KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA PERSPECTIVA CRITICA1 Moises Krieger2 Guillermo Alfredo Johnson3 Sumário Introdução. 1 Duas tensões nas iniciativas de economia solidária. 2 Economia solidária: funcional ou alternativa ao sistema econômico vigente? 3 Apontamentos de uma perspectiva crítica. Conclusão. Referência das fontes citadas. Resumo Na sociedade atual vivenciamos o aprofundamento do consumismo legitimado pelo discurso darwinista social, preconizado pelas elites dominantes, ao mesmo tempo em que se espalha o desemprego. O processo de configuração neoliberal do Estado conduz aos trabalhadores, entre diversas estratégias, a se organizarem em busca de alternativas de trabalho e renda para as suas sobrevivências. Entre essas visamos analisar a viabilidade e funcionalidade social das iniciativas de economia solidária, como retorno aos debates fervorosos entre os defensores e os críticos, como também apontar sucintamente aspectos para discussão dessas experiências organizativas no âmbito do antagonismo entre classes. Palavras Chave: Cooperativismo. Economia Solidária. Desemprego. Introdução Na atual conjuntura experimentamos um aprofundamento da lógica nefasta do consumismo, da competição selvagem, a exacerbação do individualismo, e do discurso darwinista social incentivado pelos detentores dos meios de produção caracterizando a sociedade capitalista contemporânea (RATTNER, 2004). 1 O presente trabalho é decorrente de elaborações provindas de trabalhos de extensão e pesquisa que se plasmaram no trabalho monográfico apresentado no dia 29 de novembro de 2006 no curso de Ciência Política. 2 3 Formando do curso de Ciência Política, pela Universidade do Vale do Itajaí. Professor do Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas, professor da Graduação de Ciências Sociais e Ciência Política. Doutor e Mestre em Sociologia Política. KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica A referida lógica do consumismo – que pode ser parafraseada como ‘consumo, logo existo’ – pode ser observada como um ato alienado influenciado pela semiótica publicitária (MANCE, 2003). Pode ser observada a mais recente manifestação do discurso darwinista social – estimulado pelos valores ascendentes de competitividade individual e seu decorrente elogio do sucesso mágico –nas literaturas que abordam a questão da reestruturação produtiva e no bojo do destaque adquirido pela necessidade de mão-de-obra qualificada visando um melhor funcionamento do paradigma produtivo toyotista, sustentado pelos discursos que incentivam a criatividade, a autonomia e o trabalho em equipe. Ou seja, consolida-se a concepção de que o mercado de trabalho está exigindo mão-de-obra mais escolarizada para o desempenho no trabalho (LETELIER G., 1999). Dessa forma, podemos salientar que a lógica nefasta do consumismo e do darwinismo social tem ligação com a problemática da crescente escassez de trabalho remunerado e a cada vez mais alarmante exclusão social (NUN, 2000). Com essas problemáticas que permeiam a sociedade capitalista contemporânea é importante frisar que, ao longo da história, o homem procurou se organizar para a defesa, a prosperidade e a conquista dos seus objetivos (AGUIAR; REIS, 2002). Neste contexto, a organização cooperativa constantemente se apresenta como uma organização social, política e econômica altamente valorizada e validada como um projeto de esperança, de organização social e como renovado instrumento de encaminhamento econômico provocando novas relações sociais (FRANTZ, 2002). Já no âmbito das organizações cooperativistas, assim como as empresas autogestionárias e as associações de trabalhadores constituem o que se considera o alicerce da concepção de uma economia solidária, como uma proposta de alternativa de trabalho e renda, de acordo com os autores Singer (2003), Rech (2003), França Filho e Laville (2004). Assim podemos compreender que a economia solidária é uma ação de: 437 KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica Trabalhadores excluídos do mercado de trabalho que através de sua autoorganização constituem empreendimentos coletivos de produção e/ou serviços ou assumindo empresas falidas ou em dificuldade que, num primeiro momento visam a obtenção de trabalho e renda ou a manutenção dos postos de trabalho para auto-sustentação (TAULI, 2001, p.4). Na perspectiva da economia solidária é possível observar que o aspecto mobilizador fundamental é econômico, que, para que tenha a devida concretização política e social é preciso que o aspecto econômico se torne necessariamente importante para esses associados (FRANTZ, 2002). Mas, ao mencionar a economia solidária, é importante destacar que Singer (2003) enfatiza que o sistema socioeconômico brasileiro é formado por modos de produção que convivem e competem entre si. De acordo com esse autor o modo capitalista de produção que é alicerçado na exploração e na mão-deobra assalariada encontra-se em destaque, sendo que subsiste um outro modo de produção baseado nas pequenas empresas familiares e, por último, erguem-se a partir das duas últimas décadas iniciativas de economia solidária. Dessa forma as iniciativas de economia solidária partem de dois grandes grupos formadores: (1) empresas que passaram, ou estão passando por situações falimentares ou pré-falimentares; e (2) os empreendimentos estimulados por políticas públicas de governos progressistas ou de iniciativas comunitárias (TAULI, 2001). 