Título: RÁDIO UNIVERSITÁRIA E A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: QUE ESPAÇO PARA A DIVULGAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA? Autora: ZENEIDA ALVES DE ASSUMPÇÃO, jornalista aposentada da Prefeitura de Curitiba, doutora em Comunicação e Semiótica, docente da Universidade Estadual de Ponta Grossa/Paraná RESUMO: O presente estudo é um recorte de uma investigação maior: Rádio Universitária – vetor de comunicação científica entre o especialista e o radiouvinte, cujo objetivo é divulgar pela rádio universitária as pesquisas desenvolvidas no mestrado e doutorado em Medicina e Saúde Coletiva, com o propósito de informar, esclarecer e educar os receptores. A rádio universitária poderá ser a ponte entre as pesquisas produzidas na universidade e o radiouvinte, além de poder atuar favoravelmente como instrumento de educação em saúde, fortalecendo e promovendo ações preventivas e curativas no campo da saúde. Como veículo de comunicação social, a rádio universitária poderá ser a principal e a mais importante arena para a divulgação, a socialização e a popularização da saúde pública. Uma análise das emissoras públicas da região sul do Brasil (realizada de 1998 a 2002) demonstrou que, apesar das universidades possuírem relevantes pesquisas na área da saúde e serem de interesse do receptor radiofônico, a maioria das rádios não divulga as pesquisas. Das seis emissoras pesquisadas, apenas duas possuem programas voltados à divulgação científica. No levantamento percebeu-se que essas rádios se dedicam, preferencialmente, aos musicais. As pesquisas sobre saúde não fazem parte da agenda dessas emissoras. PALAVRAS-CHAVE: medicina, saúde pública, rádio, universidade, divulgação, pesquisa. 1. INTRODUÇÃO O “paper” em questão é parte constitutiva da investigação de doutorado: Rádio Universitária – vetor de comunicação científica entre o especialista e o radiouvinte1, cujo objetivo é divulgar pelas rádios universitárias públicas da região sul do Brasil, as pesquisas científicas produzidas nos mestrados e doutorados das universidades que possuem essas emissoras, com o intuito de alertar, informar, esclarecer e educar o radiouvinte a respeito da prevenção e cura de determinadas doenças. O levantamento de dados e análise foi realizado a partir da programação radiofônica e das pesquisas científicas construídas nos programas de pós-graduação em medicina e saúde coletiva. 1 Tese defendida em 2002, na Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC/SP). lembrar que: Promover a associação do grande público com a ciência é o objetivo primeiro da popularização da ciência. (...) Podemos considerar os meios de comunicação de massa (rádio, imprensa, televisão), como uma das melhores formas de se promover o acesso ao conhecimento. Atualmente, há um consenso generalizado altamente positivo em relação à presença da informação científica nos meios de comunicação de massa (ABRAMCZYK, 1989:12). 1 No que se refere à programação radiofônica foram analisadas: 1) as rádios universitárias do sul do Brasil e o perfil da programação; 2) a escassez de recursos financeiros dessas emissoras e a implicação de uma política pedagógica de comunicação; 3) a divulgação pela rádio universitária das pesquisas sobre medicina e saúde coletiva; 4) a participação dos pesquisadores/coordenadores na programação da rádio como divulgadores das pesquisas científicas desenvolvidas nos mestrados e doutorados em medicina e saúde coletiva. Na questão da produção científica foram analisados: - os tipos relevantes de saberes ou pesquisas científicas produzidas nos programas de mestrado e doutorado em medicina e saúde coletiva que podem e devem ser divulgadas pela rádio universitária e que interessam ao público radiofônico. A investigação revelou que, apesar, das universidades públicas (estaduais e federais) do sul do Brasil apresentarem significativas e relevantes produções científicas desenvolvidas no mestrado e doutorado em medicina e saúde pública e possuírem emissoras radiofônicas, a maior parte dessas produções não são divulgadas, socializadas ou democratizadas por essas rádios ao seu público-ouvinte. Conseqüentemente, esses saberes não chegam a quem interessa ou a quem dele poderia se beneficiar, ou seja: ao cidadão que utiliza os serviços médicos de um posto de saúde pública, por exemplo. Quem tem acesso a esse saber são os especialistas, os pesquisadores e demais membros da comunidade acadêmica e a democratização desses conhecimentos não acontece. As rádios universitárias têm, portanto, o dever e a responsabilidade social de informar e esclarecer a população sobre as pesquisas científicas produzidas