Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova e Helen Copque* Resumo: O artigo faz uma discussão sobre as relações do Cinema com temas da Psicologia, embasada em diferentes abordagens teóricas sobre o Cinema, a exemplo das reflexões de Munsterberg, de Arnheim, da Filmologia, de Morin, da Semiologia, da Psicanálise e da Teoria Analítica/Cognitivista. Visto que a teorização fílmica ainda não construiu uma análise dos seus dispositivos a partir da perspectiva do Behaviorismo Radical, o texto tem ainda como objetivo contribuir nessa discussão, trazendo alguns conceitos que ajudam a levantar hipóteses sobre o funcionamento dos processos básicos psicológicos, especialmente a percepção e a atenção, aplicados ao Cinema. 1 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova Palavras-chave: cinema, psicologia, cinema e psicologia, cinema e behaviorismo radical, espectatorialidade. As relações entre o cinema e a psicologia constituem-se objeto de reflexão de muitos teóricos, desde o surgimento do cinematógrafo. Não é por acaso que se tornou famoso o caso (considerado por muitos como uma lenda) de uma das primeiras exibições públicas de um filme, em 1895, na qual a imagem de um trem se descolando deslocando na tela teria provocado medo em alguns expectadores, dada a verossimilhança das imagens em movimento. Esse exemplo nos conduz a refletir sobre uma das principais características do cinema: criar uma ilusão representativa, que faz com que os espectadores vivenciem o universo diegético do filme como realidade. Isto se dá graças à capacidade do cinema de 2 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova reproduzir fotográfica e mecanicamente as imagens e de restituir o movimento, a duração e o ambiente sonoro de situações narradas. Esta ilusão representativa foi tomada pelos criadores da linguagem cinematográfica como um elemento essencial para a construção das narrativas ficcionais e como fórmula para garantir a atenção dos espectadores. Como afirma Betton: Desde o início do cinema, buscou-se uma reprodução cada vez mais fiel e completa da realidade (...) a imagem fílmica suscita certamente um sentimento de realidade (...) é dotada de todas as aparências da realidade para o espectador. Mas o que aparece na tela não é a realidade suprema, resultado de inúmeros fatores ao mesmo tempo objetivos e subjetivos, imbricações de ações e interações de ordem ao mesmo tempo física (integração e parâmetros “sensoriais” e, principalmente, do continuum espaço-tempo) e psíquica (com todos os sentimentos e reflexos pessoais); o que aparece é um simples aspecto (relativo e 3 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova transitório) da realidade, de uma realidade estética que resulta da visão eminentemente subjetiva e pessoal do realizador. É notável como que esse realismo captado pela percepção (...) possa se misturar intimamente e de modo tão fecundo àa magia, ao sonho, ao fantástico, àa poesia . (BETTON, 1987, p.9 ). Mas para que esta ilusão se efetive com sucesso, são necessários alguns elementos adicionais na criação dos filmes. Um destes elementos é a verossimilhança. O verossímil diz respeito a tudo que existe num filme que sugere uma associação com a realidade, desde o processo de ilusão representativa, até a adoção de convenções técnicas e narrativas que vão se padronizando, se difundindo e se tornando tão habituais para os espectadores, que estes passam a vê-las como representação real do mundo perceptível. Para Christian Metz,a obra verossímil quer ser e quer ser tida como diretamente traduzível em termos de realidade (...) Trata-se de se fingir de verdadeiro (...) O verossímil é simplesmente 4 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova este batalhão suspeito de procedimentos e truques que procura tornar o discurso natural e que se esforça em disfarçar a regra, mascarando-a para escondê-la do grande público. Não existe um Verossímil, existem apenas convenções aceitas como verossímeis. (METZ, 1972, p.239-40) Essas convenções (de atuação, de montagem, de fotografia, de composição de cenário etc.) transformam-se com as mudanças culturais e a evolução das técnicas cinematográficas. Trata-se de um processo de naturalização de um tipo de representação construído com o objetivo de ocultar suas marcas enunciativas. Um dos primeiros teóricos a sistematizar esse processo foi Andre Bazin, que, através da noção de decupagem clássica, abriga um conjunto de parâmetros formais que incluem práticas de montagem, trabalho de câmera e som. O autor evoca a relevância de elementos como a coerência interna, a causalidade linear, o realismo psicológico, a aparição da continuidade espacial e temporal, dentre 5 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova outros, para a construção do universo diegético dos filmes. Não podemos deixar de assinalar que a atualização da noção de perspectiva e o uso da estrutura narrativa da literatura dominante no século XIX pelo cinema são também componentes que fortalecem o realismo cinematográfico. Esses padrões também devem ser levados em consideração, para que o espectador possa compreender a história, tanto do ponto de vista denotativo quanto conotativo. Essa inteligibilidade do filme passa por algumas instâncias, como: 1) a simulação perspectiva; 2) o reconhecimento dos objetos, ações e sons; 3) os “códigos de nominação icônica”, que servem para dar nome aos objetos e aos sons; 4) os códigos cinematográficos (a exemplo da montagem, movimentos de câmera, iluminação etc.); 5) a coerência interna da narrativa; 6) a ordem da narrativa e seu ritmo, que são estabelecidos em função de um tipo de leitura do filme que é, assim, imposto ao espectador. (AUMONT et al., 1995). 6 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova Através da manipulação desses elementos, um filme consegue manter a atenção do espectador, construir pontos de vista, assim como induzir emoção em relação às situações apresentadas e a certos personagens. Hitchcock tem uma frase célebre que sintetiza essa possibilidade: Com Psicose, eu dirigia espectadores, exatamente como se estivesse tocando órgão (...) Minha principal satisfação é que o filme agiu sobre o público (...) Em Psicose, o tema pouco me importa, os personagens me importam pouco, o que me importa é que a montagem dos fragmentos de filme, a fotografia, a trilha sonora e tudo o que é puramente técnico conseguiam arrancar berros do público. (...) O modo de construir a história e de contá-la levou o público a reagir de um modo emocional. (TRUFFAUT, 1984, p.273;287). Estamos aqui focalizando a maneira como os filmes constroem o lugar virtual do espectador, ou seja, analisando os elementos fílmicos que 7 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova foram produzidos visando o controle emocional de um espectador potencial, chamado na teoria do cinema de espectatário. Não devemos confundir o espectatário com o espectador, visto que este é sempre um indivíduo particular, cuja subjetividade e contexto vão atuar, ao lado da espectatorialidade, como elementos construtores da significação e inteligibilidade de um filme. Nesse sentido, por mais bem planejada que seja a espectatorialidade de uma narrativa, sua leitura jamais será completamente passiva e previsível. A história do sujeito e o contexto de recepção do filme interferem e podem transformar seu processo de significação. Em função desta variável, a teoria do cinema também se ocupa com o estudo dos processos de sensação, percepção, emoção, motivação e interpretação construídos por imagens e sons. Há ainda uma vertente de pesquisa que concebe os filmes como discursos modeladores de valores e comportamentos de grupos sociais. Grande parte dos estudos 8 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova sobre o cinema enquanto veículo de propaganda partem dessa perspectiva. Retomaremos, a seguir, as discussões desses aspectos da relação do cinema com a psicologia, esboçados brevemente acima, à luz de algumas perspectivas da teoria cinematográfica. Inicialmente, destacaremos as abordagens de Munsterberg (1916) e Arnheim (1937). Cinema como Construção Mental Hugo Munsterberg foi, sem