1 Duas tensões nas iniciativas de economia solidária No debate acadêmico que ganhou força na década passada em torno da concepção social que as experiências de economia solidária visam construir podem ser destacadas eminentemente duas questões relevantes: uma perspectiva crítica ao modo capitalista de produção, e o ressurgimento do sonho da sociedade socialista partindo da perspectiva da coletividade (RECH, 438 KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica 2003). Denominaremos, para uma rápida análise, a primeira como perspectiva crítica e a segunda, como perspectiva reformista4. É relevante enfatizar que a economia solidária, no ideário hegemônico, além de ser um projeto é, também, um movimento social, pois esse fenômeno se apresenta perante a sociedade como uma resposta organizada ao desemprego e à exclusão social. Assim, o seu aspecto cultural pode ser compreendido como a relação existente entre o caráter alternativo e marcante do trabalho e procura por renda desenvolvido no âmbito do mercado e uma manifestação específica da prática da solidariedade. Sempre considerando o mercado e a sociedade alicerçados nas práticas vinculadas ao modo capitalista de produção (VERARDO, 2003; SOUZA, 2003). Na esfera da supremacia do mercado pode ser enfatizado que as iniciativas de economia solidária têm como projeção o atendimento das necessidades visando a realização do livre bem-viver, a promoção do bem-viver dos trabalhadores, a manutenção dos ecossistemas e a busca em contribuir com a construção de uma sociedade mais justa e solidária (MANCE, 2003). Por sua vez, ainda com relação ao mercado, as iniciativas de economia solidária partem da necessidade do ato de consumir, além de ser econômico é político. A maneira coletiva de organização desse consumo está intrinsecamente relacionada com o escoamento de mercadorias, visando aumentar o poder aquisitivo do consumidor através das compras coletivas (PAULI, 2003). No prisma do ato político da forma organizativa em análise, destaca-se um componente amplamente analisado pela literatura dos movimentos sociais contemporâneos, a participação política. Participação política em organização cooperativas [...], se entende todo envolvimento do associado os rumos da cooperativa, através de reuniões, 4 Esse referencial remete a numerosas referências históricas e contemporâneas de cunho político, impossibilitados de abordarmos neste sucinto texto. Mas, para fins explicativos, consideramos essa modalidade reformista, pois retoma velhos paradigmas que se afirmaram com a II Internacional na I Guerra Mundial, de considerar possível a transformação da sociedade de forma gradual e no âmbito das regras jurídico-institucionais vigentes, rumo a uma pretensa sociedade socialista. 439 KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica assembléias, conselhos, comitês e outras formas de comunicação, debate, de critica ou de sugestões (FRANTZ, 2002, p.11). Contudo, Quijano (2002), salienta que a participação, como maior expressão do aspecto político, está presente no ideário recorrente das formas ‘alternativas’ de sociedade. Por sua vez, a procura por essas formas associativas pode ser relacionada, principalmente, a dois fatores: a tentativa de mitigar os efeitos sociais e econômicos nefastos da lógica do modo capitalista de produção e, também, decorrentes da frustração do ‘bloco socialista’. No entanto, não se pode esquecer que essa busca por formas ‘alternativas’ de se organizar as estratégias de sobrevivência social se relacionam como uma resposta à insuficiência das políticas públicas direcionadas principalmente para a geração de empregos, assim como ao conjunto de políticas que tendam a promover garantia social (SINGER, 2004). Assim, como já fora observado por Singer (2003), a economia soldaria deve ser considerada um modo de produção – com referencia ao arcabouço marxista de sociedade –, pois trata da união dos trabalhadores com intuito de produzir e distribuir entre eles (QUIJANO, 2002). Dessa forma no interior da economia solidária, a participação econômica pode ser compreendida como “à capitalização do empreendimento cooperativo, às relações de uso, por parte do associado, de toda estrutura de serviços de organização cooperativa” (FRANTZ, 2002, p.11). Ainda no âmbito da concepção reformista, considerando os aspectos políticos e econômicos, pode ser enfatizado que estamos perante um processo de politização. O qual pode