nas universidades, principalmente àquelas que se referem à medicina e à saúde pública, pois fazem parte do cotidiano do radiouvinte. Essas informações e mensagens devem ser produzidas numa linguagem coloquial e com clareza para que possam atingir o público radiofônico. Neste sentido, essas pesquisas geradas nos programas de pós-graduação podem exceder as esferas acadêmicas e chegar à população através de sua emissora. É bom ressaltar que o mundo de hoje é feito e controlado pela ciência; portanto qualquer um de nós que abdique do interesse científico está fadado a caminhar de olhos abertos para a escravidão (BRONPOWSKI in KRIGHBAUM, 1970:10). Por esta razão, a rádio universitária e a universidade devem levar à população os resultados de suas pesquisas e de seus trabalhos sobre ciência. Isso implica em querer socializar e democratizar o saber construído na universidade. Cabe aqui, a opinião de ALBERT EINSTEIN (1970), quando assevera: É de maior importância que seja dada ao público em geral a oportunidade de entrar em contato conscienciosa e inteligentemente com os esforços e os resultados da pesquisa científica. Não é suficiente cada resultado ser apreendido, elaborado e aplicado apenas por uns pouco especialistas no campo. Restringir a parte principal do conhecimento a um pequeno grupo enfraquece o espírito filosófico e conduz à pobreza espiritual (EINSTEIN in KRIEGHABAUM, 1970:14-15). Foram pesquisadas seis emissoras universitárias na Região Sul do Brasil: Rádio Universidade AM, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Rádio Universidade, da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), Rádio Federal FM, da UFPEL (Universidade Federal de Pelotas), no Estado do Rio Grande do Sul; Rádio Universitária FM, da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), no Estado de Santa Catarina, Rádio Universidade FM, da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e 2 Rádio Universitária FM, da UEM (Universidade Estadual de Maringá), ambas no Estado do Paraná. Dessas, as únicas que produzem programas jornalísticos no formato Divulgação tecno-científica e divulgam pesquisas científicas desenvolvidas na universidade são as Rádios Universitárias AMs, das Universidades Federais do Rio Grande do Sul e de Santa Maria. Embora as demais emissoras elencadas não transmitam tais conhecimentos, os coordenadores dos Programas de Pós-Graduação em medicina e saúde pública afirmam ter interesse em divulgar pela rádio as pesquisas científicas. A pesquisa em saúde coletiva, por exemplo, é uma das maiores preocupações dos pesquisadores da área de Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas. Os especialistas são médicos e desenvolvem suas atividades nos postos de saúde pública da cidade e acreditam que a pesquisa nessa área possa contribuir com a qualidade de vida dos cidadãos de Pelotas. Neste aspecto, o pesquisador e vice-coordenador do programa de mestrado e doutorado em Epidemiologia, da Universidade Federal de Pelotas, ALUISIO BARROS, comenta que a pesquisa em saúde pública pode ser divulgada pela Rádio Federal FM, da Universidade Federal de Pelotas porque ela interessa e pode alertar o público da emissora. Por exemplo: Crianças que freqüentam creches apresentam problemas de saúde em relação àquelas que não freqüentam creches. A pesquisa que desenvolvemos mostrou que existe uma série de implicações quanto à organização dos serviços de creches e do cuidado que se deve ter com as crianças que lá estão. Os pais precisam conhecer as creches que seus filhos freqüentam. Além dessa pesquisa existem outras que vão ao encontro dos interesses da população, é o que veremos adiante. 2. METODOLOGIA Trata-se de pesquisas de campo e histórica com o emprego de técnicas qualitativas. Utilizamos como instrumentos para análise: a) entrevistas semiestruturadas para obtenção de dados junto aos diretores, programadores, produtores e chefes de seção das emissoras radiofônicas analisadas e com os coordenadores dos programas de pós-graduação (mestrado e doutorado) em medicina e saúde coletiva desenvolvidas nas universidades públicas da Região Sul do Brasil, sendo: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (em Porto Alegre), Universidade Federal de Santa Maria (município de Santa Maria), Universidade Federal de Pelotas (município Capão do Leão), no Estado do Rio Grande do Sul; Universidade do Estado de Santa Catarina e Universidade Federal de Santa Catarina (esta universidade não foi investigada porque não possui emissora universitária, foco fundamental de nossa pesquisa), no Estado de Santa Catarina. A pesquisa na UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina) ocorreu