza, então em constituição.
• Essa nova dinâmica compõe-se do crescimento das possibilidades
de superação da pobreza, advindas do aumento da capacidade de
produção da riqueza e dos contraditórios aumento e generalização
da miséria.
• O que se apresenta no cerne dessa nova dinâmica é a contradição
capital/trabalho.
• A compreensão da questão social deve ser historicizada.
• A perspectiva histórica faz referência à apreensão das diferentes
mediações que compõe a questão social e ao seu contexto
concreto e singular.
• A questão social está na essência do surgimento do serviço social.
3 Serviço social na divisão social
do trabalho: configurações
históricas
2 Serviço social na divisão social do trabalho:
configurações históricas
• A questão social e suas expressões são o objeto do trabalho do
assistente social.
• O século XIX apresenta um marco na história: o capitalismo
transforma profundamente o contexto social. A Revolução
Industrial caracteriza este marco.
• A exploração de classes configura um contexto de barbárie.
• Trabalhadores se revoltam diante essa realidade.
• Caracterizam esse contexto: a ruptura da relação trabalhador/
campo e a constituição da mão de obra “livre”.
• Lutas burguesas se apresentam como lutas pelo bem comum,
disfarçando o caráter de lutas pelos seus interesses.
• As conquistas advindas desses processos são contraditórias e
significam, em alguma medida, avanços para a classe trabalhadora.
• São elementos essenciais desse contexto: aumento da miséria;
luta dos trabalhadores por dignidade; luta da burguesia pela
consolidação do capitalismo.
• Apresenta-se como instrumento de consolidação do capitalismo: a
fetichismo e a alienação.
• A assistência pública se apresenta como mais um instrumento de
controle social, uma mediação que atenua a desigualdade social.
• O serviço social surge nesse contexto como instrumento de
controle social, cultuado pela a ilusão de servir o trabalhador.
• O serviço social se insere na divisão social do trabalho também
como instrumento de produção e reprodução do valor na medida
em que contribui para a sobrevivência do trabalhador.
• O serviço social possui um caráter contraditório, que possibilita
uma atuação pautada na superação das desigualdades e
explorações.
15
Unidade I
3 CONCEITO DE TRABALHO E O TRABALHO NA
SOCIEDADE CAPITALISTA
O trabalho é aqui entendido como a ação pela qual o
homem intervém na natureza, na realidade, em busca de sua
sobrevivência, sendo a atividade diferencial do ser humano em
relação aos outros animais. O homem é o único animal que
produz sua vida, sua sobrevivência, especialmente nos níveis de
complexidade hoje alcançados. Diante de um contexto natural
adverso, o ser humano criou uma alta capacidade de intervenção
na natureza, modificando-a e modificando a si próprio, e a sua
realidade.1
O trabalho é a “fonte originária, primária, de realização
do ser social, protoforma da atividade humana, fundamento
ontológico básico da omnilateralidade humana” (Antunes,
2003, p. 167). Ao nos referirmos genericamente ao trabalho
não estamos nos referindo ao trabalho na sociedade capitalista,
baseado na exploração, alienação, assalariamento, trabalho que
existe devido à necessidade de produção de valores de troca e
não de uso2. A compreensão do que é o trabalho não deve se
limitar ao trabalho assalariado, característico da sociedade do
capital, como se esta fosse a única forma de trabalho possível
(Antunes, 2003).
A capacidade teleológica do ser humano, isto é, a capacidade
de prever, de planejar os objetivos de sua ação, caracteriza a sua
ação. Tornou possível, por exemplo, desde o desenvolvimento
das técnicas simples de criação de ferramentas até a
nanotecnologia.
A capacidade humana de prever o trabalho em suas fases
e de constituir um objetivo torna o homem um ser social, o
emancipando do universo puramente biológico; extrapola o
âmbito das respostas às necessidades naturais; permite ao
homem criar uma autonomia sobre sua atividade, além de se
reconhecer.
O conceito aqui definido tem por referência o pensamento marxista.
Valor de troca se refere ao valor que determinado produto
tem em relação a outro, valor este definido pela quantidade de trabalho
empreendido naquele, e pelo o que socialmente se convencionou; o valor de
uso é imediato, alude à utilidade de determinado produto.
1
2
16
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
A intervenção na natureza por meio do trabalho não
modificou somente o universo material do homem. Essas
mudanças na relação com a natureza possibilitaram, por
exemplo, que o homem abandonasse sua condição de
nômade, fixando-se, o que provocou mudanças nas relações
5 sociais, culturais etc.