dúvida, o primeiro teórico a se ocupar das relações entre o cinema e a psicologia, através do livro “The Photoplay. A Psychological Study”, de 1916, momento em que a linguagem cinematográfica encontrava-se num estágio embrionário. Apesar disto, o autor conseguiu identificar e descrever muitas das estratégias psicológicas utilizadas pelo dispositivo cinematográfico, complexificadas nos anos 20. Ao antecipar diversas discussões que seriam retomadas posteriormente por outros teóricos, este texto constitui-se numa referência fundamental para 9 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova o estudo dos aspectos psicológicos do cinema. Sua principal tese sinalizava para o fato de que o espectador seria um sujeito ativo no processo de significação fílmica, preenchendo psicologicamente os vazios e lacunas da narrativa cinematográfica, através dos processos da atenção, da memória, da imaginação e da emoção. Ele começou seu estudo analisando a ilusão de profundidade e do movimento contínuo criados pela projeção fílmica, além de afirmar que o sentido das imagens se relacionaria com a nossa subjetividade. Nesse sentido, ele propôs que: a mera percepção das pessoas e do fundo, da profundidade e do movimento, fornece apenas o material de base. A cena que desperta o interesse certamente transcende a simples impressão de objetos distantes e em movimento. Devemos acompanhar as cenas que vemos “com a cabeça cheia de idéias”. Elas devem ter significado, receber subsídios da imaginação, despertar vestígios de experiências anteriores, mobilizar sentimentos 10 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova e emoções, atiçar a sugestionabilidade, gerar idéias e pensamentos, aliar-se mentalmente à continuidade da trama e conduzir permanentemente a atenção para um elemento importante e essencial: a ação. (MUNSTERBERG, 1983, p.27). E ainda que: a peça cinematográfica conta-nos uma história humana ultrapassando as formas do mundo exterior – a saber, espaço, tempo e causalidade – e ajustando os acontecimentos às formas do mundo interior – atenção, memória, imaginação e emoção (...) Estes acontecimentos alcançam isolamento total do mundo prático através da perfeita unidade de enredo e forma pictórica. (Idem). Munsterberg antecipou as idéias de Rudolf Arnheim sobre percepção no cinema. Este último defenderá, nos anos 30, que a visão não é um mero resultado da estimulação sensorial, mas sim da recriação mental. Baseado na Psicologia da Gestalt, ele afirmou que: o recente pensamento psicológico encoraja-nos 11 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova a chamar de visão uma atividade criativa da mente humana. A percepção alcança, no nível sensorial, o que no domínio da razão é conhecido como compreensão. O olhar de cada homem também antecipa, de modo modesto, a admirada capacidade do artista de produzir padrões que interpretavam validamente a experiência através da forma organizada. (ARNHEIM, 1986, p.37). Embora defendesse o Gestaltismo, acreditasse que a percepção do sujeito expressa sua relação com o “universo” e defendesse uma perspectiva mentalista da arte, ele fez questão de pontuar o entrelaçamento da subjetividade humana com o mundo. Teorias Psicológicas da Montagem Na fase do cinema mudo, é importante destacar as teorias da montagem dos cineastas russos, especialmente as de Eisenstein. Antes dele, pontuamos a relevância dos trabalhos de Pudovkin, que analisou a organização dos filmes hollywoodianos, concluindo que o núcleo básico do realismo destes discursos, assim 12 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova como do cinema em geral, se encontraria na maneira como eles eram montados. Seria a justaposição dos planos que definiria o sentido do filme. A partir dessas premissas, Pudovkin sistematizou alguns estudos sobre o cinema hollywoodiano, descrevendo suas técnicas de montagem utilizadas com o objetivo de manipular as emoções e o processo de significação dos espectadores. A “irrealidade” das imagens isoladas seria sobreposta pela criação de um universo dotado de sentido, a partir da construção de noções de tempo e espaço feitas pela montagem. Esta não seria apenas “um método para juntar cenas ou os planos separados, e sim um método que controla a ‘direção psicológica’ do espectador”. (PUDOVKIN, 1983, p.63). Partindo dessas teorias e vivendo um novo contexto histórico (início da Revolução Russa), Eisenstein concluiu que a montagem realista e linear do cinema comercial era utilizada como instrumento de propagação da ideologia burguesa, começando a desenvolver um 13 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova projeto de cinema revolucionário que pudesse influenciar o espectador numa outra direção. Ele defendeu que a montagem deveria incorporar momentos chocantes (as atrações) que gerassem no espectador novos efeitos psicológicos. Estes "momentos abaladores", não amarrados à intriga, seriam conseguidos através da utilização da montagem de atrações, através da utilização de mecanismos específicos como a presença de fortes contrastes, a repetição, o ritmo frenético das imagens e as digressões simbólicas. Um aspecto contraditório do percurso do cineasta é que, apesar do sucesso e das futuras aplicações de suas teorias em outros contextos cinematográficos, os filmes de Eisenstein não conseguiram um dos efeitos inicialmente esperados pelo autor, em virtude da complexidade da linguagem cinematográfica por ele utilizada: possibilitar, aos espectadores, refletir sobre a necessidade da revolução. Outro dado interessante é que as formulações de Eisenstein, construídas para serem 14 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova aplicadas no cinema revolucionário, foram retomadas e ressignificadas pelo cinema comercial e político da época e, em certo sentido, ajudaram o dispositivo cinematográfico a se transformar numa poderosa “máquina-psicológica” de manipulação do espectador, na perspectiva de fortalecer a montagem realista e o cinema de propaganda. Mas se este é o Eisenstein mais conhecido e citado historicamente, não podemos esquecer outro elemento central de sua teoria: no conjunto, o filme deveria propiciar ao espectador a percepção dos aspectos ideológicos daquilo que foi exposto, ou, em outras palavras, ele deveria possibilitar um distanciamento psicológico em relação à obra. Neste ponto, vemos uma aproximação das teorias de Eisenstein com as idéias de Brecht sobre o teatro. É relevante também destacarmos que o diretor reformulou boa parte de sua concepção sobre o cinema, inaugurando outro tipo de montagem, denominada por ele de intelectual, 15 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova cujas aplicações foram realizadas nos filmes Outubro (parcialmente censurado) e A Linha Geral (proibido pelos agentes da burocracia soviética). Nesta fase, Eisenstein se distanciou das idéias de Pudovkin e se aproximou das teorias de Marx sobre a dialética e dos princípios da Arte Construtivista. Esse método visava a narrativização cinematográfica de conceitos abstratos, de fenômenos intelectuais e de teses. Uma película não teria por objetivo a narração de acontecimentos, mas sim a construção de noções que seriam apreendidas pelo espectador através do esforço intelectual, auxiliado por estímulos visuais e auditivos. Vemos aqui claramente uma tentativa do diretor de ampliar nos filmes o processo de distanciamento psicológico do espectador, possibilitando-lhe níveis diversos de reflexão. A recepção dos filmes pelo público geral foi muito negativa, visto que a compreensão de suas metáforas exigia um repertório cultural e cinematográfico muito elevado. Filmologia 16 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova Em 1947, após o lançamento da Revue Internationale de Filmologie, surgiu uma abordagem teórica denominada de Filmologia, com o propósito de estudar a relação do cinema com a sociedade, com outras artes e áreas do conhecimento, assim como a percepção dos filmes pelo público. Inicialmente, ela enfatizava a necessidade de entendimento da forma como o filme é lido pelo espectador, focalizando temas como percepção, compreensão, memorização e aquilo que eles denominaram de participação (processo a partir do qual o espectador adere psicologicamente à ficção, vivenciando-a como uma realidade). A principal referência teórica destes estudos vinha da Psicologia da Gestalt. Em meados dos anos 50, as discussões tornaram-se mais complexas e diversificadas, abordando outras questões, a exemplo de como os processos de memorização se relacionariam com os processos emocionais, subordinados às modificações do estado psicológico do espectador ao longo do filme. 