REFUGIADOS AMBIENTAIS EM ALTA VULNERABILIDADE: AS

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REFUGIADOS AMBIENTAIS EM ALTA VULNERABILIDADE: AS
ALTERAÇÕES AMBIENTAIS E O IMPACTO PARA O SER HUMANO
REFUGIADOS AMBIENTALES EN ALTA VULNERABILIDAD: CAMBIOS Y
IMPACTOS AMBIENTALES PARA EL SER HUMANO
Alichelly Carina Macedo Ventura1
RESUMO
O tema refugiados vem recebendo considerável atenção, em razão dos graves problemas
humanos envolvidos, conjuntamente aos desdobramentos políticos, econômicos e sociais,
uns e outros em escala nacional e internacional. A convenção relativa ao status dos
refugiados traz o enunciado de que a palavra refugiado se aplica a qualquer pessoa que,
em virtude de fundado medo em razão de perseguição por motivo de raça, religião,
nacionalidade, participação em determinado grupo social ou convicção política, encontrase fora do país do qual tem nacionalidade e, em virtude desse medo, está impossibilitada
de retornar ao país. As destruições ambientais, como o terremoto ocorrido no Haiti, os
tsunamis, desertificação no Sudão e em outros países da África, de acordo com a posição das
Nações Unidas, não podem ser enquadrados nessa categoria de proteção, nem os processos
mais lentos, que acabaram modificando a relação dos haitianos com o lugar onde
viveram. Nesse contexto, o Estado do Amazonas ganhou destaque na imprensa internacional,
trazendo para a cidade de Manaus um escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados – ACNUR, tendo em vista a rota migratória passar exatamente por aqui.
Após o ocorrido no Haiti, houve um verdadeiro investimento das Nações Unidas, em parceria
com o Governo Federal, Cáritas Arquidiocesana e Pastoral do Migrante, para traçar um plano
de ação e atendimento para os mais de 4.000 refugiados que chegavam diariamente em
Manaus, após ingressarem em território nacional pela cidade de Tabatinga. Ocorre que o
primeiro questionamento era: como classificar essas pessoas? Refugiados? Migrantes?
Deslocados? A situação jurídica seria definida após a resposta destas perguntas, mas por que o
receio em classificá-los como refugiados ambientais? A partir desses fatos, o presente artigo
possui como objetivo geral analisar a situação do refúgio ambiental, diante das catástrofes
ambientais, de forma a demonstrar que a legislação vigente é suficiente para abarcar essa
nova modalidade de refúgio.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Ambiental; refúgio ambiental; vulnerabilidade; Nações
Unidas.
RESUMEN
La cuestión de los refugiados ha recibido considerable atención, debido a graves
problemas humanos involucrados, junto con política, económica y social, y algunos en
un acontecimientos nacionales e internacionales escala. La Convención sobre el Estatuto
de los Refugiados trae la pronunciación de la palabra refugiado se aplica a toda persona
que, en virtud fundado temor de persecución por motivo de raza, religión, nacionalidad,
participación en un determinado grupo social u opiniones políticas, se Si fuera del país
de su nacionalidad y que, a causa de dichos temores, no pudo regresar al país. La
destrucción del medio ambiente, como el terremoto en Haití, los tsunamis, la
desertificación en Sudán y otros países africanos, según la posición de las Naciones
Unidas, no puede ser clasificado en esta categoría de protección, o los procesos más
1
Advogada, professora da Universidade Federal do Amazonas, ex-funcionária do ACNUR, pós-graduada
em Direitos Humanos pela Academia de Direitos Humanos da American University, Mestranda em Direito
Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas.
lentos, lo que finalmente la modificación de la relación de los haitianos al lugar donde
vivían. En este contexto, el Estado de Amazonas ganó prominencia en la prensa
internacional, trayendo a la ciudad de Manaus una oficina del Alto Comisionado de las
Naciones Unidas para los Refugiados - ACNUR, a la vista de la ruta migratoria se
someten sólo aquí. Después de lo que pasó en Haití, hubo una inversión de bienes de las
Naciones Unidas, en colaboración con el Gobierno Federal, Caritas y la Arquidiócesis
Pastoral de los Emigrantes, para idear un plan de acción y la atención a los más de 4.000
refugiados que llegan a diario en Manaus, después de unirse a en el territorio nacional
por la ciudad de Tabatinga. Sucede que la primera pregunta era: cómo clasificar estas
personas? Refugiados? Migrantes? Desplazada? La situación jurídica se definiría tras la
respuesta de estas preguntas, pero que el miedo a los clasifique como refugiados
ambientales? A partir de estos hechos, el presente trabajo tiene como principal objetivo
analizar la situación de retiro del medio ambiente frente a los desastres ambientales, a
fin de demostrar que la legislación actual es suficiente para abarcar esta nueva
modalidad de refugio.
PALABRAS CLAVE: Derecho ambiental; refugio ambiental; vulnerabilidad; Naciones
Unidas.
INTRODUÇÃO
Duas notícias chamaram atenção da comunidade internacional no ano de 2013.
A primeira, assegura que o número de refugiados ambientais ultrapassa o de refugiados
de guerra do mundo, segundo dados da Organização Internacional de Migrações – OIM.
O relatório, State of Environmental Migration de 2010, apresenta um quadro de cifras
significativo: em 2008, 4,6 milhões de pessoas tiveram que se deslocar dentro de seus países
em razão de um conflito armado enquanto outras 20 milhões tiveram que fazer o mesmo
devido a uma catástrofe natural. Infelizmente, a segunda notícia chega a ser mais alarmante,
já que a previsão é que até 2020 a cifra suba para 38 milhões.
As destruições ambientais, como o terremoto ocorrido no Haiti, não dizem respeito
somente às que poderiam ser denominadas naturais e violentas, mas também os processos
mais lentos, que acabam modificando a relação do ser humano com o lugar onde vive.