parcialmente, ou seja, somente com a emissora. A UDESC não desenvolve programas de pós-graduação nas áreas de medicina e saúde coletiva – foco, também, de nossa pesquisa, o mesmo ocorrendo com a UEM (Universidade Estadual de Maringá), no Paraná e finalmente a Universidade Estadual de Londrina, também no Paraná. Vale ressaltar aqui, que as investigações com as universidades e com as emissoras foram realizadas em dois momentos: 1998 e 2002 (com as rádios universitárias) e 2001 e 2002 (com os coordenadores de mestrado e doutorado em Medicina e Saúde Coletiva. Essa periodização prende-se ao fato das universidades públicas federais e estaduais terem 3 aderido à paralisação de suas atividades em 1998, 2001 e 2002 e, conseqüentemente, refletido nas emissoras universitárias, o que muito dificultou e atrasou a continuidade de nossa investigação na época). 2. Rádios Universitárias no Brasil As emissoras universitárias brasileiras surgiram em 1957, vinte anos após o professor e antropólogo Edgard Roquette Pinto ter cedido, em 1936, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (pioneira) ao Ministério da Educação e da Saúde. Com as emissoras universitárias iniciou-se uma nova fase da rádio educativa no Brasil – as emissoras dentro das universidades, local a princípio fértil e destinado à construção e disseminação dos conhecimentos científicos, tecnológicos e culturais. Com elas, novamente, a rádio poderia retomar as suas origens – a divulgação de programas educativos e culturais – sonho de seu fundador – Roquette Pinto. Atualmente, o Brasil conta com vinte e quatro emissoras universitárias no ar2 concedidas às universidades públicas e privadas. Em média, o tempo de transmissão de programas é de vinte e quatro horas diárias e cada emissora fica no ar, normalmente, das seis horas da manhã até as duas horas da madrugada, de segunda a domingo. As universidades públicas ou particulares podem instalar a rádio mediante concessão, autorização ou outorga e tal competência e responsabilidade de análise e decisão cabe ao Ministério das Comunicações. Na região sul do Brasil existem seis rádios universitárias públicas – a maioria transmitindo vinte horas de programação. Duas delas estão localizadas nas capitais dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul: Florianópolis e Porto Alegre, respectivamente: Rádio Universitária FM, da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina) e Rádio Universidade AM, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul. As demais emissoras se localizam no interior dos Estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, respectivamente: Rádio Federal FM, da Universidade Federal de Pelotas, a Rádio Universidade AM, da Universidade Federal de Santa Maria, a Rádio FM, da Universidade Estadual de Londrina e a Rádio Universitária FM, da Universidade Estadual de Maringá). Dessas emissoras, a pioneira está situada na UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do sul, com 46 anos ininterruptos no ar. A música erudita é o carro-chefe da emissora desde a sua concessão, em 1957, constituindo oitenta por cento de sua programação. Os vinte por cento restantes são dedicados à música popular brasileira, ao jazz, ao tango e agenda cultural. A rádio veicula, ainda, dois programas do gênero jornalísticos, formato de divulgação tecno-científica com os programas: “A Universidade é Notícia” e “Conheça a UFRGS”. Nesses programas, a população conhece as produções científicas desenvolvidas na universidade. A segunda emissora é a Rádio Universidade AM, da UFSM – Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente com 35 anos de atividades no ar. A emissora transmite programação segmentada: pela manhã somente programas jornalísticos, de entretenimento e religioso. A programação de entretenimento contempla músicas eruditas e cantos gaúchos. O formato religioso oferece espaços para os diversos credos (catolicismo, pentecostais, etc). A programação jornalística contempla os espaços para a 2 Relatório das emissoras educativas Cód. RCA 009, de 23/05/96 e Secretaria Nacional de comunicação (SNC) e Ministério das Comunicações. 