17 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova Algumas pesquisas investigaram aspectos fisiológicos do processo de visionamento de um filme, condicionados pela narrativa, a exemplo da tensão muscular, da freqüência respiratória, da temperatura do corpo etc. Outra abordagem da Filmologia, denominada de ecológica, concebia que perceber significaria identificar certas estruturas invariantes, presentes no fluxo de estímulos da realidade, em constante evolução. Embora esta abordagem considerasse o fenômeno perceptual como resultante apenas dos mecanismos dos órgãos dos sentidos, sem necessidade de recorrer a conhecimentos prévios ou esquemas de interpretação, ela salientava que, nesse processo, os movimentos dos espectadores seriam cruciais para o entendimento do filme: a percepção se apoiaria nas possibilidades do indivíduo de conectar as mudanças presentes em seu campo de visão com os movimentos voluntários de seu corpo. E ainda que a câmera, o projetor, o filme e a tela formariam um dispositivo capaz de gerar um processo de 18 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova percepção semelhante ao vivido por um indivíduo diante de acontecimentos reais. A cena cinematográfica simularia, desta forma, o enquadramento do campo de visão que um observador humano teria num contexto natural. Isso ocorreria em razão de diferentes fatores, tais como o recebimento de indicações óticas que geram o efeito cinestésico, dando ao espectador a sensação de estar presente na cena, e as técnicas cinematográficas que simulam o efeito tridimensional das imagens. Esta abordagem seria retomada pelas teorias cognitivistas no fim dos anos 70. É importante pontuar aqui que a revista, ao longo dos anos, foi ampliando suas abordagens, dando espaço para publicações de diferentes perspectivas teóricas. Atualmente, a Filmologia é considerada por muitos, não como uma abordagem teórica específica, mas como uma área do conhecimento que tem como objeto o estudo do cinema. O Cinema e o Homem Imaginário Edgard Morin, através de seu livro “O Cinema e 19 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova o Homem Imaginário”, de 1962, auto-intitulado como um estudo sociológico/antropológico, partiu da teoria de que o realismo do cinema seria resultante do processo de reprodução mecânica da realidade, originário da sua base fotográfica (tese defendida por autores como Bazin e Krackauer). Num momento posterior do texto, ele desconstrói esta teoria, na medida em que passa a defender que o filme é também produto da subjetividade do olhar do espectador, ou melhor, da participação deste no processo de significação do que é visto. A participação era compreendida por ele como um mecanismo de “projeção-identificação polimorfa”, no qual o espectador não apenas se projetaria no mundo ficcional, mas o absorveria, de forma inconsciente, como num sonho ou nas fantasias infantis. Ele pontuou também a presença da subjetividade cinematográfica, a partir do que chamava de “experiência psicológica (mobilização de faculdades mentais e processos cognitivos), dimensão antropológica (afirmação do eu) e 20 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova dimensão lingüística (o eu como fonte de expressão e de comunicação)”. Objetividade e subjetividade, dessa forma, se entrelaçavam no processo de significação fílmica. Para o autor, o cinema incorporaria uma dimensão imaginária, não por representar o que é falso, mas porque, ao utilizar determinadas técnicas cinematográficas, estimularia a imaginação dnos sujeitos. Ao mesmo tempo, ele entendia que a realidade imaginária produzida pelo cinema revelaria aspectos culturais da sociedade contemporânea. Ele concebia o imaginário como: o que existe de mais multiforme e multidimensional em nossa vida, no qual estamos imersos. É o infinito princípio virtual que acompanha o real que é único, limitado e finito no tempo. Trata-se da estrutura antagonista e complementar do que concebemos como real, e sem a qual, indubitavelmente, não existiria realidade para o homem, ou melhor, realidade humana. 21 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova (MORIN, 1980, p.84). Com este livro, Morin antecipou algumas abordagens do cinema, articulando perspectivas que seriam retomadas pela sociologia, pela psicanálise, pela semiologia e pela filosofia de Deleuze. Cinema, Estruturalismo e Psicanálise Com a difusão do estruturalismo, o tema da espectatorialidade vai ser analisado em profundidade. Christian Metz foi, na França, o grande teórico estruturalista do cinema, ao lado de tantos outros autores que focalizaram o cinema como texto, como linguagem e deram ênfase à análise da forma fílmica, ou seja, aos elementos significantes dos signos cinematográficos. Metz começou sua teorização dizendo que, de todos os problemas da teoria do cinema, um dos mais importantes é o da impressão de realidade vivida pelo espectador diante do filme. (...) existe no domínio fílmico o segredo de uma presença e de uma proximidade que aglomera o grande público e consegue lotar mais ou menos as 22 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova salas. Impressão de realidade, fenômeno de muitas conseqüências estéticas, cujos fundamentos são sobretudo psicológicos (...) o filme nos dá o sentimento de estarmos assistindo diretamente a um espetáculo quase real. Desencadeia no espectador um processo ao mesmo tempo perceptivo e afetivo de “participação” (...) conquista (...) credibilidade. (METZ, 1972, p.16). Baseado nas idéias de Barthes sobre a fotografia, ele afirma que: o que nos é apresentado não está verdadeiramente aqui (...) o espectador não apreende um ter-sido-aqui, mas um ser-aqui vivo. A impressão de realidade que o filme nos dá não se deve de modo algum à forte presença do ator, mas sim ao frágil grau de existência destas criaturas fantasmagóricas que se movem na tela incapazes de resistir à nossa constante tentação de investi-las de uma “realidade” que é a da ficção (noção de “diegese”), de uma realidade que provém de nós mesmos, das projeções do filme. Se o 23 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova espetáculo cinematográfico dá uma forte impressão de realidade, é porque ele corresponde a “um vazio no qual o sonho imerge facilmente”. (METZ, 1972, p.17;23). Trabalhando com os processos narrativos do filme, Metz começou a defender a existência de uma lógica, uma estrutura, que presidiria a forma de organização dos signos fílmicos, especialmente os de montagem, gerando o processo de realismo nos espectadores, ao qual se refere acima. Ele comparou a estrutura do cinema à da linguagem verbal, fazendo uma analogia em que a imagem isolada era comparada à letra, o plano à palavra e a seqüência à frase. A organização das seqüências, chamada por ele de sintagma, é que daria sentido à narração, da mesma forma que as ordenações das frases dariam inteligibilidade ao texto escrito. Ele estudou o funcionamento do cinema clássico e concluiu que, por trás da diversidade das histórias, existiria uma estrutura sintagmática que se repetiria em todos os filmes. Ele construiu, 24 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova assim, a chamada Grande Sintagmática, estrutura composta por oito tipos de sintagmas (formas de organização dos planos), cuja utilização num filme gerava tipos específicos de repercussão psicológica nos espectadores. A Grande Sintagmática foi, em certo sentido, a tentativa de Metz de isolar as figuras sintagmáticas mais importantes do cinema narrativo, respondendo à questão: de que modo o cinema se constitui como discurso narrativo? Dessa forma, a Grande Sintagmática constitui uma tipologia das diversas formas nas quais o espaço