ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA PERSPECTIVA CRITICA Moises

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KRIEGER, Moises; JOHNSON, Guillermo Alfredo. Economia solidária: uma perspectiva critica. Revista
Eletrônica
Direito
e
Política,
Itajaí,
v.
1,
n.
1,
3º
quadrimestre
de
2006.
Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica
ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA PERSPECTIVA CRITICA1
Moises Krieger2
Guillermo Alfredo Johnson3
Sumário
Introdução. 1 Duas tensões nas iniciativas de economia solidária. 2 Economia
solidária: funcional ou alternativa ao sistema econômico vigente? 3
Apontamentos de uma perspectiva crítica. Conclusão. Referência das fontes
citadas.
Resumo
Na sociedade atual vivenciamos o aprofundamento do consumismo legitimado
pelo discurso darwinista social, preconizado pelas elites dominantes, ao
mesmo tempo em que se espalha o desemprego. O processo de configuração
neoliberal do Estado conduz aos trabalhadores, entre diversas estratégias, a
se organizarem em busca de alternativas de trabalho e renda para as suas
sobrevivências. Entre essas visamos analisar a viabilidade e funcionalidade
social das iniciativas de economia solidária, como retorno aos debates
fervorosos entre os defensores e os críticos, como também apontar
sucintamente aspectos para discussão dessas experiências organizativas no
âmbito do antagonismo entre classes.
Palavras Chave: Cooperativismo. Economia Solidária. Desemprego.
Introdução
Na atual conjuntura experimentamos um aprofundamento da lógica
nefasta do consumismo, da competição selvagem, a exacerbação do
individualismo,
e do
discurso darwinista
social
incentivado pelos
detentores dos meios de produção caracterizando a sociedade capitalista
contemporânea (RATTNER, 2004).
1
O presente trabalho é decorrente de elaborações provindas de trabalhos de extensão
e pesquisa que se plasmaram no trabalho monográfico apresentado no dia 29 de
novembro de 2006 no curso de Ciência Política.
2
3
Formando do curso de Ciência Política, pela Universidade do Vale do Itajaí.
Professor do Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas, professor
da Graduação de Ciências Sociais e Ciência Política. Doutor e Mestre em Sociologia
Política.
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A referida lógica do consumismo – que pode ser parafraseada como ‘consumo,
logo existo’ – pode ser observada como um ato alienado influenciado pela
semiótica publicitária (MANCE, 2003).
Pode ser observada a mais recente manifestação do discurso darwinista social
– estimulado pelos valores ascendentes de competitividade individual e seu
decorrente elogio do sucesso mágico –nas literaturas que abordam a questão
da reestruturação produtiva e no bojo do destaque adquirido pela necessidade
de mão-de-obra qualificada visando um melhor funcionamento do paradigma
produtivo toyotista, sustentado pelos discursos que incentivam a criatividade,
a autonomia e o trabalho em equipe. Ou seja, consolida-se a concepção de
que o mercado de trabalho está exigindo mão-de-obra mais escolarizada para
o desempenho no trabalho (LETELIER G., 1999).
Dessa forma, podemos salientar que a lógica nefasta do consumismo e do
darwinismo social tem ligação com a problemática da crescente escassez de
trabalho remunerado e a cada vez mais alarmante exclusão social (NUN,
2000).
Com
essas
problemáticas
que
permeiam
a
sociedade
capitalista
contemporânea é importante frisar que, ao longo da história, o homem
procurou se organizar para a defesa, a prosperidade e a conquista dos seus
objetivos (AGUIAR; REIS, 2002). Neste contexto, a organização cooperativa
constantemente se apresenta como uma organização social, política e
econômica altamente valorizada e validada como um projeto de esperança, de
organização
social
e
como
renovado
instrumento
de
encaminhamento
econômico provocando novas relações sociais (FRANTZ, 2002).
Já no âmbito das organizações cooperativistas, assim como as empresas
autogestionárias e as associações de trabalhadores constituem o que se
considera o alicerce da concepção de uma economia solidária, como uma
proposta de alternativa de trabalho e renda, de acordo com os autores Singer
(2003), Rech (2003), França Filho e Laville (2004).