Tem-se, portanto, o trabalho como elemento central
da vida humana, porque é intrínseco à sua sobrevivência,
elemento determinante das transformações da sociedade. Toda
a história humana se fez no processo de relação do homem
10 com a natureza por meio do trabalho: o homem em sociedade
construiu a “natureza” humana, sua cultura, seus modos de viver,
de se relacionar, o que compreende, entre outras, as dimensões
políticas, sociais, culturais, da sociedade.
É essencial entender a diferencia existente entre o trabalho
15 genérico, atividade central da vida humana, e o trabalho
assalariado, específico do modo de produção capitalista.
Antunes (2003), baseado em Mészáros, debate a submissão
do trabalho ao capital na ordem hoje estabelecida. Submissão
que se constituiu historicamente por meio de determinada
20 divisão social, que não se apresenta como ontologicamente
imutável.
Delimita ainda características próprias do trabalho
enquanto atividade preservadora da vida individual e
25 societária, autorreprodutora e produtora da vida. Estas
características se referem à compreensão do homem como
ser natural, que realiza suas necessidades por meio de sua
relação com a natureza, e à constituição própria do ser
humano, que não possibilita uma relação com a natureza
sem mediações.
30
O trabalho, portanto, em seu sentido ontológico, possuiria
algumas funções de mediações, caracterizadas como primárias
17
Unidade I
(Antunes, 2003). Estas funções de mediação primária ou de
primeira ordem seriam:
5
10
15
20
25
1. a necessária e mais ou menos espontânea regulação da
atividade biológica reprodutiva em conjugação com os
recursos existentes;
2. a regulação do processo de trabalho, pelo qual o necessário
intercâmbio comunitário com a natureza possa produzir
os bens requeridos, os instrumentos de trabalho, os
empreendimentos produtivos e o conhecimento para a
satisfação das necessidades humanas;
3. o estabelecimento de um sistema de trocas compatível
com as necessidades requeridas, historicamente mutáveis
e visando otimizar os recursos naturais e produtivos
existentes;
4. a organização, coordenação e controle da multiplicidade
de atividades, materiais e culturais, visando o atendimento
de um sistema de reprodução social cada vez mais
complexo;
5. a alocação racional dos recursos materiais e humanos
disponíveis, lutando contra as formas de escassez, por
meio da utilização econômica (no sentido de economizar)
viável dos meios de produção, em sintonia com os
níveis de produtividade e os limites socioeconômicos
existentes;
6. a constituição e organização de regulamentos societais
designados para a totalidade dos seres sociais, em
conjunção com as demais determinações e funções de
mediação primárias (Antunes, 2003, p. 20).
Essas mediações não exigem relações de hierarquia ou
30 subordinação, como as mediações de segunda ordem,
determinadas pelo capital (Antunes, 2003).
18
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
O autor delimita algumas “regras gerais” que balizariam
o desenvolvimento do trabalho genérico, da atividade
humana de produzir e reproduzir a vida, o que não
necessitaria de uma ordem em que houvesse exploração,
5 conforme explicitado acima. Essas regras se refeririam a
algumas demarcações, como as regulações no âmbito da
reprodução humana, tendo por parâmetro os recursos
existentes; e às disposições sobre o intercâmbio do trabalho
comunitário com a natureza, no qual fosse possível suprir
as necessidades.
10
As mediações da relação homem/natureza, advindas do
capitalismo, são específicas de determinado período histórico,
configurando uma estrutura societal na qual todas as relações,
das familiares às de produção, estão subordinadas à expansão
do capital (Antunes, 2003).
15
20
25
30
Nessa estrutura, as mediações são outras:
1. a separação e alienação entre o trabalhador e os
meios de produção;
2. a imposição dessas condições objetivadas e
alienadas sobre os trabalhadores, como um poder
separado que exerce o mando sobre eles;
3. a personificação do capital como um valor egoísta
– com sua subjetividade e pseudopersonalidade
usurpadas – voltada para o atendimento dos
imperativos expansionistas do capital;
4. a equivalente à personificação do trabalho, isto
é, a personificação dos operários como trabalho,
destinado a estabelecer uma relação de dependência
com o capital historicamente dominante: essa
personificação reduz a identidade do sujeito desse
trabalho a suas funções produtivas fragmentárias
(Antunes, 2003, p. 21-22).