4 divulgação da produção científica geradas na universidade, com o programa “Campus da Gente”. A Rádio Federal de FM, da UFPEL – Universidade Federal de Pelotas é a terceira emissora por ordem cronológica. A emissora veicula somente programações musicais e noticiários, desde 1981. A Universidade do Estado de Santa Catarina, na capital de Florianópolis transmite através de sua emissora - a Rádio Universitária FM, desde 1997, programação jornalística e entretenimento. A programação constitui-se, essencialmente, de música popular brasileira e música internacional e programas jornalísticos, denominados: “Em dia com a Cidade” e “Em dia com o Estado”. Esta universidade não desenvolve programas de pós-graduação em medicina e saúde coletiva. Mas, a emissora não contempla, também, a divulgação de outras pesquisas científicas realizadas pela Universidade. O Paraná abriga duas emissoras universitárias: a Rádio Universidade AM, da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e a Rádio Universitária FM, da UEM (Universidade Estadual de Maringá). A primeira há 14 anos no ar. Transmite programação musical, especialmente a MPB (música popular brasileira), agenda cultural e noticiários. Apesar da Universidade produzir e desenvolver excelentes pesquisas científicas nas áreas da medicina e saúde coletiva e os coordenadores acreditarem que essas pesquisas poderiam ser divulgadas pela rádio porque interessam à população londrinense, a emissora não veicula nenhuma programação neste sentido. A segunda, conta com cinco anos e, também, divulga somente programação musical e noticiários. A UEM não desenvolve programas de pós-graduação em medicina e saúde coletiva e a emissora não contempla nenhuma programação que divulgue as pesquisas científicas de outras áreas do conhecimento. As únicas rádios públicas sulistas que veiculam as ciências produzidas na universidade são a Rádio Universidade AM, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e a Rádio Universidade AM, da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria). A nossa investigação demonstrou que a maioria das rádios pesquisadas veicula apenas músicas devido à escassez de recursos financeiros e a ausência de uma política de comunicação que priorize a divulgação das produções científicas desenvolvidas nas universidades. 3. Rádios universitárias e à escassez de recursos financeiros e ausência de uma política pedagógica de comunicação Como se sabe as rádios universitárias brasileiras sobrevivem de receitas públicas e da contribuição esporádica do incentivo à cultura promovido pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC). A publicidade é proibida e as emissoras não podem “vender” espaços e sequer contratar comerciais ou patrocínios, como fazem as suas coirmãs, as emissoras convencionais ou comerciais. Deste modo, as rádios universitárias são mantidas com o dinheiro da própria universidade, o que é insuficiente, haja vista que as universidades públicas dependem também do repasse de verbas dos governos estadual e federal. O não repasse dessas verbas é o fio condutor da crise financeira que se abateu sobre as universidades. Essa crise é uma das conseqüências das inúmeras transformações que se sucedem no contexto global e também no Brasil, especificamente na década de 90. Essas modificações atingiram a política, a economia, 5 a vida social e a vida cultural das pessoas, assim como também refletiram diretamente sobre os sistemas de educação dos países periféricos e, conseqüentemente, as emissoras universitárias sofrem o mesmo problema: a escassez de recursos financeiros, materiais e humanos. A inexistência desses recursos reflete na produção de programas jornalísticos, fazendo com que algumas delas construam, apenas, programas musicais devido ao número reduzido de jornalistas nas emissoras. Cabe aqui, a opinião do diretor da Rádio AM, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul: A Rádio carece de pessoal e de verbas. Hoje temos seis jornalistas para produzir toda a programação. Se a situação não mudar, a tendência é reduzir o número de profissionais aqui na Rádio, conseqüentemente, também, diminuirá a presença de material jornalístico, inclusive a divulgação de produções científicas dentro da programação não acontecerá e a Rádio passará a veicular apenas programas musicais perdendo a sua função de emissora educativa (WINCKS FILHO, 1998). Essa realidade acontece com todas as emissoras universitárias pesquisadas. Apesar de todas essas dificuldades financeiras, as Rádios AMs, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade Federal de Santa Maria – são as únicas que conseguem, ainda, produzir e veicular programas jornalísticos voltados à pesquisa científica desenvolvida nas respectivas universidades. Por outro lado, a inexistência de uma política pedagógica de comunicação também reflete nas emissoras. Neste aspecto, a programação da rádio universitária deve fundamentar-se numa política pedagógica de comunicação que priorize a divulgação das construções científicas, especialmente, em medicina e saúde pública desenvolvidas na universidade e que atendam aos interesses dos radiouvintes. Dessa forma, a programação poderá