ser entendido por “identificar relações de poder e imaginar formas práticas de transformar em relações partilhadas” (SANTOS apud CORTIZO; OLIVEIRA, 2004, p.85). Esse processo da politização ergue-se como condição central para uma nova sociedade e para a redescoberta democrática do trabalho. Mas para que isso ocorra são importantes três iniciativas: (1) politizar relação capital-trabalho, (2) politizar as relações de 440 KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica produção, (3) politizar os processos de trabalho e produção (PEREIRA; LIBONI, 2001). Ainda, as organizações de economia solidária pugnam por processos autogestionários, visando fortalecer a democracia interna e a participação política. Por conseguinte, a autogestão pode ser compreendida como: (a) alternativa de trabalho, (b) uma representação do socialismo construído cotidianamente e gradualmente, (c) uma forma de administrar o capital, (d) uma luta contra o desemprego (TIRIBA, 1994). Conseqüentemente, a referência ao pensamento autogestionário implica no desenvolvimento do conhecimento-emancipação, tendo como fim a solidariedade e tomando cuidado em não tornar essa modalidade de organização em uma forma diferenciada da cooptação do trabalho e do trabalhador pelo capital. 2 Economia solidária: funcional ou alternativa ao sistema econômico vigente? Constantemente nos deparamos com a máxima “tudo o que é sólido se desmancha no ar”, parafraseado como preâmbulo para as transformações do último quartil do século passado, aludindo a uma ruptura histórica. Para muitos teóricos, com o fracasso do ‘bloco socialista’ – simbolizado com a queda do Muro de Berlim – e a consolidação tácita da tese do ‘fim da história’ tem ganhado terreno a idéia da falência explicativa da teoria da luta de classes. Contudo, na contramão dessas tendências, são incontestáveis os resultados nefastos da lógica neoliberal no âmbito da distribuição social da riqueza, que se exprime, entre tantos aspectos, na crise da sociedade salarial e nos crescentes indicadores de pobreza, para além das bonanças conjunturais (RATTNER, 2004; LIMA, 2004). Nesse debate fervoroso, historicamente, se apresenta entre aqueles que compreendem o movimento cooperativista como um projeto revolucionário e aqueles que entendem o movimento cooperativista como um projeto reformista (LIMA, 2004). 441 KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica No prisma da compreensão revolucionária do movimento cooperativista, no atual contexto histórico, tem a possibilidade de destacar o pensamento de Paul Singer. Este defende que as iniciativas de economia solidária consiste em uma renovação do projeto socialista, pois apontaria um deslocamento da perspectiva revolucionária, provindo de baixo para cima, apresentando “uma ‘verdadeira revolução cultural’, na qual se afirma o protagonismo do trabalho coletivo como centro do processo de socialização com o controle dos meios de produção pelos trabalhadores” (BOCAYUVA, 2003, p.19). Assim, no ideário de revolução socialista, desde o prisma de Paul Singer, as construções das relações econômicas socialistas acontecem graduais e lentas no interior do modo capitalista de produção (MACHADO, 2003). Dessa forma, Paul Singer, observa que historicamente a economia solidária é uma construção continua dos trabalhadores na luta contra o modo capitalista de produção. “Para ele, assim como houve uma revolução social capitalista durante séculos, [...], há uma potencial revolução social socialista em curso” (CUNHA, 2003, p.56). A partir da perspectiva crítica é possível examinar essa concepção, contida em Singer (2003), considerando o contexto decorrente da lógica neoliberais. Pois, como é possível reverter, num futuro próximo, a exclusão da expressiva maioria dos trabalhadores da produção? Ao mesmo tempo, quais as políticas vinculadas às possibilidades de superação dessa realidade? No contexto de uma flexibilização dos direitos trabalhistas, é possível se pensar na garantia dos direitos sociais aos trabalhadores ‘irregulares’, inclusive aqueles contratados pelas cooperativas? Esses, e tantos outros questionamentos podem ser esgrimidos com relação a essa ótica reformista da economia solidária, mas as dificuldades para a implementação de políticas que revertam as tendências em curso apresentam-se longínquas. Ao mesmo tempo, os questionamentos que envolvem as iniciativas de economia solidária apresentam três dimensões que, potencialmente sustentados, podem se tornar importantes alavancas no enfrentamento ao modo capitalista de produção, que são: (1) os implantes de autonomia dos 442 KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica trabalhadores no espaço-produtivo vigente; (2) organização política e participação no processo democrático; (3) formulação do projeto de uma sociedade de produtores associados (BOCAYUVA, 2003). Esses três aspectos, além de eventuais e promissores espaços de enfrentamento ao modo capitalista