19
Unidade I
Essas mediações subsumem as primeiras, alterando-as
segundo a lógica do lucro, nesta “as funções produtivas e de
controle do processo de trabalho social são radicalmente
separadas entre aqueles que produzem e aqueles que controlam”
(Antunes, 2003, p. 22).
5
Já não se tratam de regras que genericamente abordam a
produção e reprodução da vida, mas de regras que determinam
a exploração da classe trabalhadora, a apropriação de sua
força de trabalho e do produto deste trabalho, a alienação
do trabalhador em relação à sua força de trabalho e ao
10 produto desta, ou seja, a não propriedade de grande parte
da sociedade sobre sua própria vida, os meios de produzi-la
e reproduzi-la.
Essas diferenciações entre o trabalho como atividade
humana genérica, e suas especificações no contexto capitalista
15 são importantes para delimitar a compreensão do conceito de
trabalho e férteis para as delimitações sobre o serviço social
enquanto trabalho inserido em processos de trabalho.
Antunes (1995) retoma Marx para distinguir trabalho
abstrato de trabalho concreto. O trabalho abstrato refere-se
20 à produção de valores de troca, trabalho este que envolve
atividades fisiológicas do ser humano, mas que se dá a partir
do valor socialmente determinado. Trabalho concreto também
envolve as atividades físicas ou intelectuais do homem, mas é o
que produz valor de uso, é o trabalho útil e concreto.
25
Essas definições são importantes em um contexto onde
alguns proclamam o fim do trabalho. O trabalho concreto,
compreendido como atividade humana essencial, nunca deixará
de ser parte constante da vida humana. O trabalho definido
com abstrato, por ser característico de uma sociedade que tem
30 por racionalidade a produção de mercadoria, de valor, pode ser
superado em uma sociedade de trabalhadores associados, onde
a racionalidade seria a satisfação das necessidades humanas.
20
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
Mesmo se considerarmos somente o trabalho abstrato, é
imprescindível termos o entendimento de que a sociedade
capitalista baseia-se na exploração do trabalho, na apropriação do
valor criado pelo trabalho do outro, no caso, a classe proprietária
5 apropriando-se do valor produzido pelo trabalhador. Ainda que
hoje vivamos um contexto de descarte de um enorme potencial
de trabalho vivo, compreende-se que o trabalho abstrato é o
elemento estruturante da sociedade de classes, o que demonstra
a irrealidade de se proclamar o fim do trabalho.
10 4 TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL3
Iamamoto (2005) defende a necessidade de compreender-se
a prática profissional do assistente social como trabalho, o que
não implica somente uma nova maneira de abordar a questão,
15 um novo vocabulário. A autora relata que na década de 1980,
ao se abordar a prática do profissional, fazia-se referência às
atividades do assistente social e a elementos constituintes dessa
prática como elementos exteriores a ela, tais como a dinâmica
institucional, os recursos da instituição etc.
A compreensão da prática profissional enquanto trabalho
20 dá-se a partir do entendimento da centralidade do trabalho na
vida humana, conforme especificado no item acima, tanto como
trabalho concreto quanto como trabalho abstrato, no contexto
atual.
Diante de certo descrédito em relação ao universo do
trabalho, descréditoinclusive teórico, surgem questionamentos
sobre cultivar este elemento como central no debate da
25 prática profissional. Não devemos desconsiderar as alterações
constantes no universo do trabalho: a diminuição do trabalho
industrial e agrícola em contexto de financeirização do capital;
a saturação do mercado de serviços; o aumento da população
economicamente ativa, com a integração de mulheres, jovens
30 e, inclusive, crianças no mercado; a fragilização das relações
de trabalho, com perdas dos direitos, vínculos e mobilizações
(Iamamoto, 2005).
3
Este item foi elaborado tendo por base a obra O Serviço Social na
contemporaneidade: trabalho e formação profissional, de Marilda Vilella
Iamamoto.
21
Unidade I
A evolução da ciência e da tecnologia possibilitaram o
desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social,
desempenhando papel importante na constituição da
“inutilidade” de grande parte da força de trabalho social,
5 tornando-a simples excedente no mercado (Iamamoto, 2005).
Entretanto, a maior parte da população ainda depende do
trabalho, sendo este a condição de realização de sua vida. Essa
maioria possui somente sua força de trabalho como propriedade;
e não possuindo outros meios para produzir valor, depende dos
10 meios e condições de trabalho e de sua inserção no mercado
para transformar sua potência de trabalho em trabalho real
(Iamamoto, 2005).