São conhecidas as catástrofes como tsunamis, terremotos, inundações, em países
como a Tailândia, China ou Filipinas, e em ilhas como Tuvalu, seca no Sudão, o acidente de
Fukushima, tempestades na Europa e o caos do terremoto do Haiti, que acabaram por
provocar a mobilidade humana, seja em nível local ou internacional. E o futuro não se
anuncia melhor.
Após o ocorrido no Haiti, tanto o próprio Brasil, mediante a Resolução normativa
do CONARE n. 97, quanto as Nações Unidas, em parceria com o Governo Federal, Cáritas
Arquidiocesana e Pastoral do Migrante, traçaram um plano de ação e atendimento para os
mais de 4.000 refugiados que chegavam diariamente em Manaus, após ingressarem em
território nacional pelas fronteiras, em especial Tabatinga, Brasiléia e Assis Brasil.
O direito ao meio ambiente sadio está presente em diversos sistemas legais, tanto
em âmbito global, art. 12 do Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, regional
interamericano, art. 11 do Protocolo de San Salvador e no ordenamento jurídico pátrio, no
art. 225 da Constituição Federal, por exemplo.
Atualmente a própria ONU detém agência específica para trabalhar com as
situações referentes ao meio ambiente, qual seja o PNUMA – Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente.
Incrivelmente, entretanto, mesmo figurando como um direito humano, tendo
agência especializada para sua tutela e estando presente nos principais tratados, os acidentes
ambientais não são considerados pela ONU, ainda, situações de refúgio. E a pergunta que se
faz é: por quê?
O motivo mais aparente é a crescente demanda de refugiados ambientais no
planeta, como narrado no início deste texto. Se os refugiados ambientais forem oficialmente
declarados “refugiados”, o ACNUR teria que adquirir mais esta competência, tornando-se a
maior agência da ONU.
Entretanto, isto ainda não ocorreu oficialmente, apesar de no caso dos Haitianos no
Brasil o tratamento ter sido bem diferente, o que possivelmente abrirá um precedente
importantíssimo para tal estudo.
No caso específico dos refugiados ambientais, embora o Direito Internacional
de uma forma geral lhes conceda proteção, não há instrumento internacional vinculante,
nem agência das Nações Unidas com mandato específico para assisti-los, segundo
TURTON (2008).
Não se pode olvidar, no entanto, que o tema das migrações é bastante amplo e
está relacionado a uma série de questões, tais como: os direitos humanos, a proteção
jurídica aos trabalhadores migrantes, a vulnerabilidade dos migrantes, a igualdade de
gêneros, o tráfico de pessoas, as implicações da emigração qualificada, o alcance da
integração regional e as possibilidades de governabilidade futura da migração, que
demandam um lugar de destaque nas agendas políticas dos países de origem, trânsito e
destino,segundo SADER (2006, p. 51).
Merecem referência, no presente estudo, a proteção dos direitos humanos, com
enfoque na vulnerabilidade deste haitiano, que sofreu e que ainda sofre com o fato de seu
país ter sido devastado duplamente: uma pela natureza e outra pelo caos que se tornou viver
ali.
Os migrantes ambientais, assim como outras categorias de migrantes, carecem
de um regime internacional de proteção. De uma forma geral, contam apenas com uma
proteção jurídica reflexa, com base em diplomas internacionais que compõem o acervo
do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Não apenas a ONU e suas agências detêm essa responsabilidade de tutela. Os
governos e as demais agências humanitárias também. Segundo o ACNUR, a proteção
ocorre sobre todas as ações que visam assegurar o igual acesso ao usufruto de direitos da
mulher, do homem, das crianças, em conformidade com as leis humanitárias e dos
refugiados, segundo, ACNUR (2003, p. 33).
Um dos principais tipos de violência que esse refugiado sofre, colocando-o em
extrema vulnerabilidade, diz respeito à violência sócio econômica. Dentro desta modalidade
tem-se a recusa aos serviços, benefícios sociais, direitos econômicos, sociais e culturais,
recusa no acesso aos serviços, prejudicando sua relação com a sociedade buscada, ACNUR
(2003, p. 40).
Percebe-se que é nesse sentido que se torna indubitável a necessidade de
reconhecimento dos refugiados ambientais como tais, sob pena de estar-se perpetrando uma
política de violência velada.
A legislação existente não pode ser interpretada de maneira restritiva, pois o
próprio Estatuto do Refugiado foi criado para a efetiva defesa de quem se encontra fora do
país do qual é nacional e está impossibilitada ou, em virtude desse fundado medo, não
deseja se entregar à proteção a ele. No caso do Haiti, aquelas pessoas não tinham outra
solução a não ser seguir adiante.
A necessidade dessa conceituação ou titulação é de suma importância, tendo em
vista o compromisso para com as obrigações contratuais ou convencionais dos Estados
que são signatários desse documento, bem como a aplicação do princípio do nonrefoulemen, que consiste na proibição de retorno forçado de refugiado para país onde
este pode vir a sofrer perseguição.
O Brasil tem tido uma postura favorável no que tange à concessão de suporte
nesse momento de transição dos Haitianos, tendo concedido diretamente 1.200 vistos
humanitários por ano. Contudo, não houve reconhecimento pelo país da modalidade de
refúgio ambiental.
Mas por que o Brasil não tomou a atitude vanguardista de aceitar uma
ampliação do conceito de refugiado como fez a África?
A Constituição Federal de 1988 elenca um rol de princípios que devem orientar
o Brasil em âmbito interno e internacional. Por princípios, entendem-se as linhas gerais
que devem ser adotadas pelo governo brasileiro no decorrer de suas atividades,
apontando objetivos a serem alcançados pelas normas.