contribuir com a melhor qualidade de vida e estimular a cidadania nos seus radiouvintes. Estimular a cidadania significa, aqui, colocar em prática, na rádio universitária, programação que gere transformação social, mediante divulgação científica capaz de formar conscientemente a opinião do público da emissora, nos aspectos dos saberes, por exemplo, em Saúde Coletiva e Medicina: a prevenção e a cura de doenças e o conhecimento de novas tecnologias que poderão ser úteis em cirurgias, etc. Neste sentido, é necessário afirmar que não basta à universidade e à emissora radiofônica construírem conhecimento científico, simplesmente. É indispensável construí-lo com consciência e com planejamento. Por isso, a universidade e a rádio como instituições sociais podem e devem – produzir conhecimentos elaborados e estimular transformações sociais porque ambas trabalham com mensagens simbólicas que transmitem conceitos e produtos culturais. Por isso, (...) o uso do rádio é um bom meio de contribuição para o processo de formação da cidadania (TÁVORA, 1996:14). Por outro lado, a utilização do rádio e das demais mídias como “facilitadoras” da cidadania se faz presente na maioria das sociedades globalizadas, principalmente, nos países periféricos, nos quais as políticas públicas deixaram de existir. Nesta perspectiva, NESTOR GARCÍA CANCLINI (1995:26), esclarece: (...) os meios eletrônicos que fizeram irromper as massas populares na esfera pública foram deslocando o desempenho da cidadania em direção às práticas de consumo. Foram estabelecidas outras maneiras de informar, de entender as comunidades a que se pertence, de conceber e exercer os direitos. Desiludidos com as burocracias estatais, partidárias e sindicais, o público recorre à rádio e à 6 televisão para conseguir o que as instituições cidadãos não proporcionam: serviços, justiça, reparações ou simples atenção. . Com relação, ainda, à política pedagógica de comunicação compreendemos que é o plano de ação da rádio e da universidade conjuntamente. Assim sendo, as pesquisas científicas produzidas no mestrado e doutorado em medicina e saúde pública poderiam ser pautadas freqüentemente pela emissora e se transformaria, conforme o interesse do radiouvinte, em programas ou noticiários. Dessa maneira, a emissora poderia produzir e divulgar informações sobre medicina e saúde pública ancoradas no gênero jornalístico e no formato de divulgação tecno-científica. Esse formato, segundo BARBOSA FILHO (1996:63) tem A função de divulgar e conseqüentemente aproximar o mundo da ciência da sociedade como um todo, através de roteiros apropriados cuja linguagem seja acessível à maioria da população. Pode ser produzido como programas radiofônicos, com duração e periodicidade fixas, ou como boletins. A grande preocupação reside na versão do texto científico, unívoco, para outro cuja leitura seja simples, direta e de entendimento satisfatório, tendo em vista a média da escolaridade do público. O uso de ferramentas de linguagem radiofônica como a sonoplastia, a participação de rádio-atores e as trilhas musicais são fundamentais para a ‘popularização’ do discurso científico. E, por falar em “linguagem simples e satisfatória” como destaca BARBOSA FILHO no seu texto, é de suma importância que haja decodificação e clareza dos termos científicos para que o radiouvinte possa compreender a mensagem. Sabemos que o rádio conta, com apenas, a audição. Se o radiouvinte não compreender imediatamente a palavra falada, ele não compreenderá, também, o sentido da mensagem e, conseqüentemente, toda a informação tornar-se-á em vão para ele. Valemo-nos, portanto, dos conselhos de ZAMBONI (2001:85), quando diz: “a divulgação científica constitui um gênero discursivo específico, resultado de um efetivo trabalho de formulação discursiva, no qual se revela uma ação comunicativa que parte de um ‘outro’ discurso e se dirige para ‘outro’ destinatário (...) o divulgador falando por um outro, o cientista, e para um outro, o público leigo”. Nesta mesma perspectiva, a democratização do conhecimento pode ser um desafio para o jornalista e a rádio porque passa a despertar o interesse do público leigo quando esse público passa a entender a linguagem do cientista, a linguagem do pesquisador. Dessa forma, o conhecimento hermético da ciência pode e deve ser transformado numa linguagem simples, clara e concisa atendendo os estilos radiofônicos. HERNANDO (1998) comenta que diante a transcendência que a atividade científica já alcançou na segunda metade do século XX, sua divulgação adquire agora uma função nova: contribuir com a sociedade no sentido de levá-la a compreender os riscos da ciência para prevenir o futuro, incluindo a própria sobrevivência da espécie humana, e os benefícios potenciais, ou seja, acabar com a fome, com a pobreza e com a enfermidade. 