Essa classe vive o seguinte dilema: ser uma classe de
15 trabalhadores livres, dependente do seu trabalho, mas que não
encontra meios para realizá-lo. Depara-se contemporaneamente
com essas condições, mas vive um contexto que não possibilita
sua efetivação. Observa-se que a liberdade desse trabalhador é
ilusória, pois ele é dependente do mercado, ficando à mercê de
suas condições.
20
O importante a se destacar aqui é que a grande maioria da
população é dependente de sua força de trabalho, ainda que
não a utilize na troca por condições de vida.
O assistente social faz parte do contingente populacional que
25 depende da relação de compra e venda de força de trabalho para
realizar sua potência de trabalho, se caracterizando, portanto,
como trabalhador assalariado. Dentro dessa compreensão é que se
verifica a validade de tratarmos do trabalho do assistente social e
sua inserção nos processos de trabalho, e não somente da prática
do profissional. A prática está inserida no trabalho, e abordá-la de
30 maneira isolada traz o entendimento de que o profissional possui
autonomia suficiente “para acioná-la e direcioná-la conforme suas
próprias e exclusivas exigências, o que se choca com a condição
de assalariamento” (Iamamoto, 2005, p. 97).
22
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
O profissional, ao vender sua força de trabalho, fica à
disposição da entidade empregadora durante sua jornada de
trabalho. Isso significa estar sob a imposição do determinado
pelo empregador, dos objetivos, atividades, políticas etc. A
atividade criadora do assistente social fica a ele subordinada,
5 sendo neste espaço que se dá a possibilidade de autonomia do
assistente social (Iamamoto, 2005).
A especialização do trabalho do assistente social o
vincula à atuação junto aos indivíduos sociais, ocorrendo
predominantemente no campo político-ideológico, sendo
10 o profissional, historicamente, chamado a exercer funções
de controle social. Entretanto, seu campo de atuação é
permeado por tensões e conflitos de interesses e classes,
característicos da própria organização capitalista, o que lhe
dá a possibilidade de pautar sua ação no bojo de interesses
15 distintos da classe dominante, tendo uma prática para a
cidadania e a conquista de direitos sociais.
Abordar a atuação do assistente social inserida em
processos de trabalho traz importantes questionamentos,
conforme afirma Iamamoto (2005). Esses questionamentos
20 fazem referência à matéria-prima do trabalho, aos
instrumentos do trabalho que possibilitam a ação do sujeito, e
ao produto deste trabalho. Desse modo, surgem os seguintes
questionamentos: “Qual é o objeto de trabalho do serviço
social? Como repensar as questões dos meios de trabalho
do assistente social? Como pensar a própria atividade e/ou
25 o trabalho do sujeito? E qual é o produto do trabalho do
assistente social?” (Iamamoto, 2005, p. 62).
A questão social, compreendida como a contradição capital/
trabalho, como a apropriação privada do trabalho produzido
30 coletivamente, determinadora da desigualdade social e da
pobreza, constitui-se como objeto do profissional de serviço
social.
23
Unidade I
Essa compreensão faz do entendimento da realidade social
condição para o trabalho do assistente social e não algo acessório
à sua ação (Iamamoto, 2005).
5
10
Dar conta das particularidades das múltiplas
expressões da questão social na história da sociedade
brasileira é explicar os processos sociais que a
produzem e reproduzem e como são experimentadas
pelos sujeitos sociais que as vivenciam em suas
relações quotidianas. É nesse campo que se dá o
trabalho do Assistente Social, devendo apreender
como a questão social em múltiplas expressões
é experienciada pelos sujeitos em suas vidas
quotidianas (Iamamoto, 2005, p. 62).
15
A delimitação desse objeto revoluciona a prática profissional.
É essencial compreender a diferencia entre uma prática que
enfoca as atividades cotidianas a ser desenvolvidas pelo
assistente social e uma que enfoca o entendimento da realidade
particular vivida, buscando compreender as expressões singulares
da questão social na sua demanda de trabalho e desenvolvendo
suas ações a partir dessa compreensão. A primeira pauta-se
20 em um burocratismo que não conhece seu fim; e a segunda,
em ações que atendam criticamente a demanda de trabalho,
objetivando o desenvolvimento da autonomia e da democracia,
alinhadas, obviamente, com o projeto profissional da categoria.
25
Os meios de trabalho do assistente social não devem ser
compreendidos como meras ferramentas de trabalho, seus
instrumentais, visitas, relatórios, questionários etc. Um dos
principais meios do trabalho profissional é o conhecimento
adquirido, sua fundamentação teórico-metodológica que
possibilita da apreensão da realidade (Iamamoto, 2005).