Os pilares fundamentais da Constituição brasileira podem ser encontrados no
art. 1º, devendo-se destacar a dignidade da pessoa humana, valor essencial que reveste
todos os direitos básicos do homem. Como bem sustenta Ingo Wolfgang Sarlet, a
condição de existência mínima e a medida de legitimidade do Estado democrático e
Social de Direito se constituem a partir da pluralidade de princípios existenciais, quais
sejam a dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade e justiça. Esses requisitos
devem ser considerados para todos que estejam sob a égide do estado brasileiro, sejam
eles estrangeiros, refugiados, nacionais, etc., conforme HATHAWAY (1991, p. 123).
A questão toma proporções maiores, uma vez que os direitos, em especial os
direitos econômicos, sociais e culturais, assegurados pela lei nacional, derivam dos
diplomas internacionais, não estando objetivados diretamente na lei nacional. Portanto,
em caso de os diplomas internacionais sofrerem alteração, os direitos garantidos aos
refugiados ou a qualquer dos destinatários na norma internacional, sofrerão mudanças,
razão pela qual a temática da recepção dos tratados é de suma relevância, disserta
HATHAWAY (1991, p. 134).
Frente à Lei 9.474/97, Estatuto do Refugiado incorporado à lei brasileira,
percebe-se ainda mais a importância e a diferença de tratamento que o legislador deu ao
refugiado. Não reconhecer o refúgio ambiental como tal é retrocesso e apenas trará mais
sofrimento para as envolvidas, que muitas vezes chegam grávidas ou com filhos
pequenos, totalmente à mercê das violências, atos libidinosos, prostituição,
marginalização, etc.
A vulnerabilidade que essas pessoas se encontram não lhes permite raciocinar
com clareza, pois a única necessidade é a sobrevivência. É impossível pensar na cidade
de Porto Príncipe após o terremoto e não imaginar o desespero que aquelas pessoas
ficaram: ou por conta dos saques que passaram a ocorrer, ou por medo de que um outro
terremoto assolasse a cidade.
Os eventos da natureza são imprevisíveis, mas a responsabilidade dos Estados
se configura quando os mesmos fecham os olhos para situações que requerem sua real
postura de governantes, chamando para si a proteção de todo e qualquer ser humano, em
especial aqueles que se encontram em grau de extrema vulnerabilidade.
1. CONCEITO DE REFUGIADO
Para uma melhor compreensão acerca do tema do refúgio, é extremamente
necessário o estudo conceitual do instituto do refúgio, bem como o histórico de construção
dos instrumentos internacionais de proteção.
1.1. Aspectos históricos relevantes: estudar o passado para entender o presente.
A palavra “asilo” tem sua origem na Grécia Antiga 2, local onde foi de grande valia
e de extenso uso, tendo sempre um caráter de inviolabilidade, onde o perseguido podia
encontrar proteção para sua vida. O abrigo se estendia aos templos, bosques sagrados,
estátuas dos deuses ou em qualquer outro lugar, desde que o perseguido portasse um busto
de alguma divindade, o que foi abolido tempos depois, pois abusos passaram a ser
cometidos em nome do refúgio (ZARETE, 1957, p. 12).
Via de regra, a pessoa que buscava o asilo era um estrangeiro, o que muito
favorecia perante os gregos, pois a hospitalidade para eles era um critério que moldava a
cultura ou a barbárie de um povo (ANDRADE, 1996, p.11). Cabe ressaltar que os
próprios gregos recorreram ao instituto do refúgio várias vezes, posto ter sido a proscrição
uma arma política de primeira importância para os helênicos. Era utilizada, inclusive,
como pena substitutiva, ficando a cargo do condenado submeter-se a ela ou não.
Durante o período de submissão grega a Roma, o instituto do asilo sofreu
transformações significativas, visto que para o direito romano o refúgio revestia-se de
caráter religioso e jurídico. A concessão do refúgio só poderia ser concedida àqueles que
não fossem culpados de acordo com a legislação vigente, o que acabava só por favorecer
as pessoas que eram injustamente perseguidas.
Outra transformação relevante se deu com a cristianização de Roma, período no
qual modificações nas estruturas sociais ocorreram. Constantino transformou os locais
pertencentes ao catolicismo em locais de asilo, momento no qual a “A paz de Deus”,
instrumento utilizado para a manutenção das instituições de Paz 3, foi invocada para as
igrejas e seus habitantes, passando, os indivíduos, a gozar de certa imunidade
(ANDRADE, 1996, p. 35).
No período compreendido entre os séculos X e XV várias mudanças sociais
surgiram, trazendo uma mudança irreversível na Europa. A tentativa de expulsão dos
judeus, dos hereges,
e dos leprosos foi um fenômeno que trouxe à tona a relação
autoridade-povo, visto que a perseguição ocorria não pelo ódio da população, mas pelos
desmandos injustificados dos governantes.
2
A perenidade da tragédia grega é constante fonte de sabedoria e, ao ser lembrada a figura mitológica de
Édipo no exílio, não há como hesitar a comparação entre ele e milhões de seres humanos em fuga em várias
regiões do mundo, em diversas épocas.
3
Através da Paz de Deus surgiu o instituto da Trégua de Deus, que consistia na proibição da guerra durante
alguns dias da semana, quais sejam quinta, sexta, sábado, domingo e segunda pela parte da manhã.
A expulsão dos judeus da Inglaterra, França, Espanha e Portugal e sua dispersão
entre outros países europeus e do norte da África foi testemunhada pela humanidade na
época. Na Espanha a repercussão do ódio foi tanta que cerca de 300.000 moradores se
dirigiram à Itália, Turquia e Países Baixos (MOORE, 1992, p. 153).
Já no século XVI, com a decadência da influência da igreja nos sistemas de
governo, o direito de refúgio perdeu as garantias que havia conquistado no decorrer da era
Medieval. A reforma ensejou o surgimento de asilado de quase todos os países europeus,
sendo Genebra o provável centro de protestantes perseguidos após a fuga de Calvo da
França, em 1541.