e o tempo podem ser ordenados através da montagem dentro dos segmentos do cinema narrativo. São três os critérios para identificação e separação dos segmentos autônomos: 1) unidade de ação; 2) o tipo de demarcação ou de pontuação; 3) a estrutura sintagmática (os princípios de pertinência que identificam o tipo sintagmático). O cinema, nesse sentido, foi quase reduzido a uma estrutura de signos, muitas vezes binários, 25 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova que traduziam, em termos simbólicos, algumas contradições e oposições da vida social. Mesmo que consideremos que muitos filmes do cinema clássico podem ser analisados parcialmente à luz da Grande Sintagmática, a sua universalização foi um dos equívocos de Metz, que, em função das diversas críticas a ele realizadas, acabou admitindo, num momento posterior, que esta estrutura aplicava-se apenas a um grupo específico de filmes e que não explicava a totalidade do funcionamento do cinema. Mas a abordagem textual do cinema engloba outras vertentes, algumas ligadas à teoria literária e outras à chamada narratologia. Destacaremos os conceitos que consideramos essenciais para nossa discussão, por serem elementos fundamentais para o controle emocional do espectador: ponto de vista, narrador, voz narrativa, focalização e enunciação. O ponto de vista é entendido geralmente como a perspectiva ótica de um personagem cujo 26 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova olhar ou visão domina uma seqüência ou, em seu sentido mais amplo, a perspectiva geral do narrador frente aos personagens e fatos do mundo ficcional (diegético). A manipulação do ponto de vista de um filme pode modelar o olhar e a interpretação do público em relação à história em curso, até mesmo porque o processo de participação se inicia quando o espectador identifica-se com o ponto de vista de um dos personagens. Os filmes podem utilizar um único ponto de vista ou pontos de vista distintos, privilegiando ou não um deles como hierarquicamente superior aos demais. O narrador é a figura que conduz a narrativa, ou seja, direciona a narração da história. Em geral, o narrador constitui-se no elemento fundamental do contrato ficcional que a narração estabelece com o público, porque é a partir dele que o espectador dá credibilidade ao discurso produzido pelo filme. Existem três tipos de narradores: 1) o intra-diegético, aquele que pertence à história narrada, a exemplo do personagem do filme Brás Cubas, que conta 27 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova sua própria história ao longo filme; 2) o extra-diegético, que corresponde a um personagem do filme que narra uma história da qual não participa, a exemplo dos narradores dos filmes Terra e Liberdade e Titanic; 3) por fim, o narrador cinematográfico, que é uma instância narrativa oculta que dirige, através dos elementos fílmicos, a condução da história e não está personificado. A voz narrativa relaciona-se com as conexões entre o narrador e a história contada e responde a questões como: Como se situa a presença do narrador temporalmente em relação à história? É anterior, posterior, simultânea ou intercalada? Qual a extensão da presença do narrador no relato? Qual a sua relevância? A enunciação é um termo lingüístico que distingue o que se diz (o enunciado) dos meios utilizados para dizê-lo (enunciação). Os estudos sobre a enunciação enfatizam os modos pelos quais o falante e o narrador se inscrevem na mensagem, ou seja, o modo 28 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova como se dirigem ao espectador. Na teoria fílmica, a enunciação significa também a constituição da subjetividade na linguagem e, em segundo lugar, as marcas de sua produção no texto fílmico e, por conseguinte, o controle do espectador através do nexo imaginário estabelecido entre ele e o narrador. “As teorias da enunciação permitiram levar em consideração a maneira pela qual o texto fílmico se desenha, se enraíza e se volta sobre si mesmo” . (AUMONT; MARIE, 2003). Filmes comerciais geralmente escondem as marcas de enunciação e mostram-se como transparentes e naturalistas. Filmes alternativos buscam uma opacidade do discurso, relevando suas marcas de produção no tecido do texto. A focalização diz respeito àquilo que um personagem vê e sabe da história narrada e a sua relação com o saber do narrador e, por conseqüência, do espectador. Existem três tipos de focalização: 1) um narrador onisciente que vê mais do que sabem os personagens; 2) um narrador que só vê aquilo que um 29 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova personagem sabe; 3) um narrador que vê menos do que sabe o personagem. A manipulação da focalização é fundamental para o que o espectador acredita em relação ao relato e, conseqüentemente, na sua situação psicológica. Essa manipulação é criada no filme, em pelos menos três níveis, que se unem formando um sistema geral de narração: 1 Pró-fílmico (os elementos presentes numa imagem); 2 - Produção (processo de enquadramento, englobando movimentos, planos etc.); 3 - Montagem (combinação de planos, onde na qual as relações temporais e espaciais são estabelecidas). Dando continuidade ao nosso histórico, apontamos que, no interior do movimento estruturalista, surgem diversas perspectivas de leitura dos filmes e de análise do espectador influenciadas pela psicanálise lacaniana que, especialmente nos anos 70, embasaram grande parte da teorização sobre o cinema. Alguns teóricos sinalizavam para o fato de que o funcionamento da psique humana (em geral) 30 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova e a representação cinematográfica (em particular) guardavam semelhanças. Nesse sentido, a teoria freudiana do inconsciente e da subjetividade humana poderia contribuir para a compreensão dos processos textuais implicados na realização e na análise de um filme. Outra utilização da teoria freudiana consistia em enxergar os filmes como sintomas reveladores de questões psíquicas do autor, sendo o processo de análise fílmica equivalente ao processo psicanalítico. Uma perspectiva psicanalítica do cinema muito explorada foi aquela que propunha uma analogia entre os sonhos e os filmes. O espectador era colocado na condição de sonhador (semi-desperto), inclusive pela situação em que se encontrava (sala escura, isolamento, abandono psicológico, irrealidade das imagens vivenciadas como reais, passividade, adesão empática à narrativa). Acrescentava-se a isto a presença do processo de identificação (que levava o espectador a vivenciar os acontecimentos a partir do ponto 31 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova de vista de um personagem) e de projeção (em que o sujeito projeta suas questões existenciais e psicológicas para o enredo do filme). Neste caso, o espectador, sujeito desejante, seria o elemento central da significação fílmica (irrelevante sem seu trabalho inconsciente). Outra linha de pensamento defende que o aparato cinematográfico teria sido construído como uma máquina psicológica, visando criar no espectador não apenas a impressão de realidade, mas uma satisfação psíquica e um eterno desejo de retorno. Esses processos estariam relacionados com a base técnica do cinema, com as condições de projeção do filme, com as características narrativas das películas, assim como com os próprios mecanismos psicológicos do espectador (conscientes e inconscientes). Para Baudry (apud AUMONT, 1986), por exemplo, o regime de crença de quem assiste ao filme, onde no qual “tudo é aceito como real”, não ocorreria apenas em função da impressão de realidade, mas seria intensificado pela condição de sonho 32 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova do espectador, o que ele chama de “efeito de ficção”. Ele afirma que o espectador entraria num estado de regressão artificial que consiste na ativação de um desejo inconsciente de retornar a uma fase de desenvolvimento psíquico, anterior à formação do ego, onde na qual o sujeito ainda não conseguiria distinguir a percepção (de uma coisa real) da representação (de uma imagem). Seguindo essa linha, há ainda abordagens que relacionam o cinema com os mecanismos de identificação