Assim podemos compreender que a economia solidária é uma ação de:
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Trabalhadores excluídos do mercado de trabalho que através de sua autoorganização constituem empreendimentos coletivos de produção e/ou serviços
ou assumindo empresas falidas ou em dificuldade que, num primeiro momento
visam a obtenção de trabalho e renda ou a manutenção dos postos de
trabalho para auto-sustentação (TAULI, 2001, p.4).
Na perspectiva da economia solidária é possível observar que o aspecto
mobilizador fundamental é econômico, que, para que tenha a devida
concretização política e social é preciso que o aspecto econômico se
torne necessariamente importante para esses associados (FRANTZ,
2002).
Mas, ao mencionar a economia solidária, é importante destacar que Singer
(2003) enfatiza que o sistema socioeconômico brasileiro é formado por modos
de produção que convivem e competem entre si. De acordo com esse autor o
modo capitalista de produção que é alicerçado na exploração e na mão-deobra assalariada encontra-se em destaque, sendo que subsiste um outro modo
de produção baseado nas pequenas empresas familiares e, por último,
erguem-se a partir das duas últimas décadas iniciativas de economia solidária.
Dessa forma as iniciativas de economia solidária partem de dois grandes
grupos formadores: (1) empresas que passaram, ou estão passando por
situações falimentares ou pré-falimentares; e (2) os empreendimentos
estimulados por políticas públicas de governos progressistas ou de iniciativas
comunitárias (TAULI, 2001).
1 Duas tensões nas iniciativas de economia solidária
No debate acadêmico que ganhou força na década passada em torno da
concepção social que as experiências de economia solidária visam construir
podem ser destacadas eminentemente duas questões relevantes: uma
perspectiva crítica ao modo capitalista de produção, e o ressurgimento do
sonho da sociedade socialista partindo da perspectiva da coletividade (RECH,
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2003). Denominaremos, para uma rápida análise, a primeira como perspectiva
crítica e a segunda, como perspectiva reformista4.
É relevante enfatizar que a economia solidária, no ideário hegemônico, além
de ser um projeto é, também, um movimento social, pois esse fenômeno se
apresenta perante a sociedade como uma resposta organizada ao desemprego
e à exclusão social. Assim, o seu aspecto cultural pode ser compreendido
como a relação existente entre o caráter alternativo e marcante do trabalho e
procura por renda desenvolvido no âmbito do mercado e uma manifestação
específica da prática da solidariedade. Sempre considerando o mercado e a
sociedade alicerçados nas práticas vinculadas ao modo capitalista de produção
(VERARDO, 2003; SOUZA, 2003).
Na esfera da supremacia do mercado pode ser enfatizado que as iniciativas de
economia solidária têm como projeção o atendimento das necessidades
visando a realização do livre bem-viver, a promoção do bem-viver dos
trabalhadores, a manutenção dos ecossistemas e a busca em contribuir com a
construção de uma sociedade mais justa e solidária (MANCE, 2003). Por sua
vez, ainda com relação ao mercado, as iniciativas de economia solidária
partem da necessidade do ato de consumir, além de ser econômico é político.
A maneira coletiva de organização desse consumo está intrinsecamente
relacionada com o escoamento de mercadorias, visando aumentar o poder
aquisitivo do consumidor através das compras coletivas (PAULI, 2003).
No prisma do ato político da forma organizativa em análise, destaca-se um
componente amplamente analisado pela literatura dos movimentos sociais
contemporâneos, a participação política.
Participação política em organização cooperativas [...], se entende todo
envolvimento do associado os rumos da cooperativa, através de reuniões,
4
Esse referencial remete a numerosas referências históricas e contemporâneas de cunho político,
impossibilitados de abordarmos neste sucinto texto. Mas, para fins explicativos, consideramos
essa modalidade reformista, pois retoma velhos paradigmas que se afirmaram com a II
Internacional na I Guerra Mundial, de considerar possível a transformação da sociedade de forma
gradual e no âmbito das regras jurídico-institucionais vigentes, rumo a uma pretensa sociedade
socialista.