4. A rádio universitária e as pesquisas sobre Medicina e Saúde Coletiva produzidas nas universidades públicas da região sul do Brasil 7 A universidade pública é o principal lócus de discussão, de debate e também o espaço onde se constroem e se desenvolvem conhecimentos e pesquisas científicas nos programas de pós-graduação. As pesquisas científicas, tecnológicas e culturais fazem parte dos três eixos que estruturam legalmente a universidade brasileira: ensino, pesquisa e extensão, conforme previsto no artigo 207 do texto constitucional – As universidades gozam de autonomia didático-científica e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (BRASIL, 2000). Por outro lado, as pesquisas científicas produzidas nas universidades ou nos grandes centros de pesquisa não são privilégios somente da comunidade de pesquisadores ou dessas instituições. Elas precisam ser divulgadas à população que as “patrocina” com seus tributos. Assim sendo, vê-se que a pesquisa é de grande relevância tanto para a comunidade acadêmica como para a sociedade. O relatório do censo científico elaborado em 2000 pelo Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq3 no qual se comprovou que as universidades públicas são geradoras de produções científicas, a partir de uma investigação oficial realizada por esse órgão em 224 universidades públicas brasileiras. Nesse relatório pôde-se perceber que as universidades públicas são as que mais desenvolvem pesquisas no Brasil, principalmente nas áreas de saúde, conforme destaca: A saúde é a campeã quando se consideram os setores de atividades dos 11.760 grupos de pesquisas existentes, respondendo com 31% do total (...) (<http//wwww.reitoria.ufsc). Essa pesquisa do CNPq coloca, sem dúvida, a universidade pública na “berlinda” quanto à produção do saber científico. Neste aspecto, vale ressaltar a opinião do pesquisador CARDOSO AMARA. Para ele: As instituições públicas brasileiras de ensino superior (incluídas as instituições estaduais e municipais) são responsáveis por mais de 90% das produções científicas do país o que, por si só, mostra a sua importância no conjunto de ações que precisam ser realizadas para o desenvolvimento econômico social brasileiro. Outro aspecto são os dados das avaliações da Coordenação do Aperfeiçoamento do ensino superior _ CAPES/MEC em 94 e 95, onde é significativa a diferença da quantidade dos programas de pós-graduação: as universidades públicas abrangem 93,4% dos programas de pós-graduação e as privadas somente 6% Pode-se, concluir, portanto, que no Brasil são as universidades públicas as principais responsáveis pela produção científicas e pela interação que o ensino e a pesquisa pode promover com a sociedade, oferecendo soluções para os problemas que ela enfrenta (CARDOSO AMARAL, 2000:192193). Se a universidade pública produz relevantes pesquisas como aponta o CNPq por que não divulgá-las pela rádio universitária? Com a divulgação desses conhecimentos, o público-ouvinte poderia prevenir ou curar determinadas doenças. Tal pensamento é também partilhado com os pesquisadores dos Programas de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Coletiva. Eles acreditam que a maioria das pesquisas pode e deve ser divulgadas ao público da rádio universitária, visto que são do interesse dele, conformem destacam: 3 (<http//.www.reitoria.ufsc>) 8 A pesquisa sobre presbiopia, conhecida como vista cansada é uma das produzidas no mestrado de Epidemiologia e que interessa às pessoas que têm esse problema. Esse tipo de informação serve para alertar as autoridades sanitárias para o planejamento da saúde para disponibilizar a avaliação visual e facilitar aos pacientes a aquisição de óculos. A pesquisa comprovou que oitenta por cento das pessoas com idade acima dos 50 anos sofrem de Presbiopia ou vista cansada. As pessoas precisam de óculos para enxergar de perto e para leitura. A investigação mostrou, também, que cinqüenta por cento dos pacientes não têm óculos ou utilizam lentes inadequadas (ALUÍSIO BARROS, UFPEL, 2002). As pesquisas sobre inseticidas domésticos trazem saberes científicos que podem e devem ser comunicados pela rádio universitária, com o objetivo de alertar as pessoas quanto ao perigo que eles causam à saúde. As condições geográficas e climáticas de Pelotas propiciam a proliferação de insetos, levando ao uso abusivo de inseticidas domésticos. A pesquisa desenvolvida no mestrado confirmou que quarenta a cinqüenta por cento das pessoas que utilizam inseticidas domésticos