30 Conclui-se que se o objeto do serviço social é a questão social,
um dos principais meios de trabalho é o referencial teórico do
profissional, que dá as condições para a intervenção neste objeto,
meio que permite a abordagem do objeto profissional. Assim, os
24
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
“conhecimentos e habilidades adquiridos pelo assistente social
ao longo do seu processo formativo são parte do acervo de seus
meios de trabalho” (Iamamoto, 2005, p. 63).
5
O profissional de serviço social, apesar de ter sua profissão
regulamentada como profissão liberal, não possui independência
nas suas condições de trabalho. O assistente social possui
certa autonomia em relação ao trabalho que realiza, mas, em
essência, tem sua inserção no mercado historicamente marcada
pelo assalariamento. Não se apresenta como os profissionais do
10 direito ou da odontologia, por exemplo, que desenvolvem suas
atividades de maneira independente.
O assistente social não vende seu serviço, mas sua força de
trabalho (Iamamoto, 2005).
15
As condições de trabalho do serviço social estão relacionadas
a uma instituição, seja ela uma empresa, ONG, organização
governamental ou outras. Os programas, projetos, serviços,
benefícios a ser desenvolvidos pelo profissional demandam
recursos materiais, financeiros, humanos etc., o que envolve
20 uma estrutura organizacional. Verifica-se, deste modo, que a
instituição não é mera condicionante do trabalho do assistente
social, pois se trata do elemento que organiza o trabalho do
serviço social (Iamamoto, 2005).
25
Portanto, a força de trabalho do assistente social somente se
realiza quando é adquirida. É na relação de compra e venda que
se efetiva o trabalho do assistente social, caracterizando este
profissional como essencialmente assalariado.
O assalariamento intrínseco do profissional caracteriza de
maneira específica o serviço social, bem como as demais profissões
30 assalariadas. Determina um vínculo que configura sua prática,
justificando, assim, as preocupações sobre as competências e
os objetivos profissionais, tais como a confusão entre objetivos
institucionais e profissionais. Deve-se observar a relação de
25
Unidade I
poder estabelecida nesse âmbito; quais são as possibilidades de
autonomia do profissional enquanto trabalhador que necessita
da venda de sua força de trabalho para sobreviver?
A compreensão de suas competências deve estar articulada
a habilidades de intervenção estratégica que possibilite a
consecução de seu trabalho referenciado no projeto ético-político
profissional, mesmo que os objetivos institucionais não estejam
alinhados a este. Não se desconsidera aqui a complexidade
de tal tarefa, mas esta não pode simplesmente ser relegada
da possibilidade de caracterizar o trabalho profissional como
10 elemento conservador da realidade.
5
O trabalho é um conjunto de acumulações históricas, teóricas,
técnicas, de valores, constituído pelos sujeitos sociais.
Ao se pensar no trabalho e no produto do trabalho do
assistente social, é importante retomar que a necessidade social
do serviço social em um contexto capitalista se dá na medida em
que os serviços sociais dão condições para a reprodução da força
trabalhadora, visto que estes serviços dão maiores condições
materiais e sociais de sobrevivência a essa classe, responsável
20 pela criação de valores (Iamamoto, 2005). A classe trabalhadora
tem sua força de trabalho e o produto desse trabalho apropriados
pela classe proprietária, configurando-se a mais-valia; apenas
parte do valor produzido é repassado à classe trabalhadora, o
restante torna-se valor da classe proprietária.
25
Dessa maneira, o serviço social se apresenta enquanto
serviço que contribui no processo de produção do valor e da
mais-valia.
15
Guerra (2007) afirma que o próprio trabalho do assistente
social é um trabalho produtivo. O assistente social vende sua
30 força de trabalho a organizações sociais públicas ou privadas,
dependente que é da relação de compra e venda de sua força
de trabalho. Esse trabalhador torna-se parte do investimento
26
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
do capital na produção de valor, o trabalho do assistente social
se transforma em mercadoria via prestação de serviço, e neste
processo torna-se parte do trabalho coletivo que cria valor.
5
Cabe retomar que o assistente social tem importante papel
também na esfera da ideologia, compõe a gama de profissionais
que atua no processo de produção de consensos, visto a
impossibilidade de uma sociedade baseada somente em processos
coercitivos; é garantidor de uma hegemonia social (Iamamoto,
2005). A produção de consensos não se refere somente à esfera
10 da integração à lógica vigente, pode, numa perspectiva crítica,
ser propulsora de questionamentos e proposições mais justas e
democráticas.