Juntamente com o desapego do governo à religião católica, surge a filosofia
política universalista, que trazia em seu bojo o princípio da tolerância, liberdade de
pensamento e expressão e da razão como fundamento do Direito.
Comentários ainda poderiam ser realizados sobre outros grupos que também
sofreram como a necessidade e transformação do refúgio . Contudo, torna-se inolvidável e
apropriado entrar na esfera da evolução da proteção jurídica, qual seja a
institucionalização do refúgio, fato este ocorrido apenas com a chegada do século XX.
O contingente de refugiados nunca deixou de existir, o que passou a chamar
atenção da comunidade internacional. O surgimento de tal percepção apenas no século XX
pode ser explicado em função de dois fatores, quais sejam o aumento da quantidade de
refugiados, que há quatro séculos não passava de centenas e no referido século passou a
ser de milhões, e o segundo fator referente à dificuldade de encontrar estados que
aceitassem o instituto do refúgio, o que não ocorria anteriormente, pois os estados, pelo
menos até 1648, não eram divididos como Estados-nações independentes (JUBILUT,
2007, p. 30).
Mesmo com esforços voltados para o início da institucionalização da proteção dos
refugiados, a prática demonstrou que o problema apresentava maiores complexidades do
que as previstas pelos ativistas. Os órgãos criados a fim de tratar a problemática eram
criados para atender segmentos específicos e com tempo determinado de funcionamento.
Porém, percebeu-se que, agindo dessa forma, os organismos criados passavam a ser
ineficientes, pois o problema não cessava com o fim do tempo determinado nos estatutos
de criação das entidades de ajuda.
Nesse contexto, tem-se o evento que gerou o maior contingente de refugiados da
história: a Segunda Guerra Mundial, que atingiu um fluxo de dez vezes mais refugiados
que a Primeira Guerra Mundial.
Após o fim da Segunda Guerra, cria-se o Estado de Israel e o povo palestino não
judeu passa a ser sacrificado. É bem considerável o número de palestinos que vivem pelo
mundo e é difícil saber as precisas dimensões da diáspora. A Agência das Nações Unidas
de Assistência aos refugiados da Palestina no Oriente Médio estimam que, desde 1948,
deixaram suas residências por volta de 4,5 milhões de refugiados e 1,1 milhões ainda
vivem em 59 campos de refúgio.
Em face das catástrofes da Segunda Guerra e sob os auspícios da recém-criada
Organização das Nações Unidas, funda-se, em 1950, o Alto Comissariado nas Nações
Unidas para Refugiados, até então com data certa para o término de suas ações.
Com o advento do ACNUR, duas novas fases foram percebidas no Direito
Internacional: a positivação das normas internacionais referentes ao instituto do refúgio,
tendo como exemplo a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, em 1951; e a
alteração na qualificação de refúgio, que passou a ser inteiramente relacionada com
perseguições individuais, não sendo necessária a comprovação das perseguições em
massa.
Uma nova, porém curta, denominação de refúgio foi percebida um pouco depois,
com a chamada Guerra Fria, na qual a questão dos refugiados fora utilizada como
propaganda política, já que quase todos os Estados que mais acolhiam refugiados
encontrava-se dividida ou aliada em blocos antagônicos. Desta feita, a qualificação de
uma pessoa considerada refugiada era realizada através de critérios de origem, ou seja,
bastava que viessem de um estado adversário, em que, portanto, a pessoa possuía ideais
diferentes.
Com o fim da Guerra Fria, chega-se a fase atual do instituto do refúgio, fase esta
que possui contradições permanentes.
1.2 A consolidação do Instituto do Refúgio no Direito Internacional dos Direitos
Humanos
A proteção em âmbito internacional dos refugiados tem sua origem na existência
de duas vertentes: o estabelecimento de organizações que têm como finalidade a
assistência e a proteção dos refugiados e criação e convenção de instrumentos
internacionais e domésticos que estipulem o estatuto jurídico de seus beneficiários
(JUBILUT, 2007, P. 36).
Tendo em vista um plano global de defesa dos refugiados, deve-se destacar o
trabalho do ACNUR, pela Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados e seu
Protocolo, criado em 1967. Nacionalmente, pode-se verificar a influências dessas duas
vertentes através da criação e efetivação do Comitê Nacional para os Refugiados –
CONARE – e da lei n. 9474, de 1997.
Contudo, o início da consolidação normativa se deu apenas no século XVIII, época
em que o direito de asilo foi agraciado em uma constituição. O artigo 120 da Constituição
francesa de 1793 afirmava que o povo francês poderia dar asilo, mas apenas em casos em
que o sujeito não fosse considerado tirano.
Mesmo com as manifestações advindas e mantidas após a queda da Bastilha como
fruto da Revolução Francesa, o cenário internacional, em especial, o europeu, resistia em
adotar as práticas humanísticas como sendo a bandeira dos Estados. O asilo ficou ausente
das constituições dos Estados, convertendo-se em favores a serem ou não concedidos
diretamente pelos governantes.
A partir do século passado, houve o início do desdobramento da palavra “asilo” em
duas outras espécies: asilo político e refúgio. Nas Américas, percebe-se que houve o
desenvolvimento de um estatuto jurídico próprio aplicável aos asilados políticos. Como
exemplo, pode-se citar o Tratado de 1889, instrumento de deveras importância em uma
época em que vários estados latino-americanos ainda lutavam por sua independência.
Nesse contexto, tem-se a luta contra os sistemas de governo ditatoriais que teve como
resultado a utilização do asilo político em suas duas modalidades.
Posteriormente, foram concluídos instrumentos internacionais regionais que
regulavam a concessão do asilo político, quais sejam a Convenção sobre Asilo, de 1928,
Convención sobre Asilo Político, de 1933, Tratado sobre Asilo y Refúgio Político, de
1939, Convenção sobre Asilo Diplomático, de 1954, e a Convenção sobre Asilo
Territorial, de 19544.