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assembléias, conselhos, comitês e outras formas de comunicação, debate, de
critica ou de sugestões (FRANTZ, 2002, p.11).
Contudo, Quijano (2002), salienta que a participação, como maior expressão
do
aspecto
político,
está
presente
no
ideário
recorrente
das
formas
‘alternativas’ de sociedade. Por sua vez, a procura por essas formas
associativas pode ser relacionada, principalmente, a dois fatores: a tentativa
de mitigar os efeitos sociais e econômicos nefastos da lógica do modo
capitalista de produção e, também, decorrentes da frustração do ‘bloco
socialista’.
No entanto, não se pode esquecer que essa busca por formas
‘alternativas’ de se organizar as estratégias de sobrevivência social se
relacionam como uma resposta à insuficiência das políticas públicas
direcionadas principalmente para a geração de empregos, assim como
ao conjunto de políticas que tendam a promover garantia social
(SINGER, 2004).
Assim, como já fora observado por Singer (2003), a economia soldaria deve
ser considerada um modo de produção – com referencia ao arcabouço
marxista de sociedade –, pois trata da união dos trabalhadores com intuito de
produzir e distribuir entre eles (QUIJANO, 2002).
Dessa forma no interior da economia solidária, a participação econômica pode
ser compreendida como “à capitalização do empreendimento cooperativo, às
relações de uso, por parte do associado, de toda estrutura de serviços de
organização cooperativa” (FRANTZ, 2002, p.11).
Ainda no âmbito da concepção reformista, considerando os aspectos políticos e
econômicos, pode ser enfatizado que estamos perante um processo de
politização. O qual pode ser entendido por “identificar relações de poder e
imaginar formas práticas de transformar em relações partilhadas” (SANTOS
apud CORTIZO; OLIVEIRA, 2004, p.85). Esse processo da politização ergue-se
como condição central para uma nova sociedade e para a redescoberta
democrática do trabalho. Mas para que isso ocorra são importantes três
iniciativas: (1) politizar relação capital-trabalho, (2) politizar as relações de
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produção, (3) politizar os processos de trabalho e produção (PEREIRA;
LIBONI, 2001).
Ainda,
as
organizações
de
economia
solidária
pugnam
por
processos
autogestionários, visando fortalecer a democracia interna e a participação
política. Por conseguinte, a autogestão pode ser compreendida como: (a)
alternativa de trabalho, (b) uma representação do socialismo construído
cotidianamente e gradualmente, (c) uma forma de administrar o capital, (d)
uma luta contra o desemprego (TIRIBA, 1994). Conseqüentemente, a
referência ao pensamento autogestionário implica no desenvolvimento do
conhecimento-emancipação, tendo como fim a solidariedade e tomando
cuidado em não tornar essa modalidade de organização em uma forma
diferenciada da cooptação do trabalho e do trabalhador pelo capital.
2 Economia solidária: funcional ou alternativa ao sistema
econômico vigente?
Constantemente nos deparamos com a máxima “tudo o que é sólido se
desmancha no ar”, parafraseado como preâmbulo para as transformações do
último quartil do século passado, aludindo a uma ruptura histórica. Para
muitos teóricos, com o fracasso do ‘bloco socialista’ – simbolizado com a
queda do Muro de Berlim – e a consolidação tácita da tese do ‘fim da história’
tem ganhado terreno a idéia da falência explicativa da teoria da luta de
classes. Contudo, na contramão dessas tendências, são incontestáveis os
resultados nefastos da lógica neoliberal no âmbito da distribuição social da
riqueza, que se exprime, entre tantos aspectos, na crise da sociedade salarial
e nos crescentes indicadores de pobreza, para além das bonanças conjunturais
(RATTNER, 2004; LIMA, 2004).