15
20
Então, o Serviço Social é um trabalho especializado,
expresso sob a forma de serviços, que tem produtos:
interfere na reprodução material da força de
trabalho e no processo de reprodução sociopolítica
ou ídeo-política dos indivíduos sociais. O assistente
social é, neste sentido, um intelectual que contribui,
junto com inúmeros outros protagonistas, na
criação de consensos na sociedade (Iamamoto,
2005, p. 69).
O trabalho profissional do assistente social tem função
profícua no âmbito do desenvolvimento capitalista, e, caso esta
premissa não fosse verdadeira, este possivelmente não existiria
25 na divisão social do trabalho nesta sociedade. Essa compreensão
não estagna a prática profissional, ao se considerar a aliança
com um projeto societário igualitário, ao contrário, deve
possibilitar subsídios teórico-políticos para consubstanciar a
prática profissional. Salienta-se aqui a dinâmica contraditória
da realidade social e as diferentes correlações de forças, a
30 qual possibilita caminhos para colocar em pauta o projeto
ético-político do serviço social nas contradições da sociedade
capitalista.
27
Unidade I
Na maior parte dos casos, a relação entre o capital e a força
de trabalho do assistente social é mediada pelo Estado. Esta
mediação “fetichiza” a representação da inserção do assistente
social na divisão social do trabalho, apresentando-a como
demanda do Estado e não do capital. Nesse sentido, há uma
5 dificuldade na sua compreensão enquanto classe trabalhadora
e sua inserção direta no confronto capital-trabalho (Guerra,
2007).
Iamamoto (2005) considera por outro ângulo a atuação
10 do profissional em processos de trabalho públicos ou privados,
vislumbra aqui o diferencial dos serviços prestados. Para a
autora, a atuação de um profissional em uma empresa difere
largamente de sua inserção na esfera estatal. Na esfera privada,
há produção de valor e mais-valia, o que não ocorre no âmbito
15 das políticas públicas, por mais que estas possam também
contribuir para a reprodução da classe trabalhadora. Para a
análise e fundamentação de sua prática, o profissional precisa,
portanto, compreender os processos de trabalho dos quais
participa.
20
25
30
28
A universalidade no acesso nos programas e projetos
sociais abertos a todos os cidadãos só é possível no
âmbito do Estado. Este, ainda que seja um Estado de
classe, dispõe de uma dimensão pública que expressa a
luta pelos interesses da coletividade. Projetos levados
a efeito por organizações privadas apresentam uma
característica básica que os diferencia: não se movem
pelo interesse público e sim pelo interesse privado
de certos grupos e segmentos sociais, reforçando
a seletividade no atendimento, segundo critérios
estabelecidos pelos mantenedores e não fruto de uma
negociação coletiva. A decisão quanto ao acesso ou
não aos serviços, ao passar da esfera pública para a
esfera privada, deixa de ser um direito resguardado
por lei e passível de ser defendido na justiça. Portanto,
ainda que o trabalho concreto do assistente social
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
5
seja idêntico – no seu conteúdo útil e formas de
processamento, o sentido e resultados sociais desses
trabalhos são inteiramente distintos, visto que
presididos por lógicas diferentes: a do direito privado
e do direito público, alterando-se, pois, o significado
social do trabalho técnico-profissional e o seu nível
de abrangência (Iamamoto, 2002, p. 35).
Têm-se, desse modo, elementos para a reflexão da defesa
10 do Estado enquanto instituição, que tem por dever a garantia
de políticas públicas de atendimento à população, além
de mais subsídios que fomentem o debate sobre o caráter
contraditório do trabalho do assistente social e a busca por
ações profissionais que indiquem a consecução do projeto
15 ético-político.
20
5 MERCADO DE TRABALHO: TRANSFORMAÇÕES
CONJUNTURAIS E A INSERÇÃO DO ASSISTENTE
SOCIAL
As mudanças nos padrões de produção no pós-guerra,
marcada pela organização taylorista/fordista e grande
expansão do mercado produtivo e de consumo, bem como
a política keneysiana de incentivo à economia e às políticas
públicas que buscavam garantir condições para que a
25 classe trabalhadora consumisse, resultaram na expansão
do mercado de trabalho e na profissionalização do serviço
social (Iamamoto, 2005).