Paralelamente ao desenvolvimento do instituto do asilo dentro da América
Latina, surgiu em âmbito internacional global a normatização da condição de refugiado.
Tal fato se deu a partir de 1921, com a criação da Liga das Nações e efetivada,
posteriormente, com a criação da ONU.
Consta na história que antes da Primeira Guerra Mundial os problemas referentes
ao refúgio eram resolvidos através da concessão de asilo ou pelo procedimento de
extradição, sendo este último realizado com a ajuda do Direito Penal Internacional
(JUBILUT, 2007, p. 49). A proteção dos refugiados de forma institucionalizada apenas
ocorreu por meio das atividades da Liga das Nações em virtude dos acontecimentos após a
Primeira Guerra.
O aumento dos Refugiados no período Pós-Guerra foi acompanhado por
dificuldades políticas, sociais e econômicas, o que fez se tornar mais complexo
providenciar um estatuto jurídico adequado. Ao se observar o quadro na época, percebeuse que os refugiados oriundos daquele evento não eram apenas os refugiados políticos e
sim pessoas em situação de completa falta de proteção estatal, mesmo sem estarem nessa
situação necessariamente em função de suas opiniões e crenças religiosas. Tal
peculiaridade foi crucial para a escolha da proteção que a comunidade internacional faria
para essas pessoas.
Mesmo com o Pacto da Liga das Nações, a busca de soluções para a problemática
dos “refugiados” era incessante, visto que nenhuma passagem do Pacto contemplava de
forma direta nem os refugiados, nem os Direitos Humanos. Enquanto isso, os grupos de
pessoas que necessitavam de proteção aumentavam e a preocupação com relação à
destinação dos refugiados passou a ser objeto na Liga das Nações. Nesse diapasão, em
virtude de todos os apelos da comunidade internacional, tem-se o início da ação da Liga
das Nações.
O trabalho recebia duras críticas, tendo em vista que a Liga se desenvolvia, pelo
menos nessa área, de forma empírica, nunca definindo, por exemplo, o termo refugiado e
adotando definições específicas para casos distintos e desconectados. Em contraponto, a
Liga optou pela permanente defesa dos refugiados, mesmo que em certa fase ela tenha
ocorrido de forma precária.
O cenário em que a Liga atuava não era dos melhores, com Estados
consideravelmente limitados por suas cartas constitutivas e pela soberania estatal. As
maiores potências da época não deram apoio ao desenvolvimento da Liga, o que culminou
4
Tratado sobre Derecho Penal Internacional. In: Compilación de Instrumentos Jurídicos Interamericanos
Relativos ao Asilo Diplomático, Asilo Territorial, Extradición y Temas Conexos. Genebra: ACNUR, 1992,
p.197.
por ela apenas ter subsídios por parte anglo-francesa. O setor econômico também foi
afetado, visto que houvera o desaparecimento do “padrão ouro” (ANDRADE, 2001,
p.120), o que gerou, pela falta de cooperação internacional, o protecionismo e a autarquia.
Em um contexto social, tem-se a
instabilidade e a insegurança que sempre
acompanham o que se utiliza do refúgio em virtude de todos os problemas que surgem a
partir do momento em que a pessoa passa a ser perseguida. Podem ser citadas dificuldades
como a dificuldade de retornar ao país de origem, tendo em vista que os governos atuam
com centralismo, apenas se preocupando com seu próprio território e não com seus
cidadãos; a xenofobia e a intolerância nos locais onde são acolhidos os refugiados; e o
medo de ataques ou de extensões da guerra, o que faz os governos se fecharem do ponto
de vista da segurança.
Vários são os estudos de que foram ineficazes a instituição dos Tratados de Paris
e o trabalho da Liga das Nações. Inverídico ou pelo menos incompleto o pensamento, pois
o que se vislumbra é que a simples existência de um órgão voltado para a proteção dos
refugiados possibilitava a utilização de suas facilidades.
A Liga não se restringia apenas ao tratamento e proteção direta dos refugiados,
mas também promoveu outras áreas amplamente relacionadas com eles, tais como a
Conferência Para Codificação do Direito Internacional realizada em Haia (1930), criação
do Comitê de Peritos para a Assistência de Indigentes estrangeiros, Comissão de
Investigação sobre o Tráfico de Mulheres e Crianças para o Oeste (JUBILUT, 2007, p.
46), dentre outras.
Através do toda a experiência proporcionada durante os séculos através do labor da
Liga das Nações e dos Estados foi possível se chegar a uma vertente institucional,
visualizada pela criação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, e a
uma vertente jurídica através da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados e seu
Protocolo.
1.3 A aquisição do status de refugiado: conceito e novos paradigmas
A Convenção relativa ao status dos refugiados (UNHCR, 2003, p. 4-5), de 1951,
traz o seguinte enunciado:
A expressão refugiado se aplica a qualquer pessoa que, em virtude de fundado
medo de sofrer perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade,
participação em determinado grupo social ou convicção política, encontra-se
fora do país do qual é nacional e está impossibilitada ou, em virtude desse
fundado medo, não deseja se entregar à proteção desse país.
A conceituação do que seja refugiado é de suma importância, tendo em vista o
compromisso para com as obrigações contratuais ou convencionais dos Estados que são
signatários desse documento, bem como a aplicação do princípio do non-refoulement5.
Todos os estados signatários têm a prerrogativa de exigir que todos os refugiados recebem
o que lhes é devido, de acordo com a Convenção sobre Refugiados.
Outro aspecto que deve ser percebido é que as definições da Convenção e do
Protocolo foram adotadas por muitas legislações nacionais, o que as torna relevantes para
a caracterização formal do status de refugiados sob a proteção de determinado sistema
nacional.