de produção, questionam também a capacidade do Estado na regulação dos efeitos do mercado, assim como visa fortalecer o desenvolvimento da democracia deliberativa (CUNHA, 2003). Com isso tem a possibilidade de observar que em torno das iniciativas de economia solidária se apresenta um debate destacando os empreendimentos solidários como uma das formas dos novos movimentos sociais. Que “essa terminologia do ‘novo’ reelabora o antigo desejo de unidade cunhado no século XIX para designar a entrada da classe trabalhadora no cenário político” (DOIMO, apud SOUZA, 2003, p.31). Um outro viés freqüentemente explorado nesse debate envolvendo a economia solidária, mas que não será aqui abordado, remete ao fato de que essas iniciativas são ‘não lucrativas’, por tanto se aproximam do denominado ‘terceiro setor’. Contudo, é importante salientar que a característica ‘não lucrativa’ dessas experiências são reconhecidamente econômicas, pois esses empreendimentos são identificados como empresas (CUNHA, 2003). 3 Apontamentos de uma perspectiva crítica Uma sucinta análise retrospectiva da presente situação mundial de distribuição da riqueza e do trabalho social aponta que estamos vivenciando um momento em que se enfatiza o fim das utopias por causa do fracasso do ‘socialismo real’ – ao mesmo tempo em que os preceitos da concepção econômica e política do liberalismo retomam seus brios. Portanto, é necessário reafirmar, como Karl Marx dizira, que ao longo da história o movimento cooperativista não ergueu-se em alternativa ao modo capitalista de produção, mas os empreendimentos – baseados nos preceitos do cooperativismo – desempenharam um importante papel na auto-educação da classe trabalhadora na luta contra o despotismo do modo capitalista de produção (MIGUEL, 2006; QUIJANO, 2002). 443 KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica Nesse mesmo sentido, França Filho e Laville (2004) observam a emergência da solidariedade como um elemento positivo na atual conjuntura desfavorável desde o ponto de vista da luta dos trabalhadores, pois com a queda “das solidariedade conduz à apropriação pelo mercado no sentido de encarregar-se de certas atividades rentáveis que substituem os serviços da economia nãomonetária” (p.63). Partindo do termo solidariedade é possível observar dois pontos. O primeiro, de acordo com Quijano (2002), é que não basta somente a presença da solidariedade como mecanismo das relações sociais numa entidade para que torne automaticamente uma alternativa ao modo capitalista de produção. Se somente essa característica bastasse a história humana seria, provavelmente, muito diferente há muito tempo. Já no segundo ponto temos a possibilidade de observar, de acordo com Montaño (2003), a idéia da solidariedade se apresenta como argumento central do debate fervoroso do ‘terceiro setor’. Assim, esse mesmo autor, destaca a compreensão habermasiana do conceito de solidariedade como sendo uma fonte de poder. Contudo, esse conceito, contraditoriamente, poderá provocar um esvaziamento do processo para a conquista de novos direitos. Dessa forma, o termo ‘solidariedade’ tendencialmente assume as características inerentes à filantropia, que se mostra presente nas entidades do setor privado (FRANÇA FILHO; LAVILLE, 2004). Todo o debate que envolve a questão do ‘terceiro setor’ se apresenta no cerne da transferência dos serviços prestados pelo Estado para setor ‘não lucrativo’, com intuito de minimizar o fornecimento estatal das políticas de seguridade social. O discurso insistentemente presente para justificar essa transferência destaca a incapacidade do Estado no financiamento e gerenciamento das políticas públicas (MONTAÑO, 2003). Dessa suposta incapacidade do Estado em gerar políticas públicas direcionadas para geração empregos surge, entre tantas outras modalidades associativas, a economia solidária como uma das alternativas de trabalho e renda (SINGER, 2004). 444 KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica Assim, entre os teóricos da economia solidária, se apresenta um debate fervoroso discutindo se as iniciativas de economia solidária são do setor econômico ou do ‘terceiro setor’. Mas, entre essas discussões, é importante observar a existência de iniciativas que desenvolvam economia mercantil que favoreçam a criação de empresas autogestionárias e associações de trabalhadores (FRANÇA FILHO; LAVILLE, 2004). O surgimento da economia solidária reacende o debate entre o novo e o velho cooperativismo, que desta maneira torna-se o cooperativismo tradicional. Pois, as iniciativas de economia solidária podem ser claramente compreendidas como um retorno aos princípios rochdalianos e às cooperativas tradicionais, que abandonaram esses princípios transformando-se numa variante das empresas capitalista (LIMA, 2004). A decomposição da concepção clássica de cooperativismo pode estar vinculada à burocratização e com a permanência da divisão social do trabalho. O perigo da