A posterior desregularização do mercado, as novas
formas de produção, globalizadas e flexíveis, trouxeram
novos contornos ao mercado de trabalho, atingindo também
o assistente social. Além da flexibilização nos tipos de
contratos, dos direitos trabalhistas etc., há exigência de um
profissional polivalente, que por uma mesma remuneração
30 acaba exercendo mais de uma função, diferente de suas
atribuições específicas (Iamamoto, 2005).
29
Unidade I
O profissional de serviço social depara-se, portanto,
com alterações em suas relações de trabalho, sua inserção e
permanência no mercado, e nos recursos disponibilizados para
sua atuação, já que esse contexto impacta sobre o mercado,
5 sobre as relações assalariadas, instituições públicas e privadas
(Iamamoto, 2002). Depara-se ainda com o agravamento da
questão social, em que se apresentam novas ou transmutadas
demandas.
Nas empresas, é possível observar o crescimento do trabalho
10 do serviço social na área de recursos humanos, gerência de
pessoas etc. No âmbito das novas formas de produção, não cabe
somente o controle mecânico do trabalhador, mas também
que este incorpore os objetivos da empresa, “vista a camisa”;
demandando ações que “apelem” a esse controle espiritual
sob o argumento da qualidade, sendo, por vezes, destinado ao
15 serviço social este papel. Sob esta argumentação do trabalhador
ser um “colaborador” da empresa, convivem a desregulação dos
contratos de trabalho, a diminuição do número de empregos
etc. (Iamamoto, 2005).
Diante da retração do desenvolvimento capitalista
pós-guerra, no movimento de recessão, apresenta-se um
Estado enxuto como solução – as políticas neoliberais
–, mas cabe perguntar: “Enxugamento do Estado para
quem?” (Iamamoto, 2005, p. 34). Trata-se de uma reação
ao keynesianismo, à regulação do mercado pelo Estado a
25 favor do livre comércio. Trata-se de criar condições para o
desenvolvimento da economia sem balancear os aspectos
sociais, o que acabou gerando o crescimento da desigualdade
e do desemprego.
20
30
30
A política de apoio à economia envolvendo socorros a
bancos, por exemplo, retira os subsídios das políticas sociais,
removendo do âmbito do Estado a grande responsabilidade pelos
direitos sociais. As políticas se tornam fragmentárias, residuais,
focalizadas.
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
As políticas sociais em um Estado burguês, e dependente
como o nosso, se caracterizam pela fragmentação, focalização,
pelo assistencialismo, pela autonomização, pelo formalismo,
sem apresentar conteúdo político-econômico substancial,
5 não pretendendo romper com a lógica da desigualdade. O
serviço social se insere a partir da mediação de instituições
públicas ou privadas, sendo condicionado pelo tratamento
desse Estado burguês à questão social.
10
O serviço social tem nas políticas sociais a base
de sustentação da sua profissionalidade, já que a
intervenção do Estado nas questões sociais institui um
espaço sócio-ocupacional na divisão social e técnica
do trabalho, bem como um mercado de trabalho para
o assistente social (Netto, 1992 apud Guerra, 2005,
p. 06).
15
A categoria profissional tem pautado respostas progressistas
a esta retração do Estado. O projeto hegemônico defendido
no âmbito da profissão, fruto obviamente de tensionamentos
e disputas, indica uma perspectiva universalista e democrática
20 (Iamamoto, 2002).
25
Aposta no avanço da democracia, fundado nos
princípios da participação e do controle popular, da
universalização dos direitos, garantindo a gratuidade
no acesso aos serviços, a integralidade das ações
voltadas à defesa da cidadania de todos na perspectiva
da equidade (Iamamoto, 2002, p. 29).
Esse projeto defende a primazia do Estado na consecução
de políticas sociais, garantindo-se apenas por meio deste
a possibilidade de universalização dessas políticas. Pauta
30 ainda a participação democrática e alteração na gestão
da coisa pública, garantindo espaços representativos e
participativos.
31
Unidade I
A retirada de parte do investimento do Estado no
atendimento às demandas sociais resulta em alterações
significativas no mercado de trabalho do assistente social,
já que este é seu maior empregador. Provoca ainda uma
5 refilantropização social. Trata-se de uma incorporação
dessa demanda por empresas, que enfatizam a qualidade
dos serviços, mas o realizam a partir de seus critérios e
opções, negando o caráter universalista preconizado na
Constituição de 1988, e que deve ser garantido pelo Estado
(Iamamoto, 2005).