Nesse debate fervoroso, historicamente, se apresenta entre aqueles que
compreendem o movimento cooperativista como um projeto revolucionário e
aqueles
que
entendem
o
movimento
cooperativista
como
um
projeto
reformista (LIMA, 2004).
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No prisma da compreensão revolucionária do movimento cooperativista, no
atual contexto histórico, tem a possibilidade de destacar o pensamento de
Paul Singer. Este defende que as iniciativas de economia solidária consiste em
uma renovação do projeto socialista, pois apontaria um deslocamento da
perspectiva revolucionária, provindo de baixo para cima, apresentando “uma
‘verdadeira revolução cultural’, na qual se afirma o protagonismo do trabalho
coletivo como centro do processo de socialização com o controle dos meios de
produção pelos trabalhadores” (BOCAYUVA, 2003, p.19).
Assim, no ideário de revolução socialista, desde o prisma de Paul Singer, as
construções das relações econômicas socialistas acontecem graduais e lentas
no interior do modo capitalista de produção (MACHADO, 2003). Dessa forma,
Paul Singer, observa que historicamente a economia solidária é uma
construção continua dos trabalhadores na luta contra o modo capitalista de
produção. “Para ele, assim como houve uma revolução social capitalista
durante séculos, [...], há uma potencial revolução social socialista em curso”
(CUNHA, 2003, p.56).
A partir da perspectiva crítica é possível examinar essa concepção, contida em
Singer (2003), considerando o contexto decorrente da lógica neoliberais. Pois,
como é possível reverter, num futuro próximo, a exclusão da expressiva
maioria dos trabalhadores da produção? Ao mesmo tempo, quais as políticas
vinculadas às possibilidades de superação dessa realidade? No contexto de
uma flexibilização dos direitos trabalhistas, é possível se pensar na garantia
dos
direitos
sociais
aos
trabalhadores
‘irregulares’,
inclusive
aqueles
contratados pelas cooperativas? Esses, e tantos outros questionamentos
podem ser esgrimidos com relação a essa ótica reformista da economia
solidária, mas as dificuldades para a implementação de políticas que revertam
as tendências em curso apresentam-se longínquas.
Ao mesmo tempo, os questionamentos que envolvem as iniciativas de
economia
solidária
apresentam
três
dimensões
que,
potencialmente
sustentados, podem se tornar importantes alavancas no enfrentamento ao
modo capitalista de produção, que são: (1) os implantes de autonomia dos
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trabalhadores
no
espaço-produtivo
vigente;
(2)
organização
política
e
participação no processo democrático; (3) formulação do projeto de uma
sociedade de produtores associados (BOCAYUVA, 2003). Esses três aspectos,
além de eventuais e promissores espaços de enfrentamento ao modo
capitalista de produção, questionam também a capacidade do Estado na
regulação
dos
efeitos
do
mercado,
assim
como
visa
fortalecer
o
desenvolvimento da democracia deliberativa (CUNHA, 2003).
Com isso tem a possibilidade de observar que em torno das iniciativas de
economia solidária se apresenta um debate destacando os empreendimentos
solidários como uma das formas dos novos movimentos sociais. Que “essa
terminologia do ‘novo’ reelabora o antigo desejo de unidade cunhado no
século XIX para designar a entrada da classe trabalhadora no cenário político”
(DOIMO, apud SOUZA, 2003, p.31).
Um outro
viés freqüentemente explorado nesse debate
envolvendo a
economia solidária, mas que não será aqui abordado, remete ao fato de que
essas iniciativas são ‘não lucrativas’, por tanto se aproximam do denominado
‘terceiro setor’. Contudo, é importante salientar que a característica ‘não
lucrativa’ dessas experiências são reconhecidamente econômicas, pois esses
empreendimentos são identificados como empresas (CUNHA, 2003).