De acordo com a Convenção de 1951 e o com o Protocolo de 1967, refugiado é
aquele que sofre fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião
nacionalidade, participação em determinado grupo social ou opiniões políticas, não
podendo ou não querendo por isso valer-se da proteção de seu país de origem. Desde a
adoção da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, constata-se, especialmente nos
âmbitos regionais africano e americano, o esforço em ampliar e estender o conceito de
refugiado. A respeito, merecem destaque a Convenção da Organização da Unidade
Africana de 1969 e a Declaração de Cartagena de 1984.
A Convenção da Organização da Unidade Africana de 1969, que rege os aspectos
referentes aos problemas dos refugiados, e em seu artigo 1º, sem excluir as hipóteses
previstas na Convenção de1951 e do Protocolo de 1967, conceitua o refugiado como toda
pessoa que, em virtude de uma agressão, ocupação ou dominação estrangeira, e de
acontecimentos que perturbem gravemente a ordem pública, vê-se na iminência de
abandonar sua residência habitual para buscar refúgio em outro lugar, fora de seu país de
origem.
Desta feita, a Convenção africana introduz uma nova concepção, ao estender a
proteção a todas que são compelidas a cruzar as fronteiras nacionais em razão de desastres
causados pelo homem, independentemente da existência do temor de perseguição. Por sua
vez, a Declaração de Cartagena sobre os Refugiados, 1984, é aplicável aos países da
5
Esse princípio consiste na proibição de retorno forçado de refugiado para país onde este pode vir a sofrer
perseguição.
América Latina, em vista da experiência tida em função da afluência maciça de refugiados
na área centro-americana, recomenda que a definição de refugiado abranja também as
pessoas que fugiram de seus países porque sua vida, segurança ou liberdade foram
ameaçadas pela violência generalizada, pela agressão estrangeira, pelos conflitos internos,
pela violação dos direitos humanos, ou por outras circunstâncias que hajam perturbado
gravemente a ordem pública.
O que se percebe com a análise dos dois instrumentos normativos é que há uma
adaptação da normatividade internacional às realidades regionais, o que se configura como
um aspecto positivo. A definição ampliada deve ser considerada como complementar
àquela definida na Convenção e no Protocolo. Tal fato auxilia a aplicação de um conceito
de refugiado mais extenso, a ser considerado como um instrumento técnico efetivo para
facilitar sua aplicação ampla e humanitária em situações de grande fluxo de refugiados.
Em contrapartida, temos outros Estados que fazem uma pressão contrária à
evolução do conceito de refúgio. A conjuntura geopolítica contemporânea reduz
sensivelmente a aceitação dos pedidos de asilo. Alastrou-se um clima de desconfiança e
suspeita em relação a todos os estrangeiros, principalmente aqueles provindos de
determinados lugares que pertencem a certos credos religiosos. Tem-se a impressão de
que os acontecimentos do dia 11 de setembro servem de meio para legitimar uma
tendência já existente de considerar o refugiado uma ameaça para a segurança nacional
(MILESI, 2003, p. 17).
Por fim, há de se ressaltar o aspecto negativo da ampliação do conceito de
refugiado: a falta de uniformidade para a definição. Esse problema faz com que levas de
refugiados não sejam considerados como abrangidos pela proteção aos refugiados nos
demais estados, impedindo a criação de critérios paradigmáticos em todo o mundo. Caso
fosse possível estabelecer esse padrão, seria permitida, por fim, a criação de um sistema
verdadeiramente universal.
2. AS ALTERAÇÕES AMBIENTAIS E O IMPACTO PARA O SER HUMANO
A diminuição e, em alguns casos, a escassez de recursos naturais juntamente
com o aquecimento global são as principais causas do surgimento do refugiado
ambiental. Ela é causada principalmente pelos atuais padrões de consumo da sociedade,
culminando com problemas sociais e ecológicos causados em muitas áreas rurais pela
extração excessiva de recursos, muitas vezes voltada à exportação para os países de
maior poder aquisitivo, segundo (MEYERS, 1995, p. 52).
Entre os problemas ambientais estão o esgotamento do solo, a desertificação, as
enchentes, os terremotos, os furacões e outros desastres naturais conforme estudos da,
sendo que o status do refugiado é determinado no Direito Internacional pela Convenção
Relativa ao Estatuto do Refugiado de 1951, somada às disposições de seu Protocolo
Adicional, o Protocolo Relativo ao estatuto dos Refugiados, de 1965 ((MEYERS, 1995,
p. 69). O reconhecimento no âmbito internacional do status de refugiado é dado pela
Convenção de Genebra, em 1955, e, em 1967, pelo Protocolo sobre o Estatuto de
Refugiados de New York.
O impacto do terremoto de janeiro do ano de 2010 que assolou o Haiti teve
proporções calamitosas, abalando ainda mais o país que já passava por uma profunda
crise econômica e social. Em 2009, estimou-se que cerca de 55% dos haitianos viviam
com menos de 1,25 dólar por dia, por volta de 58% da população não tinha acesso à
água limpa e em 40% dos lares faltava alimentação adequada.
Mais de meio milhão de crianças entre as idades de 6 a 12 anos não
frequentavam a escola e 38% da população acima de 15 anos era completamente
analfabeta. Por volta de 173 mil crianças foram submetidas à exploração como
trabalhadoras domésticas e pelo menos 2.000 eram traficadas anualmente pela e para a
República Dominicana, conforme dados da ONU (UNHCR, 1992, p. 14).
Nos países em desenvolvimento, os problemas ambientais são causados, na
maioria, pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas continuam vivendo
muito abaixo dos níveis mínimos necessários a uma existência humana
decente, sem alimentação e vestuário adequados, abrigo e educação, saúde e
saneamento. Por conseguinte, tais países devem dirigir seus esforços para o
desenvolvimento, cônscios de suas prioridades e tendo em mente a
premência de proteger e melhorar o meio ambiente. Com idêntico
objetivo, os países industrializados, onde os problemas ambientais estão
geralmente ligados à industrialização e ao desenvolvimento tecnológico,
devem esforçar-se para reduzir a distância que os separa dos países em
desenvolvimento.