10
Além das empresas que pautam ações sob o escopo
da responsabilidade social, temos também a inserção do
trabalhador nas instituições do terceiro setor. Estas se
apresentam constituídas não pelo Estado (primeiro setor)
nem pelo empresariado (segundo setor). “É considerado
15 como não governamental, não lucrativo e voltado ao
desenvolvimento social, daria origem a uma ‘esfera pública
não estatal’, constituída por ‘organizações da sociedade civil
de interesse público’” (Iamamoto, 2002, p. 34).
20
As organizações do terceiro setor devem ser objetos de um
olhar atento, visto que sob esta égide estão inclusas diversas
entidades civis sob diversos registros jurídicos e referentes a
vários espectros políticos.
Iamamoto (2005) explica que as alterações no mercado, nas
25 relações de trabalho e nas exigências ao profissional de serviço
social devem ser observadas com qualificação e competência
crítica, para que não se percam espaços de trabalho e se possa
ainda vislumbrar alternativas de trabalho. O profissional que
considerar certas mudanças desprofissionalização ou desvio de
funções incorre nestes riscos.
30
É certo, porém, que se trata de reforçar o espírito inventivo
e crítico, no sentido de não enveredar-se por áreas que não são
de competências do serviço social.
32
TEORIA GERAL DO SERVIÇO SOCIAL
Buscou-se aqui determinar que as transformações decorrentes
principalmente dos processos de mudança econômica e no
universo da política estatal transformaram o contexto de
inserção do assistente social. Verificaram-se mudanças no setor
5 privado, nas políticas públicas e no terceiro setor.
Estes três setores interagem e, recursivamente, determinam
mudanças no atendimento às vulnerabilidades. Nessa
conjuntura, apresentam-se mudanças para o profissional de
serviço social, compreendidas de maneira geral em retrocessos
10 no âmbito dos direitos sociais e nas contradições entre um
projeto ético-político progressista e um ambiente de trabalho
de caráter profundamente liberal.
Síntese da Unidade II
20
1 CONCEITO DE TRABALHO E O TRABALHO NA
SOCIEDADE CAPITALISTA
15
Trabalho:
• atividade central do homem;
• o que possibilita a sobrevivência humana;
• realiza-se por mediações (conhecimento, técnicas, relações sociais
etc.);
• constituição do homem o diferencia dos outros animais (capacidade
de prever, construir objetivos e processos – teleologia);
• modifica a natureza, homem transforma a realidade e a si próprio.
Trabalho na sociedade capitalista:
• o trabalho é explorado;
• divisão da sociedade em classes: proprietárias e não proprietárias;
• apropriação da força de trabalho e do produto deste por outrem;
• os trabalhadores não possuem os meios para garantir a produção e
reprodução de suas vidas;
• o trabalho tem por fim o desenvolvimento do capital e não as
necessidades humanas;
33
Unidade I
Serviço social:
• entendido como trabalho e não somente prática;
2 Trabalho e serviço social
• trabalho assalariado;
• definição do objeto, dos meios e produtos do trabalho do serviço
social;
• objeto: questão social e as expressões vivenciadas no cotidiano dos
usuários;
• meios: conhecimentos e habilidades adquiridos pelo profissional;
• produto: serviços sociais que contribuem para o processo de produção
e reprodução dos trabalhadores e, consequentemente, de valor e
mais-valia;
• papel no âmbito da ideologia: produção de consensos;
• papel no âmbito da produção: produção de valor, mais-valia;
3 Mercado de trabalho: transformações
conjunturais e a inserção do assistente social
• contexto histórico caracterizado pelas contradições permite colocar
em pauta o projeto ético-político da categoria, redefinindo seu papel
na divisão social do trabalho.
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• Mudanças econômicas: capitalismo financeiro; reorganização do
trabalho.
• Mudanças políticas: ideal neoliberal; apoio às políticas econômicas em
detrimento das garantias sociais.
• Contexto de alto desemprego; fragilização dos vínculos trabalhistas;
perda de direitos sociais; retrocessos nas políticas sociais.
• Políticas sociais: focalistas, fragmentárias, residuais, não apresentam
uma política substancial de enfrentamento das expressões da questão
social.
• O Estado, o setor privado e o terceiro setor apresentam modificação
no trato das vulnerabilidades.
• Esses representam invariavelmente o contexto de inserção
do profissional. Cabe, portanto, o desafio de pautar o projeto
ético-político num contexto marcadamente neoliberal.
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