3 Apontamentos de uma perspectiva crítica
Uma sucinta análise retrospectiva da presente situação mundial de
distribuição da riqueza e do trabalho social aponta que estamos
vivenciando um momento em que se enfatiza o fim das utopias por
causa do fracasso do ‘socialismo real’ – ao mesmo tempo em que os
preceitos da concepção econômica e política do liberalismo retomam
seus brios. Portanto, é necessário reafirmar, como Karl Marx dizira, que
ao longo da história o movimento cooperativista não ergueu-se em
alternativa ao modo capitalista de produção, mas os empreendimentos –
baseados nos preceitos do cooperativismo – desempenharam um
importante papel na auto-educação da classe trabalhadora na luta
contra o despotismo do modo capitalista de produção (MIGUEL, 2006;
QUIJANO, 2002).
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Nesse mesmo sentido, França Filho e Laville (2004) observam a emergência
da solidariedade como um elemento positivo na atual conjuntura desfavorável
desde o ponto de vista da luta dos trabalhadores, pois com a queda “das
solidariedade conduz à apropriação pelo mercado no sentido de encarregar-se
de certas atividades rentáveis que substituem os serviços da economia nãomonetária” (p.63).
Partindo do termo solidariedade é possível observar dois pontos. O primeiro,
de acordo com Quijano (2002), é que não basta somente a presença da
solidariedade como mecanismo das relações sociais numa entidade para que
torne automaticamente uma alternativa ao modo capitalista de produção. Se
somente essa característica bastasse a história humana seria, provavelmente,
muito diferente há muito tempo. Já no segundo ponto temos a possibilidade
de observar, de acordo com Montaño (2003), a idéia da solidariedade se
apresenta como argumento central do debate fervoroso do ‘terceiro setor’.
Assim, esse mesmo autor, destaca a compreensão habermasiana do conceito
de solidariedade como sendo uma fonte de poder. Contudo, esse conceito,
contraditoriamente, poderá provocar um esvaziamento do processo para a
conquista
de
novos
direitos.
Dessa
forma,
o
termo
‘solidariedade’
tendencialmente assume as características inerentes à filantropia, que se
mostra presente nas entidades do setor privado (FRANÇA FILHO; LAVILLE,
2004).
Todo o debate que envolve a questão do ‘terceiro setor’ se apresenta no cerne
da transferência dos serviços prestados pelo Estado para setor ‘não lucrativo’,
com intuito de minimizar o fornecimento estatal das políticas de seguridade
social. O discurso insistentemente presente para justificar essa transferência
destaca a incapacidade do Estado no financiamento e gerenciamento das
políticas públicas (MONTAÑO, 2003).
Dessa suposta incapacidade do Estado em gerar políticas públicas direcionadas
para geração empregos surge, entre tantas outras modalidades associativas, a
economia solidária como uma das alternativas de trabalho e renda (SINGER,
2004).
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Assim, entre os teóricos da economia solidária, se apresenta um debate
fervoroso discutindo se as iniciativas de economia solidária são do setor
econômico ou do ‘terceiro setor’. Mas, entre essas discussões, é importante
observar a existência de iniciativas que desenvolvam economia mercantil que
favoreçam
a
criação
de
empresas
autogestionárias
e
associações
de
trabalhadores (FRANÇA FILHO; LAVILLE, 2004).
O surgimento da economia solidária reacende o debate entre o novo e o velho
cooperativismo, que desta maneira torna-se o cooperativismo tradicional. Pois,
as iniciativas de economia solidária podem ser claramente compreendidas
como um retorno aos princípios rochdalianos e às cooperativas tradicionais,
que abandonaram esses princípios transformando-se numa variante das
empresas capitalista (LIMA, 2004).
A decomposição da concepção clássica de cooperativismo pode estar vinculada
à burocratização e com a permanência da divisão social do trabalho.
O perigo da degeneração sempre ronda a cooperativa. [...] as
cooperativas operarias também correm o risco de degenerar, quando os
cargos de direção acabam sendo entregues em caráter mais ou menos
permanente aos companheiros mais competentes ou tidos como tal.
Pouco a pouco, os demais sócios deixam de acompanhar os negócios da
cooperativa, as reuniões gerais tornam-se formais e atraem cada vez
menos participantes. A forma externa de cooperativa começa a ser
recheada por um conteúdo do capitalismo (SINGER apud MACHADO,
2003, p.111).