para a Psicanálise. Segundo esta teoria, a identificação primária passa pelo processo de constituição imaginária da noção de eu, no qualonde os sujeitos começam a se diferenciar dos objetos e dos outros. O eu se define, assim, por uma identificação com a imagem do outro: “por um outro e para um outro”. Esse processo é denominado “fase do espelho”. As identificações secundárias seriam aquelas posteriores ao Complexo de Édipo e à entrada do sujeito no simbólico. Essas identificações seriam a matriz de todas as 33 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova identificações futuras do sujeito e originárias de suas neuroses. No cinema, a identificação primária seria aquela pela qual o espectador se identifica com seu próprio olhar e se sente como foco da representação, como sujeito privilegiado e central da visão. A secundária seria aquela realizada com a estrutura narrativa, com os personagens e com a ação (AUMONT, 1986). Alguns teóricos fizeram uma equivalência entre a identificação primária no cinema e a fase do espelho, assim como entre a identificação secundária e a estrutura edipiana. Nos filmes, as identificações só seriam possíveis porque o espectador já teria sofrido processos identificatórios individuais na sua infância. Parte da fascinação pelo cinema viria desse mecanismo. Decorre disto a concepção do filme como uma resposta ao nosso desejo de plenitude, visto que ele nos oferece mundos estruturados, coerentes e não-contraditórios com o eu. Três são as razões evocadas para a defesa da afinidade do cinema com a cena primária: 1) a solidão do 34 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova espectador e a imposição de sua concentração na tela transformam-no em sujeito mais fragmentado e isolado; 2) o cinema é composto de pessoas e fatos ausentes; 3) existe uma segregação de espaços, em que se separa o espetáculo do espectador. Narratologicamente, Aumont explica essa relação da seguinte forma: Qualquer narrativa clássica inaugura a captação de seu espectador, impondo uma distância inicial entre um sujeito desejante e seu objeto de desejo. Toda a arte da narração consiste, depois, em regular a perseguição sempre relançada desse objeto do desejo, desejo cuja realização é incessantemente adiada, impedida, ameaçada e retardada até o final da narrativa. O percurso narrativo clássico emprega, portanto, duas situações de equilibro, de não-tensão, que marcam seu início e seu final. A situação de equilíbrio inicial é marcada rapidamente por uma falha, por um desvio, que a narrativa tentará preencher, ao final de uma série de impedimentos, de pistas falsas, de 35 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova contratempos devidos ao destino ou à maldade dos homens, mas cuja função narrativa é manter a ameaça dessa falha e o desejo do espectador de ver finalmente sua solução, que marca o final da narrativa, o retorno ao estado de não-tensão, seja pelo preenchimento da distância entre sujeito e o objeto de desejo, ou, ao contrário, pelo triunfo definitivo da lei, que proíbe para sempre esse preenchimento. (AUMONT, 1986, p.263). No final dos anos 70 e início dos 80, essas teorias vão ser duramente criticadas pelos chamados pós-estruturalistas, assim como por novas correntes de pensamento que surgiriam no cenário francês e anglo-saxão. Não temos como proceder a uma revisão completa desse percurso. Finalizaremos nosso histórico resumindo as idéias relacionadas com a chamada Teoria Analítica, de influência cognitivista, que emerge com força no final do século XX, especialmente nos países anglo-saxões. Teoria Analítica/Cognitivista 36 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova Uma das características da Teoria Analítica seria o resgate da noção de ciência “como um recurso e um modelo” (ALLEN; SMITH, 2005, p. 101) e a de racionalidade prática para o estudo do cinema. Walton (2005), em “Temores Fictícios”, ao se referir às emoções que sentimos quando assistimos a um filme, defende a hipótese de que, em função de estarmos diante de uma ficção e sabermos que não estamos vivendo o real, não poderíamos produzir emoções de fato. Ele explica nossas reações como sendo quase emoções, derivadas do processo de fazer-de-conta que o que estaríamos assistindo seria verdade, processo realizado pelo espectador de modo consciente ou automático. Smith (2005), ao falar dos processos emocionais do espectador, critica o conceito de ilusão projetiva no cinema, assim como a metáfora do sonho, afirmando que eles “não são capazes de explicar adequadamente nossa experiência com a ficção” e tenta “demonstrar que, de modo geral, as peculiaridades de nossa experiência 37 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova ficcional seriam muito mais bem compreendidas utilizando-se os conceitos de atenção, imaginação, percepção e sensação do que o de falsa crença” (SMITH, 2005, p. 143). Ele chega a sugerir que as teorias da crença nos processos de projeção e identificação cinematográficos, em última instância, conduziriam à idéia, por exemplo, de que filmes violentos gerariam comportamentos agressivos nos espectadores, o que, ao nosso ver, constitui-se como uma leitura deturpada dos conceitos criticados pelo autor. Em seguida, ele afirma que a metáfora da ilusão sobreviveria devido a sua articulação com as teorias brechtianas, althusserianas e lacanianas, em que estaríamos “subjugados por estruturas psíquicas e sociais”. (Idem). Sobre as emoções do espectador diante de um filme, ele nos dá, primeiramente, duas possíveis explicações: “1) o que está implicado na apreensão da ficção é uma forma de fingimento ou faz-de-conta, e não de crença, e que o que parece ser resposta emocional é de 38 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova fato apenas quase-emoção [tese exposta acima por Walton]; 2) que não é preciso acreditar em uma série de eventos para a eles responder emocionalmente; basta entreter-se imaginativamente em uma situação ficcional para sentir-se sensibilizado por ela” (SMITH, 2005, p.151-2). Em seguida, o autor descarta as duas explicações, afirmando que as mesmas desconsideram uma questão básica para o entendimento das emoções no espectador: a ficção dependeria sempre de uma correspondência com acontecimentos reais. Por fim, ele defende a hipótese da emoção do espectador como uma atividade imaginativa, ou seja, que “os espectadores não sofrem a perda de sua consciência habitual (...) em lugar disso, entretêm imaginativamente proposições e imagens dos textos ficcionais”. (SMITH, 2005, p.154). O espectador, assim, imaginaria uma situação que hipoteticamente poderia ser real. A imaginação diria respeito a nossa capacidade de compor representações mentais de objetos ausentes (objetos reais, 39 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova mas não presentes) ou objetos irreais (fictícios). O cinema, com seus dispositivos, estimularia nossa capacidade imaginativa, por oferecer uma experiência sensorial mais forte que outros meios, aumentando nosso repertório experiencial. Ele argumenta que a transparência da montagem invisível ocorre pelo fato das convenções da decupagem clássica terem sido concebidas para que não tenhamos nossa atenção centrada nelas, mas na ação, “que tem uma continuidade para-além do corte” (SMITH, 2005, p.159). Já Taylor (2005) afirma que a ficção e a imaginação nos permitem quase-experiências, oferecem-nos um meio para avaliarmos nossas prováveis respostas emocionais a situações hipotéticas e apreciarmos os sentimentos de outras pessoas, passando por situações que ainda não tivemos a possibilidade de experimentar. Temos aqui a noção de não-engajamento no filme, que permitiria ao espectador a realização de uma análise distanciada da narrativa. Na mesma linha, 40 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova Currie (2005) defende que o mecanismo de faz-de-conta da ficção cinematográfica, afirmando que culturalmente ele traz vantagens para o desenvolvimento da mente dos sujeitos, tais como experienciar eventos, explicar e prever o comportamento de outras pessoas. Quando fazemos-de-conta, somos capazes (espontaneamente) de experimentar, em nossa imaginação, o