Desse modo, observa-se a preocupação em conciliar as necessidades
econômicas, às necessidades ambientais e sociais, bases do desenvolvimento
sustentável.
Acompanhando a vanguarda internacional, a Constituição de 1988, diferente
das demais constituições brasileiras até então, inova ao tratar deliberadamente da
questão ambiental de forma ampla e moderna, apresentando um capítulo específico
sobre o tema (inserido no Título VIII “Da ordem Social”), mas enfatizando o meio
ambiente em todo o texto constitucional, de forma explícita ou implícita, desde os
direitos e garantias fundamentais, como ao tratar dos bens e competências dos entes
federados, dos princípios da ordem econômica, da função social da propriedade, entre
outros.
Ou seja, na defesa do meio ambiente, realça-se o dever de garantir os direitos
individuais, coletivos e sociais, promover o desenvolvimento nacional conjugando-o
com os fundamentos dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, objetivando a
redução das desigualdades e a erradicação da pobreza, promovendo direitos básicos a
todos, sem distinção, como direitos à moradia, à alimentação, à saúde, ao lazer, à educação
etc.
O artigo
225 da Constituição Federal de 1988 está no rol de direitos
fundamentais, apesar da localização diferenciada, e dispõe que todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo esta uma extensão do direito à
vida,
refletindo
um
processo
de
afirmação
dos direitos humanos. A Corte
Interamericana de Direitos Humanos, inclusive, traz o direito ao meio ambiente sadio
relacionado com direito à vida e direito à saúde. Nos primeiros casos indígenas
relacionados ao direito de propriedade, tal interpretação ficou registrada6.
Assim, conforme Silva (2011, p.72) a tutela da qualidade do meio ambiente “é
instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a
qualidade da vida”, tem-se:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as
presentes e futuras gerações.
Ao mesmo tempo em que este relevante artigo constitucional atribui um
direito, impõe também um dever fundamental ao Estado e a toda coletividade: defender e
preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, reclamando um
determinado compromisso social e responsabilizando toda a comunidade pela conservação
dos recursos naturais. Nesse sentido, tem-se a imposição de condutas referentes à proteção
e manutenção de ecossistemas, ao uso sustentável dos recursos naturais, à educação
ambiental, entre outros.
Nesse cenário, surge o refugiado, vulnerável aos riscos da ação do homem sobre o
ambiente e da própria natureza. Por refugiado ambiental, segundo o Dicionário de
Direitos Humanos, entendem-se as pessoas que fugiram de suas casas por causa de
mudanças ambientais que tornaram suas vidas ameaçadas ou insustentáveis (EMSPU,
2006).
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de
6
CCIDH, Informe n. 69/04, Petição 504/03, Admissibilidade, Comunidad de San Mateo de Huanchor e seus
membros, Peru, 15 de outubro de 2004; CIDH, Informe nº 40/04, Caso 12.053, Fondo, Comunidades
Indígenas Mayas del Distrito de Toledo, Belize, 12 de outubro de 2004; CIDH, Informe n. 65/08, Petição
460-00, Admissibilidade, Victorio Spoltore, Argentina, 25 de julho de 2008.
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 da ONU fazem referência ao direito de
toda pessoa a desfrutar e utilizar plena e livremente os recursos naturais e que nenhuma
pessoa pode ser privada de seus meios de subsistência. O que se nota é que as normas de
direito internacional já preveem direitos a um meio ambiente saudável e seguro. Na falta
de tal, deve ser assegurado àqueles que se viram privados de seu direito a chance de
procurar asilo em outro Estado (JUBILUT, 2007, p. 48).
Nesse diapasão, surge o conflito cerne desse artigo: tem-se a figura do refugiado
ambiental e o tenso problema das alterações climáticas como fato gerador dessa
problemática.
No caso da região amazônica, por exemplo, tem-se a questão da vulnerabilidade
concretizada por meio dos impactos ambientais. No ano de 2013 foi realizado um estudo
sobre o impacto ambiental na região Norte do Brasil (PBMC, 2013, p. 22), que concluiu
que “o desmatamento na Amazônia intensifica a vulnerabilidade do bioma às mudanças de
clima, com isso, a função reguladora do clima global, regional e local que a floresta exerce
encontra-se ameaçada”.
Ainda de acordo com o relatório, a região Amazônica atualmente está ameaçada
pelo desmatamento, responsável pelo aumento da perda de biodiversidade e emissões de
gases de efeito estufa. Mesmo com o aumento no monitoramento e controle do
desmatamento na Amazônia, com expressiva redução de suas taxas anuais de 2005 a
2012, novos instrumentos de gestão ambiental, como os Pagamentos por Serviços
Ambientais (PSA), surgem como um caminho promissor para a promoção da
conservação, visando à mitigação e adaptação às mudanças climáticas. No INPA são
estudados com frequência e em diversos projetos a questão da emissão de gases.
Ainda nesse sentido, os impactos decorrentes das mudanças climáticas deverão
provocar alterações na quantidade e na qualidade dos recursos hídricos7. Em relação à
quantidade, estudos realizados demonstram que a demanda por água tende a aumentar
enquanto a disponibilidade hídrica tende a diminuir, principalmente nas regiões de baixas
latitudes, como é caso do semi-árido brasileiro. De acordo com apresentação feita pelo
pesquisador do INPA e do IPCC Carlos Nobre na Agência Nacional de Águas, em 2007,
2,4 bilhões de pessoas vivem com saneamento inadequado e 1 bilhão sequer tem acesso à
água potável de qualidade.
A própria ONU lançou um relatório recente, no qual aborda a questão dos recursos
naturais. Nele um dado alarmante: no próximo decênio 70% dos recursos naturais estará
localizado nos países subdesenvolvidos. Isso poderá acarretar dois resultados: ou estes
7
SEMAD.
