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Extensão e universidade cidadã
Edison José Corrêa
Pró-Reitor de Extensão da UFMG
Muito se tem discutido sobre a relação da universidade com a sociedade. Além da missão
de formação das pessoas – em cursos de graduação e de pós-graduação – e de geração do
novo conhecimento – a pesquisa –, a universidade tem, na dimensão de interação social, a
extensão universitária.
Para compreendê-la assim, é necessário ultrapassar entendimentos ainda vigentes, como o
de repasse – “extensão” – à sociedade do conhecimento gerado na instituição, o que afirma
uma conotação de excelência do saber de que esta é produtora e depositária, mas é marcado
pela visão da universidade como detentora hegemônica desse saber.
Ou, por outro lado, entender a extensão como o ato de atender, em projetos sociais,
tecnológicos e culturais, às camadas mais carentes da população, o que leva, diretamente, à
concepção assistencialista – em uma perspectiva semelhante à de políticas compensatórias.
Essa visão é, também, muito reforçada pelo entendimento de que, tratando-se de uma
universidade pública, mantida pela população, e sendo seus alunos beneficiários dessa
situação, seria, no mínimo, uma obrigação a retribuição social, preferencialmente
voluntária, pelos estudantes e servidores.
Outro viés implícito nesse conceito é o que pretende identificar, nas ações e produtos de
extensão, a afirmação de uma imagem de universidade socialmente comprometida, em um
certo contexto de marketing, alardeando responsabilidade social. Na universidade pública,
isso acontece, especialmente, em momentos de crise, quando se busca o apoio da população
às demandas da instituição.
Outra redução do sentido da extensão consiste em limitá-la à prestação de serviços com o
objetivo de captação de recursos – em assessorias e consultorias e em cursos de atualização,
de qualificação técnica e profissional e de especialização.
Para a superação dessas limitadas concepções, a extensão tem de atender a diretrizes que
possam estar visíveis em cada uma de suas ações e na produção acadêmica que delas
derivem. A primeira diretriz é a de que ações de extensão se caracterizem pelo impacto,
pela possibilidade da construção e da transformação, e ultrapassem o predomínio de ações
pontuais e limitadas, mesmo com efeitos positivos. Para tanto, as intervenções terão de ser
organizadas tendo como referência as crises e os problemas maiores da sociedade,
identificados, estudados e transformados em agenda para ações estratégicas.
Assim, a extensão terá de estar, deliberadamente, voltada para os interesses e necessidades
da maioria da população, aliada a movimentos sociais na superação de desigualdades e
exclusão. Em outras palavras, a extensão universitária não deve ser vista apenas como
instrumento de mudança, considerados os problemas sociais, mas também como
retroalimentadora, para transformações na própria universidade.
VVlad Eugen Poenaru
Temas Do ponto de vista operacional, devem ser estabelecidas linhas de extensão
correlacionadas a grandes temas – desenvolvimento urbano, desenvolvimento regional,
terceira idade, educação continuada de gestores de profissionais de sistemas públicos,
juventude, meio ambiente e, ainda, educação ambiental, desenvolvimento de sistemas
sociais, entre outros.
Outra diretriz é a de uma extensão universitária marcada, essencialmente, pela idéia da
interação, em uma relação de diálogo universidade/sociedade, de dupla via, de benefícios
mútuos, de construção de rede de interlocutores e implementadores. Essa interlocução deve
contar com a participação de vários segmentos de uma sociedade que, mesmo ostentando
inúmeras características de modernidade, ainda se mostra assimétrica e desequilibrada do
ponto de vista da distribuição da riqueza e dos benefícios sociais. Juntamente com esses
segmentos “excluídos”, a universidade pode construir um pacto pelo desenvolvimento, pela
justiça e pela eqüidade. A extensão é um espaço para se ouvirem as demandas da sociedade
e para se articularem, politicamente, pessoas e organizações.
Isso compreendido, pode-se passar à terceira diretriz, que diz respeito à necessária
articulação intersetorial, interprofissional e interdisciplinar, não só pela dimensão,
complexidade e diversidade dos problemas a serem trabalhados, mas também pelo
indispensável aporte de conceitos, modelos e metodologias que se constituam olhares
complementares e diferenciada afirmação de compromissos.