resultado da ação e selecioná-la, posteriormente, como apropriada ou não para nossos contextos. Por fim, diz que as ficções visuais exploram mais a capacidade de processamento de informação do aparelho visual humano por nos disponibilizar uma grande quantidade de detalhes, facilmente assimilados. Não é por acaso que muitos cognitivistas começaram a utilizar filmes como formas de sensibilização de contextos traumáticos na clínica. Cinema e Propaganda A questão da influência do cinema sobre o comportamento dos espectadores na sua vida cotidiana, apesar da sua importância, não é um 41 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova objeto de estudo da teoria do cinema. No entanto, trata-se de um tema amplamente debatido pelas ciências humanas e, sobretudo, pela mídia. Iremos abordá-lo rapidamente, por acreditarmos que a maior parte das suas discussões não possui uma base teórica sólida. Exemplos dessa fragilidade teórico-conceitual podem ser vistos nas abordagens que consideram que o cinema pode agir isoladamente sobre os sujeitos e naquelas que defendem que os espectadores assimilam os conteúdos e propostas dos filmes de maneira passiva. É inquestionável que os audiovisuais tornaram-se importantes veículos culturais ao longo do século XX, e daí sua conseqüente relevância na construção de valores e crenças dos espectadores, ao lado de outros artefatos sócio-culturais e políticos. Não é por acaso que os regimes totalitários e a política institucionalizada preocupam-se tanto com o controle da produção e da veiculação do cinema e da tTelevisão. Todavia, isto não 42 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova significa que os sujeitos encontrem-se aprisionados numa estrutura ideológica que só lhes possibilite uma postura passiva diante destas mídias e muito menos que o comportamento dos indivíduos seja modelado pelas mesmas. Esta é uma postura ingênua e limitada sobre comportamento e subjetividade humana. Essa discussão nos remete à compreensão dos conceitos de verdade, poder e controle, instâncias que funcionam, nas organizações soócio-culturais, de forma entrelaçada. Hoje, a ciência não trabalha mais com a noção de verdade universal, privilegiando a idéia de construção de verdades, em função das características e contingências específicas de cada rede social. Em geral, nas sociedades, os indivíduos e/ou grupos que constroem as noções de verdade encontram-se associados a algum tipo de agência de poder. Mas é importante sinalizar que o poder não é produzido apenas por organizações institucionalizadas, como o 43 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova Estado, a Religião, a Educação etc., mas que se encontra presente em todas as relações humanas, manifestando-se em diversos níveis e de formas variadas, influenciando as atividades e a existência dos homens. Para Skinner (1981), as instituições ou agências controladoras desenvolveriam tecnologias específicas de manipulação das variáveis controladoras de determinados tipos de comportamento. Conseqüentemente, essas agências operariam com mais sucesso, isto é, manteriam um controle social mais eficiente, pelo menos dentro de suas áreas de atuação. Nesse sentido, podemos ver o cinema também como uma agência de controle que desenvolveu (não necessariamente de forma intencional) tecnologias de manipulação de variáveis controladoras do comportamento humano, para fins econômicos, políticos, culturais e estéticos. Mas Skinner (1972) também argumentou que, se o indivíduo (nessa discussão, o espectador) tomasse consciência dos processos de controle 44 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova dos dispositivos com os quais ele interagia, ou seja, se fosse capaz de analisar as contingências envolvidas na situação, ele poderia exercer um tipo de contracontrole, dando-lhe a possibilidade de reagir aos tipos de controle aos quais que estava submetido, viabilizando, assim, a construção de comportamentos diferentes daqueles previstos pelas tecnologias de controle. Para a discussão da influência dos filmes nos espectadores, é interessante ainda analisar o fenômeno da motivação, explicado tradicionalmente através de processos internos, como expectativas, vontades ou desejos. Para Skinner, a motivação deveria ser vista como uma variável controladora do comportamento. A palavra motivação foi substituída por operação estabelecedora, sendo compreendida como uma variável que momentaneamente alterava a efetividade reforçadora de algum objeto, estímulo ou evento (efeito estabelecedor do reforço); e, momentaneamente, alterava a freqüência de 45 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova um tipo de comportamento que tinha sido reforçado por aquele objeto, estímulo ou evento (efeito evocativo). As operações estabelecedoras poderiam ser incondicionadas (de origem filogenética, variando a depender da espécie) e condicionadas (de origem ontogenética e cultural). Ou seja, o efeito estabelecedor do reforço poderia ser inato ou aprendido. Uma agência de controle, ao conhecer o funcionamento desse mecanismo, poderia utilizá-lo para direcionar o comportamento dos sujeitos em determinado contexto, o que não equivaleria a um processo de manipulação comportamental, visto não seria possível ter controle sobre todas as variáveis envolvidas nesse processo. É por isto que não podemos concluir que filmes violentos produzem comportamentos agressivos nos espectadores, visto que o processo de recepção e significação dos mesmos leva em consideração a história individual de cada sujeito. No máximo, pode-se hipotetisarsupor que a presença intensa de representações 46 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova midiáticas violentas amplia a possibilidade de constituição de valores culturais sobre a violência que, em determinados sujeitos, podem se tornar-se um elementos influenciadores de comportamentos tidos socialmente como agressivos. Citaremos aqui uma experiência que ilustra o que estamos questionando. Durante o contexto da Segunda Guerra Mundial, o governo dos EUA encomendou a alguns cineastas a produção de uma série de documentários (Why We Fight), visando convencer a opinião pública da necessidade do Estado entrar na guerra, depois de um contexto em que se defendia uma postura de neutralidade. Paralelamente, foi constituída uma equipe de pesquisadores, liderada por psicólogos, cujo objetivo era avaliar o grau de influência dos filmes na opinião dos espectadores que participariam da pesquisa. Os resultados da investigação sugeriram que, embora os filmes exercessem alguma repercussão sobre os sujeitos, não era possível delimitar e/ou identificar em que 47 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova extensão e de que forma o processo de influência havia se estabelecido. (FURHAMMAR; ISAKSSON, 1976). Para concluir o artigo, abordaremos o tema cinema e psicologia, a partir da perspectiva do Behaviorismo Radical, reflexão ainda não sistematizada pela teoria do cinema, nem pelos psicólogos comportamentais. Por isto, achamos importante situar o leitor diante de alguns conceitos básicos do Behaviorismo, para então procedermos a uma discussão do cinema a partir deste referencial. Cinema e Behaviorismo Radical Skinner, ao longo do tempo, veio construindo o modelo de seleção por conseqüências como eixo de sua teoria, em que, influenciado por Darwin, utilizou os conceitos de variação e de seleção como fundamentais para a compreensão do comportamento humano. A partir da elaboração do conceito de comportamento operante, Skinner passou a afirmar que os comportamentos seriam selecionados pelas conseqüências que eles 48 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova próprios produziriam. O Behaviorismo Radical, filosofia da Ciência do Comportamento, desenvolvida por Skinner, ao contrário do que se costuma pensar, trabalha com uma noção de causalidade particular. Para esta abordagem, o indivíduo apresenta um repertório comportamental variado e, na sua interação com o mundo, alguns comportamentos são selecionados pelo ambiente . Skinner introduziu, portanto, a noção de ambiente como um selecionador de comportamentos. Skinner também fez uma