Acesso
em
14
de
abril
de
2014.
http://www.semad.mg.gov.br/images/stories/conferenciama/textobase_iiicnma.pdf .
Disponível
em:
recursos naturais serão exterminados mais rápido, já que os países subdesenvolvidos não
costumam utilizar seus recursos de forma racional; ou ter-se-á uma mobilidade para esses
países muito maior do que o esperado. Inobstante, também pelo problema do clima e
aquecimento global, as calotas polares terão seu derretimento intensificado, o que
acarretará o desaparecimento de várias cidades litorâneas e de várias ilhas como Tuvalu e
Maldivas8.
A ONU Águas também apresentou outro relatório mundial alarmante em relação a
acesso da água. Infelizmente na África e no Oriente Médio, menos de 20% da população
não possui acesso à água potável9.
Segundo Petrella (2004, p. 136), a solução para a questão da água, por exemplo,
será uma espécie de contrato mundial, tendo em vista algumas premissas essenciais, sendo
a mais importante apontada pelo autor o fato da água ser um bem comum. Percebe-se que,
por ser bem essencial à manutenção da vida, a água, assim como os raios de sol, por
exemplo, não pode ser tratada como um bem individual, mas sim comum.
Mas como fazer isso? Petrella (2004, p. 138) divide-os em três premissas
mundiais: quantidade mínima não se cobra; acesso básico à todos é direito econômico,
social e cultural (ECOSOC) inalienável; por fim, aceitar que a água faz parte de todo tipo
de necessidade e desenvolvimento.
É de conhecimento geral que a ONU vem enfrentando uma crise global, causada,
em sua maioria, pela crescente demanda dos recursos hídricos existentes para atender ao
desenvolvimento agrícola e de comércio mundial, sem falar na crescente necessidade de
saneamento básico, uma vez que o padrão da população em termos econômicos aumentou.
Um exemplo claro dessa situação ocorre no Brasil, onde muitas pessoas saíram da linha de
pobreza e conseguiram, de fato, acesso aos direitos fundamentais, dentre eles o
saneamento básico.
Como exemplo da preocupação crescente da ONU, podem-se citar diversos
encontros nos quais foram discutidas questões referentes à água: em 1977, Conferência
das Nações Unidas para Água; a criação da Década Internacional de Abastecimento de
Água nos anos de 1981 a 1990; em 1992, a relevante Conferência Internacional sobre
Águas e Meio Ambiente; e, por fim, a Cúpula da terra, em 1992. Vale ressaltar que só a
“Década”, em especial, ajudou cerca de 1,3 bilhões de pessoas nos países em
desenvolvimento a obter acesso à água potável, maior número registrado até o presente
momento.
Petrella (2004, p. 145), então, conclui que a água é de todos os habitantes da terra
devendo ser cuidadas por todos, pois é bem finito. A falta de água gera desigualdade e
8
9
ANEXO I.
ANEXO II.
injustiças, sendo também fator fundamental para o desenvolvimento da economia.
Fazendo uma reflexão sobre esses indivíduos que estão fadados a sofrerem com a
falta de água ou qualquer outro tipo de refugiado ambiental, percebe-se que o desespero e
a situação de vulnerabilidade é a mesma: fugir para se manter vivo.
Qualquer lugar do mundo está sujeito a uma alteração climática ou desastre
ambiental. As pessoas que sofrerem com a determinada catástrofe ficarão sem proteção e
dependendo de vontade política para serem aceitas em outro local?
A situação do Haiti trouxe à baila uma discussão de mais de 20 anos acerca do
conceito de refúgio ambiental. Ocorre que a pertinência e urgência dessa discussão são
latentes, já que as estimativas são alarmantes quanto ao crescimento desse número.
Recentemente, o número de refugiados ambientais ultrapassou o número de refugiados de
guerra.
Por fim, deve-se buscar a aplicação do sistema de proteção ao refugiado existente
tendo em vista a urgência para a resolução dessas necessidades, assim como fez o Brasil
no caso dos haitianos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vulnerabilidade que os refugiados ambientais se encontram não lhes permite
raciocinar com clareza, pois a única necessidade é a sobrevivência. É impossível pensar
em cidades que foram atingidas por catástrofes ambientais, como a que ocorreu na cidade
de Porto Príncipe após o terremoto, e não imaginar o desespero que aquelas pessoas
ficaram: ou por conta dos saques que passaram a ocorrer, ou por medo de que outro
terremoto assolasse a cidade.
Os eventos da natureza são imprevisíveis, mas a responsabilidade dos Estados se
configura quando os mesmos fecham os olhos para situações que requerem sua real
postura de governantes, chamando para si a proteção de todo e qualquer ser humano, em
especial aqueles que se encontram em grau de extrema vulnerabilidade.
A legislação existente não pode ser interpretada de maneira restritiva, pois o próprio
Estatuto do Refugiado foi criado para a efetiva defesa de quem se encontra fora do país do
qual é nacional e está impossibilitada ou, em virtude desse fundado medo, não deseja se
entregar à proteção a ele. No caso do Haiti, aquelas pessoas não tinham outra solução a
não ser seguir adiante.
A necessidade dessa conceituação ou titulação é de suma importância, tendo em
vista o compromisso para com as obrigações contratuais ou convencionais dos Estados
que são signatários desse documento, bem como a aplicação do princípio do non-
refoulemen, que consiste na proibição de retorno forçado de refugiado para país onde este
pode vir a sofrer perseguição.
Por fim, deve-se observar que as mudanças climáticas têm afetado diversos
recursos naturais, sendo um dos mais importantes a água, que deverá ter seu consumo
repensado, tendo em vista o crescimento de regiões cuja sua escassez já ocorreu.
Pensar em um contrato mundial da água, estabelecendo princípios básicos de
utilização, bem como a realização de estudos em nível regional é de suma importância
para que a humanidade não esteja fadada ao extermínio pela falta de racionalidade.
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ANEXO I
ANEXO II
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