em Pelotas relata algum tipo de sintomatologia: alergia, chiado no peito ou algum tipo de coceira associado ao produto químico (ALUÍSIO BARROS, UFPEL, 2001). O câncer de esôfago no Rio Grande do Sul é o segundo câncer mais comum no homem. Ele perde somente para o câncer de pulmão e para o câncer de próstata. Somos quinze pesquisadores na Universidade Federal do Rio Grande do Sul estudando os fatores de risco e as causas associadas ao câncer (BARROS SILVA, UFRGS, 2001). O fumo, o consumo excessivo de álcool e o chimarrão (o mate) ingerido em temperatura muito quente aqui no rio Grande do Sul são fatores de ricos para se contrair a doença (setenta por cento da população adulta do RS consome chimarrão em temperatura muito elevada chegando a queimar os lábios e a boca de quem não está acostumado com a bebida) e em grande quantidade de litros por dia, durante 20, 30 ou 40 anos ininterruptos. O chimarrão não causa câncer. Mas ingerido em temperatura muito elevada pode favorecer o aparecimento da doença. Esse tipo de informação pode e deve ser levada ao público, pelo rádio, com o objetivo de alertar a população e prevenir a doença. Nossas pesquisas científicas são divulgadas pela Rádio Universidade AM (BARROS SILVA, UFRGS, 2001). Cálculo renal: diagnóstico precoce e orientação ao paciente quanto à dieta. Por exemplo: quantidade de água que o paciente renal pode ingerir diariamente; prevenção e os cuidados com a doença (GARCIA, UEL, 2001/2002). Desnutrição do paciente internado: a desnutrição do paciente pode acontecer dentro do próprio hospital, mesmo estando sob a vigilância do médico. Ela pode ocorrer nos pacientes que se submeteram à cirurgias ou com internação clínica por processos infecciosos ou doenças crônicas por ficarem períodos em jejum devido à coleta de exames pré ou pós-operatórios. O paciente não se sente bem e tem náuseas, vômitos ou não consegue se alimentar. O paciente com desnutrição pode adquirir infecções e até morrer. Ele tem pouca resistência para melhorar a doença. Dessa forma, aparecem outras ocorrências durante a internação, inclusive a tão temível infecção hospitalar (GARCIA, UEL, 2001/2002). Trabalho de parto: A pesquisa demonstrou que muitas mulheres, em Londrina, quando grávidas e prestes a ter bebês, não sabem absolutamente nada a respeito de sinais do sintoma do trabalho de parto. Esse desconhecimento causa 9 desconforto á gestante, à família e também ao serviço de saúde. Se as gestantes tivessem noção precisa e conhecimento do que é trabalho de parto, quais são os sinais, ela não procuraria tantas vezes e inutilmente os serviços de saúde. Elas não seriam submetidas inutilmente a situações desconfortáveis de permanecerem em filas e não ocupariam inutilmente o tempo do serviço de saúde. O número de procura causado por esse desconhecimento é muito grande nas unidades de saúde e nos hospitais. Tudo isso poderia ser evitado. A pesquisa aponta, ainda, uma falha grave no serviço de pré-natal. As mulheres grávidas pesquisadas freqüentaram a unidade de saúde e realizaram o pré-natal. Elas fizeram várias consultas e foram atendidas pelos profissionais de enfermagem. Mesmo assim, não tinham noção do trabalho de parto. Isso significa uma falha no pré-natal das unidades de saúde. Os sinais do trabalho de parto são representados pela contração do útero que se caracteriza com uma contração na barriga, bem como a periodicidade e o tipo de duração, a mulher pode saber se está ou não entrando em trabalho de parto (CORDONI JÚNIOR, UEL, 2002). Acidentes de trânsito: O número de acidentes com motocicletas, em Londrina, é muito alto., As pessoas que morrem estão predominantemente em idade jovemadulta, entre 20 a 29 anos de idade. A pesquisa mostrou, que dez por cento dos acidentes ocorrem nos finais de semana e estão associados à ingestão de bebidas alcoólicas (CORDONI JUNIOR, UEL, 2001/2002) (ASSUMPÇÃO, 2002). Percebe-se pelos depoimentos dos pesquisadores dos programas de pósgraduação em medicina e saúde coletiva a importância da divulgação das pesquisas científicas ao público radiofônico. Porém, para que isso ocorra é mister que a rádio universitária além de informar e entreter o seu público, tenha a missão de esclarecer esse público a respeito dessas pesquisas e que as mesmas atendam aos interesses, anseios e curiosidades de seus radiouvintes. Nesta perspectiva, vemos que: Como um observador, o especialista do noticiário científico traduz e interpreta o que ele vê e ouve sobre ciência, de maneira que seus artigos possam ser compreendidos pelo homem comum, isto é, o público em geral. Isso quer dizer que ele lida com vocabulários especializados, que poderiam ser denominados dialetos do idioma da ciência, assim como lidam com abstrações que geralmente não têm correspondentes na linguagem comum (...) (KRIEGHABAUM, 1970: 108-109). Neste caso, a rádio universitária como veículo de comunicação social poderá ser a principal e a mais importante arena para a divulgação, a socialização e a popularização das pesquisas sobre medicina e saúde pública desenvolvidas nos espaços universitários. 