Essas diretrizes – impacto, diálogo e interdisciplinaridade – podem orientar vários tipos de
organizações sociais. Em se considerando, porém, a missão de uma instituição de ensino
superior, é preciso, sempre, lembrar que a extensão tem nome e sobrenome – extensão
universitária. E esse sobrenome só se justifica se os processos de interação – sociais,
tecnológicos, artísticos, culturais – estiverem indissociáveis do processo de ensino e de
pesquisa.
Dimensões Os novos e qualificados modelos, metodologias e produtos gerados passam,
com a extensão, pela aplicação social, não em uma vertente da validação do conhecimento,
mas na incorporação do sentido estético da construção da qualidade de vida, do bem, da
justiça, do saber, de sua recepção e utilização pela sociedade. O conhecimento é valorizado,
então, como processo de verticalização – alta qualidade – e de horizontalização – alta
pertinência – do próprio conhecimento.
Sendo universitária, não se pode admitir extensão sem a presença do aluno – seja de
graduação, seja de pós-graduação – e é obrigatório que essa participação constitua parte do
seu processo de formação; uma formação, tanto dos alunos da instituição, quanto de outras
pessoas que atuem em programas e projetos de extensão, que privilegie cenários e
contextos, mais do que conteúdos; que atenda à opção curricular do aluno e que se constitua
como momento essencial de sua preparação técnica e profissional, como oportunidade de
flexibilização de seu percurso acadêmico, preferencialmente com integralização curricular.
Fala-se, assim, de um processo educacional em que desenhos inovadores de aprendizagem
sejam praticados, rompendo e superando conceitos tradicionais de disciplina, sala de aula,
grade curricular, carga horária, controle acadêmico e avaliação como verificação de
aprendizagem e de freqüência mínima. Tomada a realidade como cenário – campo de ação
e de estudo –, o tempo de dedicação é definido pela interação e pactuação e a avaliação é
articulada ao processo de construção. O eixo pedagógico tradicional professor/aluno é
deslocado para o eixo aluno/sociedade, retomando-se a idéia do protagonismo da
juventude.
Na extensão, também se reforça o papel do professor como co-participante, educador,
orientador, tutor e pedagogo – vale a pena revisitar a etimologia dessas palavras. E a
certeza, dada pelo dia-a-dia, da existência de uma rede efetiva de educadores, em que todos
são educandos. A indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão, o impacto, o diálogo e a
interdisciplinaridade são princípios expressos que estruturam essas relações pedagógicas.
Direitos e deveres Essa formação implica, pois, a dimensão de cidadania. Direitos e deveres
devem permear todas as atividades da extensão universitária. A participação em programas
e projetos de extensão deve ser marcada como grandes momentos de vivência pessoal, de
reflexão sobre visões do mundo, de metodologia participativa e de pesquisa/ação, assim
também de aprendizado de conhecimento e do relacionamento com pessoas, meio
ambiente, organizações e movimentos sociais, políticas públicas, empresas e governo, da
aplicação do participar como forma de distribuir o poder.
A temática é ampla – direitos de grupos sociais, ações afirmativas, erradicação do trabalho
infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, difusão de ciência e tecnologia,
transferência e capacitação tecnológica, mídias comunitárias, educação de jovens e adultos,
cultura e arte – e nela se incluem temas mais recentemente reafirmados. Entre eles, acesso
ao sistema educacional, inclusive à universidade, projetos socioeducacionais de extensão
como formas de permanência, eventos e cursos de extensão como ampliação de
oportunidades de capacitação, qualificação e educação continuada.
A prestação de serviços deve atender a demandas sociais, culturais e tecnológicas,
garantindo-se a natureza acadêmica e institucional mediante assessorias, consultorias e
curadorias. A prestação institucional de serviços deve ser valorizada, apoiada, e cada vez
mais reforçada a sua integração com o ensino e a pesquisa, assim como o seu compromisso
com a sociedade – aí estão os exemplos de redes de museus e espaços de ciência e
tecnologia; de sistemas de bibliotecas; de espaços culturais; de laboratórios de análise de
solos, de conservação e recuperação de bens culturais; de hospitais, ambulatórios e clínicas
universitárias.
Assim se constrói a indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão, a dimensão
transformadora, a vivência cidadã no cenário real de nossos tempos, na prática da
diversidade e da complexidade. Buscando sempre cumprir as diretrizes enunciadas, pode-se
confirmar o conceito de extensão, definida no Regimento da UFMG como “atividade
acadêmica identificada com os fins da universidade, processo educativo, cultural e
científico, articulado com o ensino e a pesquisa, de forma indissociável, ampliando a
relação entre a Universidade e outros setores da sociedade” .
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