Essa degeneração pode estar vinculada à questão anteriormente já apontada
por Karl Marx, que definiu o cooperativismo como uma forma híbrida no seio
da sociedade capitalista, inapto num ataque contra a base do modo capitalista
de produção (TOLEDO, 2005). Essa análise não nega definitivamente o
importante papel que o movimento cooperativista exerce na superação da
dicotomia
capital/trabalho,
enquanto
embrião
seminal
de
educação
democrática dos trabalhadores (MARX; ENGELS, 2002).
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De acordo com Toledo (2005), as cooperativas formadas por trabalhadores
têm uma significação na relação dialética entre futuro e presente, interno e
externo. E para Karl Marx as cooperativas:
São, dentro da forma tradicional, a primeira brecha aberta nela, sua
organização efetiva apresenta, naturalmente, todas as deficiências do
sistema dominante. Mas dentro dessas fábricas aparece abolido o
antagonismo entre o capital e o trabalho, embora a principio somente
uma forma na qual os trabalhadores associados são seus próprios
capitalistas, isto é, empregam os meios de produção para valorizar seu
próprio trabalho. Essas fábricas mostram como, ao chegar a uma
determinada fase de desenvolvimento das forças materiais produzidas e
das formas sociais de produção adequadas elas, do seio de um regime
de produção nasce e se desenvolve naturalmente outro novo [...] As
empresas cooperativas devem ser consideradas como formas de
transição entre o regime capitalista de produção e o modo de produtores
associados; a única diferença é que em um caso o antagonismo é
resolvido negativamente, enquanto que no outro caso é resolvido em
sentido positivo (MARX apud TOLEDO, 2005, p.2-3).
Mais uma vez, é importante enfatizar que apesar da importância da economia
solidária como alternativa de trabalho e renda ele não deixa de ser um
segmento integrado e subordinado ao modo capitalista de produção (CUNHA,
2003).
No entanto o movimento cooperativista, na sociedade, durante vários anos
penetrou na classe trabalhadora buscando se apresentar como uma alternativa
para alcançar a sociedade socialista sem necessidade da revolução social
socialista (TOLEDO, 2005).
Conclusão
Na
sociedade
desemprego
contemporânea
como
um
dos
está
presente
nefastos
um
resultados
patamar
da
lógica
elevado
de
neoliberal,
provocando exclusão social de uma parcela considerável da humanidade, pois
“o desemprego, ao isolar suas vitimas, por conduzir a um distanciamento dos
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valores compartilhados no seio da sociedade e a um abandono da civilidade
das relações sociais” (MOTHÉ apud FRANÇA FILHO; LAVILLE, 2004, p.88).
Dessa
forma,
os
trabalhadores
atingidos
pelo
desemprego
buscam
diuturnamente alternativas de trabalho e renda para poder sobreviver e não
perder o ‘contato’ na sociedade.
E indispensável destacar que, apesar das cooperativas serem alvos de criticas
de muitos autores, na atual conjuntura ergue-se como projeto alternativo de
trabalho e renda para uma grande gama de trabalhadores desempregados. No
entanto, as cooperativas – de produção e/ou de consumo – não podem ser a
priori regressivas ou progressivas, pois dependem das orientações que elas
conjunturalmente apresentem (TOLEDO, 2005).
Portanto, o debate envolvendo a economia solidária, assim como o badalado
‘terceiro setor’, nos faz refletir que, a médio e longo prazo, os antagonismos
entre capitalismo e socialismo, entre capital e trabalho, entre trabalho
alienado e trabalho emancipado, entre a sociedade de classes e exploração do
trabalho alheio e sociedade de livres produtores associados persiste na
sociedade. As análises em torno da economia solidária no contexto de um
processo neoliberal de Estado pode nos conduzir a pensar que o presente
estágio de desenvolvimento organizativo dessas experiências, ainda incipiente,
não adquiriu forças para ser considerado ameaçador ao trabalho alienado.
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