6. Considerações Finais Apesar das universidades públicas da região sul do Brasil produzirem e desenvolverem relevantes pesquisas no mestrado e doutorado em medicina e saúde coletiva e de interesse público, como apontam os coordenadores dessas pesquisas e possuírem concessão e funcionamento de emissoras radiofônicas, a maior parte delas não são divulgadas, socializadas, democratizadas ou popularizadas pelas rádios universitárias ao seu público-ouvinte. Essas pesquisas não chegam até a população porque não são transmitidas pela emissora mantida pela universidade que produz esses conhecimentos e nem por outros canais de comunicação. A não-transmissão pela 10 emissora e por outros veículos de comunicação social acontecesse porque a emissora e a universidade não possuem uma política pedagógica de comunicação envolvendo a emissora e a universidade como um todo e, também, devido à escassez de recursos financeiros, materiais e humanos. A produção de programas musicais, ao contrário dos programas jornalísticos como a divulgação tecno-científica, não exige a presença de jornalistas, mas de programadores. Isso acontece com a maioria das emissoras pesquisadas. Elas ficam 24 horas no ar, com programação musical. As produções jornalísticas, envolvendo o formato divulgação tecno-científica são desconsideradas e quem perde é o público da rádio. Dessa forma, o público radiofônico desconhece o trabalho social da universidade e, conseqüentemente, deixa de se beneficiar com os saberes por ela produzidos. Vale lembrar que a população tem o direito a essa informação porque é ela que “patrocina” a universidade e a rádio. Sonegar ou não divulgar as pesquisas científicas produzidas na universidade é no mínimo desrespeitar o direito da população, o direito à democratização do saber científico. Infelizmente, das seis emissoras pesquisadas somente duas delas: Rádio Universidade AM, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre e a Rádio Universidade AM, da Universidade Federal de Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, divulgam as pesquisas científicas produzidas nos mestrados e doutorados. Embora as demais emissoras não transmitam esses conhecimentos, os coordenadores dos programas de pós-graduação das universidades pesquisadas afirmam ter interesse em divulgar pela rádio as produções científicas nas áreas de medicina e saúde coletiva porque são pesquisas que interessam à população. Essas pesquisas poderiam, segundo eles, alertar a população quanto à prevenção e a cura de doenças. Consiste aí, a relevância de a emissora universitária, por ser um bem público contribuir com a população que a mantém, divulgando as pesquisas científicas produzidas na universidade. Certamente, o beneficiário seria a população, a sociedade. 7. Referências Bibliográficas: ASSUMPÇÃO, Zeneida A. Rádio Universitária: vetor de comunicação científica entre o especialista e o radiouvinte. São Paulo. 2002. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade de São Paulo. ABRAMCZYK, Júlio. Jornalismo científico. Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. Conselhos Estaduais de Ciência e Tecnologia, 1989. BARBOSA FILHO. Gêneros radiofônicos: tipificação dos formatos em áudio. São Paulo, 1996. Dissertação de Mestrado. Universidade Metodista de São Paulo. CARDOSO AMARAL, “Crise no financiamento das instituições federais de ensino superior”, In TRINDADE, h. (Org.). Universidade em ruína: na república dos professores. 2ª. Ed. Rio de Janeiro. Vozes, 1999. KRIEGHABAUM, Hiller. A ciência e os meios de comunicação de massa: um estudo sobre os informes científicos, tecnológicos e médicos feitos em jornais, revista, rádio e televisão nos estados Unidos. Trad. Maria C. Rodrigues. Rio de janeiro. Correio da Manhã, 1970. 11 HERNANDO, Manuel C. Hay que pensar em el publico II. Informativo JR. Boletim n. 31, Maio e Junho em de 2001. In: Periodismo científico, n. 35 – enero-Febrero, 1998 e 2001. TÁVORA, Gerardo. “Rádio y ciudadania: ciudania y democracia”. In Revista Peruradio. Lima, año CV, n. 15, agosto de 1996. ZAMBONI, Lílian M. Simões. Cientistas, jornalistas e a divulgação científica: subjetividade e heterogeneidade no discurso da divulgação científica. Campinas, autores Associados, 2001. 12