críitica à noção de intencionalidade do comportamento, e seu modelo teórico de seleção pelas conseqüências lhe concedeu unidade conceitual, na medida em que o mesmo princípio que explicava as leis que determinavam a origem dos comportamentos humanos e de outras espécies explicava também as diferenças entre a espécies e entre os diversos comportamentos. Além disso, o modelo de seleção pelas conseqüências 49 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova possibilitava a interpretação de qualquer evento comportamental, a partir de uma perspectiva de múltipla determinação. Para o Behaviorismo Radical, a explicação dos comportamentos está na inter-relação do organismo com o mundo, denominada de contingências de reforçamento. Skinner criticou as teorias que sugeriam uma ação direta do ambiente sobre o sujeito e também aquelas que sugeriam um mundo “criado pelo sujeito”. Para o Behaviorismo Radical, o ambiente afeta o organismo antes e depois dele responder. Para analisar uma contingência de reforçamento, precisamos especificar pelo menos três processos: 1) a ocasião em que o estímulo ocorre (evento antecedente); 2) a própria resposta; 3) as conseqüências produzidas pela resposta. Assim, um estímulo, dentro de um contexto em que uma resposta é reforçada, pode passar a controlar a resposta. Estímulo pode ser concebido como uma parte do ambiente que afeta o comportamento. Um fenômeno relevante para esta abordagem 50 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova é aquele denominado de controle de estímulos, que, na nossa perspectiva, explica algumas estratégias utilizadas pelo cinema para influenciar os espectadores. Para a compreensão do controle de estímulos, dois processos mostram-se essenciais: discriminação e generalização. No processo de discriminação de estímulos, o sujeito só responde diante de um estímulo específico. As pesquisas têm mostrado um aspecto curioso na discriminação de estímulos. Junto com ele, sempre ocorre o processo de generalização. Aqui, a discriminação de um determinado estímulo faz com que sua resposta seja generalizada a outros estímulos com propriedades comuns ao mesmo. (SÉRIO, 2002). Tais pesquisas têm produzido resultados animadores com relação à compreensão do comportamento humano complexo, que engloba, por exemplo, o comportamento verbal, a percepção, a atenção, a abstração, dentre outros. É importante enfatizar mais uma vez 51 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova que todo comportamento é resultado de contingências de reforçamento. No caso da percepção e da atenção, são os estímulos antecedentes os principais agentes de controle. Elas sofrem a influência da história do indivíduo e de circunstâncias presentes no momento em que o indivíduo se comporta: entre as variáveis que controlam a percepção, no sentido de respostas controladas por um estímulo, estão: 1) características físicas do estímulo; 2) a presença concomitante de outros estímulos; 3) a história do indivíduo com relação ao estímulo”. (POLING et al. apud SÉRIO et al, 2002, p 57). O comportamento de perceber não é controlado nem pelas estruturas dos órgãos dos sentidos, nem pelo contexto do momento em que ocorre, nem pelos estímulos a ele associados, ou seja, nenhum desses aspectos isolados abrange o fenômeno perceptivo, que só pode ser compreendido através da relação da história do sujeito com tais estímulos. Assim, uma pessoa não é um espectador 52 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova indiferente a absorver o mundo como uma esponja (...) não estamos simplesmente ‘cientes’ do mundo ao nosso redor; respondemos a ele de maneiras idiossincráticas por causa daquilo que aconteceu quando estivemos em contato com ele. (SKINNER, 1974, p.66). É interessante destacar ainda que algumas respostas perceptivas, a exemplo daquilo que a pessoa vê, são controladas também pela força dos estímulos (a probabilidade do estímulo de possibilitar, num maior grau, uma determinada resposta). Quando um estímulo é fraco, o que a pessoa vê está sendo controlado por outros estímulos mais fortes dentro daquele contexto. Em outras palavras, “uma pessoa vê uma coisa como alguma outra coisa, quando a probabilidade de ver esta é grande e o controle exercido por outra é pequeno”. (SKINNER, 1974, p.67). Algumas ilusões, por exemplo, parecem irresistíveis; vemos aquilo que sabemos não estar realmente ali. Alguns exemplos parecem 53 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova ser razoavelmente explicados em termos de seleção natural; não é de surpreender que, ao ver um pássaro voar por trás de um tronco de uma árvore, agimos como se ele continuasse a existir fora do alcance de nossa visão (...) pequenas lacunas em configurações ordenadas são proveitosamente negligenciadas, assim como “negligenciamos” os pontos cegos de nossa retina. Não precisamos postular princípios estruturais para explicar tais características. As contingências de reforço também contribuem para percepções irresistíveis. (SKINNER, 1974, p. 68). Para explicar como uma pessoa interpreta uma situação, precisamos analisar seu comportamento em relação à própria situação, inclusive suas descrições sobre a mesma. Sidman afirma que: “uma das observações mais fascinantes é que nós muitas vezes reagimos às palavras e a outros símbolos como se fossem coisas ou eventos aos quais se referem” (SIDMAN apud BATISTA, 2000, p. 54 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova 90), porque isto está relacionado com algo de nossa história de vida, que gerando esse processo de equivalência. Há muitas maneiras de levar uma pessoa a ver algo, e todas elas podem ser analisadas como um arranjo de contingências para fortalecer o comportamento perceptivo. O cinema, através de seus componentes cinemáticos, utiliza-se desse conhecimento para produzir, dentre outras coisas, o reconhecimento daquilo que conhecemos anteriormente. O cinema trabalha em especial com estratégias que mantêm, direcionam ou focalizam a atenção e a motivação do espectador. Para o Behaviorismo, a atenção também é um comportamento controlado por estímulos antecedentes: O controle exercido por um estímulo discriminativo é tradicionalmente tratado sob o rótulo de atenção. Este conceito inverte a direção da ação sugerindo, não que um estímulo controla o comportamento de um observador, mas que o observador atenta para 55 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova o estímulo e, assim, o controla. No entanto, algumas vezes reconhecemos que o objeto “chama ou mantém a atenção” do observador. O que usualmente queremos dizer, neste caso, é que o observador continua a olhar para o objeto (..). a atenção é uma relação de controle – a relação entre uma resposta e um estímulo discriminativo. Quando alguém está prestando atenção está sob controle especial de um estímulo. (SKINNER, 1981, p.122). A partir do Behaviorismo Radical, portanto, podemos inferir que o cinema utiliza a relação entre controle de estímulos e os comportamentos do espectador, construindo uma espectatorialidade que lhe permite induzir determinadas respostas no processo de visionamento de um filme. Os processos de controle de estímulos (discriminação e generalização), além do encadeamento de respostas e a equivalência funcional de estímulos, são amplamente utilizados para este fim. Mas não podemos deixar de pontuar que a significação do espectador está condicionada 56 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova também à sua história, assim como ao contexto de observação. Iremos agora exemplificar algumas técnicas da linguagem cinematográfica, demonstrando como elas podem atuar na esfera psicológica dos espectadores. Podemos afirmar que o cinema comercial começa a apresentar padrões de funcionamento já na elaboração do roteiro. As histórias roteirizadas convencionalmente são divididas em três atos, um de apresentação, outro de confrontação e um último de resolução. Cada um destes atos é composto por eventos ordenados numa cadeia pré-definida. Num filme americano que tem em média duas horas, o ATO I dura 30 minutos. Os dez primeiros minutos são fundamentais na construção do filme, pois é o tempo necessário para que