degeneração sempre ronda a cooperativa. [...] as cooperativas operarias também correm o risco de degenerar, quando os cargos de direção acabam sendo entregues em caráter mais ou menos permanente aos companheiros mais competentes ou tidos como tal. Pouco a pouco, os demais sócios deixam de acompanhar os negócios da cooperativa, as reuniões gerais tornam-se formais e atraem cada vez menos participantes. A forma externa de cooperativa começa a ser recheada por um conteúdo do capitalismo (SINGER apud MACHADO, 2003, p.111). Essa degeneração pode estar vinculada à questão anteriormente já apontada por Karl Marx, que definiu o cooperativismo como uma forma híbrida no seio da sociedade capitalista, inapto num ataque contra a base do modo capitalista de produção (TOLEDO, 2005). Essa análise não nega definitivamente o importante papel que o movimento cooperativista exerce na superação da dicotomia capital/trabalho, enquanto embrião seminal de educação democrática dos trabalhadores (MARX; ENGELS, 2002). 445 KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica De acordo com Toledo (2005), as cooperativas formadas por trabalhadores têm uma significação na relação dialética entre futuro e presente, interno e externo. E para Karl Marx as cooperativas: São, dentro da forma tradicional, a primeira brecha aberta nela, sua organização efetiva apresenta, naturalmente, todas as deficiências do sistema dominante. Mas dentro dessas fábricas aparece abolido o antagonismo entre o capital e o trabalho, embora a principio somente uma forma na qual os trabalhadores associados são seus próprios capitalistas, isto é, empregam os meios de produção para valorizar seu próprio trabalho. Essas fábricas mostram como, ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento das forças materiais produzidas e das formas sociais de produção adequadas elas, do seio de um regime de produção nasce e se desenvolve naturalmente outro novo [...] As empresas cooperativas devem ser consideradas como formas de transição entre o regime capitalista de produção e o modo de produtores associados; a única diferença é que em um caso o antagonismo é resolvido negativamente, enquanto que no outro caso é resolvido em sentido positivo (MARX apud TOLEDO, 2005, p.2-3). Mais uma vez, é importante enfatizar que apesar da importância da economia solidária como alternativa de trabalho e renda ele não deixa de ser um segmento integrado e subordinado ao modo capitalista de produção (CUNHA, 2003). No entanto o movimento cooperativista, na sociedade, durante vários anos penetrou na classe trabalhadora buscando se apresentar como uma alternativa para alcançar a sociedade socialista sem necessidade da revolução social socialista (TOLEDO, 2005). Conclusão Na sociedade desemprego contemporânea como um dos está presente nefastos um resultados patamar da lógica elevado de neoliberal, provocando exclusão social de uma parcela considerável da humanidade, pois “o desemprego, ao isolar suas vitimas, por conduzir a um distanciamento dos 446 KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 1, n. 1, 3º quadrimestre de 2006. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica valores compartilhados no seio da sociedade e a um abandono da civilidade das relações sociais” (MOTHÉ apud FRANÇA FILHO; LAVILLE, 2004, p.88). Dessa forma, os trabalhadores atingidos pelo desemprego buscam diuturnamente alternativas de trabalho e renda para poder sobreviver e não perder o ‘contato’ na sociedade. E indispensável destacar que, apesar das cooperativas serem alvos de criticas de muitos autores, na atual conjuntura ergue-se como projeto alternativo de trabalho e renda para uma grande gama de trabalhadores desempregados. No entanto, as cooperativas – de produção e/ou de consumo – não podem ser a priori regressivas ou progressivas, pois dependem das orientações que elas conjunturalmente apresentem (TOLEDO, 2005). Portanto, o debate envolvendo a economia solidária, assim como o badalado ‘terceiro setor’, nos faz refletir que, a médio e longo prazo, os antagonismos entre capitalismo e socialismo, entre capital e trabalho, entre trabalho alienado e trabalho emancipado, entre a sociedade de classes e exploração do trabalho alheio e sociedade de livres produtores associados persiste na sociedade. As análises em torno da economia solidária no contexto de um processo neoliberal de Estado pode nos conduzir a pensar que o presente estágio de desenvolvimento organizativo dessas experiências, ainda incipiente, não adquiriu forças para ser considerado ameaçador ao trabalho alienado. Referencia das fontes citadas AGUIAR, Cristina Silveira; REIS, Carlos Nelson dos. As origens do cooperativismo e o contraponto as males das metamorfoses do mundo do trabalho. Sociedade em debate, n.8, v.3, dez. 2002, p.149-185. BOCAYUVA, Pedro Cláudio Cunca. Transição, revolução social socialista e a economia solidária. 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