certos estímulos funcionem controlando os comportamentos de atenção e percepção e para que o espectador entre no universo diegético. Neste ato, apresenta-se a situação dramática que o filme trabalhará, 57 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova expõe-se um contexto, mostra-se uma situação que o desestabiliza, cria-se uma expectativa de que o problema pode se resolver, antecipam-se algumas dificuldades para, finalmente, surgir o conflito. Progressivamente, o espectador vai se envolvendo com a narrativa e se identificando com o ponto de vista do herói. O ATO II, que tem aproximadamente 60 minutos, é o momento em que o personagem principal e os coadjuvantes enfrentam obstáculos para a resolução do problema que vai se complicando, até se tornar dramático. Depois, apresenta-se uma tentativa de solucionar o caso com ações extremas que geram uma crise. O ATO III produz o clímax do filme, no qual, através do chamado ponto de virada, ocorre algum acontecimento que muda o curso da história, conduzindo a uma estabilização da situação. Dessa forma, a organização do roteiro nos três atos constitui-se numa estratégia de manutenção do interesse do espectador pelo filme, em função da constante expectativa da resolução do problema original. 58 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova Praticamente todo procedimento de expressão fílmica tem por função produzir efeitos psicológicos no espectador. Com relação à forma de montar o filme, citamos o exemplo do uso da chamada montagem invisível pela maior parte das narrativas comerciais, que tem como principais objetivos: 1) a justaposição dos planos de maneira que sua transição se torne imperceptível, criando uma ilusão de continuidade; 2) a manutenção contínua da atenção do espectador. A linguagem cinematográfica construiu uma variedade de regras que regem a forma de montagem dos filmes. A montagem rítmica relaciona-se com a maneira de manipular a duração de cada plano e é construída em função do direcionamento da atenção do espectador para aquilo que está sendo destacado. Devido a características próprias do processo de controle de estímulos, os cineastas sabem que a atenção do espectador se modifica ao longo da duração de cada plano. Num primeiro instante, o 59 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova espectador reconhece as imagens, depois sua atenção é dirigida para o aspecto fundamental do plano. Passado este momento, ele tende a se entediar com o restante do conteúdo. Baseada nesta constatação, a montagem rítmica visa cortar os planos no momento em que o espectador está mais atendto, mantendo um ritmo constante de interesse pelo que é mostrado. Como afirma Marcel Martin, “o diretor não estabelece mais a duração dos planos em função do que tem a mostrar (materialmente), mas do que tem a sugerir (psicologicamente), isto é, em função da dominante afetiva do roteiro”. (MARTIN, 2003, p.149). A atenção e o interesse, dessa forma, tornam-se mais importantes do que a percepção dos conteúdos da cena. O fundamental neste tipo de montagem é conhecer quais aspectos ou propriedades dos estímulos são fundamentais para o que é dramaticamente interessante e necessário no processo de percepção do público. O tamanho dos planos é outra variável que tem 60 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova o poder de controlar o espectador em suas respostas emocionais. Planos muito longos, por exemplo, provocam normalmente sensações de espera, de ansiedade ou de tédio. Por outro lado, os planos tendem a diminuir de tamanho com a aproximação do momento do clímax, ampliando a tensão do público. Outra característica da montagem que fortalece a noção de continuidade e a atenção do espectador é a relação de continuidade de um plano com o seguinte. O movimento dos atores no interior dos planos é, por exemplo, uma técnica fundamental para se cortar a cena, dando a sensação de continuidade ao espectador e fazendo com que ele se interesse em conhecer o que se sucederá àquela ação, o que para o Behaviorismo Radical é uma operação estabelecedora condicionada, aumentando a probabilidade do espectador estar constantemente motivado em relação à narrativa. A ordem dos tipos de planos numa seqüência também sugere respostas esperadas no 61 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova público. Uma maneira, por exemplo, de possibilitar ao espectador uma compreensão maior do contexto da narrativa, dando-lhe uma sensação de conforto e segurança, é colocar os planos numa ordem preé-estabelecida, tal como a seqüência a seguir: 1) plano geral; 2) plano médio 3) close-up (ou primeiro plano) 4) plano médio 5) plano geral. O tipo de plano a ser utilizado na cena é também importante. Sobre o uso do primeiro plano, Bergman afirma que, quando composto com objetividade, conduzido e representado com perfeição, ele é o meio mais poderoso de que o diretor dispõe para influenciar seu público. A angulação é outro fator relevante. Segundo Betton, O ângulo de uma tomada nunca é gratuito, é sempre justificado pela configuração do cenário, pela iluminação, pela valorização desse ou daquele aspecto do assunto, pelo ângulo do plano precedente e do seguinte, mas também e sobretudo pelo desejo de mostrar fenômenos afetivos, suscitar determinados sentimentos, determinadas emoções. 62 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova (BETTON, 1987, p. 34). O plongée, a câmera que filma uma cena de cima para baixo, geralmente cria um efeito de diminuição do personagem, podendo sugerir sufocamento, anguústia e sujeição do mesmo em relação a um contexto narrativo. O contre-plongée, contrariamente, evoca uma sensação de superioridade e de poder. Trata-se, assim, de uma técnica de induzir o espectador a perceber determinadas característica nos personagens. Não podemos deixar de pontuar a relevância do fora-de-campo como instância fundamental para a interação psicológica do espectador com o filme. O fora-de-campo diz respeito aos elementos que não estão presentes na cena, mas que são imaginados pelo espectador. Estes elementos se encontram ligados ao campo (o que se vê na tela) por continuidade sonora, vínculo narrativo ou evocação visual. Quase sempre o fora-de-campo se relaciona com cenas que já foram mostradas anteriormente e que são recordadasos num 63 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova determinado contexto pelos espectadores. Os planos gerais têem a função, normalmente, de mostrar a totalidade do espaço de uma seqüência, fornecendo ao espectador informações para que ele recrie a unidade espacial de cenas posteriores, cujo espaço estará todo fragmentado. Nos filmes de terror, o medo e a tensão do espectador são mais controlados pelo fora-de-campo do que por aquilo que ele vê na tela. Podemos citar outros elementos que atuam no controle psicológico do espectador: a profundidade de campo; o contraste do claro-escuro; o efeito da câmera lenta; a utilização extra-diegética da música etc. Buscamos, assim, resumir algumas técnicas ou dispositivos cinematográficos que atuam psicologicamente no espectador, compreendidos pelo Bahaviorismo Radical como controle de estímulos dos comportamentos operantes. Enfatizamos o comportamento de percepção, de atenção e motivação, procurando demonstrar que, 64 / 69 Cinema e Psicologia Processos Psicológicos Básicos à Luz das Teorias Cinematográficas Cristiane Nova mesmo não possuindo uma teorização sistematizada sobre o cinema, esta abordagem psicológica pode ser útil para a compreensão de muitos dos mecanismos de funcionamento dos filmes. Referências Bibliográficas ALLEN, R., SMITH, M. Teoria do Cinema e Filosofia. In: RAMOS, F. (Org) Teoria Contemporânea do Cinema, Volume I. São Paulo: Senac, 2005. p.71-112. ANDREW, J. D. As Principais Teorias do Cinema: uma Introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. ARNHEIM, R. Arte & Percepção Visual: uma Psicologia da Visão Criadora. São Paulo: Pioneira, 1986. AUMONT, J. et al. A Estética do Filme. Campinas: Papirus, 1995. AUMONT, J., MARIE, M. Dicionário Teórico e Crítico de Cinema. Campinas: Papirus, 2003. BAPTISTA, M. Q. G. 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